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Bernardo Borges Buarque de Hollanda (parte 1)

Equipe Ludopédio 2 de dezembro de 2009

Bernardo Buarque de Hollanda é bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UFRJ. É mestre (2003) e doutor (2008) em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com bolsa-sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS-Paris), em 2006. Faz pós-doutorado na Maison des Sciences de l’Homme (Paris-2009), com bolsa do Conseil National de la Recherche Scientifique (CNRS), onde desenvolve pesquisa comparativa entre torcidas organizadas no Brasil e na França. É autor do livro “O descobrimento do futebol: modernismo, regionalismo e paixão esportiva em José Lins do Rego” (Rio de Janeiro: Edições Biblioteca Nacional, 2004, 328p.). É editor da Revista Esporte & Sociedade. Tem experiência nas áreas de História, Antropologia e Sociologia. Seus principais temas de pesquisa são: história literária e modernismo; cultura brasileira – crítica e interpretação; cultura popular e identidade nacional; pensamento social e intelectuais no Brasil; história social do futebol e torcidas organizadas.

Primeira parte

Você iniciou seus estudos sobre futebol em 2001. Conte como iniciou o seu interesse acadêmico pelo universo futebolístico.

O interesse pessoal pelo futebol remonta à infância, tanto pelo prazer de ver, quanto pelo de jogar e torcer, o que não deve ser muito diferente da maioria das pessoas que gostam de futebol.

O interesse acadêmico, em parte, vem desse fato de me interessar muito, desde garoto, pelo jogo. A decisão de estudar a temática do futebol acabou sendo resultado de um amadurecimento intelectual, em que pude cruzar minha formação e minha aprendizagem como sociólogo e antropólogo, interessado em autores que buscavam “interpretar o Brasil”, e o tópico futebolístico, ainda pouco explorado neste campo interpretativo.

Não me recordo ao certo, mas o cruzamento entre futebol e Academia não foi planejado, foi um pouco por acaso. Ele derivou de meu entusiasmo com a leitura do livro “Dos pés à cabeça – elementos básicos de sociologia do futebol”, de autoria do professor Maurício Murad. Quando li o livro, eu ainda não estava no mestrado e a leitura foi a motivação para elaborar um projeto.

Recordo-me de haver encontrado naquela obra a informação de que o escritor José Lins do Rego tinha escrito mais de mil e quinhentas crônicas sobre esporte. Movido por tal curiosidade, lancei-me à busca desse material, então inédito, embora reunido e resumido por Edilberto Coutinho no livro “Zélins: Flamengo até morrer!”  

Quais foram as principais referências nos seus primeiros estudos, antes mesmo de dar início ao mestrado?

A motivação no aprofundamento da relação entre literatura e futebol levou-me a obras como a de Ivan Cavalcanti Proença – “Futebol e palavra” – e a de Milton Pedrosa – “Gol de letra” – antologia com textos de nossos escritores mais expressivos no tratamento do tema. Eu também li algo de Nelson Rodrigues e Mário Filho, os textos já publicados em livro deles. Pouco depois é que eu fui mergulhar na produção acadêmica, como a obra de Roberto DaMatta, “Universo do futebol”, ou dissertações como “Futebol: instituição zero”, de Simoni Guedes.

Mas o arrebatamento com os estudos acadêmicos sobre futebol se deve aos dois ensaios de José Sérgio Leite Lopes, um sobre Garrincha e outro sobre Mário Filho. São realmente centelhas que iluminaram meu caminho.

Até recentemente, havia muito preconceito em relação ao futebol ser um objeto de estudo da academia. Contudo, podemos dizer que hoje isso já diminuiu. Como você lidou com isso desde suas primeiras pesquisas?

Na verdade, o número de estudos cresceu, houve certa institucionalização, o preconceito diminuiu, mas não acabou de todo. Ainda se tem de lidar com a ideia de que o assunto não é algo “sério” ou “digno”, apesar de todas as evidências provarem o contrário. A melhor maneira de lidar com isso, no entanto, é fazer um bom trabalho e mostrar, pelo mérito, que a pesquisa vale a pena. O premiado trabalho de Arlei Damo como melhor tese de doutorado na ANPOCS é a prova cabal disto. No mais, é rir junto. 

Bernardo Borges Buarque de Hollanda
Bernardo Borges Buarque de Hollanda, fez do futebol seu objeto de estudo,

É possível conciliar a paixão por um clube à crítica acadêmica?

A gente sabe que a motivação da garotada de graduação que começa a estudar futebol vem da paixão, vem da motivação clubística. Em minha turma de “História Social do Futebol” na UFRJ isso era evidente. É importante acolher essa demanda e, aos poucos, ir mostrando a necessidade de cautela e discernimento. A antropologia nos auxilia nessa tarefa de estranhamento em relação a algo tão entranhado em nossos afetos, como a identidade relacionada a um time de futebol, construída desde a mais tenra infância. Mas a resposta é sim, é possível distinguir entre uma predisposição identitária e uma avaliação científica do fenômeno esportivo. Em minha dissertação de mestrado, tive de saber lidar com a leitura das crônicas de José Lins do Rego, a maioria das quais versava sobre o Clube de Regatas do Flamengo, que é o clube para o qual torço.

Em seu mestrado, você pesquisou as relações entre futebol, literatura e sociedade a partir da figura e da obra de José Lins do Rego. Como você analisa as contribuições e as contradições de “Zé Lins”, que você chamou como Cronista-Torcedor.

Desde os anos 1920, em Recife, José Lins do Rego caracterizou sua inserção no jornalismo com base no gosto pela polêmica. O jornal sempre foi para ele uma espécie de arena, na qual o embate de idéias, às quais muitas vezes acabava por juntar-se o embate com as pessoas, o estimulava a escrever, a responder e a treplicar. Isto ele o fez também no jornalismo político, apoiando candidatos ao governo do Estado em Pernambuco, no jornalismo literário, comprando briga com os modernistas de São Paulo durante a década de 20 e, portanto, não espanta que tivesse vindo a ser um provocador também na seara do jornalismo esportivo.

Mário Filho, ao acolhê-lo no Jornal dos Sports, sabia que contava com um homem de letras, consagrado na capital da República, e alguém com uma liberdade de linguagem capaz de interessar o leitor com menos pendores literários. Ao se colocar no mesmo patamar de discussão que o torcedor, José Lins despertou uma aproximação entre cronista e leitor, num diálogo que antecedia e sucedia os jogos, prolongando o gosto da discussão durante a semana, o que era uma maneira de promover o futebol. Daí talvez a extensão e longevidade de sua contribuição como cronista esportivo.

Bernardo Borges Buarque de Hollanda
Capa do livro “O Descobrimento do Futebol” de Bernardo Borges Buarque de Hollanda.

Conforme você mesmo apresenta em seu livro “O descobrimento do futebol”, o próprio José Lins publica no Jornal dos Sports, de 1946, uma crônica intitulada Não sou um cronista parcial. Como você analisa que no futebol, muitas vezes, as pessoas exercem um duplo papel, seja de repórter e torcedor, de dirigente e torcedor etc. É necessário conciliar esses dois lados para serem imparciais ou a imparcialidade não existe?

Luiz Henrique de Toledo, seguindo um esquema classificatório que remonta a Bourdieu, classificou os agentes dos meios de comunicação responsáveis por tais emissões de juízo de “especialistas”. Podemos associá-los aos críticos de arte, homens que investiram em uma formação e em um conhecimento prévio que os avaliza a tecer um conjunto determinado de apreciações sobre uma obra. É claro que nos esportes e nas artes, mais naqueles do que nestes, a subjetividade vai exercer um papel importante, pois mais abalizado que seja o comentarista ou o crítico. Falar em imparcialidade dos cronistas é o mesmo que discutir a neutralidade do árbitro de futebol. É impossível. Agora, é claro, o fato de José Lins se assumir, um tanto folcloricamente, um flamenguista de “quatro costados” contribuía para descreditar, por parte de muitos torcedores adversários, a seriedade de suas avaliações do jogo.

Confira a segunda parte da entrevista no dia 16 de dezembro.

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