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Clara Azevedo e Daniela Alfonsi (parte 2)

Equipe Ludopédio 16 de março de 2011

Inaugurado em 2008, o Museu do Futebol, localizado nas entranhas das arquibancadas do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho (mais conhecido como Estádio do Pacaembu) em São Paulo, está prestes a alcançar a incrível marca de 1.000.000,00 de visitantes. No Museu, a história brasileira no século XX é pensada a partir do futebol, fenômeno catalisador e articulador de práticas, comportamentos, símbolos e representações de uma identidade brasileira. Saiba mais sobre este trabalho de preservação e valorização do futebol como patrimônio cultural nesta entrevista com as antropólogas Clara Azevedo (diretora do Museu do Futebol) e Daniela Alfonsi (coordenadora do Núcleo de Documentação, Pesquisa e Exposição).

Foto: Museu do Futebol (divulgação).

Segunda parte

Por ter como tema o futebol, o público é diferenciado em relação a outros museus?

Daniela: Tem um dado interessante: ninguém vai ao Museu do Futebol sozinho. As pessoas vêm sempre com família, cônjuges, netos; mulheres acompanham os namorados, maridos e pais. O que torna a ida ao Museu uma prática similar à ida ao estádio para ver o jogo, ou seja, é uma experiência coletiva. Isso não é necessariamente praxe nos outros museus. Quando refizermos a pesquisa, agora em 2011, uma das perguntas que certamente vai entrar é: ‘Você frequenta estádios? Se sim, qual?’. No primeiro questionário fizemos somente uma pergunta: ‘você frequenta outros equipamentos culturais, ou frequentou nos últimos 12 meses?’. Percebemos que o público que frequentava o Museu do Futebol na época desta pesquisa era também o público que frequentava outros espaços culturais na cidade: cinemas, teatros etc.

Clara: Era ainda um público de Museu e não necessariamente um público de estádio.

Daniela: Agora vimos também que uma pergunta a ser incluída é: ‘Além do Museu, você frequenta outros espaços relacionados ao futebol?’. Ainda precisamos ver como a pergunta vai ser formulada.


Tem alguma sala onde o retorno (com comentários e sugestões) é maior?

Clara: A sala dos números e curiosidades é bem comentada, os visitantes indicam correções, questionam uma ou outra informação etc.. Mas um dado interessante é que além das críticas – quase “naturais”, já que todo mundo é um pouco especialista no tema – é muito comum a rememoração de um “eu também estive aqui”. A sala Rito de Passagem geralmente provoca isso. Aliás, acho que na final da Copa de 1950 todo mundo estava no Maracanã. Tinha mais de um milhão de pessoas lá (risos). Tem outras curiosidades engraçadas do dia-a-dia. Existe uma placa na sala Números e Curiosidades que indica o menor público dentro de um estádio: 55 pessoas. Teve um visitante que falou: “eu estava lá”. Registramos inclusive com fotografia a visita dele. Mas este foi o único que falou que estava naquele jogo!

Daniela: Recebemos um email, certa vez, da filha de um árbitro que nunca tinha conhecido o pai. Ela sabia que o pai era árbitro, mas não o conhecia. Ela pediu para pesquisar se tinha alguma coisa sobre o pai na exposição. Ficamos comovidas com o pedido. Pesquisamos e descobrimos que em um dos depoimentos da Sala dos Gols tinha um jogo que o pai dela tinha apitado e ele aparecia no vídeo. Contamos e ela foi assistir. Foi bem legal. Um tipo de uso e pedido que o Museu pode atender.

Clara: E isso às vezes acaba resultando em descobertas incríveis.

Daniela: Outro dado da pesquisa interessante veio de uma pergunta sobre qual sala da exposição de longa duração o visitante tinha gostado mais. Em primeiro lugar, a Sala das Copas. Em segundo, a Sala dos Rádios. A terceira foi a Sala da Exaltação. De fato, quando se olha para o fluxo de visitação, as pessoas ficam mais tempo na Sala das Copas, vendo os vídeos e fotografias. Lá essa troca é mais frequente, configurando um espaço de diálogo, inclusive geracional. Tem o fato da Copa do Mundo ser muito marcante, é um grande evento.

Clara: Além disso, é uma sala que aborda uma história mais recente e que as pessoas conhecem. A Sala das Origens, por exemplo, vai até os anos de 1930. Grande parte do público acha interessante, mas não necessariamente se reconhece ali.

Daniela: É isso. Na Sala das Copas tem capa da revista Capricho, da Isto É, trechos de novela, de filmes, música etc. O visitante pode até não lembrar da Copa, mas lembra do famoso corte de cabelo da época, da roupa, da banda do momento…

Clara: Os totens trazem cenas de contextos diversos, como se fosse um grande almanaque. Por isso, talvez, seja a sala onde as pessoas ficam por mais tempo.

Foto: Museu do Futebol (divulgação).


Dados para a pesquisa: pessoalmente, gosto da sala com as mesas de pebolim que expressam as variações táticas do futebol durante o século XX. Fiquei quase 1 hora lá desafiando qualquer criança que aparecia (risos).

Clara: O pebolim é um sucesso de público. Tanto que dá um trabalhão para a manutenção. Isso mostra que interatividade não é só apertar um botão, mas também jogar pebolim e descobrir esquemas táticos. Mas confesso que tem esquemas que não são tão funcionais no pebolim!


Nessa interação, já aconteceu de alguma vez alguém falar: ‘quero doar essa camisa que foi do meu avô…’?

Clara: Muitas vezes…

Daniela: Temos um procedimento. Não aceitamos doação, mas registramos a referência. Anotamos todos os dados do contato, qual a intenção (venda, doação ou empréstimo), qual é o objeto etc. Armazenamos essas informações no nosso banco de dados. Se um dia formos procurar para alguma exposição ou mostra específica, podemos voltar a estas pessoas. As pessoas que nos procuram, mesmo com esse atendimento que damos, saem um pouco decepcionadas…

Clara: Já recebemos pelo correio e, muitas vezes, sem referência nenhuma. Daí não tem como devolver. Esses materiais são, então, arquivados.

Foto: Museu do Futebol (divulgação).


Como é a integração do espaço do Museu com os demais usos do estádio e da Praça Charles Miller?

Clara: Primeiro, é um Museu dentro de um estádio. Portanto, estamos falando de uma história e de uma memória vivida e atualizada permanentemente no nosso próprio teto. Dar conta dessa dinâmica e de fato dialogar com o que está fora do Museu é o grande desafio. Ainda estamos engatinhando, o Museu é muito novo. Estamos iniciando o diálogo com este futebol vivido na atualidade, bem como com um plano mais amplo e com todos os agentes que fazem parte do universo do futebol. De todo modo, não é simples gerir um Museu dentro de um estádio em funcionamento e em frente a uma praça pública que tem vários eventos de grande porte, pois é um dos poucos espaços livres localizados nas áreas mais centrais. No ano passado, por exemplo, ocorreram na praça várias formaturas da Polícia Militar, e todas tiveram vários ensaios, sempre na porta do Museu. Uma das nossas tarefas é conseguir conviver harmoniosamente. Um desafio tal como o de ter um Museu dentro de um bem tombado, com inúmeras restrições. O Pacaembu é tombado pelo Conpresp e pelo Condephaat, dentro de um bairro que também é tombado e que conta com uma Associação de Moradores super-atuante e forte. Essa Associação também protagoniza decisões, interfere e quer pensar o bairro, a praça, o estádio, o Museu etc. Portanto, um dos exercícios é conseguir ter um bom diálogo com estes vários agentes e diversos públicos: aquele que vai ao Museu, ou ao estádio, ou a feira, ou ainda o público que ocupa a praça de noite, sendo que a cada dia tem um grupo diferente.

Daniela: Nos primeiros meses de funcionamento do Museu, em dia de jogo, independente dos times envolvidos, o Museu fechava. O que restringia o acesso ao Museu, principalmente nas tardes de sábado e domingo. Conseguimos, depois de um tempo, negociar e ter autorização para abrir o Museu num horário de funcionamento diferenciado em dias de jogos. Hoje a política é: não sendo jogos finais ou clássicos de torcidas rivais, a bilheteria fecha três horas antes do início do jogo e as portas do Museu duas antes do jogo. Isso foi uma grande conquista. Na primeira pesquisa ainda fechávamos em dias de jogo. Numa segunda pesquisa será interessante ver se o torcedor que vai ao jogo também visita antes o Museu.

Clara: Uma de nossas expectativas é essa.

Daniela: Tem dia que abrimos das 10h às 12h, pois o jogo é às 15h. Mas vale a pena abrir pensando neste público que antes do ir ao jogo pode passar pelo Museu. Cruzar essas experiências é bem interessante para traçar um perfil dos visitantes. Isso também traz um diálogo, por exemplo, com a Tropa de Choque, para discutir o horário do gradeamento da praça, necessário para controlar a entrada dos torcedores que se dirigem aos portões. É necessário todo um arranjo que interfere na entrada do Museu. Já tivemos que negociar para que este gradeamento não ocorresse às 6h num dia que o jogo só seria às 22h. Portanto, trata-se de um diálogo com todos os agentes públicos que cuidam da praça: CET, Tropa de Choque, Polícia Militar, Guarda Civil Metropolitana, duas Subprefeituras. Questões que interferem na dinâmica da praça e no acesso ao Museu. Temos sempre que dialogar para garantir o acesso, pois nosso foco é o visitante.

Clara: Existe em vista, por exemplo, um projeto de revitalização da Praça Charles Miller. Mas como vai ser formulado este projeto? Somente o Museu dará as diretrizes? Isso não faria sentido, pois a praça é usada por muitas outras pessoas de dia e de noite. Assim, é imprescindível a participação dos vários agentes nesse tipo de discussão.

Foto: Museu do Futebol (divulgação).


Quais foram os principais problemas deste diálogo? Teve algum conflito? Nós já presenciamos alguns problemas no contato entre visitantes saindo do Museu, no caso mulheres, e torcedores do time que iria jogar no estádio duas horas depois.

Daniela: Não foi necessariamente um conflito, pois são coisas do universo do futebol que aparecem quando temos um Museu com estas especificidades, mas teve problema uma vez, num dia de venda de ingressos na bilheteria principal para uma final do campeonato paulista. Tinha uma fila imensa de torcedores do Corinthians. Uma funcionária do Museu foi trabalhar vestindo uma blusa verde. Ela foi abordada, os torcedores pediam para ela tirar a blusa, reclamavam dela usar a cor verde. São códigos do futebol para os quais você deve estar preparado. Normalmente, quem trabalha num Museu não acorda e pára pensar na cor de roupa que pode ou não usar. Mas nesse caso, tem que pensar.

Clara: Mas nunca aconteceu nada. Ainda sobre o comportamento do público é interessante notar que várias pessoas vão à exposição vestindo a camisa do seu time. Porém, isso parece ocorrer sem grandes conflitos. Talvez, justamente, porque o Museu pretende falar do futebol brasileiro, de maneira geral, sem trabalhar clubes específicos.

Daniela: Mas já fizemos um evento em homenagem ao centenário do Corinthians e recebemos críticas por escrito de corintianos avisando que não iriam a um evento que se chamava ‘palestra’…

Clara: Além disso, as cadeiras do nosso auditório são coloridas. Nesse evento do centenário do Corinthians, por exemplo, é claro que ninguém sentava nas cadeiras verdes. Lotou, tinha gente sentada até no chão, mas não nas cadeiras verdes.

Daniela: São coisas curiosas que apareceram nestes primeiros anos do Museu. Tudo tem que ser pensado também a partir de uma lógica clubística muito forte em São Paulo, que tem a ver com as cores do seu time.


Em maio desse ano aconteceu o I Simpósio de Estudos sobre Futebol no Museu do Futebol. Como foi estruturado esse Simpósio? Qual a avaliação que vocês fazem do evento?

Clara: Para o Museu foi um movimento muito importante de aproximação com as diversas redes acadêmicas de todo o Brasil que estudam o futebol, bem como para se posicionar enquanto um espaço produtor de reflexões acerca do futebol, seja por meio de exposições ou pesquisas. Foi o primeiro contato mais oficial do Museu com a comunidade acadêmica. Nesse sentido foi muito positivo. O Simpósio teve uma ampla repercussão. Mais de 200 pesquisadores de quase todos os estados brasileiros. Em termos de representatividade, o Simpósio foi fundamental para o Museu se posicionar também como interlocutor no cenário de reflexões sobre futebol. Além disso, foi possível fazer um primeiro mapeamento sobre os estudos que estão sendo feitos sobre futebol no Brasil. Era uma questão para nós sabermos o que está sendo produzido, pesquisado, pensado.

Daniela: O processo de realização do Simpósio foi muito bacana. Iniciamos com mais de um ano de antecedência, pois quando o Museu inaugurou já tínhamos uma proposta de implantação de um centro de referência e pesquisa sobre o futebol brasileiro. Quando o professor Flavio de Campos, do Departamento de História da USP, entrou em contato com a primeira proposta para a realização deste Simpósio, acreditamos que era o momento perfeito, porque já pretendíamos realizar o evento e pudemos fazer uma parceria com uma universidade que trazia uma proposta mais estruturada. Abraçamos a realização do evento com cinco dias de duração; estruturamos para que as inscrições começassem seis meses antes; selecionamos os trabalhos; configuramos as mesas; convidamos as pessoas; marcarmos as viagens etc. Portanto, teve uma gestação de longo prazo que garantiu a avaliação positiva dos participantes. Avaliação que reflete o tempo de maturação do evento. A organização envolveu três lugares diferentes: teve mesas na USP, PUC e no Museu. Assim, com um evento descentralizado, participantes e ouvintes circulavam pela cidade. O que trouxe prós e contras. Providenciamos transporte para aqueles que não eram de São Paulo, mas se deslocar pela cidade não é fácil. Portanto, foi um evento interinstitucional não só na organização, como também nos locais das mesas e palestras. Com o objetivo de fazer um primeiro levantamento do que se estuda sobre futebol na academia – quais os temas pesquisados e quais as áreas do conhecimento envolvidas -, optamos por não centrar somente nas Ciências Sociais, abrindo para trabalhos do Direito, Psicologia, Educação Física, Administração etc. Teve, portanto, um leque bem variado de áreas do conhecimento e debates. Ainda vamos fazer um fechamento do balanço dos trabalhos, mas já temos tudo isso catalogado no bando de dados. A partir disso, conseguiremos levantar linhas de pesquisa para saber, futuramente, se o conjunto de pesquisas do Museu condiz com o que a universidade está produzindo e assim construir um diálogo. Uma ponte fundamental com a academia que consolidou o Museu como um espaço interessado neste tipo de relacionamento, o que para muitos não era tão óbvio.

Foto: Museu do Futebol (divulgação).


O Museu também tem agora a proposta de ser um Centro de Pesquisa e Referência. Como funcionará e quais são os objetivos?

Clara: Desde o início, o Centro de Referência estava dentro dos planos do Museu. Há quase um ano e meio procuramos a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Portanto, o projeto já estava desenhado desde 2009 e foi aprovado recentemente, no início de dezembro de 2010. A ideia principal do Centro tem muito a ver com o princípio do Museu de não ter como foco principal resguardar uma infinidade de coleções de acervos materiais relacionados ao futebol, mas, ao contrário, ser um grande pólo catalisador de uma extensa rede de acervos, conhecimentos, espaços, pessoas e experiências relacionadas ao futebol. O projeto prevê a constituição de uma Biblioteca/Midiateca, com espaço para qualquer pessoa realizar consultas no próprio Museu e com interface na internet. Uma grande frente, portanto, é montar um Centro de Referência para consultas e pesquisas. Porém, também empreenderemos nossas próprias pesquisas e coletas de referências. O Centro foi estruturado para abrir um campo de pesquisa novo centrado nas possibilidades de patrimonialização do futebol. De um lado, por exemplo, investigaremos clubes e colecionadores para mapear referências; por outro lado, realizaremos pesquisas que permitam compreender como o futebol está sendo praticado e vivenciado: quais referências ou indicadores de memória são capazes de traduzir ou dar conta dessa dinâmica e de que forma registrá-los e preservá-los como indicadores de um momento do futebol são perguntas fundamentais do projeto.

Daniela: Nesse sentido, o Centro completa a missão do Museu: em termos gerais, preservar, divulgar e comunicar essa memória do futebol brasileiro como um fenômeno social. A exposição de longa duração não encerra este objetivo. Sempre terá lacunas. O Centro pretende criar uma integração em rede, na qual o Museu pode atuar como eixo norteador criando pontes com outros espaços da cidade de São Paulo, sendo que a ideia é depois expandir para o estado e outras regiões do país. O Museu e sua equipe de pesquisadores têm a missão de realizar este mapeamento a partir de um entendimento do que é essa memória ligada ao futebol na sociedade brasileira ou o que é esse patrimônio. Para isso, é preciso entender como se preserva esta memória esportiva e a importância dela na vida das pessoas e instituições. Tanto clubes e outros locais institucionalizados, quanto lugares não-institucionalizados, como um senhor que iniciou um clube ou uma prática num campo de bairro, por exemplo. Não existe hoje um lugar que centralize a preservação destas memórias. A proposta do Museu é centralizar e dar um suporte para a guarda disso. Nesse ponto, entra o nosso projeto de História Oral, elaborado em parceria com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Parceria que complementa o projeto do Centro de Referência e que visa a construção de um mesmo acervo de História Oral para as duas instituições. Um acervo que servirá de fontes para pesquisas internas do Museu e para outros pesquisadores. O acervo será disponibilizado tanto na base de dados do Museu quanto na base de dados da FGV. Para o Museu foi ótimo se unir com uma instituição que faz isso desde a década de 1970, ou seja, que possui experiência e uma consolidação de conhecimento nesta área.

Clara: Acho que o grande desafio do Centro de Referência é lidar com estas diferentes possibilidades que o futebol traz, desde depoimentos orais (nesse trabalho que faremos com o CPDOC) até objetos de um colecionador ou de um clube, passando também por espaços da cidade onde se experimenta o futebol (campos de várzeas, botecos etc.). A ideia do Centro de Referência é olhar para o futebol em suas múltiplas manifestações e, guardados os limites e possibilidades, tentar dar conta disso.

Daniela: É um projeto desafiador em termos metodológicos. O produto final é uma base de dados marcada pela diversidade. Vamos customizar um software de base de dados para alcançar esta diversidade de possibilidades de tipos de acervo e de referências. Ao mesmo tempo, temos que construir as fichas que vão alimentar essas bases. Para construir estas fichas temos que imaginar estas situações onde a memória do futebol é acionada. Temos que prever tanto experiências materiais (um bar que tem acervo de flâmulas, por exemplo), contemplando o objeto, a relação do colecionador com o objeto, esta relação naquele espaço específico, das pessoas que vêem aquele objeto; ou seja, haverá uma mistura de metodologias, desde etnografias, catalogação, história oral, políticas de patrimonialização etc. Por isso, acho que a parte mais interessante é este desafio de construir uma metodologia nova de referenciamento. Teremos um banco com entrevistas, vídeos, fotografias, descrições etnográficas etc. Para isso, estamos nos equipando com equipamentos audiovisuais. Fica o desafio de pensar um modo de padronizar essa diversidade de acervos. O Museu não precisa tirar os acervos dos lugares onde estão. Eles têm que continuar a ter essa identificação com estes mesmos locais. O pesquisador que vier até o Museu poderá conhecer essa diversidade de tipos e lugares, bem como ir até estes lugares. Para implantação, estão previstos dois anos, 24 meses de pesquisa.

Clara: Percebe-se que as iniciativas do Museu se conectam. O fato de termos feito o Simpósio e entrado em contato com estes outros núcleos que estão pesquisando futebol vai com certeza contribuir para o crescimento do Centro de Referência, inclusive para fora de São Paulo.

Foto: Museu do Futebol (divulgação).


E qual é o planejamento deste projeto para os próximos anos?

Daniela: O financiamento é por dois anos. Quando acabar, a ideia é enviar outro projeto. Como esse projeto é de implantação, ele tem fases distintas. A primeira fase é de construção deste banco, definição das metodologias de pesquisa, comprar acervo e montar a biblioteca ao público. A expectativa é que isso fique pronto em 8 ou 9 meses. A partir deste momento, o Centro passa a ter uma dinâmica própria. Este tempo de implantação permite que o Museu crie outros projetos paralelos. A parceria com o CPDOC já é um projeto paralelo e alimentará o Centro. Na medida em que estas entrevistas forem sendo editadas e finalizadas, entrarão no banco de dados do Museu. Nossa ideia é ter outros projetos e linhas de pesquisa. Mas já é um grande passo para o Museu começar a ter uma rotina de pesquisa.


Tendo em vista que a Copa do Mundo de 2014, o que podemos esperar do Museu para este evento específico desde já, ou seja, a partir de 2011?

Clara: Ainda estamos desenvolvendo projetos, mas uma das ações, com certeza, será ampliar o período de visitação. Em julho de 2010, durante a Copa da África do Sul, tivemos o dobro de visitantes de um mês normal. O Museu do Futebol já está entre os mais visitados de São Paulo, mas em julho do ano passado tivemos cerca de 60.000 pessoas, sendo que a média mensal é de 30.000 visitantes! Ou seja, o número de visitantes já é alto, mas a Copa fez com que aumentasse ainda mais. Se isso aconteceu agora, imagine em 2014, quando o Brasil sediar a Copa.

Daniela: Quando recebemos 500 visitantes num dia, podemos considerar que a jornada foi fraca…

Clara: Mas, em outros museus, este chega a ser o público mensal. Com a proximidade da Copa, o Museu do Futebol terá que ampliar o tempo de visitação. São Paulo será uma das sedes e o Museu tem que estar preparado para receber um público gigantesco que vem para assistir a Copa, bem como para fomentar diversos eventos. Em 2010, além do Simpósio, fizemos um ciclo de palestras, “Brasil nas Copas”, que foi muito interessante. A ideia é até 2014 tentar consolidar diversos debates relacionados à Copa do Mundo. Desde debater qual o impacto da construção de novos estádios, até discutir o papel da tecnologia no futebol, por exemplo.

Daniela: O Museu tem um grande potencial na qualidade de um equipamento turístico da cidade de São Paulo. Sabendo que num período de Copa receberemos muitos turistas, o desafio é preparar a equipe para receber os estrangeiros e melhorar nossa sensibilidade para com eles. Pretendemos legendar alguns vídeos em inglês e espanhol, traduzir o site e outras medidas que visam atender este público. Outra ideia é fazer um pocket-museu para itinerar para outras cidades brasileiras. Esse é um desejo que não depende da Copa do Mundo, mas que pode aproveitar o evento e ter início nas cidades-sede. Mas por enquanto são ideias…

Foto: Museu do Futebol (divulgação).


Vocês são mulheres e estão à frente de diversos projetos relacionados à temática futebolística, tida como um debate relacionado ao universo masculino. Como foi viver esta questão de gênero nestes trabalhos? Existe algum preconceito?

Clara: Acho que existe, mas talvez de maneira velada. De modo geral, ainda é difícil encontrar mulheres na posição de direção. No caso do futebol isso talvez fique exacerbado. Sinto que ninguém espera encontrar uma diretora executiva ou uma coordenadora num museu dedicado ao Futebol. Por outro lado, as pessoas acham interessante e curioso. Depende do interlocutor, mas há um estranhamento em muitos casos…

Daniela: Embora estejamos num museu que fala de futebol, no meio museológico as mulheres dominam! São poucos museólogos homens. Nos fóruns e reuniões sobre o tema, percebe-se que ainda é um universo muito feminino.

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