Visões do Tri

Depoimentos de jogadores da Seleção no Mundial de 1970

 

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 8 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1970, no México, a nona edição do torneio organizado pela FIFA. São eles: Félix, Carlos Alberto Torres, Marco Antônio, Gérson, Piazza, Edu, Roberto Miranda e Tostão. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil.

Local da Entrevista: Cidade de Santos, São Paulo; Entrevistadores: Clarissa Batalha, Fernando Henrique Herculiani e José Carlos Asbeg; Data da Entrevista: 22 de setembro de 2011; Transcrição: Fernanda de Souza Antunes; Edição: Bel Azevedo; Supervisão de Edição: Marcos Aarão Reis.

Jonas Eduardo Américo (Edu). Nasceu na cidade de Jaú, São Paulo, a 06 de agosto de 1949. Filho de uma professora de piano e de um alfaiate, estudou em colégio de padres. Graças à amizade de sua família com Pelé, foi levado para fazer um teste no Santos. Após o treinamento, o técnico Lula chamou-o a se apresentar ao elenco no ano seguinte, na reserva de Pepe. Estreou no time principal e logo chamou atenção do técnico da Seleção brasileira, Vicente Feola. Alguns meses depois, este treinador convocou-o para a disputa da Copa do Mundo de 1966. Com apenas 16 anos, foi o jogador mais jovem a disputar uma Copa. Sagrou-se campeão mundial em 1970 e foi convocado para a Copa de 1974.  No Santos, jogou até 1977 e nele acumulou diversos títulos: os campeonatos paulistas de 1965, 1967, 1968, 1969 e 1973; a Taça Brasil de 1965; o Torneio Rio-São Paulo de 1966; e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1968. Em seguida, jogou pelo Corinthians e participou da equipe campeã paulista de 1977, que pôs fim aos 23 anos sem títulos do clube do Parque São Jorge. Foi contratado pelo Internacional, de Porto Alegre, onde ficou pouco tempo. Atuou nos EUA pelo Cosmos. No futebol mexicano, pertenceu ao Tigres, da cidade de Monterrey.  Ao retornar para o Brasil, integrou equipes de menor porte, como o Nacional de Manaus. Foi bicampeão amazonense por este clube. O encerramento da carreira profissional não o afastou dos gramados. Participou de equipes de exibição e integrou a Seleção brasileira de Masters. Vive em Santos e é professor de escolinhas de futebol.

Edu quando jogava pelo Santos em 1971. Foto: El Gráfico n 2824.

 Edu, como foi sua infância? Conte um pouco sobre seus pais e o princípio no futebol.

Nasci em Jaú, no dia seis de agosto de 1949. Tive uma infância tranquila, graças a Deus, porque meus pais tinham certa condição e pude estudar em um colégio de padres. Meu pai foi ponta esquerda do XV de Jaú e dizem que jogava muita bola – não tive a oportunidade de vê-lo jogar, pois parou depois de casar. Ele tinha a profissão de alfaiate e minha mãe, professora de piano – naquela época era muito difícil uma pessoa negra ser professora, ainda mais de piano. Uma condição melhor mesmo. Tínhamos até um sítio, nosso até hoje… Meus pais se defendiam. Éramos seis irmãos: três homens e três mulheres. Papai trabalhou bem! Infelizmente meu irmão mais velho faleceu. Ele também jogou no Guarani e teve uma rápida passagem pelo Flamengo… Minhas irmãs se formaram, como eu, e somos uma família bem unida. Fizemos muita coisa legal.

Como era a vida em Jaú? E na escola?

Vim para Santos com quinze anos, mas passei toda a infância em Jaú. Eu ia ao colégio e depois, às vezes, a aulas particulares de inglês. Mamãe queria que falássemos outro idioma, então éramos uma classe de negros diferenciada. Papai tinha carro – naquela época era muito difícil, uma coisa bem diferente. Nesse meio tempo, participava das olimpíadas estudantis e sempre me destaquei no futsal. Joguei futsal até os doze, treze anos, mas a dedicação ao campo – a minha praia – me obrigou a parar. O futsal me trouxe mais condição e habilidade como atleta.

Seus pais apoiaram sua carreira no futebol ou tinham alguma restrição?

Minha mãe não queria… Qualquer mãe na época faria a mesma coisa. Jogadores de futebol eram vistos como marginais, vagabundos que não sabiam trabalhar. Eles não entendiam bem essa profissão, então tive sim esse problema. Me lembro das brigas entre papai e mamãe, porque ela achava que eu ia abandonar os estudos. Mas não: continuei jogando e estudando. Quando vim para o Santos, em janeiro de 1965, prometi continuar meus estudos, e como cumpri, mamãe aceitou um pouquinho mais. O sonho de papai era alguém da família jogar tão bem, ou melhor, do que ele! Foi um grande ponta esquerda.

Você se lembra de assistir algum grande time jogar em Jaú?

Sim, assisti a vários jogos: Do Santos, Corinthians… Meu pai me levava a quase todas partidas lá em Jaú, pois meu irmão mais velho jogava no Quinze e íamos sempre assistir. Meu outro irmão também jogou no Quinze, mas aí eu já estava no Santos e não tive a oportunidade de vê-lo.

Quando você percebeu que poderia seguir uma carreira profissional como jogador?

Uma história muito legal essa: no colégio tínhamos um time. Disputamos o campeonato infantil em Jaú e fomos campeões. Eu tinha 11, 12 anos, e já era titular do primeiro quadro – existia primeiro e segundo quadros. Eu jogava com rapazes de 17, quase 18 anos, todos mais experientes, e me saía bem, fazia gols e driblava facilmente. Quando fomos campeões, entramos na equipe do Palmeirinhas, o Palmeiras lá de Jaú, e começamos a disputar o campeonato amador. Eu tinha 13 anos e precisava pedir autorização aos meus pais, juizado de menor, um monte de coisas… A família do Pelé é de Bauru, cidade próxima, e a minha irmã é vizinha da família dele. Um dia ele perguntou a ela se mais alguém da família jogava futebol.  – Tem um moleque ponta-esquerda e dizem que joga. – Leva ele lá no Santos para treinar, eu apresento ao treinador e, de repente, quem sabe? Quando eu cheguei lá, o Pelé falou assim: – Não pense que, só porque o Pelé está te apresentando, você vai ficar! Precisa apresentar alguma coisa também.

Esse foi o seu primeiro encontro com o Pelé?

Foi. Estou tremendo até hoje [risos]. Ele vivia na Rua Oswaldo Koga, a algumas quadras de onde nós estamos – morava ainda com o empresário dele, o Pepe Gordo.  E ele já era bicampeão mundial! Quando eu o vi, fiquei tremendo! De repente eu estava ao lado do meu ídolo maior! Muita alegria. Depois fomos à famosa pensão da dona Georgina. Todos os jogadores ficavam lá. No dia seguinte, ele passou para me levar ao treino. Imagine eu chegando no clube, levado pelo Pelé numa Mercedes! Todo mundo pensando: – Deve ser fera! [risos]. E eu cheguei e já fui muito bem. Treinei umas duas vezes no infantil, a minha categoria, e já me deixaram de lado, porque entramos nas férias de julho de 1964. Aí eu voltei a Jaú, para terminar a escola, e mandaram-me retornar ao Santos em janeiro de 1965.

Você veio a Santos sozinho?

Não, meu pai me trouxe. Ele ficou uns dias aqui comigo, depois voltou e fiquei sozinho. Senti saudades, mas o que eu queria era muito mais forte.

Você voltou a Jaú tendo firmado algum compromisso com o time do Santos?

Não. Eu precisava voltar para daí conversarmos novamente. Nesse meio tempo, o meu irmão jogava no Guarani e estava em excursão, quando o cozinheiro do Guarani, muito seu amigo, chamou: – O infantil vai treinar. Você não vai vir? Eu aceitei. Fui razoavelmente bem e quando meu irmão voltou, o treinador do Guarani – Seu Zé Duarte, já falecido –, disse a ele: – Teu irmão joga bem, mas é muito novinho… No ano de 1965, quando vim definitivamente para o Santos, me colocaram direto nos aspirantes. Era muito legal, porque os jogadores profissionais contundidos ou no banco de reserva, queriam jogar e se manter em forma, então jogavam nos aspirantes.

Houve um campeonato e fomos a Campinas jogar contra o Guarani. Vencemos de dois a um – e eu fiz os dois gols! Meu irmão, depois, perguntou ao treinador: – E o jogo, seu Zé? – Tem um moleque aí, neguinho danado, veio aqui e arrebentou com a gente! Aí meu irmão contou: – É aquele menino que o senhor disse ser muito novo, o meu irmão! Foi uma boa não ter ficado no Guarani. Depois desses jogos nos aspirantes, logo fui convocado por uma seleção juvenil, ainda em 1965, e logo na sequência por outra seleção de jovens, e fizemos viagens a Trinidad e Tobago, Suriname… Me destaquei muito nessa seleção, isso em janeiro de 1966, e quando eu voltei ao Santos, o Lula[1] me chamou e anunciou: – Olha, vou te utilizar nos profissionais. Usou então uma técnica de trabalho muito interessante: Quando sentiu meu destaque na equipe de aspirantes, começou a me colocar na concentração do profissional – virei mais ou menos um garoto de “traz um café, traz isso, traz aquilo” e, com isso, fui me familiarizando e ficando à vontade junto do pessoal. Quando comecei a jogar, já tinha amizade com todos eles. 

Você recebeu seu primeiro salário no Santos?

Como jogador, foi no Santos. Ele abriu as portas da minha vida. Tive condições de comprar casa, apartamento. Trouxe minhas irmãs para ficarem comigo – meus pais não quiseram vir, porque tínhamos terras lá. O Santos me deu tudo.

Você lembra o que fez com esse primeiro salário? Gastou, comprou ou guardou?

Por incrível que pareça, eu me lembro: Tinha prometido trazer um relógio do Suriname para um amigo, então comprei o relógio e levei quando voltei a Jaú, nas férias. Também comprei sapato, uma calça e uma bermudinha. Já comecei a ficar mais alinhado [risos].

Sua vida pessoal mudou? Você namorava, pensava em casar, ou era ainda muito jovem?

Não, nem pensava nisso. Nem imaginava casar um dia, porque eu não parava aqui no Brasil. Disputamos o Campeonato Paulista, por exemplo, em 1966. Quando fui a Copa do Mundo, tinha apenas 16 anos, e todo mundo queria saber quem era aquele moleque! Bati todos os recordes, pois um ano depois de chegar ao Santos fui convocado para a Seleção Brasileira. Todo mundo queria me conhecer, praticamente não tive adolescência. E o Santos viajando pra cá e pra lá. Teve uma sequência depois: em 1967, 1968 e 1969, ganhamos e fomos tricampeões paulista. Tive muito destaque com esses três títulos, inclusive no supercampeonato disputado contra o São Paulo – como havíamos empatado em pontos, fizemos um jogo extra, e havia apostas. Achavam que um time do interior feito o Santos, não podia ser campeão paulista. Em sete minutos, já estava dois a zero para nós, e eu fiz um dos gols. Quando fiz aquele gol, ninguém me segurou no Pacaembu! É uma alegria fazer gol em uma final! Aos 16 ou 17 anos.

Você já era santista ou torcia por outro time?

Minha família é toda corintiana, mas depois foram virando santistas [risos]. Eu sempre gostei do futebol-arte e gostava de ver os gols. O Pelé me chamava a atenção, então comecei a reparar na equipe do Santos. Como sempre fui ponta e driblador, adorava ver o Garrincha jogar! Naquela época não televisionavam, só passavam o tape, tal hora da noite, às vezes tarde demais, e mesmo assim, apenas do Campeonato Paulista, dos times de São Paulo. Mas eu ia ao cinema e ficava só para ver o Canal 100, os jogos do Rio. Garrincha jogando, o Maracanã, um sonho: – Será que um dia vou pisar nesse gramado?! E, de repente, tudo aconteceu.

Quando você entrou no time, substituiu justamente o Pepe, aqueles craques deixaram de ver você como o menino do cafezinho?

Foi interessante. Joguei primeiro contra o Botafogo, depois Portuguesa e Flamengo – no qual o Abel se machucou. Jogamos então contra o Fluminense, no Parque Antártica, e o Pepe começou, mas entrou mal e no segundo tempo eu entrei. Contra o Botafogo, no Rio, o Lula já me escalou de cara. Eu pegava a bola e fazia o mesmo que nos treinos. Saiu uma falta perto da área, fui e peguei a bola para cobrar. O Zito[2] olhou e falou: – Esse moleque é abusado, não é? [risos]. – Eu vou cobrar essa falta! Do outro lado, o goleiro Manga. Bati forte, ele se esticou todo e espalmou a bola no escanteio. Aí o Zito olhou o Lima e fez assim: – Pô, vamos deixar! [risos].

Depois veio a partida contra o Bangu, no Pacaembu, e foi a minha consagração. Já estava à vontade com eles e, quando saiu uma falta novamente, peguei a bola. O Zito: – Deixa ele chutar! Nosso capitão mandava mais do que o presidente. O goleiro do Bangu era o Ubirajara, eu fui e pum: – Gol! Ninguém me segurou naquele Pacaembu! Quase dei a volta olímpica de alegria [risos]. Depois, ainda fiz mais um gol e enfrentei o Fidélis – Na época, o Fidélis, o Djalma Santos e o Carlos Alberto eram considerados os maiores laterais do Brasil. O Carlos Alberto estava do meu lado, os outros dois, adversários. O Fidélis tinha o apelidado de “touro sentado”… Quando jogamos contra o Palmeiras, foi um jogo chave, porque finalmente peguei o Djalma Santos e vencemos por três a zero. Fiz um ou dois gols, e num deles eu driblei toda a zaga do Palmeiras, inclusive o Valdir[3], o treinador de goleiro da Seleção!

Você se lembra da convocação? Onde você estava?

Estávamos no aeroporto e o massagista, Uberaldo, chegou e me disse: – Parabéns, você foi convocado! – Convocado para quê? – eu nem sabia que a convocação seria naquele dia. – Para a Seleção Brasileira! Eu duvidei: – Pô, tanto cara por aí, você vem tirar onda comigo? Peguei e saí quietinho. Aí tinha um senhor, com um radinho, ouvindo a escalação e eu perguntei a ele: – O senhor sabe quais jogadores do Santos foram convocados? Ele falou os nomes e completou: – Convocaram um moleque, um tal de Edu, mas eu não sei quem é [risos]. Quando ele falou aquilo eu fiquei ali parado, não conseguia nem andar…

Você disse quem era?

Não, eu não conseguia nem falar [risos]. Fiquei ali parado um tempão, depois agradeci e fui embora. – Poxa, legal! O meu pensamento voou até Jaú: meu pai ouvindo a notícia… Ainda me emociono. Desculpe… Fiquei só imaginando a alegria dele. Ele me trouxe a Santos e apenas um ano depois, pude dar esse presente a ele. Ele era fanático por futebol! Não dá para descrever a minha alegria e acho que a dele foi maior ainda.

Você nunca imaginou ser convocado nesse momento?

Não, eu nunca pensei assim, sabe? Eu queria jogar futebol, era o meu lance. Lógico, esperava um dia jogar na Seleção. O sonho de qualquer jogador – e de qualquer garoto –, é jogar em uma grande equipe e, mais ainda, jogar com a Seleção Brasileira! Mas eu não esperava assim tão rápido. E quando começaram os treinamentos, fiquei à vontade, porque tinha vários outros colegas do Santos e eu ficava junto deles, aguentando as gozações por ser garoto!

Esta convocação foi curiosa. Foram 44 jogadores convocados?

Quarenta e cinco. Imagine só: a cada estágio eles iam dispensando alguns. Colocavam todos em uma sala – parecia até sala de aula –, e diziam os nomes daqueles que iam continuar… Uma coisa ruim isso, já começou errado… Meu nome vinha sempre após o do Jairzinho. Jair, Jonas Eduardo… Me lembro de torcer para os jogadores do Santos continuarem, pois éramos amigos, estávamos sempre juntos. A partir dos treinos formaram-se vários times, divididos em cores: grená, verde, amarelo… Eu estava no verde, o mais fraquinho. O grená era o time no qual estava o Pelé, o Garrincha, Gilmar no gol, Djalma Santos [risos]… Claramente o time titular. Eu só pensava: – Ah, vamos embora, correr, porque eu quero jogar! Cheguei até aqui e quero participar da Copa do Mundo!

Quem eram os outros jogadores da sua posição disputando a titularidade?

O Paraná, o Rinaldo, o Ivair – nem era ponta-esquerda, mas na Portuguesa jogava nessa posição –, e depois ainda trouxeram o Amarildo da Itália… O Amarildo praticamente levou o Brasil ao título em 1962, substituindo o Pelé super bem. Pensei: – Não vou ter chance. E o Paraná estava no time grená. Mas eu continuei treinando e, quando saímos do Brasil, ele se machucou. Como a Fifa[4] precisava dos nomes, eu entrei.

Umas das críticas à Seleção de 1966 foi a preparação com 45 profissionais. Você acha que, de fato, isso atrapalhou?

Não sei dizer se atrapalhou, mas imagine: convocar 45 jogadores! Eu era muito jovem, então não fui tão afetado. Eu só queria fazer a minha parte: jogar. Conhecemos todas as instâncias balneárias de Minas! Uma seleção jogava no Mineirão e a outra no Pacaembu, entendeu? Não tinha jeito de se entrosar, um negócio muito errado… Não souberam aproveitar bem esse lado do entrosamento.

O Feola[5] conversava muito com vocês? Como era essa relação?

Eu me lembro bem, mas ele não conversava muito – aquela certa distância de treinador, de comissão técnica.  Eu era garoto, mas de vez em quando conversava. Nos jogos na Suécia, antes de irmos à Inglaterra, eu ficava no banco, mas em um jogo eu entrei. O ataque foi: Garrincha, Servílio – cortado depois –, Pelé e Edu[6] – capitão de esquerda. Treinávamos nos gramados da Facit[7] – uns campos maravilhosos – e o time estava muito bem.

Mesmo assim cortaram alguns nomes importantes: o Carlos Alberto, o Djalma Dias, o próprio Roberto Dias… Não estou desfazendo daqueles que foram, mas, poxa, tinha lugar pra esse pessoal na Seleção! Eu estava super bem, mas nessa partida tive um problema de cãibras. O doutor me deu um remédio, mas me deu febre. O Paraná estava machucado, e eu iria jogar, mas não consegui e quem jogou na ponta-esquerda foi o Jairzinho. O Garrincha na direita e o Jairzinho na esquerda. Não sei se era para eu jogar ou não, só sei que tomei esse remédio e depois tremia de frio…

Você recorda do primeiro jogo na preparação?

Ah, eu não lembro, não tenho ideia… Um historiador me disse que fui o jogador mais jovem a fazer um gol com a camisa da Seleção Brasileira, mas eu não sabia disso!

Você marcou seu primeiro gol aos 16 anos, no jogo contra o Peru. Foi o jogador mais jovem a ir a uma Copa do Mundo. 

Foi isso mesmo. Quebrei o recorde do cara que me trouxe [risos].

Após os cortes, começa a se formar um time titular. A primeira partida brasileira é contra a Bulgária. Você ficou no banco de reservas?

Ainda não existia substituição, só do goleiro. Ficávamos todos lá em cima assistindo, no lugar reservado aos jogadores. Tanto é que, contra Portugal, o Pelé levou uma pancada e precisou ficar no campo, porque não havia como substituí-lo.

Qual era o espírito do grupo quando vocês saíram para a Copa do Mundo?

Um ambiente bom. Um clima cheio de vontade de vencer. Alguns eram mais velhos e aquela seria a última Copa, então todos queriam ganhar. Conquistar o tricampeonato seria maravilhoso, mas houve um desgaste muito grande com essa convocação de 45 jogadores. É muito difícil, numa média de 15 em 15 dias, entrar numa sala e ficar na expectativa de saber se você vai continuar ou não. É muito desgastante viver na corda bamba. Um clima ruim. Acredito que isso tenha prejudicado muito. E houve também alguns cortes lá na Suécia, o Servílio, por exemplo. Ele treinou todo o tempo no time grená e, chegando lá, foi cortado. O Dino Sani e o Valdir, goleiro, foram cortados também.

Conte sobre a partida de estreia da Seleção.

A estreia é sempre complicada. Por mais experiência que tenha o jogador, sempre fica naquele nervosismo: – Como será? E o adversário também já vem com aquela sabedoria, entendendo que, se vacilar, o Brasil aplica uma goleada, então todos chegam se defendendo. Começa o jogo, a bola vai, vai e não entra. O time criou oportunidade, mas não fez. No futebol existe um ditado: – “Quem não leva, faz. Quem não faz, leva”. Tínhamos medo disso. Mas saíram os dois gols – de bola parada, Garrincha e Pelé, ambos de falta. A estreia é sempre complicada, mas passado esse momento o time se assenta um pouco… Mas nesse caso estava tudo errado.

E a partida contra a Hungria?

Fatídica! Ah, nem me lembro muito bem desse jogo [risos]. Estava desesperado, era moleque e chorava… Tomamos um gol e eu fiquei chorando. O Zito tinha sido o único a não jogar, além de mim. Ao meu lado, ele dizia: – Calma! Que é isso? Pra que ficar chorando?  Você vai a uma Copa do Mundo e quer ser campeão… Aliás, em qualquer torneio, você quer ser o primeiro… E eu, sentindo aquele drama, sem poder de reação… É complicado. Eles estavam bem: Em todas jogadas existia o perigo de gol. Estavam nos envolvendo com muita facilidade… Se não me engano, o Alcindo jogou no lugar do Pelé.

O Pelé não jogou. A partida contra a Bulgária foi a última dele e do Garrincha juntos. Na segunda, só jogou o Garrincha, e nessa última, o Alcindo.  Derrota de três a dois.

Complicado…

E no jogo contra Portugal, existia algum medo de jogar contra o Eusébio?

Não, porque no campeonato mundial entre clubes, o Santos foi lá e ganhou de cinco contra o Benfica, então não temíamos assim Portugal. Mas, de repente, mudou o time todo, do goleiro ao ponta-esquerda… Ainda pegaram o Pelé, e ficamos com um jogador a menos quase a metade do jogo.

O juiz estava do lado deles?

É, exatamente, não marcava nada. Nem falta ele deu nesse lance do Pelé. E o Eusébio foi infeliz… O Manga também… Não sei o porquê, mas talvez estivesse um pouco nervoso, pois era um goleiro excelente e de repente espalmou a bola para frente do gol – bê-á-bá do futebol de um goleiro. Enfim, Portugal veio e fez o placar.

Qual o jogo mais sofrido: Contra Hungria ou Portugal?

Ah, contra Portugal! Falar o mesmo idioma é complicado [riso]. Dentro de campo você escuta o pessoal falar algumas coisas, tipo: – Vamos lá! Eles não são nada disso!

Na última partida, o Jairzinho entrou na ponta direita, no lugar de Garrincha, e o Paraná ficou na ponta esquerda. Você acha que não entrou pela sua inexperiência? 

Eu não sei. Disseram que eu era muito novo e não queriam me queimar… Mas alguma coisa estava errada, porque me levaram para jogar. Eu não estava preocupado com esse negócio de me queimar ou não: 16 anos você pensa em quê? [riso] Em jogar!

Como foi o retorno após essa eliminação histórica do Brasil, na primeira fase, considerado o pior rendimento da Seleção em uma Copa do Mundo?

Como sempre digo, a mim não afetou tanto. Eu era um moleque, não entendia muito… Disputamos um torneio e fomos desclassificados. Sabia o que representava, mas eu teria oportunidade de disputar outras Copas, e apenas pensei: – Preciso chegar ao Brasil, continuar treinando e jogando bem, para voltar à Seleção.

Como foi a chegada ao Brasil? A imprensa, o torcedor bravo?

Não. Tenho até umas fitas dando entrevista nas quais eu falo: – Sou jovem, não joguei nessa, mas tenho condições de voltar em outras Copas do Mundo!

Mas, para jogadores feito o Djalma Santos e o Garrincha, acabou ali, não foi? Como estava o clima depois do jogo contra Portugal?

Voltamos de ônibus a Lynn, uma cidadezinha próxima a Liverpool, onde ficava o nosso hotel: O clima estava de velório. Mas o pior era saber que chegaríamos ao hotel e arrumaríamos a mala para ir embora. Todo o planejamento, a intenção de ganhar, de sermos os primeiros do grupo e acabar ali mesmo, em Liverpool… Foi tudo por água abaixo. Muito triste. Com 16 anos ter a chance de ser campeão do mundo – maravilha! – e, de repente, nem jogar. Todos os jogadores foram trocados e eu nem joguei… O Zito não jogou, estava machucado, mas eu tinha condições de jogar.

Em 1969, João Saldanha assumiu a Seleção como treinador. Qual o seu papel nesse momento?

Importantíssimo. Ele dizia: – Essas são as minhas 22 feras! A mim, ele simplesmente falou: – Olha, você vai ser o titular. Faça o que está acostumado a fazer no Santos! 1968 foi um ano muito bom, pois fui considerado o melhor ponta-esquerda do mundo e disputava com um jogador da antiga Iugoslávia, o Džajić[8]– na Europa era o “bambambam”. Nas elimintórias de 1969, time do Saldanha, fiz muitos gols, passes e fui quem fez a jogada para o gol da classificação no Maracanã! Também nesse ano fui considerado o melhor ponta-esquerda do mundo. Mas, infelizmente, o João Saldanha saiu.

Como era o clima interno no time do João Saldanha? Ele teve um problema com o Pelé, não foi?

Ele era sensacional, um amigo. Entendia o jogador de futebol, pois já tinha sido técnico do Botafogo. Aí houve aquela polêmica com o Pelé: ele disse que o Pelé estava cego, mas na verdade eu nem sei ele disse isso mesmo…  Um bom treinador, tanto que, depois da sua saída, continuamos fazendo tudo igual. Ele fazia a preleção, toda a comissão técnica saía e nós ficávamos discutindo. Ele dizia: – Agora, vocês discutam, porque quem vai jogar são vocês. E decidíamos entre nós como ficariam as coisas, quem daria o grito para mudar um plano tático se fosse necessário… Enfim, ele nos deixava à vontade.

Vocês chegaram a mudar alguma coisa depois da saída dele?

Mesmo com a entrada do outro treinador – quando eu também saí –, continuaram fazendo isso e houve uma mudança contra o Uruguai na Copa do Mundo de 1970: o Gerson foi muito marcado lá na frente e falou: – Não vou jogar desse jeito, não me deixam jogar. Aí ele inverteu: – Vou ficar de volante! Clodoaldo, você fica de meia. Deu tão certo que o Clodoaldo fez o gol. Um gol importantíssimo!

Quem eram as 11 feras do Saldanha, escaladas na primeira seleção?

O Cláudio – do Santos, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo – da zaga do Santos também. Piazza e Gerson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu[9]. Do ataque, só o Edu saiu… O novo treinador achava que todos precisavam jogar da maneira como ele jogava, nem sei qual seria [risos].

Você era o ponta esquerda!

Eu estava no meu melhor momento. No dia da mudança de técnico, estávamos reunidos para a chegada do novo treinador, o Rivelino sentado do meu lado. Eu avisei: – Riva, não jogo mais! – Como assim não joga mais? – Espera só, você vai ver. Não deu outra, não joguei mais. Ele escalou o Paulo César e depois, na Copa, o Rivelino.

Você conversou com o Zagalo sobre a sua saída?

Não. Eu confiava muito em mim mesmo e não falaria com ele só por isso. O povo brasileiro queria Edu na ponta-esquerda, mas ele era o treinador e não queria. Tenho um pouco de mágoa. Fui a duas Copas do Mundo tendo ele como técnico e nunca joguei – tanto é que nem cito o nome dele.

E o clima dessa preparação da Seleção Brasileira, no Rio de Janeiro? A pressão da imprensa e da torcida era diferente de 1966?

Mudou muito. Primeiro, a tecnologia facilitava – a televisão, por exemplo. Essa Copa do Mundo de 1970 foi muito importante. Para muitos também seria a última. Classifico essa Seleção não apenas como um time de excelentes jogadores, mas de homens que sabiam o que queriam. Nós queríamos ser campeões do mundo e fomos.  Tranquilos, tomávamos um gol e ninguém se desesperava. Tínhamos condições de fazer dois, três, e sabíamos disso. Não tinha jeito de perder aquela Copa do Mundo, todos eram jovens e muito focados. Eu, Clodoaldo, Paulo César, Leão, Zé Maria, todos com 20 anos e querendo ganhar. Jovens e responsáveis. Isso nos levou à conquista!

Essa vitória de 1970 foi muitas vezes atribuída a uma determinação pessoal do Pelé. Você o ouviu dizendo alguma coisa a respeito?

Sempre nos reuníamos nos quartos. Como vários colegas eram do Santos, de vez em quando ficávamos batendo papo – o Pelé com aquele violão e eu precisava ouvir [risos]. Afinal, é o rei!

O Pelé violonista deve ser um grande craque!

Camisa 10 fantástico! [risos] Ficávamos ali batendo papo e ele realmente estava muito sentido: elegeram o Eusébio o melhor jogador do mundo, o “novo Pelé”. Pelé só tem um. Não tem novo, nem velho, só tem um! E ele disse: – Não! Vou provar ao mundo quem é o Pelé! Estou treinando, preparado, e o mundo vai ver quem é o Pelé! E realmente viu, porque em 70 ele fez de tudo. Teve aquela bola do meio de campo que, infelizmente, não entrou. Mas nós, do Santos, vimos ele fazer isso várias vezes nos jogos, mas sem televisão, quer dizer, ninguém ficou sabendo. Hoje dizem: – O gol que o Pelé tentou fazer… Não! Ele já tinha feito esse gol, só não fez na Copa do Mundo, é diferente.

Outro fator importante foram as mudanças na preparação física dos atletas – uma nova equipe de preparadores, da qual fazia parte o Parreira. Você notou essa diferença?

Lógico! Foi completamente diferente. Tínhamos cinco instrutores: primeiro o Chirol, depois o Cláudio Coutinho, o Carlesso, o Camerino e o Parreira. Fizemos o preparo de uma forma bem inteligente, adequada, para não chegarmos à Copa desgastados. Eles cumpriram o planejamento feito pelo João Saldanha. Ao invés de ficamos em Guadalajara, fomos a Guanajuato, cidade com muito mais altitude – uma pedra de gelo durava a semana toda sem derreter [riso]. E treinamos nesse lugar bem alto. Quando descemos a Guadalajara, atropelamos todo mundo! Na Cidade do México, a mesma coisa: a capacitação física mudou totalmente, se tornou estudada. Em 1966 só tinha o falecido Paulo Amaral e mais outro, do Exército, acho que se chamava Firmino. Completamente diferente. O Paulo Amaral pegava uma vara de bambu, rodava e a gente ficava em volta, saltando, senão levava uma lambada [risos], podia até quebrar a perna. Hoje você vê a preparação física e dá risada disso tudo. [risos]

O Rildo – titular cortado da Copa do Mundo – levantou a possibilidade desse corte ser político. Você percebeu esse tipo de influência naquela Seleção?

Ah, eu não sei. Nessa época, naquela idade, não via essas coisas, nem entendia muito bem. Mas houve esse corte do Rildo… O Djalma Dias também e ninguém entendeu, porque ele era o titular das eliminatórias. Fomos bem classificamos, facilmente, sem tomar tantos gols… De repente, cortam, e o jogador não vai nem à Copa?

Na mesma linha, mas ao contrário, pode ser o caso da convocação do Dadá[10], não acha?

É, o Dadá. Tem a ver com a queda do Saldanha. O presidente Médici falou que gostaria de ver o Dadá na Seleção. Aí o Saldanha respondeu: – Vê se eu escalo os seus ministros?! [risos]. Acho que a queda veio disso… E o Saldanha era de esquerda. [risos]

Esse período de ditadura interferiu? Vocês até almoçaram com o Médici, não é? Os militares queriam muito que o Brasil vencesse?

A vontade existia. O presidente Médici ligava antes dos jogos, fazia questão de conversar com todos os jogadores: – Está tudo bem? Boa sorte! Não sei era pressão ou não.

Ele ligava?!

Ligava. E quando voltamos, fomos direto a Brasília.

Na estreia contra a Tchecoslováquia você estava lá em cima, sem jogar?

É, estava [risos]. Éramos os jogadores pombinha: Íamos lá para cima e não tinha como descer [risos].

Em 1970 já existia o banco de reservas?

Já, ficavam cinco no banco. Contra a Tchecoslováquia, eu não fiquei. Se não me engano, foi no jogo contra a Romênia que eu até joguei.

Você lembra a partida contra a Tchecoslováquia, com resultado 4 a 1?

Lembro. Um choque! De repente o Brasil tomou um gol e todo mundo: – Ôpa, espera aí! Mas logo na sequência a gente empatou, depois fizemos dois a um, porque a confiança era muito grande. Quando um grupo é unido, todos pensando igual, não tem como ser derrotado.

Em 1966 você viu dois jogos nos quais o Brasil começou perdendo e, no final, acabou sendo eliminado. Nessa nova Copa, você está novamente lá em cima, assistindo, e o time começa perdendo…

Não! Mas era uma situação completamente diferente. Sabíamos o que queríamos. Tínhamos muita confiança e todo mundo estava bem centrado. O ambiente é muito importante. Ninguém torce para um colega se machucar só porque quer jogar, não! Todo mundo quer jogar, é logico, mas torce pelos outros!

Depois da vitória contra a Tchecoslováquia, aconteceu um dos maiores jogos da história das Copas do Mundo: Brasil e Inglaterra.

Ganhamos o jogo com uma defesa do Félix, logo no início. O Lee – ponta-esquerda, da Inglaterra –, chutou a cara do Félix. A Inglaterra “toda-toda”, e depois, num lance perto da área, o Carlos Alberto deu uma pegada no Lee e ali ganhamos o jogo. A Inglaterra sentiu nosso time mais forte que o deles. O gol do Tostão foi uma coisa maravilhosa! E o Banks fez uma defesa espetacular contra a cabeçada do Pelé

Ambos, Félix e Banks, dizem que essas foram as defesas mais importantes de suas carreiras.

É isso aí!

Como foi a emoção de entrar, pela primeira vez vestindo a camisa da Seleção, em uma Copa do Mundo televisionada, com o Brasil inteiro assistindo?  

Uma emoção maravilhosa, não tem como descrever. Mas entrei faltando apenas uns quinze minutos, na maior vontade e pensando: – Vou fazer minhas jogadas! Mas quando eu peguei na bola a primeira vez, vieram dois em cima de mim, aí ameacei e toquei para trás – pelo menos não perdi a bola – porque você entra frio, o resto do time já está no clima e é difícil. Até entrar no clima, o jogo acabou. Mas foi um momento mágico. Disputar uma Copa do Mundo! Infelizmente, só por 15 minutinhos. [risos]

E nas quartas de final, contra o Peru?

O Peru, super bem treinado pelo Didi, que armou um time maravilhoso, com muitos atletas semelhantes aos do futebol brasileiro: Perico Leó, Baylón, Cubillas, o ponta-esquerda deles jogou inclusive no Palmeiras, o Gallardo. O Peru não vai mais ter uma equipe daquelas. Deram um pouquinho de trabalho, por causa das características e dos bons jogadores, mas os peruanos também não foram páreo para a nossa Seleção.

E aí o Brasil enfrenta o Uruguai novamente em uma Copa do Mundo, após 50 anos. Existia um clima de revanche?

Não. Veja bem, os jornalistas pegam qualquer detalhe. Os uruguaios então, querendo nos tirar do sério, mais ainda. Mas em 50 eu tinha um ano de idade [risos] e muitos ali estavam na mesma situação. Nada a ver uma coisa com a outra. Isso aconteceu em 1950, nós estávamos em 1970. Sofremos o gol, mas não houve aquela precipitação ou nervosismo: – Será que vamos conseguir? – Não. Vamos conseguir! Temos condições de virar, de reverter esse quadro. Estava meio complicado da bola entrar, mas houve essa inversão de posicionamento: como o Gerson estava muito marcado, ele e o Clodoaldo mudaram de lugar, e de repente, aconteceu o gol do Clodoaldo, na jogada sensacional do Tostão. Se não me engano, o primeiro tempo terminou empatado, um a um, mas sabíamos que íamos vencer aquele jogo, porque éramos o melhor time.

O Pelé fez jogadas geniais, não foi?

É. Inclusive aquela do drible no Mazuquievsky, e depois o tiro de meta desse mesmo jogador, que o Pelé rebateu de primeira. A falta sofrida por ele foi legal: quando caiu na área do Uruguai, fez o passe para o Rivelino, sofreu uma falta e caiu na área. Então veio aquele pessoal todo e um cara pisou na mão dele… Se você prestar atenção no tape, vai perceber: ele levantou rápido, olhando, olhando e tentando ver o número da camisa no meio daquele monte de gente. E ele viu. Depois, aproveitando que o outro vinha atrás dele, diminuiu a passada – o Pelé fazia muito isso –, deu uma cotovelada, gritou e caiu. Sofreu a falta ainda! Quando fui jogar no México, no Tigres, o preparador físico era esse Matoso [risos], quem levou a cotovelada, e um dia estávamos conversando, e ele contou: – Edu, fiquei uns dez minutos sem saber onde eu estava! Ficou tontinho. O Pelé sabia bater bem, sabia se defender, como ele dizia: – Se você jogar legal, vou jogar legal. Se bater, vou me defender.

O Pelé até quebrou a perna de alguns jogadores para se defender, não é?

Exatamente. Ele apanhava bastante, mas depois devolvia, dava o troco.

Uma coisa muito comentada nessa Copa foi o clima da torcida mexicana.

Nossa, até hoje, se você chega ao México e diz: – Brasil 1970! Eles respondem: – México 1970! Tive a oportunidade de jogar no futebol mexicano e aonde eu chegava era bem recebido. Muito legal! Nessa Copa, o mexicano se tornou brasileiro. No jogo da final, quando o Brasil venceu a Itália, eles diziam que o Brasil tinha se vingado por eles. – O Brasil nos vingou, Brasil nos vingou! Porque eles foram eliminados pela Itália, se não me engano, num placar de quatro a um, e quando foram eliminados, passaram a torcer pelo Brasil.

Daí, em todos os finais dos jogos formávamos aquela carreata atrás do ônibus, até as suítes Caribean – onde ficamos –, e depois, para agradar, a gente fazia um samba – digo isso entre aspas, pois não toco nada, só um chocalhozinho e olhe lá. –, mas ficávamos lá em cima tocando, cantando, e o pessoal dançando lá na rua. Virou um clima brasileiro no México. E eles se entregaram mesmo! Quando chegamos ao país, eles colocaram uma florzinha na lapela do nosso terno e no final da viagem todo mundo ainda estava com a florzinha – não sei se ainda tenho esse terno, mas se tiver, a florzinha deve estar lá.  Eles acharam isso um gesto fantástico. A Inglaterra, por sua vez, levou água para o México, levou tudo, foi complicado…

Quase uma ofensa?

 Exatamente.

Você achou significativa essa adesão da torcida mexicana na conquista do Brasil? Ou o Brasil ganharia até com torcida contrária?

Ganharíamos até com torcida contrária. Mas a maneira como jogamos agradou a eles: – Vamos torcer pelo Brasil! Adoram os brasileiros, uma coisa fantástica! Eles gritando: – Brasil, Brasil, Brasil! Foi maravilhoso.

Em qual momento você sentiu que seríamos os campeões?

Veja bem, quando a Copa começou, em nosso primeiro jogo, ficou claro que não tinha para ninguém! Todo mundo com um pensamento só: Ser campeão do mundo! Nos treinamentos, era visível uma disputa, uma guerra: – Não, eu vou cobrar de ti! Às vezes, nos treinos, o Carlos Alberto dizia: – Edu, para! Calma aí! E eu falava: – Cara, tu já está escalado e eu preciso me escalar! – Pô, dá um tempo! Quer dizer, eu forçava bem o Carlos Alberto!

Não existia aquela história de treino é treino e jogo é jogo?

Não. Eu forçava bem, porque no jogo quase não tinham pontas-esquerdas, mas quando o cara ia desse lado, o Carlos Alberto dominava fácil com a sua categoria, por isso eu forçava nos treinos! Foi tudo favorável a essa conquista, a maneira como levávamos os treinamentos, as brincadeiras, um sempre respeitando o outro. Se um não gostava de brincar, os outros respeitavam e isso faz uma Seleção ficar forte.

O seu temperamento é reservado ou mais de brincar?

Sou mais de brincadeira, mas bem calmo, sossegado. Mas eu gosto de uma sacanagenzinha aqui e ali. Era um barato! Naquele time, a maioria tinha um apelido e dificilmente a gente se chamava pelos nomes, sempre pelo apelido, mas só entre nós.

O Pelé tinha apelido?

Pelé não tinha, não.

E o Edu?

Ah, o do Edu não dá para falar [risos]. Do Gerson todo mundo sabe, não é? Papagaio. O Clodoaldo: Hortelino Troca-letras, aquele do desenho animado, pelo jeito que falava. Zé Maria, Zé Bocão. Brito: Cara de Cavalo. O Tostão era Cara de Ovo. [gargalhada] Paulo César: Nariz de Ferro. Era gostoso, até hoje a gente se encontra! O Rivelino, Orelha. Vou falar o meu: Zé Bundinha [risos]. Não sei o porquê. [gargalhada]

Quem você destacaria nessa Copa de 1970?

O Brito. Ele teve o melhor preparo físico da Copa, sobrou e estava muito bem! Um ponto forte da nossa equipe.

Você falou bastante sobre as dificuldades no jogo contra a Itália. Consegue resgatar algo após o término do jogo?

Quando fizemos o segundo gol, comemoramos. Sabíamos que eles não iam aguentar. O ritmo forte do Brasil permitiu até terminarmos o primeiro tempo em dois a um para o Brasil. O Pelé cabeceou e fez o gol, mas o juiz declarou o tempo terminado. A Seleção da Itália, principalmente a zaga, já tinha certa idade, eram mais velhos, e nós voávamos, um condicionamento físico invejável. Fora isso, treinamos na altitude e matamos eles.

E eles marcavam homem a homem?

É. O Jairzinho chegou à ponta esquerda, o Fachetti marcando, tocou para o Gerson. O Gerson, livre de marcação, fez o segundo gol. E o gol do Jairzinho, a bola praticamente bateu nele e entrou – Pelé ajeitou de cabeça para ele. Quando o Brasil fez o segundo gol, nós lá em cima já comemorávamos! E os mexicanos, ali do nosso lado, viram nossos uniformes e começaram a comemorar junto: – Brasil, campeón del mundo! Brasil, campeón del mundo! Aquela festa. Quando terminou a partida, a atitude do Félix no vestiário foi muito legal, porque ele tinha sido muito criticado, a imprensa malhou muito. Goleiro bom é assim: quando você precisa, ele está lá. Exatamente o que aconteceu. Ele chorou muito, de alegria, claro, mas ao mesmo tempo num desabafo.

E a volta? Como foi a chegada?

Alegria, não tinha como! Cheguei à minha rua e a luz de casa toda apagada. Pensei: – Será que esqueceram de pagar a conta da luz? Eu morava com minhas irmãs e, de repente, quando abri o portão, acenderam as luzes e estava todo mundo dentro de casa, a rua toda, o meu pai… Foi uma festa, muito legal. Não dá para descrever a alegria de vencer uma Copa do Mundo. É maravilhoso!

Você ficou frustrado por não jogar, mas a alegria da conquista supera esse sentimento?

Embora eu não tenha jogado, me considero igual a todos os outros. Ficava de fora torcendo para o Rivelino ir bem. Depois, quando o Paulo César entrou, a mesma coisa, porque ele ganhando, eu ganhava também. Fazia parte daquele grupo. Eu repito: essa foi uma Seleção formada por homens que sabiam o que queriam. Não importa se jogou A, B, ou C. Queríamos ser campeões mundiais e eu sou tão campeão do mundo quanto qualquer outro.

E o Zagalo continuou treinando a Seleção nesse período.

Aquele treinador… Em 1974, ele convocou 22 jogadores e eu não estava na lista. Acreditem ou não: eu era o melhor ponta-esquerda do Brasil, mas não fui convocado. Ele convocou o Dirceu e o Paulo César – eles nem jogavam na ponta esquerda. Logo depois, não sei por que, convocou o César, o Edu[11] e o Valdomiro. E quando cheguei, ele não se contentou e convocou mais um ponta-esquerda: o Marilson – também não jogava nessa posição. Ele queria me complicar [risos]. E o meu pai cobrando: – O que tu anda fazendo? Já imaginando farra, bagunça. Neguei, disse que estava normal, jogando no Santos, sendo campeão paulista. Apresentei-me numa segunda-feira e no treino de terça-feira falei com o Chirol: – Olha, estou parado, terminou o campeonato paulista, fomos campeões e tal, e agora estou sem fazer nada, sem treinar. Preciso adquirir pelo menos um pouquinho mais de condicionamento físico.

Aí teve um treino coletivo no Maracanã, eu no time de baixo, o Nelinho no time de cima, na lateral. Ele sempre atacou bem, mas nunca foi testado defendendo e eu passei várias vezes por ele. E no outro treino coletivo, almoçamos lá em São Conrado, Flamengo e depois teve a concentração, a preleção – eu não via possibilidade de jogar e por isso comi muito bem. Aí veio a escalação: o ataque é Jairzinho, Leivinha e Edu… Não podia me negar a jogar, pois era o que ele queria ouvir. Quando terminou a preleção fui atrás do Chirol: – Poxa, palhaçada. Vocês estão a fim de me ferrar mesmo! Mas falei em outros termos. – Não, você se apresentou bem no treino. – Estou sem treinar, não vou aguentar jogar 90 minutos. – Não, você está bem! Eu queria jogar e fui: Edu na ponta-esquerda. Levei uma sonora vaia: Queriam o Paulo César. Se não me engano, Brasil X Tchecoslováquia… A bola cai no meu pé, peguei, montei de graça, driblei e tal, cruzei… Aí o torcedor mudou.

Começaram a gritar o meu nome e eu pensei: – Agora sim! Também compliquei o treinador, pois veio o outro jogo e ele já não pode mais me sacar daquele jeito. Se não me engano, jogamos contra a Romênia e também joguei muito bem. Me entendi muito bem com o Marinho Chagas. Mas saímos do Rio para jogar em Brasília contra o Haiti – se não me falha a memória. Quem foi o primeiro jogador que ele tirou? O Edu. Não tem jeito, não ia jogar nunca… O time jogou contra o Haiti, uma seleção fraca, e não conseguia fazer gol! Estava ganhando apenas de um a zero. No segundo tempo ele me colocou e fizemos três gols, rapidinho. Fiz um, dei um passe e o Marinho Chagas fez o outro. Falei: – Bom, agora ele sentiu quem é quem! Quando viajamos à Alemanha não teve jeito, não joguei. Joguei contra o Zaire… Só pode ser isso: ele queria me queimar, porque precisávamos fazer três gols e, por sorte, conseguimos. O Valdomiro cruzou a bola e o goleiro fez um gol contra. Falaram que tinha sido do Valdomiro e não do goleiro [risos].

Você não acha ser essa uma questão tática do Zagalo?

Acho que sim, mas uma tática meio persecutória. Os próprios jogadores, nos treinos, falavam: – Poxa, não entendo como você não joga!

Imagino que o Zagalo se sentia mais seguro com uma defesa bem armada, voltada a fechar o meio do campo, mas não entendo, pois o seu estilo já prendia o defensor lá atrás, não é? 

Prendia mesmo. O lateral do time adversário não tinha chance de atacar. Se atacasse, levaria uma bola nas costas e daria chance de um gol de contra-ataque, mas ele sempre optou por isso… Esse jogo contra o Zaire foi três a zero. Aí veio aquele contra a Alemanha Oriental e ele me tirou. Voltou novamente aquele esquema… Como na partida contra o Zaire, nem o Dirceu nem o Paulo César jogaram, sobrou para mim.

Nessa segunda fase, nos jogos contra a Alemanha e a Argentina, o desempenho do time melhorou. O clima era tranquilo nessa Seleção? E a partida contra a Holanda?

Um clima bom, tranquilo. O jogo contra a Holanda, eu digo, era para ser o mais fácil. A Holanda estava morrendo de medo e nós tivemos duas chances claras de gol. Nós tínhamos armado uma jogada e deu certo, porque a Holanda fazia uma linha de impedimento, então, uma hora o Paulo César ficou sozinho com o goleiro, mas imaginou-se impedido, chutou e a bola foi para fora. Se o Brasil fizesse um gol ali, teríamos condições de fazer uns três ou quatro, pois eles estavam morrendo de medo. Eles sentiram que nós não fizemos nada e vieram em cima. Foram felizes em dois cruzamentos e o Cruyff fez o gol.

Ah, mas a Holanda tinha uma seleção extraordinária!

Muito boa, porque armavam esse time fazia tempo… Perdemos a partida e depois jogamos contra a Polônia. O João Havelange até ofereceu um dinheiro extra aos jogadores, incentivando a vitória, mas esse time da Polônia já vinha se preparando – se não me engano, para as olimpíadas. Venceram o Brasil em 1974, jogando com praticamente os mesmos atletas.

Encerra-se a sua participação nas Copas do Mundo.

Três copas. Eu tinha condições de ir a outras, mas como saí do Brasil e fui para o Cosmos, e depois, México, não deu certo. Podia ter ido à Copa de 1978, na Argentina. Eu estava com 29 anos e já era veterano em Copas do Mundo [risos].

Edu, para encerrar: o que espera da Copa do Mundo de 2014, no Brasil? Qual a expectativa, não apenas em relação à organização, mas ao futebol também?

Minha maior preocupação é com a organização. Estou meio temeroso, porque já fui a outras Copas do Mundo e vi a organização, por exemplo, da Copa de 2006, na Alemanha. Vai ser muito difícil conseguirmos uma organização como aquela. Temos tudo para isso, inclusive tempo hábil, mas, infelizmente, aqui no Brasil o pessoal quer ganhar um pouquinho mais aqui, um pouquinho mais ali… Não é assim. Vamos construir primeiro, aí sim posso acreditar na resolução desse problema da organização.

Agora, quanto ao futebol, o Brasil precisa formar uma Seleção forte. Temos condições de dar essa alegria ao povo brasileiro. Muitos não tiveram a oportunidade de ver a Copa do Mundo de 1950 – que, infelizmente perdemos –, mas essa é a chance da nossa juventude ver e gritar: Brasil campeão! Em minha opinião, ainda não temos um treinador da Seleção e precisamos muito definir esse treinador. É triste: o Mano ainda não mostrou nada, não nos passou a confiança necessária em termos de comando da Seleção Brasileira. Então, começa por aí: o primeiro passo é definir um treinador competente, inteligente e ousado.

Edu, em nome da Fundação Getúlio Vargas, do CPDOC e do Museu do Futebol, agradecemos muito a sua entrevista.


 

Obrigado. Sou eu quem agradece a oportunidade. Estou aqui, sempre à disposição!

[1] Luís Alonso Pérez.

[2] José Ely de Miranda, capitão do time do Santos na época.

[3] Valdir Joaquim de Morais.

[4] Federação Internacional de Futebol.

[5] Vicente Ítalo Feola: ex-jogador e técnico da seleção brasileira nas copas de 1958 e 1966.

[6] Em alguns momentos, Edu refere-se a si mesmo na terceira pessoa.

[7] Facit AB era uma empresa multinacional fabricante de produtos de escritório. Sua sede estava localizada em Åtvidaberg, Suécia.

Dragan Džajić.

[9] Referência a si mesmo.

[10] Dario José dos Santos, conhecido como Dadá Maravilha.

[11] Refere-se a si mesmo.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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