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Diana Mendes Machado da Silva

Rafael Iandoli 27 de dezembro de 2017

Fruto da parceira com o Nexo Jornal republicamos esta entrevista.

Quando Neymar é visto beijando sua namorada em um fim de semana qualquer, ganha as manchetes dos principais veículos de mídia brasileiros. Quando se separa, também. E quando pede para voltar com a ex, ainda mais. Jogadores de futebol são celebridade no Brasil. Convivem com o assédio dos fãs, lidam com cobranças públicas pelo desempenho em campo – que por vezes se tornam violentas –, e viram notícia quando se posicionam politicamente nas redes sociais. Esse relacionamento entre público e atletas é natural para o brasileiro contemporâneo, e vem desde os primórdios da prática do esporte no país. É o que diz ao Nexo Diana Mendes Machado da Silva, mestre em história pela Universidade de São Paulo e doutoranda em história social pela mesma universidade. Com um livro já publicado contando a história do futebol de várzea na cidade de São Paulo, Silva desenvolve, atualmente, uma pesquisa sobre a transformação da imagem de jogadores de futebol em celebridades ao longo da primeira metade do século 20. A pesquisadora respondeu a algumas perguntas sobre seu atual tema de interesse, em conversa por e-mail.

Diana
Diana Mendes Machado da Silva. Foto: IEA/USP.

Quais foram os primeiros jogadores de futebol a virar celebridade e por quê?

Assim que o futebol se tornou assunto nos jornais e revistas do início do século 20, os primeiros jogadores a participar das chamadas “partidas oficiais” acabaram por se tornar as primeiras celebridades do esporte. Charles Miller, Oscar Cox, entre outros, são ainda reconhecidos como os precursores da prática oficial em São Paulo e Rio de Janeiro. Em seguida, jogadores como Arthur Friedenreich e Marcos Carneiro de Mendonça seguiram representando os célebres ídolos das primeiras décadas da prática amadora nessas cidades. Se tomarmos a celebridade como uma construção coletiva que depende, por um lado, do reconhecimento público de uma personalidade e, de outro, da vontade e da possibilidade de publicação e reificação de seus feitos, fica mais fácil compreender o fenômeno. Em relação a esses quatro jogadores, por exemplo, é possível notar que a narrativa sobre o início do futebol nas duas capitais é parte fundamental no processo de construção de suas imagens. Em verdade, a celebridade só pode ser compreendida em meio a um contexto mais amplo de agentes e de significações. É justamente a partir dessa perspectiva que tenho procurado compreender a produção de celebridades futebolísticas, os craques, no início do século 20.

Qual era a dimensão do futebol na cultura popular, no começo do século 20?

Nesse momento, o futebol começava a penetrar todo o tecido social das grandes cidades brasileiras. Por ser fonte de grande interesse entre grupos sociais muito diferentes, a prática se espalhou rapidamente e se tornou um vetor de construção e difusão de noções, emoções  e valores individuais e coletivos e, nessa medida, assumiu um tempo e um espaço importante no cotidiano das pessoas. O ideal de meritocracia, o valor do desempenho individual e coletivo, o criação de um tempo e de um espaço específicos para o jogo e o uso do corpo para o prazer são apenas alguns exemplos. Então é nessa medida que se pode compreender como ele se tornou um terreno fértil para a produção de significados para a vida de homens e mulheres nas grandes cidades. E é também nessa medida que se pode compreender a produção coletiva dos ídolos de futebol.

A quem interessava exaltar a imagem de jogadores e cultuá-los como ídolos? Como a idolatria em torno de jogadores mudou do começo do século 20 para hoje?

No sentido da resposta à questão anterior, eu diria que a exaltação e o culto de jogadores e suas imagens interessava e interessa a muitas pessoas. A construção do jogador como celebridade, e a construção de sua imagem como craque e ídolo, precisa ser compreendida como um empreendimento não apenas econômico, mas cultural. Se as trajetórias de jogadores como Neymar ou Messi nada significassem para dezenas ou centenas de milhares de pessoas, não haveria produção, nem consumo de discursos e objetos a eles associados. É preciso lembrar que, mesmo antes do futebol, em variadas culturas e tempos distantes, é possível identificar trajetórias de vida que mereceram atenção e cuja importância ultrapassa gerações. As narrativas religiosas estão repletas de exemplos de vida cujos sentidos extrapolam as experiências individuais daqueles que as viveram. Assim, muito embora os sentidos criados em torno de certos jogadores tenham sido traduzidos em valor de troca e em lucro durante todo o século 20, isso não significa que o valor econômico deva ser a única lente a nos aproximar desse fenômeno. Vale notar que os interesses em torno da destreza, elegância, técnica, talento, personalidade e até mesmo pela história de vida de certos jogadores não são apenas fruto do investimento feito pela indústria de entretenimento esportivo, mas integram uma produção cultural coletiva mais ampla e de raízes mais profundas. Por último, creio que tenha ocorrido uma mudança de escala em relação à exploração e ao consumo dos ídolos de futebol, mas creio também que novos conteúdos passaram a circular em torno das figuras dos jogadores, o que renova as práticas de consumo.

Muitos dos craques do futebol brasileiros, como Leônidas da Silva, eram negros. Como isso se relaciona com a percepção sobre o negro no futebol e no Brasil?

Para estudar a ‘assimilação’ de Leônidas da Silva, estou levando em conta o momento histórico no qual ele foi integrado à cultura do futebol. É preciso lembrar que os primeiros 20 anos da prática esportiva foram “emoldurados” por imagens de um futebol “branco”, “amador” e “de elite”, mesmo que, na prática, como sabemos, dezenas ou mesmo centenas de jogadores fossem negros, pobres e recebessem pequenas gratificações para atuar em campo. No entanto, entre o final dos anos 1920 e o início dos anos 1930, essa “moldura” foi sendo alterada aos poucos e jogadores negros foram sendo incorporados ao conjunto de imagens sobre futebol. Muito sabemos sobre o papel de jornalistas e escritores – como Mario Rodrigues Filho e Gilberto Freyre – na construção de um discurso de valorização do futebol como um tempo-espaço social novo, capaz de incorporar uma parcela da população completamente alijada das promessas da modernidade, ou seja, educação, trabalho e cidadania. A meu ver, a circulação dessas ideias em textos produzidos para jornais, revistas e livros responde por uma parte dessa percepção casada entre o negro e o futebol na sociedade brasileira.

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Rafael Iandoli

Formado em Relações Internacionais, virou jornalista e escreve sobre contemporaneidades no Nexo Jornal, com especial atenção ao esporte e suas dimensões extracampo.
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