40 Anos da Copa de 1978

Depoimentos de jogadores da Seleção

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Carlos no dia da entrevista.

 

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 10 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, a décima primeira edição do torneio organizado pela FIFA. São eles:Emerson Leão, Oscar, Edinho, Carlos, Valdir Peres, Reinaldo, Zico, Nelinho, Zico, Rivellino e Polozzi. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil. O depoimento a seguir foi concedido no dia 10 de julho de 2012, na cidade de Campinas, São Paulo. Para assistir ao vídeo com a gravação completa, clique aqui.

Entrevistadores: Thiago William Monteiro (FGV/CPDOC) e Felipe dos Santos (Museu do Futebol); Transcrição: Juliana Paula Lima de Mattos: Edição: Pedro Zanquetta

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Carlos. Ilustração: Xico.

Carlos

Carlos Roberto Gallo nasceu em Vinhedo, no interior de São Paulo, no dia quatro de março de 1956. Foi na cidade próxima a Campinas que o jogador passou sua infância. Mesmo tímido, a essa época já se destacava nos esportes. Com quinze anos, foi levado para a Ponte Preta, por Lourival Ciene e Mário Juliato. Em 1974, faz sua estreia pelo time profissional campineiro, em jogo contra a Portuguesa Santista. Neste ano, foi campeão mundial pela Seleção brasileira, na categoria sub-18, em Cannes, França. No ano seguinte, foi campeão pan-americano. Em 1976, é campeão pré-olímpico e disputa as Olimpíadas de Montreal, onde obtém o quarto lugar. Foi vice-campeão paulista em 1977, na decisão dramática contra o Corinthians. Ainda nesse ano, foi convocado para Seleção Brasileira principal, durante a fase final das Eliminatórias. Em 1978, foi convocado para a Copa, juntamente com os zagueiros Oscar e Polozzi, seus companheiros de clube. No ano seguinte, foi novamente vice-campeão paulista. Em 1980 recebeu o prêmio Bola de Prata, da Revista Placar, o que se repetiria em 1982. Durante a disputa do Mundialito do Uruguai, em 1981, teve uma contusão no cotovelo e foi afastado. Ainda pela Ponte Preta, foi novamente vice-campeão paulista. Convocado para a Copa do Mundo de 1982, foi o terceiro goleiro. Um ano mais tarde, deixa a Ponte Preta e é contratado pelo Corinthians, para substituir Leão. Em 1986, foi titular durante toda a Copa do México. Alcançou o feito de permanecer 401 minutos sem tomar gols e encerrou a competição como o goleiro menos vazado. Dois anos mais tarde foi campeão paulista pelo Corinthians. Ainda em 1988, foi jogar no Galatasaray, da Turquia. De volta ao Brasil, em 1990, jogou pelo Atlético-MG, Guarani, Palmeiras e Portuguesa, onde encerrou sua carreira em 1993. Formado em Educação Física, treinou clubes como Operário (MS) e Campo Grande (RJ). Em 2007, foi treinador de goleiros da Ponte Preta, cargo que ocupou até 2011. Chegou a assumir como técnico interino do time principal. Em 2012, passou a trabalhar como treinador de goleiros da base do São Paulo.

Depoimento

Fale um pouco sobre a sua infância. Como o futebol entrou em sua vida?

Nasci no dia quatro de março de 1956, na cidade de Vinhedo – próxima a Campinas –, uma cidadezinha muito acolhedora. Foi ali que nasceu o desejo de me tornar um jogador de futebol. No final da década de 60 e início de 70, as transmissões por televisão eram poucas, então, ouvíamos tudo pelo rádio e isso mexeu com a minha imaginação. Ser jogador de futebol era um sonho, não uma ambição. Eu vivia esses momentos de sonho sozinho, no quintal de casa, chutando bola na parede, imaginando-me como jogador. Minha curiosidade era a defesa do goleiro. Achava mais significativo até do que o próprio gol. Sempre tive a tendência em ficar do lado do mais fraco. O goleiro é sempre executado pela finalização do atacante. Então, quando ele defendia a bola, eu vibrava. O mais fraco superava aquele outro com a arma na mão. A bola é a arma do atacante para executar o goleiro. O goleiro defende e consegue evitar a fatalidade de sofrer o gol. Eu vibrava com aquilo. Me imaginava defendendo a bola. Era muito legal! Quando podia, assistia aos jogos – Vinhedo, na época, era chamada de Rocinha. Por isso, o clube de futebol próximo a minha casa chamava-se Rociense, e disputava a quarta divisão do campeonato paulista. Sempre que possível, ia assistir aos jogos. Gostava muito de ficar atrás do gol, vendo o goleiro saltar, defender. Quando tinha treinamento, assistia e achava aquilo fantástico. No final dos anos 60, começou a ter o campeonato dente de leite na cidade de São Paulo. Não me recordo por qual emissora transmitiam, mas era muito divulgado. E na cidade tinha um senhor, já falecido, Lourival Siene, mais conhecido por Seu Chene. Ele adorava trabalhar com crianças no final de semana, lá no Rociense. Então, nós íamos todos os sábados e treinávamos o dia todo com ele. Era mais brincadeira. Depois que eu já tinha parado de jogar futebol, nos encontramos e ele me disse o seguinte: – O maior pecado é tolher uma criança, tirar um sonho dela. Eu jogava na linha. Tentei ser atacante, fazer gol, e só depois passei para a defesa.  Ia brincando em todas as posições. Tudo é difícil, não é? Um dia, ele marcou um jogo nosso com a equipe de um amigo dele, da cidade de Itatiba, e eles vieram jogar no nosso campo. Todos arrumadinhos, bonitinhos para jogar, mas não tinha goleiro… Ninguém gostava de jogar no gol. O goleiro era tido como o jogador mais fraco, o pior da equipe, aquele sem condições… O que não deixava de ser verdade na época. Mas eu gostava de jogar no gol, e então falei: – Pode deixar, eu jogo! Gosto e sei fazer isso. Joguei e nós perdemos de 2 X 1… Não foi muito legal, não, foi desagradável. A gente perde, fica chateado, aborrecido, naquela decepção… Fizemos outro jogo no final de semana seguinte, lá no campo do adversário, em Itatiba.  Fomos retribuir a visita. Vencemos de 2 X 0 e eu defendi dois pênaltis. Aí, muda totalmente a condição de pensamento. Virou tudo alegria e comecei a gostar dessas sensações. Minha infância foi marcada nesse sentido: Muito sonho e nenhum objetivo de me tornar um goleiro lá na frente. Vivendo o sonho que o seu Chene proporcionou. Sou muito grato a ele por essa possibilidade.

Como era a convivência com seus pais? Você comentava essas experiências com eles? Ouvia os jogos no rádio junto com seu pai?

Não, isso era uma coisa muito íntima e pessoal. O meu pai era um torcedor. Quando eu era criancinha, ele me levava para assistir aos jogos. Meu pai não jogava futebol, mas gostava muito. Então, nas fotografias de criança, sempre estou ao lado dele nos campos de futebol, na Várzea, assistindo aos jogos. Meu pai era torcedor do São Paulo, entretanto não era de tentar influenciar nada, não. Tinha a minha vida, estudava pela manhã e eles cobravam uma boa participação minha nos estudos. Só depois eu podia brincar. Lazer de criança: empinar papagaio, caçar passarinho, pescar, jogar futebol… Essas coisas. Naquela época jogador de futebol não era visto como hoje, não é? Uma profissão que proporciona muitas possibilidades. Era muito diferente. Nem meu pai, nem minha mãe pensavam nisso. Comecei a me destacar nos jogos da Várzea e tinha um pessoal um pouco mais velho – 19, 20 anos ou mais – e faziam um campeonato varzeano na cidade. Toda cidade tem esses campeonatos, com jogos amistosos. Eu tinha o quê? 13, 14 anos de idade. Esse grupo me convidava para jogar e eu ia. Não era capaz de falar não.  Eles insistiam e eu ia jogar. Quer dizer, ninguém gostava de jogar no gol. Eu gostava… Mas não me divertia. Eles queriam que eu defendesse tudo e a trave era muito grande… A diferença de idade… Fisicamente é muito desproporcional, não é? Eles eram maiores e tudo isso me causava certo desconforto. Foi quando a Ponte Preta, de Campinas, fez um jogo amistoso lá em Vinhedo, contra uma equipe rival do Rociense, a equipe de Santana – outro bairro vizinho. Eles eram bem rivais, o Rociense e o Santana, feito a Ponte Preta e o Guarani. Então, a Ponte Preta foi jogar contra o Santana, e levou uma equipe mista. Houve uma preliminar e uma das equipes me convidou para participar. Fui. E enquanto estava lá jogando, a delegação da Ponte Preta chegou e assistiu ao nosso segundo tempo. Alguma coisa chamou a atenção do Mário Juliatto, treinador da Ponte Preta na época. Depois do jogo ele veio conversar comigo e perguntou se eu tinha interesse em treinar no clube. Achei aquilo muito legal!  Eu tinha feito umas defesas bacanas mesmo. Pelo menos a gente acha na época… Pulei, defendi e tal. Foi uma coisa gratificante. – Poxa, eu aqui sofrendo, jogando com esses adultos aí… De repente vem uma pessoa de um clube importante e me convida para ir treinar lá.  – Quero ir, sim! Nunca tinha passado na minha cabeça ir a um clube de futebol participar da avaliação. Muitos amigos meus iam a Ponte Preta e ao Guarani serem avaliados, mas dificilmente ficavam. Não é fácil. Por isso eu pensava: – Não, não vou fazer isso nunca! O que eu menos queria na vida era ir a um lugar desses e ouvir um não: – Você não serve. Não tem qualificação. Não queria ouvir aquilo nunca! E aí acontece do treinador do clube indagar se eu queria treinar! Não foi nem: – Você quer fazer uma avaliação? Foi direto: – Você quer ir treinar? Respondi: – Quero. E, de repente, fui treinar na Ponte Preta, já no final do ano de 1971. Eu estudava de manhã, almoçava e então pegava o ônibus para Campinas – era uma hora e meia de trajeto naquela época –, treinava durante a tarde e voltava à noite para casa. Fiz isso durante uns três meses. Aí terminou o ano de 1971. Quem nos treinava era o próprio Mário Juliatto, o treinador da equipe. Não existia treinador de goleiro específico. Ele treinava muitos saltos, sabe? Eu gostava de saltar. Era gostoso naquele gramadão bonito lá do estádio. Muito diferente do campinho de futebol da minha cidade. Mas fizemos um jogo treino de encerramento, eu tomei um gol e não gostei…  Achei que podia ter defendido e fiquei chateado, aborrecido com aquilo. Fui embora para casa e teve um período de férias. Pensei: – Ah, não vou voltar mais, não. Não é isso o que eu quero da minha vida. É muito complicado ir e voltar de Campinas todo dia, desgastante… Não sei o que vou estudar, estou preocupado, daqui a pouco vou entrar no colegial. Qual profissão vou seguir? Vestibular para o quê irei prestar? O Mário Juliatto deve ter visto alguma coisa diferente em mim. Ele era amigo do seu Chene e começou a insistir com ele para eu continuar treinando em Campinas. Ele deve ter visto em mim um perfil legal para ser goleiro. O seu Chene, então, ia à casa dos meus pais toda semana: – Ah, o seu Mário quer que você vá, ele acha que você tem condições. Um dia eu resolvi: – Tudo bem, eu vou, desde que eles me arrumem escola e eu fique morando lá no estádio. Assim não custaria nada conciliar o treinamento do dia e o estudo.  Acabou acontecendo assim. Arrumaram uma escola e passei a residir lá no estádio da Ponte Preta. Treinava diariamente como se fosse um dos elementos, um dos jogadores pertencentes ao clube.  Esses foram os primeiros passos que eu dei.

Seu pai era dono de uma pequena transportadora. E sua mãe?

Minha mãe era dona de casa. Família tradicional: o pai trabalha e a mãe cuida do lar. Era assim.

Como foi sua chegada ao time principal da Ponte?

Não foi pelo incentivo do seu Chene e do seu Mario Juliatto: foi pela persistência deles. Eu pensava: – O que vou estudar? Que faculdade vou fazer? Que profissão vou seguir? De repente, me vi na Ponte Preta treinando. E treinando bastante, já que aceitei e eles me deram condição de estudar e morar no estádio. Não podia passar a vergonha de ser dispensado porque não tive qualidade para isso. Então, treinava bastante, me dedicava, me esforçava ao máximo. E isso foi determinante em minha ascensão gradativa dentro do clube. Comecei a residir no clube em 1972 e já no ano seguinte, 1973, estava treinando com os atletas da equipe profissional. Em 1974, fui convocado pela primeira vez para a seleção brasileira sub-18. Estava com 17, quase 18 anos – porque faço aniversário em março e foi antes disso. Fui disputar o torneio de Cannes, um torneio muito comentado na época. Antes disso, o Moacir era o goleiro das equipes de base da Ponte Preta, o mais falado e com mais condições. Ele tinha ido a esse torneio em 1973 e o Brasil foi tricampeão. Em 1974 fui como goleiro. E de repente, parei para pensar. Já estava ganhando algum dinheiro, uma ajuda de custo no clube – mas ainda não era profissionalizado. Naquela época existia o contrato de gaveta e o atleta só podia se profissionalizar após as olimpíadas, antes disso, era amador. E as olimpíadas seriam em 1976, quando eu completaria 20 anos de idade. Então, com essa ajuda de custo eu ganhava um dinheiro razoável e até comprei um terreno em Vinhedo. – Poxa vida! Eu aqui preocupado com o estudo e está difícil estudar, não é? Entrei no colegial, fiz o primeiro, o segundo ano e indo para o terceiro, se não me engano. E estava difícil concluir o colegial com essa minha ida a Cannes com a seleção. A gente viaja, fica dois, três meses ou mais fora… Pensei: – Estou aqui labutando e comprei um terreno, estou pagando. Essa é a minha profissão! Acordei: – Poxa, a minha profissão é essa! E foi aí que comecei a encarar de uma forma diferente, a me tornar um jogador de futebol profissional. Fui a Cannes em 1974 e fomos tetra campeões. Voltei e tive a primeira oportunidade como titular da equipe da Ponte Preta profissional, com 18 anos de idade. Me profissionalizei em agosto de 1976. Iniciei o ano de 1977 como titular da equipe da Ponte Preta e disputamos o campeonato paulista. A Ponte Preta fez uma campanha magnífica e fomos para a final com o Corinthians, uma final histórica. Esse ano foi fantástico, porque tive uma projeção nacional e fui convocado para a seleção principal brasileira, como terceiro goleiro na fase final das eliminatórias, em Calle, na Colômbia. O Leão era o goleiro titular, Wendell era o suplente e eu o terceiro.

Em 1978 você foi convocado para a Copa como reserva do Leão, junto de Oscar e Polozzi, seus colegas de Ponte Preta. Quais as dificuldades daquele time? E a ansiedade da convocação?

Terminado o ano de 1977, veio a expectativa de ser convocado para Copa do Mundo na Argentina. Como eu vinha subindo degraus dentro da seleção brasileira, em uma trajetória sempre crescente, tive esperança de ser convocado. Desde aquela primeira convocação, todos os anos estive presente na base, até me profissionalizar, e sempre fui titular.  Depois, tive a primeira experiência na seleção principal. Tudo na vida é gradativo. Você vai experimentando, vai se submetendo e dizendo se tem condições ou não. Então, em 1978, eu tinha muita confiança da minha convocação. Trabalhava e me esforçava muito dentro de campo. Tanto é que, já na primeira etapa da preparação, fomos eu e o Leão, ele como titular, eu como reserva. Na sequência, o Valdir Peres juntou-se a nós, como terceiro goleiro. Durante a Copa do Mundo, somente em um jogo não fiquei na suplência – contra a Polônia ou Peru, não me recordo. Então, era uma preocupação. Como vai ser se eu tiver que jogar? Porque, na preparação, participei de dois jogos amistosos. Um jogo na Arábia, no qual iniciei e no segundo tempo o Leão entrou. E, depois, no último jogo da excursão, contra o Atlético de Madri. Entrei no início do segundo tempo, depois do intervalo… São poucos os jogos na equipe principal da seleção brasileira. Tinha uma grande experiência na base, mas base e equipe principal são diferentes, não é? Equipe principal é uma realidade, uma afirmação profissional, enquanto na base você ainda está almejando chegar lá… A minha vida foi acontecendo sempre favorável a mim, vamos dizer assim. Foi uma sensação diferente, uma experiência diferente disputar uma Copa do Mundo sentado no banco. Aprendi muito com o professor Carlesso[1]. Ele foi um dos primeiros a trabalhar com treinamento de goleiro. Um trabalho planejado, com pesquisa. Nós tivemos o Valdir de Moraes, mas ele e o Carlesso foram diferentes. O Valdir era uma pessoa da prática. Viveu dentro do campo jogando e foi um goleiro excepcional. O Carlesso complementava isso, porque ele pesquisava, estudava e introduziu esse trabalho na seleção brasileira. Fui muito favorecido por isso. Também tive um treinador de goleiro na Ponte Preta, o Dimas. Ele era ex-goleiro do Guarani e acompanhava o Zé Duarte, nosso treinador. Eram muito amigos, conversavam muito. O Dimas começou a ajudar no treinamento e logo acertou com a Ponte Preta para trabalhar como treinador do goleiro. Foi um dos primeiros a exercer essa função no futebol brasileiro. Era o Valdir, no Palmeiras, o Dimas na Ponte Preta e o Carlesso na Seleção. O Carlesso se preocupava muito com outros detalhes. Quando tive a minha primeira experiência em 1977, a preocupação dele era me treinar separado do grupo, aperfeiçoando o movimento, os gestos técnicos específicos de um goleiro. Então, em 1978, a gente treinava muito lá na Argentina. Foi muito importante esse período. Embora eu tenha jogado poucos jogos na equipe titular, tive um grande aprendizado em estrutura de jogo, base de jogo, e isso foi determinante para a minha carreira seguir adiante. O Carlesso tinha um procedimento importante comigo: Todas as vezes que o Brasil jogava um amistoso aqui, ele me levava atrás do gol do goleiro adversário. Nós assistimos Brasil X Alemanha no Maracanã: Sepp Maier, o primeiro da Alemanha, e também outros goleiros grandes e famosos na época. Nós observávamos de perto como eles jogavam. Foi um procedimento muito bom, importantíssimo. O Carlesso trocava muita ideia comigo, conversava a respeito do Leão. O Leão foi uma referência mundial como goleiro. Ele citava algumas coisas interessantes nesse sentido: que o brasileiro sempre se preocupou em saber do europeu, o que faziam de bom para aprendermos a fazer também, e certo dia, em uma das passagens da seleção brasileira pela Europa, eles foram procurar material a respeito de treinamento de goleiro. Para a surpresa geral, o material trazia o Leão como referência em bola, saída de gol e outros gestos técnicos.  Poxa vida, nós aqui preocupados com o futebol europeu e eles usando um brasileiro como referência… Uma coisa interessante isso. Temos um valor muito grande no cenário mundial. O Brasil é o país que mais conquistou Copas do Mundo, não é?

Como era o ambiente da Copa? A situação política da Argentina, marcada por um ambiente fechado, e a própria delegação brasileira, composta por alguns militares, interferiam nesse ambiente?

Em relação ao ambiente na Copa de 1978, foi de certo isolamento. Não total, porque isso é impossível, mas a própria estrutura criada te isola um pouco. Toda a seleção fica na concentração, um lugar tranquilo para treinar, pensar, refletir sobre o que se está fazendo, o que vai fazer ou a importância da competição.  A Copa do Mundo é um evento da maior importância no futebol mundial, então existe um zelo, uma preocupação com isso. O que acontece no governo brasileiro ou no governo argentino não é um problema nosso. Nós não vamos resolver nada e então não vivemos essa situação. A Argentina vivia um problema muito grande e tinha necessidade de camuflar muita coisa interna. Ela foi campeã, como se isso fosse resolver o problema do país… Mas, enfim, não se sabia muita coisa. No meu caso, a minha real preocupação era viver ali no futebol, na seleção brasileira. Um dia eu estava sentado com o Mozer e ele contou que o Fillol[2] foi goleiro do flamengo alguns anos depois e, comentando com eles a respeito da Copa da Argentina em 1978, contou que os jogadores jogaram numa situação anormal, com condições normais ou anormais e até ilícitas… A gente ouve falar, mas como você vai provar? Eles fizeram de tudo e conquistaram o título de 1978. Tinham uma grande seleção, jogadores competentes, capazes de chegar a isso… Porque tudo tem um limite. Além de ter a condição, existia um clima favorável a eles.

A polêmica derrota do Peru de 6 X 0 para Argentina influiu na campanha brasileira nessa Copa. Como foi disputar o terceiro lugar?

O Brasil fez uma campanha boa na Copa do Mundo. O sistema de disputa de fase a fase era diferente do sistema atual, tanto que na última fase – atualmente seria a fase semifinal –, era uma equipe contra outra. Eliminou, vai para a final. Na Copa da Argentina não foi assim. Eram quatro equipes disputando uma vaga na final e outras quatro equipes disputando outra vaga na final. No grupo um tinha Brasil, Argentina, Peru e Polônia. Quatro seleções e apenas uma chega à final. O segundo colocado ia disputar terceiro e quarto lugar. Era um sistema diferente e podia favorecer uma equipe e, no caso, favoreceu a Argentina. Qual era o elo fraco ali? O elo fraco eram as outras duas seleções: a Polônia e o Peru. O Brasil venceu a Polônia por 3 X 1. A Argentina venceu a Polônia por 3 X 1. O Brasil venceu o Peru por 3 X 1. A Argentina foi jogar contra o Peru sabendo da necessidade do resultado, dessa necessidade de diferença de gols. Então, tudo isso é um pouco tendencioso. A seleção do Peru cedeu? Não cedeu? É muito difícil dizer. O Peru deixou a Argentina fazer os gols? Não, a Argentina atropelou o Peru. Foi infinitamente superior ao Peru. O goleiro do Peru era um argentino naturalizado peruano. Ele facilitou? Não acredito. Ele jogou, mas não conseguiu defender todas as bolas. Existem gols defensáveis, outros indefensáveis. Enfim, a Argentina conseguiu o queria. O Peru teve chance de complicar a Argentina, dificultou, mas não tinha força suficiente. Se tivesse, teria feito um campanha melhor, não é? Essa é a realidade. Enfim, a argentina passou, literalmente, por cima do Peru e houve uma frustração muito grande por parte da seleção brasileira, porque nós fizemos uma campanha irrepreensível, chegamos até o último momento, contra a Polônia e vencemos. Nós vencemos o Peru, mas a Argentina ganhou deles com mais de três gols de diferença e esse foi o detalhe determinante para a conquista da Copa do Mundo. O Brasil disputou o terceiro e o quarto lugar contra a Itália e venceu por 2 X 1. Foi terceiro lugar invicto e poderia ter sido campeão. A Argentina disputou uma final contra a Holanda que só se decidiu na prorrogação. Então, vamos dizer, o Brasil fez uma campanha fantástica, mas o regulamento, a forma de disputa, foi favorável à Argentina e não ao Brasil. Vejo por esse lado. Se olhar por outro lado, o Brasil não teve a força, a condição de fazer mais gols contra o Peru… Porque o Brasil jogou contra o Peru no primeiro jogo e ganhou de 3 X 1. E a Argentina, no primeiro jogo, ganhou da Polônia por 3 X 1. Aí, no último jogo, o Brasil pegou uma Polônia que também queria muito se classificar na disputa do terceiro e venceu por 3 X 1. A Argentina pegou um Peru totalmente desmotivado, sabendo que não ia chegar a lugar algum e estava apenas cumprindo tabela. E esse cumprir tabela favoreceu a Argentina. A condição da disputa favoreceu a Argentina.

O Coutinho[3], inclusive, criou a impressão do Brasil ter sido o campeão moral da Copa.

Foi isso mesmo.

Como era a sua relação com o Coutinho? Ele é muito elogiado por alguns jogadores e muito criticado por outros.

O Coutinho seria um ótimo treinador nos tempos atuais. Ele era avançado para a época, um estudioso. Assim como era o Carlesso no treinamento de goleiros, era o Coutinho no trabalho geral com a equipe. O Claudio Coutinho foi treinador das olimpíadas e esteve conosco no Pan-americano. Chegou à condição de treinador da equipe principal brasileira por mérito, por competência, uma pessoa esclarecida, de fácil convivência. Digo isso pela experiência que tive com ele desde a época das seleções sub-20 brasileiras, do Pan-americano, das Olimpíadas. A forma como ele se relacionava conosco era direta, fácil, tranquila. Uma pessoa extremamente inteligente, comunicativa. Era fácil entender o que ele queria no campo. Se atualmente estivesse vivo seria, como foi na época, de muita importância no futebol brasileiro. Pelas exigências modernas, atuais do futebol, ele estaria no top. Só tenho coisas boas a falar do Claudio Coutinho e de tudo o que vivemos juntos na seleção.

No início de 1981 você começou o Mundialito como titular, mas sofreu uma contusão no cotovelo. Você se lembra desse momento?

Em 1978 e 1979, continuei na seleção brasileira, junto com o Leão. Disputamos a Copa América em 1979, o Leão como titular, eu na reserva. Em 1980 o Telê assumiu a seleção e eu continuei, junto com o Raul Plassmann. Em 1981 houve um Mundialito no Uruguai, com as seleções campeãs dos mundiais. No primeiro jogo, Brasil X Argentina, logo no início do segundo tempo, sofri uma luxação no cotovelo.  Saí da seleção por esse motivo e o Valdir Peres foi convocado no meu lugar. Depois veio a preparação para a eliminatória e eu estava voltando a jogar, ainda me recuperando. O Valdir conquistou a condição de titular, disputou as eliminatórias como titular da seleção brasileira e houve uma excursão à Europa, na qual foram o Waldir e o Paulo Sergio, na época do Botafogo. O Valdir fez ótimos jogos. Defendeu dois pênaltis contra a Alemanha e conseguiu se afirmar como titular da seleção brasileira.  Essa contusão fez um corte na minha carreira. Foi uma pedra no meu caminho, porque o Valdir se afirmou, teve uma oportunidade e mereceu essa condição. Fui a Copa do Mundo de 1982 como terceiro goleiro e me mantive assim em todos os jogos. Foi uma experiência diferente. Eu já estava numa fase mais madura dentro do futebol.  Quando terminou a Copa de 1982, voltei ao clube e continuei o meu trabalho normal. Se não me engano, houve uma excursão à Europa e não fui convocado. Comecei a perceber o rumo que a minha carreira estava tomando. Estive em uma progressão, dentro da seleção brasileira, vinha em uma ascensão, em um crescimento. A partir da contusão essa ascensão se tornou mais difícil. Eu estava chegando à condição de ser titular e, de repente, isso desandou. Aí ascendeu aquela luzinha amarela. Comecei a pensar: – E agora? Tenho como objetivo estar na seleção brasileira, disputar a Copa do Mundo. Quero ser titular da seleção. Como vai ser o meu futuro?  Comecei a refletir sobre a minha vida profissional, a procurar respostas… Por que não fui à excursão em 1983, se continuo jogando bem? Sempre tive uma carreira regular, linear, jogando sempre em um nível bom. Aí começaram a acontecer coisas interessantes. O Corinthians em 1983 manifestou interesse em me contratar e achei aquilo muito legal. Para qualquer jogador de futebol de uma equipe do interior, ser pretendido por uma equipe grande da capital traz uma satisfação muito grande, uma valorização muito grande. Sinal de que você tem uma condição ótima de jogar futebol – embora estivesse sempre na seleção brasileira, pois tinha participado de duas Copas do Mundo atuando pela Ponte Preta, uma situação diferente, não tão comum. Na Ponte Preta eu estava em uma zona confortável, com residência fixa em Campinas. Foram dez anos de Ponte Preta, de 1972 até 1982. Você já está habituado ao lugar, como se estivesse dentro da sua casa, do seu lar, conhece tudo e todos. A gente se identifica e tudo aquilo torna difícil à tomada de decisão. O Corinthians quer me contratar. – Puxa vida, que legal. Mas será que quero ir para o Corinthians? Se tudo aqui é fácil, estou tranquilo… Como é o Corinthians? O que me espera lá? Tudo isso passou na minha cabeça. Na hora H o presidente da Ponte Preta não me deixou ir: – Quanto o Corinthians vai te pagar? Vai pagar isso? Então, está bom, pode bater o contrato lá com esses valores aí, pois eu te pago aqui. E eu: – Tudo bem, vou continuar na Ponte Preta. Naquela época a lei do passe era diferente. Continuei na Ponte, só que com aquela preocupação, aquela luzinha amarela piscando. Queria ir para a seleção e não fui. Quando terminou o ano, comecei a perceber que a minha trajetória dentro da seleção brasileira estava prejudicada e seria difícil o meu retorno. – Como eu faço para voltar à seleção brasileira? Se continuar jogando na Ponte dificilmente conseguirei isso, mesmo tendo participado de duas Copas do Mundo jogando pela Ponte Preta, algo muito difícil na época. Hoje, praticamente impossível. Tinha as minhas dúvidas, os meus receios de ir jogar no Corinthians. Um dia eu estava conversando com o preparador físico da Ponte Preta, o Bebeto de Oliveira – uma pessoa com muita sabedoria, muito sensata–, e desabafei: – Puxa, professor, o Corinthians quis me contratar no início do ano e eu queria ir… Mas, no fundo, torcia para não ir, porque aqui na Ponte tudo é mais fácil e ganho a mesma coisa que ganharia lá. Mas tenho o objetivo de voltar à seleção, e jogando aqui pela Ponte Preta, vai ser difícil… A gente ouve pela imprensa que o Corinthians é um clube difícil de jogar, de trabalhar. Aqui tudo é tranquilo, calmo. Já estou todo acostumado, e lá é aquela coisa monstruosa, muito maior… Ele então me disse uma coisa muito importante: – Carlos, sempre trabalhei e fiz o meu melhor. Se uma porta se abre, não tenho medo de ir, eu vou.  Se der certo, ótimo. Se não der certo, volto atrás, de cabeça erguida e satisfeito. Lá não era para mim, mas eu fui. Nunca vou carregar isso na minha consciência: ‘Se eu tivesse ido…’ Ou vou ficar pensando nisso o resto da minha vida: ‘Se eu tivesse ido, poderia ter sido melhor’. Eu respondi: – Você tem razão. A gente só vai saber indo, não é? Daí tive um procedimento diferente. Houve uma mudança na presidência da Ponte Preta, e o seu Chene, de Vinhedo, era muito amigo do novo presidente. Então pedi: – Seu Chene, o senhor sempre foi muito legal, me ajudou em tudo, e gostaria que o senhor me ajudasse agora. Aí ele conversou com o presidente da Ponte, o presidente veio conversar comigo e expliquei a ele os meus motivos. Ele foi muito legal, conversou com o conselho do Clube e eles me negociaram com o Corinthians. Foi quando comecei uma nova etapa da minha vida, porque no Corinthians a única coisa que eu precisava fazer era jogar futebol. Treinar e jogar futebol. O que eu precisava fazer para voltar à seleção? Vou treinar e jogar bem. O Corinthians vai ser uma vitrine para eu mostrar o meu valor. E foi muito importante, porque você é totalmente exposto à mídia, ao público, a tudo. Então joguei, e o meu retorno à seleção foi uma consequência. Em 1985 fui convocado novamente. Eu, Paulo Vitor e Gilmar. O Gilmar estava no Internacional de Porto Alegre e o Paulo Vitor no Fluminense. O Corinthians foi importante nesse retorno à seleção. Embora como segundo goleiro, fui finalmente convocado.

Quando você chegou ao Corinthians, no período conhecido como democracia corintiana, entrou justamente no lugar do Leão, que notoriamente não concordava muito com ela. Qual era a sua opinião?

Eu fui contratado no dia 6 de janeiro de 1984 e no dia 9 já viajamos em excursão à Ásia: Japão, Hong Kong, Tailândia, Indonésia. Fizemos uma série de jogos sem treinar nada. Foi a minha primeira experiência dentro do clube, na época da dita democracia corintiana. Uma experiência valorosa, principalmente em termos de responsabilidade. Quando se fala nesse nome as pessoas pensam: – Ah, na democracia as pessoas pensam em liberdade, sem responsabilidade… E por aí vai. Mas, ao contrário, o que se via ali era um ambiente de muita responsabilidade, no qual você vivia, dentro do possível, como um ser humano normal. O próprio atleta tem os seus cuidados e seus resguardos, porque você depende do seu físico para ter um bom rendimento. Ele é um dos elementos mais importantes na sua performance. No início, foi até interessante, pois na volta da excursão, já chegamos com o campeonato brasileiro em andamento. Viajando, eu tinha conhecido o Corinthians equipe. Aqui no Brasil era totalmente diferente. Só aqui comecei a viver a realidade do clube Corinthians. Os treinos eram marcados às nove horas, mas o treinamento do goleiro começava às oito. Eu morava em Campinas, viajava, chegava cedo ao clube e começava a treinar. A partir das nove horas, os outros jogadores começavam a chegar. Um dia, eu já tinha terminado a minha parte do treinamento, e estava aguardando os jogadores e o treinador se reunirem para começar a parte principal – o Jorginho[4] era o treinador e o Maffia, o preparador físico. Então o Hélio Maffia ficou me observando, e então se aproximou disse: – E aí Carlão, tudo bem? – Tudo bom, professor. – Você está só observando aí, não é? Isso aí é a democracia corintiana. Veja bem, nós estamos aqui para servi-los, a vocês, atletas. Servi-los e orientá-los no que vocês necessitarem. Se você achar que não necessita treinar, não precisa treinar. Se você quiser treinar, nós vamos orientá-lo. O importante é ter rendimento no jogo. Se você não render, precisa justificar porque não rendeu. Não rendeu por quê? Por que não treinou? Então, precisa treinar. Se você não precisar treinar, não precisa treinar, mas precisa render no jogo. Ah, você gosta de beber cerveja, vinho, uísque na sua hora de folga? Pode beber, mas precisa render no jogo. Então, a responsabilidade de jogar bem era muito maior do que qualquer outra coisa. Às vezes você vive em um lugar fechado, enclausurado, não pode fazer isso, não pode fazer aquilo e de repente tem jogador fugindo para fazer coisa que não deve, fazendo tudo escondido e tendo a sua performance prejudicada. Não está jogando bem e ninguém sabe o porquê. Lá tudo era feito às claras. Terminava o treinamento, o jogador estava com vontade de ir ao bar do clube beber uma cerveja, ia lá e bebia na frente de todo mundo. Mas chegava no jogo e desempenhava, vencia o jogo. O time foi duas vezes campeão dessa forma, chegou à vice no outro ano… Quer dizer, foi um comportamento de sucesso. Venceu. Pensa que era tão fácil, simples assim? Não era. Ao contrário, exigia muito mais responsabilidade, muito mais compromisso social. Tinha essa nomenclatura de democracia, mas a responsabilidade social perante a torcida era enorme, grande mesmo. Achei muito importante. Você não é obrigado a fazer nada, você faz porque gosta, porque tem responsabilidade profissional. Essa responsabilidade é importante para qualquer atleta. Existem atletas maravilhosos, com um potencial incrível, mas não conseguem desempenhar bem porque não tem essa responsabilidade, essa consciência, esse tipo de comportamento. O clube, naquela época, demonstrava isso, essa responsabilidade. Como se tratava do Corinthians houve uma exploração dessa nomenclatura democracia, mas muitos clubes vivem isso, com jogadores conscientes e responsáveis. Era isso o que o Corinthians queria.

Você retorna a seleção em 1975, e durante o período de treinamento, concede uma entrevista na Toca da Raposa, na qual fala sobre a fama de ser uma pessoa fria que carregou durante muito tempo. Nela você afirma: “Não, não sou uma pessoa fria, sou uma pessoa com emoções como qualquer um”. Conte um pouco mais sobre isso.

Essa foi uma imagem importante que consegui passar como goleiro, de ser uma pessoa controlada e fria. Isso implica em segurança e domínio sobre o que estou fazendo. Essa mensagem, essa transpiração, é importante na carreira de um goleiro, embora a realidade não seja essa. Sou uma pessoa normal, como qualquer outra. Tenho medo, dúvida, receio… Antes de um jogo, fico preocupado. Tenho medo de tomar gol, de ser mal sucedido. Mas essa imagem era importante, fazia com que eu entrasse em campo muito mais concentrado, preocupado e cuidadoso. Não quero tomar um frango, errar… Não quero que um cara vá lá falar: – Puta frango que você tomou, que coisa horrível! Isso é o insucesso do goleiro, ninguém deseja isso. Então, tinha essa preocupação até em excesso. Quando o juiz começava o jogo, eu ficava atento. Olhando tudo, percebendo tudo, não dando oportunidade do inesperado acontecer. Sempre me esforcei muito e tinha coragem suficiente para enfrentar, entendeu? – Estou com medo de jogar esse jogo, mas vou jogar, vou enfrentar. Isso sempre aconteceu comigo. Na disputa de uma Copa do Mundo, se não tiver coragem, não disputa nada. E ficou marcado: – O Carlos é um cara frio. Não, eu não era frio. Ninguém é frio, só se tiver um desvio, um distúrbio mental. Uma pessoa saudável sente medo, sente receio e não tem essa frieza toda, não. Essa foi uma condição que consegui transmitir, só isso. Como falei, acho importante e fundamental as pessoas sentirem o goleiro seguro, frio. Alguém que sabe conviver com as situações.

Na preparação da Copa de 1986 ocorreram muitos problemas: a angústia dos cortes, o problema do Leandro e do Renato Gaúcho – o Renato foi cortado e o Leandro se recusou a viajar na hora do embarque para o México – e, já no México, a poucos dias da estreia, você sofreu uma lesão na mão. Fale um pouco de tudo isso.

Vamos voltar um pouco em 1985. Fui convocado como segundo goleiro. Paulo Vitor era o titular e o Evaristo[5] era o treinador. Houve toda a preparação: jogos amistosos, treinamento… O procedimento normal, natural de qualquer seleção em disputa pelas eliminatórias. Realizamos amistosos dentro do Brasil: O Paulo Vitor jogando, eu e o Gilmar no banco. Mas havia uma pressão por parte da imprensa paulista cobrando o Evaristo de dar oportunidade à maioria dos jogadores, e no gol ele não estava dando oportunidade nem a mim, nem ao Gilmar. O Evaristo foi uma pessoa honesta e direta comigo – assim como foi com o pessoal da imprensa –, algo muito legal em um líder. Ele me chamou para jantar e disse assim: – Carlos, tem um pessoal da imprensa me cobrando te dar uma oportunidade e uma série de outras coisas, mas vou dizer qual é a minha postura aqui na seleção brasileira. Vamos fazer uma comparação: Como é a sua vida no clube em que você joga? Você é titular lá não é? – Sou. – Quando é que o seu goleiro reserva joga? Quando você se contunde ou é suspenso por cartão, não é? Aí ele entra no seu lugar. Quando você se recupera ou cumpre a suspensão, você retorna e ele volta ao banco, não é assim? Este é o procedimento. – É, é assim. – Aqui, faço da mesma forma. Se o meu goleiro titular é o Paulo Vitor, você é o goleiro reserva. Vai jogar se for necessário você jogar. O Paulo Vitor está muito bem, mereceu essa condição. Estou montando, preparando a equipe, estruturando, e tenho esse comportamento.  Achei muito legal da parte dele agir dessa forma. Ter um critério e seguir esse critério. Na véspera de um jogo na Colômbia, fomos treinar no estádio do local e, já no final do treinamento, eu estava em um gol com os outro atletas chutando bola. O Paulo Vitor e o Gilmar estavam do outro lado, no outro gol, trabalhando cruzamento com o preparador de goleiros – se não me engano, era o Luiz Alberto na época – e de repente, o Evaristo sai lá do outro lado e vem correndo pedir para eu parar com o treinamento. O Paulo tinha torcido o tornozelo e antes que acontecesse alguma coisa comigo ele falou: – Pare de treinar! O Paulo Vitor já se machucou. Vamos descansar, o jogo é amanhã e tudo bem. Aí joguei e nós perdemos para a Colômbia de 1 X 0. Mesmo assim, fiz uma boa partida.  Fomos ao Chile e ficamos uns dois, três dias em treinamento. O clima pesado, ruim, os jogadores não querendo dar entrevistas… Havia muitos conflitos, muitos problemas na seleção nesse período… Joguei novamente, dessa vez contra o Chile. O Paulo Vitor ainda não tinha se recuperado e estava de resguardo, porque dali a duas semanas as eliminatórias iam começar. Perdemos esse segundo jogo para o Chile de 2 X 1 mas, embora tivéssemos perdido, estive bem nos dois jogos. No retorno ao Brasil, o Evaristo foi demitido e o Telê reassumiu o comando da seleção brasileira. De cara fez uma reconvocação e me anunciou como titular da equipe. Então, os papéis se inverteram: O Paulo Vitor passou à reserva e eu passei a titular da equipe. Jogamos outro amistoso contra o Chile, em Porto Alegre e, acho, nós vencemos de 1 X 0. Esse foi o meu principal momento, o momento determinante, porque o Telê reassumiu a seleção, me colocou como titular e montou um grupo parecido com o da Copa de 1982, com pequenas modificações. O primeiro jogo, contra a Bolívia, foi em Santa Cruz de La Sierra. Um jogo muito difícil. Fizemos 2 X 0 só no segundo tempo – se não me engano, dois gols do Casa Grande –, e fui um dos principais jogadores da equipe. Fiz boas defesas. No segundo jogo, lá no Paraguai, ganhamos de 2 X 0 novamente. Também fiz boas defesas e fui um dos principais jogadores da equipe. Nos dois jogos aqui no Brasil, no retorno, empatamos em 1 X 1. Isso me trouxe a condição de prosseguir como titular na equipe. Foram jogos marcantes na minha carreira, fundamentais para me consolidar como titular e começar a me destacar.

Em 1986, esse clima ruim acabou se repetindo e, fora isso, a organização da Copa também apresentou problemas. Conte um pouco mais.

A preparação da seleção de 1986 transcorreu normalmente. Aqui no Brasil tudo deu certo e o acontecimento desagradável ocorreu no dia da viagem ao México. No momento do embarque, o Leandro não compareceu e comunicou que não iria. Ele era solidário ao Renato Gaúcho, pois achava que o corte se devia a um acontecimento anterior, no qual ele se encontrava junto com o Renato, e ele não achava justo. Um comportamento de dignidade, vindo de um homem com valores diferentes. Ele não achou correto. Ele fez um julgamento, quer dizer, ninguém sabe por que o Renato foi cortado. Essa decisão cabe ao treinador e a comissão técnica. Se eu falasse sobre isso, estaria entrando em uma área desconhecida, fazendo suposições. Assim também como em relação às outras divergências citadas. Acho difícil falar sobre o como isso influenciou ou não no ambiente, porque sempre procurei me concentrar nas minhas atividade, nas minhas obrigações. Se eu começar a pensar pelos outros, deixo de fazer a minha parte. Fui convocado para uma função e estava determinado àquilo. Precisava fazer o melhor e não podia dispersar energia ou pensamentos em coisas que não iriam me trazer benefício algum. Volto a repetir: Jogar bem depende de mim, da minha concentração, da minha disposição. Para não tomar gol e vencer, mesmo assim ainda dependo da ajuda de outros. Então, se eu faço muito bem feito a minha parte, procuro ajudar a todos e contribuir da maneira que posso e devo. Não posso por birra, por desprazer, porque estão agindo de uma forma não muito legal, entrar em um clima desses, porque assim não vou colaborar em nada. E desse outro lado, não entendo. Fui como atleta e me comportei como um atleta. Os problemas internos de comando são problemas de comando. Não é problema de quem joga. Se alguma coisa não foi resolvida e influenciou, também não sei. A mim, particularmente, não influenciou em nada. Fiz o que podia, dei o meu melhor e, confesso sinceramente, certas coisas passaram despercebidas. Não fui atento. Nunca fiquei atento a esse tipo de coisa. Esse sempre foi o meu comportamento na vida. Às vezes tem muita fofoca… Não são fatos, não é? Os fatos concretos não apareceram na minha frente. Eu vi o seguinte: uma equipe foi formada e tinha muita qualidade, mas, de repente, foi perdendo jogadores de valor, experientes, como o Renato Gaúcho. A perda de um Leandro, jogador consolidado como titular, de muita competência e que, de repente, simplesmente não vai… Não tem como não pensar: – Poxa, o que está acontecendo? Ele não foi, vamos respeitá-lo. Mas a vida não para, ela continua. Por isso, não posso afrouxar ou me perturbar com um acontecimento desses. Foi desagradável, mas aconteceu. Tudo bem. Aí, durante a preparação no México, perdemos o Mozer, o Carlinhos Cerezo, o Dirceu… Não me recordo quem mais… Foram perdas grandes, de jogadores importantes! Acho que Paulo Isidoro também… E aí, ha uma semana do início da Copa do Mundo fizemos um jogo treino. Quando tive o problema da contusão, o jogo treino estava marcado pela mudança da equipe. Era uma equipe, vinha trabalhando e, de repente, vários jogadores foram substituídos. Foi o caso do Oscar, cedendo a vez para o Júlio, o Falcão saiu… O Casa Grande, acho… Então virou uma equipe nova, com uma forma diferente. Ela tinha a cara de 1982 e ficou de cara nova uma semana antes de começar a Copa do Mundo. Não que o Brasil tenha perdido muito com isso, mas a seleção poderia estar melhor se essa mudança tivesse ocorrido antes. Enfim, ocorreu naquele momento. A equipe foi se afirmando durante a competição. Todos os jogadores demonstraram a sua competência posteriormente em grandes clubes, fazendo grandes jogos, disso não resta a menor dúvida, porque novos valores aparecem com a oportunidade. Ninguém é insubstituível e eterno, sempre vão aparecer jogadores excelentes e melhores. A vida é assim.

Em meio a essas mudanças, você se manteve como titular, mas pouco antes da Copa sofreu uma lesão. Como foi?

Esse foi um momento de decisão da minha parte. Conquistei a condição de titular, um objetivo tolhido desde 1981, 1982, e justamente por causa de uma contusão. De repente, na véspera do início da Copa de 1986, novamente na condição de titular e quase nos quarenta minutos de um jogo treino, fiz um enfrentamento com o atacante da outra equipe na entrada da área, e nos chocamos. Na queda, o corpo dele ficou todo apoiado na minha mão e rompeu alguma coisa. Foi muito dolorido, mas o médico olhou e falou assim: – Carlos, faltam só uns três ou quatro minutos para acabar o jogo. Fica tranquilo, tenta suportar até o final e a gente te leva ao hospital e examina melhor sua mão, sem alarde, sem confusão nenhuma, está bom? Aí eu suportei até o final, e como não veio mais bola alguma, acabou o treinamento e ninguém percebeu nada do que tinha acontecido. Fomos ao vestiário, a delegação voltou a concentração, e me levaram ao hospital para radiografar a minha mão. Fiquei muito preocupado… Foi quando o médico veio e falou assim: – Felizmente não teve fratura nenhuma, só uma luxaçãozinha – sei lá qual foi o termo médico usado –, nós vamos colocar uma tala de gesso por uns 3 ou 4 dias e na quinta-feira a gente tira e vê como está.  E aí todo mundo ficou sabendo que tive esse problema.  Muitas pessoas foram importantes nesse momento, porque começa a passar muita bobagem, muita besteira na cabeça: – Poxa vida! Será que não é para eu disputar a Copa do Mundo? Quis tanto, estou tão próximo e, de repente, acontece isso? Será um sinal para eu não disputar? Aí o Silas foi muito bacana comigo e contou de uma situação dele no São Paulo. – Carlos, cheguei a uma final, torci o tornozelo na véspera do jogo e estava com uma dor insuportável, mas falei: Não, tenho que jogar, preciso ter condições! E fiz o tratamento, imobilizei, joguei e fui campeão. Foram palavras gostosas de ouvir, sabe? De incentivo. O Leão também foi muito bacana comigo nesse momento – Você já treinou tudo o que podia treinar. Está muito bem, não precisa mais se preocupar com treinamento, tem que se preocupar em resolver o problema da sua mão. Fica tranquilo com isso e procura fazer o que precisa ser feito. Siga às recomendações médicas e vai dar tudo certo. Comecei a pensar muito nisso: – Eu vou jogar! Vou jogar! Tenho que jogar! Chegou à quinta-feira, tirei a tala de gesso, e fui para o campo ver como estava. O Valdir começou a chutar umas bolas em mim e estava tranquilo, tudo bem. Aí o seu Telê perguntou: – E aí, como está? – Está tudo bem, vou jogar sim. Mas ele falou: – Não, nós vamos ver bem isso daí primeiro. Não é assim: vou jogar e pronto. Existe uma responsabilidade muito grande, mas vamos ver se você tem realmente condições, se a sua mão não vai ter problema nenhum, nem te atrapalhar em nada. Ele ia e chutava forte a bola. Eu até mordia a língua, às vezes. [risos] Tudo bem, sem problema nenhum! E aconteceu um fato interessante. Chegou na sexta-feira e fomos fazer um reconhecimento do gramado no estádio. O seu Telê fez uma brincadeira lá, dois toques, rachão e eu no gol, mas quando pegava na bola, a mão doía demais. Então eu pulava na bola para pegar… A bola parava sempre na outra mão e ninguém percebia isso. Fiquei preocupado e conversei com o Valdir Moraes: – Seu Valdir, a mão está doendo demais. E ele falou: – Meu deus do céu, e agora? Fomos conversar com o médico e ele disse: – Fica tranquilo. Na véspera do jogo, te dou um anti-inflamatório muito bom, não tem problema de doping, não tem problema de nada e no jogo você estará tranquilo. E foi exatamente o que aconteceu. Tomei o anti-inflamatório à noite, injetável, e no dia fui para o jogo contra a Espanha sem sentir dor alguma e foi tranquilo jogar. Isso me deu uma força maior e fiz um bom jogo. Eu praticamente não rebati ou chutei a bola: segurava com firmeza. O médico cuidou bem de mim, fez tudo o que podia ser feito.

O time foi avançando: ganhou da Espanha, da Argélia, da Irlanda do Norte, da Polônia e, enfim, chegou à final contra a França. Fale um pouco sobre esse jogo decisivo.

O Brasil realizou bons jogos. Cresceu durante a competição fazendo jogos consistentes, com vitórias merecidas. Mesmo nos momentos mais difíceis, a equipe tinha uma boa postura e foi crescendo até chegar o jogo contra a França. A França também tinha uma seleção de excelentes jogadores, uma geração madura que provavelmente estava tendo a ultima oportunidade de ganhar a Copa do Mundo: Platini, Ganá e outros grandes jogadores. Era uma seleção muito boa. E foi um jogo, em grande parte, de muito equilíbrio. Às vezes, o Brasil tinha um pouco mais de domínio, outras vezes, o domínio era da França. Tivemos oportunidade de fazer gols, mas não conseguimos… Na prorrogação, ambos os lados poderiam ter definido o jogo. Nós, principalmente, perdemos alguns gols que normalmente não se perde… Até faço uma colocação: A disputa de uma Copa do Mundo é uma disputa em si. Na prorrogação já entra um aspecto de resistência física, não é? De preparação e também da parte mental. Quando termina e nenhuma das partes venceu, vêm os pênaltis. Aí vem uma resistência extrema, a mental. Vai vencer quem tiver um controle mental, uma força mental maior. Eu vejo assim. Essa disputa prova o atleta ao extremo, prova a sua competência. Foi o que aconteceu nesse jogo. Esgotaram-se todas as possibilidades durante o jogo normal e durante a prorrogação. Fomos aos pênaltis. Não tivemos a competência necessária para vencer o jogo no tempo normal, nem na prorrogação. Nos pênaltis, as duas equipes precisam definir jogadores e, no caso, as circunstâncias favoreceram a França… O goleiro defendeu. Nós chutamos bola na trave e a França conseguiu converter mais do que nós. Inclusive com um lance, não vou dizer curioso, um lance diferente… Não sei se já tinha acontecido antes ou não, mas aconteceu.  E eu fui o protagonista: a bola se chocou contra a trave, bateu nas minhas costas e entrou no gol. Um lance discutido: Valeu? Não valeu? Mas, enfim, o Brasil foi eliminado em uma cobrança de pênaltis, num jogo extremamente emocionante, desgastante, e tudo o mais que você possa imaginar. Começamos a jogar ao meio dia e o jogo terminou lá pelas duas horas da tarde, no verão do hemisfério norte. Foi uma partida na qual as forças dos atletas foram testadas em todos os sentidos.

Você estava a mais de quatrocentos minutos sem tomar um gol, invicto! A imprensa noticiava isso na época? Algumas curiosidades: em 1986 o tricampeonato conquistado na Copa de 1970 estava completando dezesseis anos. Era aniversário do Platini e ele errou o pênalti… Mesmo assim, infelizmente, não conseguimos. Como foi realizar o sonho de voltar a jogar na seleção, junto com jogadores mais experientes? 

O grupo de 1986 pode parecer mais experiente do que o de 1982 e, com certeza, alguns jogadores de 1982 estavam mais experientes mesmo, mas tinha também jogadores novos, debutando. Não era uma equipe mais experiente, era uma equipe com novo formato de jogo, uma nova mentalidade. Uma equipe impondo uma nova forma de jogar e que cresceu mais a cada jogo. Isso desperta um ânimo maior, um maior alento. Fica aquela expectativa, não é? Sempre com o pé no chão, sabendo que, a cada jogo, vai ficando muito mais difícil.  A final é o jogo mais difícil, a semifinal é o segundo jogo mais difícil e assim vai sendo. O que ocorreu, na realidade, foi uma disputa de vontades. O outro tinha mais vontade do que nós? Não. O outro não tinha mais vontade, nem nós tínhamos mais vontade do que o outro. O jogo de futebol é totalmente imprevisível. Situações acontecem ao acaso. É um ambiente totalmente instável e caótico, no qual você não prevê o que vai acontecer, muito difícil. Às vezes, as coisas boas coincidem mais de um lado do que do outro, e essas coisas favoráveis aconteceram para França na disputa dos pênaltis. Nesse sentido, a França perdeu o pênalti do Platini e o Brasil perdeu três pênaltis: Do Zico, do Sócrates e do Júlio Cesar. Quando você perde, existe uma frustração muito grande, mas, ao mesmo tempo, nós precisamos ter consciência do que fizemos dentro do campo. Jogar bem depende de você, da sua aplicação, da sua entrega. A vitória, no meu caso como goleiro, não depende somente de mim. Como não depende somente do atacante fazer o gol: depende do contexto todo, do conjunto. Depende da harmonia dessas peças, da interação entre elas, do como estão funcionando. Como se trata de um ambiente ao acaso, aberto, instável, imprevisível, às vezes pode ser desfavorável a você. Foi o que aconteceu. A gente fica frustrado mesmo, mas quando analisa conscientemente, pensa: – Fiz o máximo, colaborei, me entreguei, estou com a consciência tranquila. O que mais eu poderia ter feito? Aí você pensa: – Poxa, eu poderia ter empurrado para o outro lado, e a bola não teria se chocado contra as minhas costas e entrado no gol… Mas a verdade é que fui defender a bola com gana. Como o jogador chutou com violência, com gana de fazer o gol, também fui com gana de defender. Paciência, agora… Coincidentemente, bateu na trave, bateu nas costas e valeu o gol. Então, a frustração é essa. Se seríamos ou não campeões? Isso já é outra história, está em outro contexto. Podíamos ter perdido na semifinal, mas nós perdemos na final e queríamos vencer. Então, isso ficou na minha mente, na minha cabeça. Sou desprendido de certas coisas e não posso mais resolver esse problema. Faz parte do Carlos, o personagem goleiro que atuou, disputou a Copa do Mundo em 1986, tomou um gol daquele jeito esquisito… Qualquer um está sujeito a esses acontecimentos, isso é algo marcante, mas não convivo com isso porque não posso resolver. Enfim, isso faz parte do personagem que vivi naquela época. Um personagem real.

Carlos, em sua carreira, além de jogar em grandes times nacionais, ter saído do país e jogado na Turquia e de atualmente trabalhar como treinador de goleiros – aproveitando toda a experiência adquirida –, acima de tudo, você conquistou a oportunidade de participar de três Copas do Mundo pelo Brasil. Quais são as perspectivas para a Copa de 2014? 

 

Estamos próximos à realização de uma nova Copa do Mundo no Brasil e vivemos um processo de preparação em todos os sentidos. O país inteiro se mobilizando na organização do maior evento esportivo no mundo, a Copa do Mundo. O Brasil tinha esse desejo e ganhou a responsabilidade de fazer bem feito. Neste evento, o Brasil não participa das eliminatórias. Não sei até que ponto isso pode ser benéfico ou maléfico. O resultado final vai dizer. Como vai ser essa caminhada na busca pela formação de uma equipe estruturada, não é? Às vezes, a gente fala assim: – Bom, preparado, a gente nunca acha que está… Tive a experiência da Copa de 1986, na qual, uma semana antes da Copa, a escalação mudou, a equipe mudou quase toda. Ainda temos um ano e meio pela frente. Nesse tempo, teremos as olimpíadas e muitas outras mudanças. Jogadores aparecem, jogadores se consolidam como titulares. Muitos que hoje pleiteiam a condição de titulares, ou ate já são titulares, não estarão em 2014. Mesmo durante a competição existem mudanças. Esperamos encontrar uma base sólida, harmônica e que tenha uma excelente interação para atingir bons resultados. Volto a falar: Futebol é um esporte totalmente imprevisível e esperamos que o universo conspire a favor, não é?  Vai ser uma caminhada árdua e difícil, porque as conquistas nunca são fáceis.

Carlos, agradecemos muito, não só pela disposição, mas pela entrevista em si, muito bacana e agradável!

Sou eu quem agradece a oportunidade de poder me expressar e contar muitas coisas vividas, que muitas vezes não são expostas.  Muita coisa não foi dita, porque são anos e anos e anos, e às vezes, a memória falha. Tem muitas coisas importantes não faladas… Mesmo assim, fico feliz de poder expressar alguma coisa e espero, acima de tudo, contribuir de alguma forma. Essa etapa que vivo hoje, acredito, é muito mais importante no esporte do que aquela vivida como jogador. Como jogador, pratiquei muito e espero fazer bom uso do que aprendi e ainda hoje estou assimilando, buscando ser produtivo e melhor a cada dia. Agradeço! Obrigado!


[1]Raul Alberto Carlesso

[2]Ubaldo Matildo Fillol: futebolista argentino considerado um dos maiores goleiros da história da Argentina, teve atuação fundamental na Copa de 1978.

[3] Claudio Pecego de Moraes Coutinho: Treinadorde futebol e preparador físico que atuou na seleção brasileira na década de 1970.

[4] Jorge Vieira.

[5] Evaristo de Macedo Filho.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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