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Denilson

Marcel Diego Tonini, Bruna Gottardo 18 de setembro de 2015

A entrevista faz parte do projeto Memórias dos boleiros: histórias de vida de atletas e de integrantes de comissões técnicas brasileiras que atuaram no exterior. Esse projeto foi fruto de uma parceria entre LUDENS-USP, Museu do Futebol e o portal Ludopédio.

Esse projeto tem como proposta reunir as histórias de vida de jogadores de futebol e de integrantes das comissões técnicas que tenham atuado no exterior. Ao optarmos pela história de vida, teremos acesso a uma série de discursos até então pouco investigados. Isso pode ser verificado quando se recorre à história do futebol e se percebe que existe uma história que é considerada “oficial”. Essa pesquisa será uma forma de ampliar discussões sobre o futebol a partir da história de vida dos jogadores e integrantes das comissões técnicas. A história oral será o método adotado para a construção de um diálogo com o referencial teórico das Ciências Humanas, mais especificamente a produção da Antropologia, da História e da Sociologia. Por meio da história de vida, ainda será possível registrar memórias, histórias e experiências dos sujeitos mencionados, além da criação de um banco de vídeos com as entrevistas realizadas de modo a constituir um acervo para preservar a elaboração de tal memória, quer se refira de modo restrito à carreira dos mesmos, quer, de modo geral, ao futebol brasileiro.

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Denilson durante a entrevista. Foto: Projeto Boleiros.

Primeira parte

Denílson, a gente quer que você fique à vontade pra contar um pouco de tudo, da sua vida, e , evidentemente, dessa passagem no exterior, contar suas experiências, memórias e, o que teve de bom, de ruim, enfim, um pouco de tudo. Primeiro você conta onde você nasceu, um pouco da sua família…

Tá, certo. Eu sou, sou de São Paulo mesmo, sou da capital. Nasci e fui criado aqui minha vida toda. E os meus pais são paraibanos. E minha história como jogador, até hoje, com 25 anos de idade, vem através do meu pai, que o meu pai também foi profissional. Não teve a mesma sorte que eu tive, a mesma oportunidade que eu tive, porque quando ele foi profissional ele jogava no Nordeste, jogou pelo Botafogo da Paraíba, Campinense, Auto Esporte, inclusive, quando ele chegou aqui em São Paulo em 1986 ele recebeu um convite da Portuguesa, só que a minha mãe estava grávida, não tinha como ele fazer teste, avaliação, sabendo que a minha mãe estava grávida e precisando de condição, de dinheiro, financeiramente, pra trabalhar. O meu pai seguiu a vida dele como segurança, segurança de banco, e foi vendo. E quando eu nasci, meu primeiro presente foi uma bola de futebol. Tem eu e mais três irmãos, todos eles já tentaram ser jogador. Tenho mais dois irmãos, mais novos, que estão tentando, um está jogando em Portugal e o outro tem 18 anos e está jogando no São Bernardo. Quando eu nasci, meu primeiro presente foi uma bola de futebol, cresci, amava jogar bola na comunidade, amava brincar na rua com os meus colegas, amigos de infância, em um bairro, Jardim Ângela, que é um bairro muito simples, muito humilde onde aconteceram várias coisas. Enfim, quando eu tinha 10 anos de idade, 10 pra 11 anos, eu tive a infelicidade de perder minha mãe e meu pai teve que cuidar de nós quatro. Então, pra ele, o trabalho foi redobrado, então foi muito difícil, uma situação em que nós sofremos bastante pela perda da mãe, por não ter um carinho de uma mãe e aquela coisa toda. Quando a minha mãe morreu, eu tinha 10, ia fazer 11 anos, eu falei que iria trabalhar o máximo possível pra conseguir, pra realizar um sonho, que era, desde criança que eu tinha, que era ser um jogador profissional. Foi quando Deus iluminou, eu agradeço a Deus muito, todos os dias da minha vida, tive a felicidade de ser convidado pra estar na base do São Paulo, no dente de leite. A base do São Paulo era no Morumbi. E, como apareceu a oportunidade assim de repente, falei “Pô, agora é a minha chance”. Daí fui treinando, fui treinando, eu e meu irmão, o meu irmão mais velho hoje ele é treinador, a gente começou a treinar e só eu continuei, só eu dei o seguimento de continuar aqui no clube, ele parou porque ele tinha problema de coração. Aí, mais uma vez, fui convidado pra jogar, pra viajar pra França. Foi a minha primeira viagem de avião, que foi muito engraçada essa viagem. Inclusive, o time 87 do São Paulo veio aqui no CT da Barra Funda tirar uma foto antes de viajar pra França. Foi através do Raí. Nós disputamos o campeonato que chamava Danone Cup, no estádio do Paris Saint-Germain. E o Raí estava aqui no São Paulo ainda, nós viemos, tiramos foto com o Rogério, tiramos foto com o Raí, o elenco todo. Eu era o mais novo do grupo. E essa viagem foi engraçada. Vou até contar uma história. Eu, desde pequeno, tinha problema de fazer xixi na cama, e eu estava com 11 pra 12 anos, e eu falei: “Porra, se eu dormir aqui, cara, eu tenho medo de mijar”, e era dentro do avião, cara, foi muito engraçado. E eu dormi, eram onze, doze horas de voo daqui pra França, e quando eu acordei, acordei todo mijado, cara, que vergonha! Eu falei: “Meu Deus do céu, os caras vão colocar apelido em mim, não vai ser brincadeira!”. E, assim, depois os caras souberam, começaram a rir de mim, foi engraçado. Na hora eu fiquei com vergonha. Mas depois passa. Aí depois dessa viagem pra França, voltei, continuei no São Paulo, continuei trabalhando, passei meus 12, 13, 14, com 15 anos de idade fui disputar um campeonato em Votorantim, Copa do Brasil, de jogadores que tem 15 anos de idade. E foi lá que tinha olheiro da Seleção Brasileira já, observando, aí foi dali que saiu minha primeira convocação. Nós ficamos em quarto colocado, uma coisa assim. Aí fiquei sabendo que fui o único jogador do São Paulo a ter sido convocado pra Seleção Brasileira. Aí quando eu recebi a ligação, comecei a tremer, porque pra mim era um sonho, desde criança, depois que a minha mãe morreu. “Porra, agora que eu vou ter que trabalhar”. E com 15 anos foi a minha primeira convocação pra Seleção de base, já liguei pro meu pai chorando de alegria, e tudo: “Ô, pai, eu fui convocado”. Ele: “Porra, que bom! Continue trabalhando e isso, isso, e isso…”. Então isso pra mim foi um momento espetacular, porque eu não sonhava, eu acreditava que ia demorar mais pra eu chegar a uma Seleção de base, onde são os escolhidos ali, a dedo. No Brasil todo você escolhe 20, 22 jogadores, e você estar no meio, se sente muito realizado. Aí da Seleção, com 15 anos, peguei até os meus 20. Só com meus 17 anos eu disputei o Sul-Americano pela Seleção Brasileira, fui campeão em cima do Uruguai. Depois voltei, voltei pro clube, não tinha contrato profissional ainda com o São Paulo, e já tinha um olheiro do Arsenal observando, tinha um scout que se chama Sandro, hoje ele tá nas categorias de base do Santos, Sandro Orlandelli é o nome dele. Naquela época ele já estava observando. Aí fui disputar o Mundial Sub-17, perdemos a final pro México. Ao mesmo tempo em que eu saí triste, eu saí feliz, porque eu já estava assinado, porque ele me falou que o Arsenal já estava interessado em mim, que tinha levado um vídeo pro Arsène Wenger e ele tinha aprovado o meu nome. Eu saí muito triste de ter perdido o título, mas ao mesmo tempo eu saí muito feliz porque eu sabia que havia o interesse de um grande clube da Europa. Voltei pro São Paulo, aí o presidente Juvenal Juvêncio estava sabendo da situação toda. Ele falou: “Vamos fazer um contrato e vamos subir esse garoto pro profissional.”. Eu, com 17 anos, subi pro profissional, foi até o Paulo Autuori que me deu essa oportunidade. Estreei aqui no profissional, pra mim foi um sonho realizado, sonho desde a minha mãe, porque a minha mãe sempre foi são-paulina e falava pras amigas dela que iria me ver ainda jogar no Morumbi. Então, quando na minha estreia que eu tive, que foi contra a Ponte Preta, lá em Campinas, foi emocionante, mas quando foi no Morumbi, foi contra o Atlético Mineiro, Santos, alguma coisa assim, voltou a fita, voltou o filme todinho, que eu lembrava o que a minha mãe falava. E daí, teve a convocação, para ir pro Mundial, 2005, aqui no São Paulo, e eu estava entre esses escolhidos, e pra mim foi uma alegria imensa em poder estar naquele elenco, que tinha Lugano, Amoroso, Fabão, Mineiro, Josué, Cicinho, jogadores consagrados, que conseguiram colocar os seus nomes na história do São Paulo. Então, pra mim, eu com 17 anos: “Eu tô feliz demais, mas não vai parar por aqui!”. E quando eu voltei no ano seguinte, em 2006, foi quando veio o Muricy. Acabei tendo poucas oportunidades, mas aí o Arsenal já tinha feito uma proposta pro São Paulo. Aí que tá: “Aí, vai que vai?”. “Não sei.”… “Vamos embora?”. Eu falei: “Vou, quero ir embora, eu quero conhecer um pouco a Europa, quero conhecer outras coisas na minha vida.”. Peguei e fui embora, com 18 anos. Fui embora e aí que fui ver o sofrimento, porque quando fui pro Arsenal, estava com 18 anos. Ao mesmo tempo em que estava novo, eu não tinha ninguém pra ficar comigo. Quem foi que ficou comigo durante um tempinho foi meu empresário, mas ao mesmo tempo eu queria que alguém da minha família estivesse, meus irmãos ou meu pai. Tampouco eles podiam, porque meu pai trabalhava, meu pai era treinador, meus irmãos estudavam, outros jogavam, então não dava mesmo. Só que pra eu conseguir passar essa situação, eu tinha que passar por esse sofrimento, de ficar sozinho num país onde você não conhece nada, eu nunca tinha sentido tanto frio na minha vida como senti lá. Chegava, abria a porta e parecia que eu estava num congelador. Pra ir pro treino, meu Deus do céu, um frio que não existe. E era incrível, quando dava três horas da tarde, num horário como esse aqui, já estava tudo escuro, falei assim: “Nossa, que país é esse, cara?!”. E chuviscando, e chuva todo dia, e frio, aquele frio gelado que chega a arder na pele. Então, essas coisas, pra mim, que nunca tinha passado por isso, nasci aqui no Brasil, com pessoas que se aproximam, mais alegres, pessoas que conversam. Lá o pessoal até conversa, mas eles são muito fechados pra conversar. Nem conheci meus vizinhos, passei três anos, cinco anos, e não conheci um deles. Então foi uma experiência muito grande na minha vida. Eu, na realidade, aprendi a dirigir lá, do outro lado. Só que lá no clube, toda temporada que você tem, eles te dão mais ou menos mil fotos suas, 500 você pega, assina para entregar pra fãs, e as outras 500 eu já guardava dentro do carro, porque se às vezes, se a polícia me parasse, como eu não sabia falar inglês, eu pegava e mostrava a minha foto pra dizer quem era eu. Às vezes a polícia me parava, porque eu estava a 30, 40 km/h. Devagar até demais, eles achavam estranho aquilo ali, fora as batidas de carro que eu dei lá, já entrei na contramão sem saber. Todo mundo buzinando pra mim, eu falei: “Meu Deus do céu! O que eu vou fazer agora?”. Eu tive que passar em cima de um negócio que tem lá e eu rasguei meu carro todinho, tive que comprar outro carro, falei: “Meu Deus do céu!”, mas graças à Deus, foi tudo tranquilo. Depois tive que ir pra polícia ver o que estava acontecendo, se eu tinha tomado alguma coisa. Eu não tinha tomado nada, é que eu não sabia mesmo! É totalmente diferente, qui no Brasil você dirige de um jeito, lá é outra, é do outro lado o volante. E essas coisas assim, cara, foi sofrimento. E quando eu cheguei lá não sabia nada também. E foi meu empresário, só que ele era espanhol, e ele querendo passar pra mim que sabia falar inglês. Aí eu beleza. Chega num restaurante cheio de gente, aí ele chegou: “Você quer comer o quê?”. Eu falei assim: “Ah, vou pedir o mais fácil aqui, porque vai que eu vou pedir uma coisa aí que eu não sei o que é e daqui a pouco desperdiçar.” Aí eu falei assim “Ó, espaguete, porque o espaguete é simples de você pedir”. Aí falei: “Mas não tem um ovinho aí, não? Um ovo?”. Aí ele falou: “Não, pode deixar que eu vou pedir.”. Aí chegou, pediu o espaguete e falou assim: “Can I have a, is…”, aí ficava assim: “Como que é, como que é galinha, ovo, ovo, galinha, ovo…?”. Aí ele levantou, o restaurante lotado, nunca tinha visto isso, só gente fina, ele levantou e começou a imitar uma galinha pra mostrar pro homem que ele queria um ovo. Rapaz, juro pra você, mas eu dei tanta risada, nunca dei tanta risada na minha vida! Pra mim, aquele dia ali eu falei: “Meu Deus, que vergonha, olha o que o meu empresário tá fazendo, cara!”. E ele ficando vermelho, e tentando, e o cara olhando assim pra ele: “What’s up, man, what’s up?”. Eu falei: “Porra, agora vai ser foda.”. E depois, do nada, como tinha um português, que estava lá dentro lavando louça, e viu a cena também, aí ele veio: “Pois não? Que gostarias?”. Aí veio, eu falei: “Não, que a gente tá querendo ovo.”. “Ah, um ovo, então traz um ovo, peraí que eu vou fazer pra você.”. Pegou e trouxe ovo. Mas, assim, esse foi um dos momentos inesquecíveis que eu passei. Pô, fiquei com a maior vergonha. Então, passei por isso e aprender inglês pra mim foi muito difícil. O clube ele oferecia aula de inglês pra mim, três vezes na semana, duas horas. E como eu não gostava, enchia o saco, a professora ia lá em casa. O treino era onze horas, acabava meio dia, meio dia e quinze acabava. Eu almoçava no clube, e quando eu chegava em casa ia dormir. Quando eu acordava, umas cinco, seis horas, a mulher tocava a campainha. Aí pegava, abria, tal. “Vamos começar a estudar?!”. “Vamos.”. Pegava um livro, e aí começava a aprender letras, até juntar palavra ou outra. Beleza, só que às vezes, nossa, enjoava, sabe? Cansava. “Professora, vamos, sei lá, vamos passear um pouco? Vamos pra algum restaurante, eu e você? Porque conversando assim eu vou ficar com sono…”, porque dava sono, cara, ficar assim com a pessoa, e eu queria aprender, só que não conseguia. Aí de um dia pro outro, eu falei pro Arsenal, eu falei: “Ó, não precisa pagar minhas aulas mais, eu vou me virar agora.”. Aí peguei, comecei a sair nas ruas, começar a falar com as pessoas, começava a aprender. Só que lá, as pessoas têm paciência pra ensinar. Aqui, se for um brasileiro pra ensinar um estrangeiro, aí é difícil, hein?! Brasileiro não tem paciência pra essas coisas, não! E lá o pessoal é educado, o pessoal tem calma, explica tudo certinho. E eu acho muito legal isso, o pessoal é muito educado, isso aí não tem o que falar. E daí eu comecei a sair pelas ruas, aprendia uma coisa, aprendia outra, depois pegava lá um dicionário, falava: “Que palavra é essa? Quero juntar com aquela agora, e tal”. Só que era muito engraçado eu falando inglês. Aí fui pegando, resumindo: fui aprender o inglês mesmo, um pouco, depois de dois anos e pouco. Foi quando que me acostumei mais com Londres. Eu morava numa cidade chamada St. Albans, que fica a vinte quilômetros de Londres, mas é na mesma cidade onde é o centro de treinamento do Arsenal. Eu já morava perto porque meu centro de treinamento era próximo. Então, pra mim, foi a melhor coisa que eu fiz. Mas, assim, passei por muito sofrimento, às vezes eu achava que ia ficar louco. Normalmente os jogos lá são sábado. Às vezes tinha jogo meio-dia. Começava o jogo meio-dia e acabava duas horas da tarde. Chegava e ia pra casa. Pô, minha casa é grande, dois, três andares. Eu olhava pra um lado, olhava pro outro, em pleno sábado, olhava pra um lado, olhava pro outro, não tinha ninguém pra conversar. Entrava no MSN, ninguém também, falei: “Pô, sábado, todo mundo lá está no meio da rua, está bagunçando…”. Então, eu fui aguentando aquilo ali, cinco anos, e pra mim foi muito sofrido, cara, imagina: você passar Natal, Ano Novo, sem a tua família, sem ninguém, você sozinho… Tudo bem, ganhava e ganhava bem, graças a Deus, tinha tudo que eu precisava, mas o que eu precisava era uma companhia, entendeu? De pessoas que você goste, de você poder conversar, brincar, às vezes chamar pra sair, pra ir num restaurante, alguma coisa. Então, eu passei cinco anos, e voltei pro Brasil porque a minha filha tinha nascido. Aí eu cheguei e conversei com o técnico: “Professor, eu não tô aguentando mais isso, gostaria de voltar pro Brasil. Minha filha acabou de nascer, eu quero me aproximar mais dela, me empresta pelo menos por um ano, depois eu volto.”. Peguei, vim, perguntou: “Você tem certeza que é isso que você quer?”. “Tenho, tenho sim, porque é minha filha e eu quero…”. Peguei, vim pro Brasil, estou aqui até hoje, sou muito agradecido por tudo que eu passei no Arsenal, o trabalho que eles têm, a educação, a forma como eles trabalham dentro de campo, e fora também, porque eles se preocupavam comigo também fora de campo. Eles sabiam que eu sair, vindo daqui do Brasil pra ir pra lá não era fácil, um garoto que sai novo daqui pra ir pra longe, morar sozinho é complicado. Tem gente que sai do Nordeste pra vir pra cá, sofre, imagina você saindo do seu país, morar em outro lugar que não tem nada a ver com você, sozinho, sem amigos, sem ninguém ali pra estar, pra conversar com você? Eu passei por muitas situações difíceis, mas eu primeiramente agradeço a Deus, eu agradeço a oportunidade de ter jogado no Arsenal, ao Wenger também, que foi um dos melhores treinadores com quem eu já trabalhei, um cara homem, um cara sincero, um cara honesto. Então, realmente, foi um clube extraordinário.

E em relação aos outros brasileiros e estrangeiros que jogavam no Arsenal? Você tinha algum contato com eles após os jogos, treinos, ou era cada um na sua?

Tinha. Assim que eu cheguei lá eu já encontrei o Gilberto Silva lá no clube. Gilberto Silva me abraçou, o Júlio Baptista também estava lá, os caras me abraçaram, só que eu sou uma pessoa muito introvertida. Pô, 18 anos… Aí o Gilberto Silva: “Denilson, tá sozinho?”. Eu falei: “Tô.”. “Vamos lá pra casa que eu vou fazer um almoço, vou fazer uma janta lá, a gente fica lá.”. Só falei: “Não, pode deixar que eu…”, mas eu nunca ia, porque eu sabia que ele era casado, tinha os filhos dele. Pra mim, eu não queria incomodar, aí eu falei assim: “Ah, se for pra incomodar, eu prefiro ficar sozinho mesmo.”. Agora, se ele fosse solteiro, estivesse sozinho, era uma coisa, mas como eu sei que ele tem esposa, os filhos dele, eu não vou querer atrapalhar. Pra ele, eu não iria atrapalhar, mas pra mim, no meu pensamento, falei assim: “Ah, acho que eu vou atrapalhar.”. Aí eu não ia, mas ele: “Pô, vamos lá! Parece bicho do mato, não sei o que…”. Eu falei: “Não, cara, não é isso não”. Mas muito gente boa. No Natal ele me chamava, eu ficava em casa sozinho. Às vezes não tinha jogo nem Natal nem Ano Novo, só ia ter jogo dia dois de janeiro, aí ficava. E os jogadores que eu tinha amizade lá era o Cesc Fàbregas, o Carlos Vela, tem o Sagna, que está no Arsenal ainda. Quem mais? O Alex Song, que está no Barcelona, tem o Ebouè, que está no Galatasaray. Com esses jogadores que eu estou falando eu tinha mais afinidade.

Eles eram solteiros também?

Não, tinham suas namoradas, mas quando a gente saía, a gente ia comer um negócio no Nando’s, um restaurante que tem bastante frango apimentado. A gente ia muito pro Nando’s. Mas essas pessoas que a gente tinha mais amizade até esses tempos eu falava, conversava com algum deles, só que esse negócio de mudar telefone, mudar número, daqui a pouco você acaba perdendo os contatos, e eu não tenho mais nenhum contato deles, mas eu tenho vontade de quando eu voltar, pegar umas férias, voltar pra Europa, dar um ligada pra eles, marcar de se encontrar, porque, querendo ou não, foi uma passagem muito boa que eu tive, e uma amizade que você deixa também. Essas coisas são essenciais nas nossas vidas.

Você tem vontade de voltar, voltar a jogar na Europa?

Tenho, tenho vontade, sim. Eu acostumei com lá, mais com morar sozinho, você vive a tranquilidade que eles te dão. Você pode sair. Você acaba um treino, você pode descansar, você pode ir pra um restaurante, você pode fazer outras coisas com a tua família. Aqui no Brasil, dependendo da equipe que estiver, dependendo do momento que está, você não pode nem ir ali na esquina, olhar pra ver se tá passando alguém da rua, que vem torcedores já xingando, já querendo te agredir. E lá não. Lá a gente saía pra jantar, eu saía pra jantar com os meus colegas às vezes – que eu levava daqui do Brasil, levava pra lá, às vezes – as pessoas sabiam quem eu era, mas o pessoal não vinha, porque sabia que eu estava comendo, mas quando eu acabava o jantar já chegava: “Denilson, por favor, me desculpa atrapalhar, mas você poderia assinar minha camisa? Você poderia tirar uma foto comigo?”. Então, a educação é diferente do Brasil. Claro que aqui é muito bom, o Brasil é muito bom em várias coisas, só que nessa questão da educação, que hoje você ter uma tranquilidade, que aqui você tem vários jogos, você joga muito aqui e descansa pouco. Lá na Europa ainda tem aquela parada de Seleções, você ainda tem dois ou três dias pra descansar; às vezes você que ir pra Dubai? Você vai pra Dubai, quatro, cinco horinhas você está em Dubai. Você quer ir pra Itália? Você vai pra Itália em uma hora e meia. Aqui você quer ir pra outra cidade, você quer ir pra Recife aqui, são três horas brincando, fácil. Então, lá você acaba tendo mais opções, o estilo de vida também é outro.

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Denilson durante treino. Foto: Luiz Pires – VIPCOMM.

Você fazia muito isso, viajar para outros lugares nessas folgas?

Ah, eu viajava! Ia pra Lisboa ver meu parceiro Sidnei, que, na época, estava no Benfica. Passeava bastante, porque ficar só, também, dentro de casa, eu achava que eu ia ficar maluco a qualquer momento. Mas eu gosto dessas coisas. Quem sabe, um dia, eu possa voltar pra Europa novamente, e continuar com a minha vida, aprender outras línguas, aperfeiçoar o inglês, aprender a cada dia estar sempre melhorando também nessas coisas, não só dento de campo, mas fora de campo, ter um outro tipo de cultura, eu acho isso legal.

E quanto à receptividade dos jogadores? Como foi quando você chegou lá no Arsenal?

Cara, quando eu cheguei, eu fiquei todo por fora. Porque eu olhei e tinha o Thierry Henry. Pô, só jogador show de bola, só jogador topíssimo, e você ver o cara com a humildade que ele tem é de tirar o chapéu. Chegou, me abraçou, me recebeu super bem. O jogador europeu é superprofissional, cara. Nós brasileiros, e eu me incluo também, temos que tirar de exemplo essas coisas, o profissionalismo que eles têm, o comprometimento com o clube. Eu acho isso extraordinário, a educação, a forma deles trabalharem é diferente. Então esses cinco anos que eu passei fora foram mágicos. Por experiência que eu tive de vida e no meu trabalho. Porque eu morava com o me pai aqui no Brasil, vinha pra cá, treinava, voltava pra casa, ia pro jogo e voltava. Mas quando eu saí do Brasil pra morar lá, ficar cinco anos, foi ali que eu conheci realmente o que é a vida, de ambas as partes, tanto fora do campo e dentro de campo. Pra mim foram espetacular.

Mas, e dentro do campo, o que você sentiu mais de diferença, do ponto de vista de treinamento tático? Até porque é mais frio pra treinar, é um pouco diferente…

E eu gostava de treinar, eu gosto de treinar no frio. Assim, taticamente é diferente, é diferente do brasileiro, o europeu é muito obediente, tem uma obediência muito boa taticamente. E a qualidade técnica você vai pegando conforme o tempo. Mas a velocidade, o pensamento do jogador da Europa é totalmente diferente de um jogador brasileiro, eles pensam muito rápido. A minha estreia foi contra o West Brom. Eu dominava a bola, na hora que eu ia virar, o cara já tinha tomado a minha bola, tinha tomado umas dez vezes a bola de mim. Eu falei: “Que é isso?!”. Lá os caras são muito rápidos, o volume de jogo é muito rápido. Então ele é totalmente diferente do brasileiro. No Brasil, você domina a bola, você pensa mil vezes. Lá não, lá é um dois, é um dois, e movimenta, e movimenta, e não para. Aqui ainda não tem essas coisas.

E quando você estava lá, o que, o que mais você sentia a falta aqui no Brasil?

O que eu sentia mais falta? Vou ter falar o que eu sentia mais falta: fora a família, essas coisas assim, um arrozinho, um feijão. Eu passei três anos sem comer um arroz e um feijãozinho. Depois que o Gilberto Silva saiu do Arsenal, foi aonde ele me ligou, falou: “Olha, Denilson, tem uma moça que estava trabalhando pra mim lá em casa, como eu tô indo embora, ela está desempregada você não quer que ela trabalhe na sua casa?”. Eu falei: “Ah, pede pra ela me ligar.”. Aí eu contratei, ela é mineira também. Contratei e ela veio pra minha casa. E lá tem vários comércios brasileiros. E falei assim: “Olha, vou comprar um arrozinho, um feijãozinho, um negócio pra estar fazendo aí.”. Aí, daí em diante, eu comecei a melhorar, as coisas começaram a melhorar, porque já tinha um arroz, um feijãozinho, um franguinho do jeito que você gosta, uma farofa, aí pra mim foi, foi bom cara, mas, falta, assim, dessas coisas de comida, era o arroz e o feijão que eu não estava aguentando mais, só comia legumes, salmão e tomava água, só isso. Então, foi desse jeito, muito engraçado.

Confira a segunda parte da entrevista em 30/09/2015.

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Marcel Diego Tonini

É doutor (2016) e mestre (2010) em História Social pela Universidade de São Paulo, sendo também bacharel (2006) e licenciado (2005) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP - Campus de Araraquara). Integra o Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO-USP) e o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (LUDENS-USP). Tem experiência nas áreas de Ciências Sociais e História, com ênfase em Sociologia do Esporte, Relações Étnico-raciais, História Oral e História Sociocultural do Futebol, trabalhando principalmente com os seguintes temas: futebol, racismo, xenofobia, migração, memória e identidade.

Bruna Gottardo

Cientista Social pela PUCSP, pós-graduada em Bens Culturais pela FGV/SP, mestranda em Ciências Sociais pela PUCSP. Tem experiência nas áreas de antropologia, cultura, audiovisual e futebol, como pesquisadora, produtora e realizadora.

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