16.1

Flavio Gomes

Equipe Ludopédio 20 de janeiro de 2017

Torcedor da Lusa e colecionador de carros antigos, o jornalista Flavio Gomes tem uma longa trajetória dedicada à cobertura do automobilismo e do futebol. Foi repórter e editor da Folha de S. Paulo, editor da Placar e trabalhou no jornal Lance!. Foi apresentador e comentarista de Fórmula 1 da Rádio Jovem Pan AM, fez parte da equipe de jornalismo da Rádio Bandeirantes e das rádios ligadas à ESPN (Eldorado/ESPN, Estadão/ESPN e Capital). Foi comentarista e apresentador dos programas Limite, Bate-Bola e Pontapé Inicial na ESPN Brasil. Atualmente é comentarista e apresentador dos programas Fox Sports Rádio e Fox Nitro da Fox Sports. Criador da agência de notícias Warm Up, dedicada à cobertura do automobilismo, e do site Grande Prêmio, Flavio também atuou como professor de Jornalismo na FAAP.

Flavio Gomes. Foto: Max Rocha.

Primeira parte

 

Embora sua paixão seja o automobilismo, o futebol é uma coisa muito importante para você. Todos sabem o quanto você ama a Portuguesa de Desportos e o futebol de uma maneira geral. Conte-nos qual sua primeira lembrança sobre futebol.

Minha primeira lembrança de futebol é da Copa do Mundo de 1970. Eu tinha 6 anos de idade, morava em Moema e foi a primeira Copa transmitida pela televisão para o Brasil, ao vivo, em preto e branco ainda. E eu ganhei de presente de aniversário do meu pai uma camiseta da seleção brasileira. Era muito engraçado porque naquela época não existiam obviamente camisas oficiais, de marca, como hoje. A camisetinha que ganhei vinha com um escudinho da CBD, preso com colchetes – era a própria pessoa que pregava na camiseta –, e um número costurado nas costas. Minha lembrança é ter visto a seleção brasileira chegando pelo Aeroporto de Congonhas. Pode ser uma coisa de minha cabeça, mas acho que não é porque tem algumas fotos da seleção desfilando em carro de bombeiro pela Avenida Moreira Guimarães, que é a continuação da Rubem Berta e da 23 de Maio. Eu me lembro que a gente foi para cima do viaduto ali, que é muito perto da onde eu moro hoje por coincidência, para ver a seleção passar.

Lembro, também, muito vagamente de a gente ir assistir aos jogos na casa de um tio meu, que morava lá perto, em Moema também. A gente juntava lá a família toda, tio, meu pai, meu avô para ver os jogos da seleção brasileira. Gozado, são lembranças esparsas, mas vivas em minha memória. Minha tia tinha uma cachorrinha pequinês, chata pra burro, chamada Suzy. No dia da final, eu me lembro que meu avô, que fumava, deixou cair o cigarro no chão, só que ele caiu de pé. Então, ninguém podia deixar a Suzy chegar perto porque aquilo era um sinal de sorte, e depois o Brasil ganhou o jogo.

Minha primeira lembrança de futebol, então, é a Copa de 1970. Agora, como um garoto que começou realmente a gostar de futebol é um jogo da Portuguesa, que meu pai me levou. Foi a primeira vez que fui a um estádio, em agosto de 1971, no Pacaembu. Eu tinha 7 anos. Meu pai, meu avô, meu irmão mais velho e eu. Fomos os quatro ao Pacaembu e ficamos no Tobogã – isto eu me lembro bem. Era Portuguesa e Palmeiras. Outro dia eu até achei esse jogo, por isso que disse que foi em agosto. Eu me lembrava dele, mas junto com o Paulo Vinícius Coelho achei essa partida do Campeonato Paulista. O Palmeiras ganhou de 1 a 0, mas eu saí do estádio torcendo para a Portuguesa. Meu pai era torcedor da Portuguesa, porém não me lembro de ele forçar a barra para seus filhos torcerem para o time dele. Até porque meus dois irmãos mais velhos não torcem para a Portuguesa, exceto meu irmão mais novo, que eu fiz torcer. Eles torcem para o Palmeiras, porque meus tios eram palmeirenses.

Eu saí daquele jogo torcendo para a Portuguesa. Achei um máximo o estádio lotado, o Pacaembu vivia lotado na época. A torcida da Portuguesa ficava na arquibancada, no meio do campo. Não tinha essa história de torcida visitante ficar num canto, segregada. Não tinha nada disso. Tinha mais torcedores do Palmeiras no estádio, mas achei muito legal as cores, vermelho e verde, as bandeiras e tudo mais. Enfim, saí daquele jogo torcendo para a Portuguesa. Essas são minhas primeiras lembranças de futebol.

Você gostava mais de jogar bola ou de assistir?

Com 6 para 7 anos de idade, eu não jogava bola. Jogava bola no corredor de casa com meus irmãos. Logo no ano seguinte, em 1972, nós mudamos para o Rio de Janeiro. Fui morar em um prédio em Copacabana, cujo vizinho do andar debaixo era o Sérgio Cabral, o pai. O Sérgio Cabral Filho, o Serginho, que era nosso amigão, virou governador do Rio e tal. Então, o futebol no Rio, naquele prédio, era uma coisa muito mais presente do que aqui em São Paulo, pelo que eu me lembro pelo menos. Com meus coleguinhas na escola em São Paulo – eu estudava em colégio público –, futebol não era um assunto, mas no Rio de Janeiro era. Todos os moleques jogavam bola na rua, todos eles torciam para o Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense. Aí chega uma família paulista para morar naquele prédio. O Sérgio Cabral era um cara da crônica esportiva e cultural também, vascaíno histórico e não sei quê. Então, futebol entrou na minha vida para valer, de jogar bola na rua e começar a acompanhar, quando eu me mudei para o Rio de Janeiro em 1972.

Teve algum time do Rio de Janeiro que te seduziu?

Não teve. Primeiro, porque era paulista. Aí alguém me perguntava: “Para que time você torce?”. “Eu torço para a Portuguesa.” – respondia. E a Portuguesa era importante na época, tanto que no ano seguinte foi campeã paulista contra o Santos, naquele título dividido e tal. Esse jogo passou na televisão. Então, eu tinha ídolos. Os parentes de São Paulo que iam nos visitar no Rio levavam-nos jornais, a Gazeta Esportiva. Eu tinha uma foto do goleiro da Portuguesa na parede, o Zecão. Mais ou menos nessa época, também, minha mãe me levou para fazer peneira no Flamengo. Eu e meus irmãos, o mais velho principalmente – o mais novo era muito pequenininho –, começamos a gostar muito de futebol. A gente jogava bola na praia, na rua e fiz um gol na peneira do Flamengo… Como disse, o futebol no Rio de Janeiro, em minha faixa etária, entre os 7 e os 10 anos, passou a ser uma coisa muito mais presente. Nunca nenhum clube do Rio me seduziu. Até porque quando você é moleque – eu pelo menos era assim –, você quer ser um pouco diferente dos outros, e meu time era a Portuguesa.

Em que momento que o jornalismo começou a ser uma perspectiva em sua carreira?

Desde sempre. Gozado que algumas coisas decisivas em minha vida eu me lembro do ponto zero, como quando passei a torcer para a Portuguesa. Sobre jornalismo, eu sempre gostei de escrever. Mesmo garotinho ainda, até 10 anos de idade, eu era alguém que lia e escrevia muito. Lia muito gibis, da Disney, em especial dos personagens em torno do Pato Donald. Naquela época, existia uma coisa chamada “Manual do Escoteiro”, “Manual do não sei que lá”… e eu era um consumidor voraz dessas coisas. Tinha, também, um joguinho de tabuleiro – putz, gostaria muito de encontrar isso de novo! – que tinha o nome de “O Repórter”, “O Jornalista”, alguma coisa assim. Um era o repórter, outro, o chefe do jornal. Você jogava dado e, se desse 5, por exemplo, ia cobrir um incêndio, 3, um assassinato. Era um joguinho de tabuleiro besta, mas aquilo me encantava muito. Dos personagens da Disney, muita coisa acontecia em torno de um jornal. Chamava-se “A Patada”, que era do Tio Patinhas. O Pato Donald, às vezes, era repórter, e o Peninha era repórter também. Quando saiu o “Manual do Peninha”, eu li e vi uma descrição da profissão, do que era jornalismo. Quase que imediatamente eu falei: “Puta, isso é o que eu quero fazer na vida!”. Então, eu decidi muito rápido o que eu queria ser.

A gente saiu do Rio de Janeiro. Moramos três anos lá e voltamos para São Paulo. Estudei aqui no Arqui [Colégio Arquidiocesano], era muito bom aluno de redação. Escrevia muito e comecei a escrever cadernos com as coisas da Portuguesa, relato de jogo, colunas semanais… Escrevia para mim mesmo tudo isso, mas com muito método. Os meus cadernos na Portuguesa tinham seções fixas: “O craque do mês”, a coluna semanal, “Cadê eles?”, sobre ex-jogadores do time… Só eu lia, nunca ninguém leu essa porra! Não é que eu mostrava para o meu pai, para a minha mãe. Não, era uma coisa muito minha. Eu tinha quase uma obsessão por estatística: cartões amarelos, gols, renda, público… De 1977, quando comecei a fazer isso, até entrar na faculdade, em 1981, não existe nada mais completo sobre a Portuguesa do que essas coisas que eu escrevia, porque tem todos os jogos, todos os dados, todas as fichas técnicas…

Em 77, eu já tinha 14 anos e frequentava estádio com muita assiduidade. Quando a gente voltou a São Paulo, em 1975, eu tinha 11 anos, fui estudar no Arqui, e a Portuguesa passou a ser a coisa mais importante de minha vida. Porra, a gente só falava de futebol na escola! Tinha alguns torcedores da Portuguesa, porém eu era o mais conhecido. Meus filhos, futuramente, vieram a estudar no mesmo colégio. O mais velho, o Pedro, é apelidado de Lusa. Ninguém o conhece por outro nome. E o mais novo é o Lusinha. Veja: trinta ou quarenta anos depois de eu ter estudado lá, ser torcedor da Portuguesa era uma coisa exótica. Eles são muito vinculados a isso… Então, naquela época eu passei a frequentar estádios, e sozinho. A gente morava nos Jardins, na Rua Padre João Manuel, e a Portuguesa só jogava no Pacaembu, à noite, porque não tinha iluminação no Canindé. Eu ia a pé para o Pacaembu ver jogo. Aí entrei em torcida organizada. A primeira torcida organizada que eu entrei se chamava Força Jovem – eu tinha 13 anos.

Nós moramos, de novo, três anos aqui em São Paulo e depois fomos para Campinas, quando eu tinha 14 anos, nessa época mais ligado ao futebol ainda. Eu era completamente alucinado por futebol. Morei quatro anos em Campinas, que coincidiram com os quatro melhores anos da Ponte Preta e do Guarani, cada qual em sua história. O Guarani foi campeão brasileiro em 1978, a Ponte Preta, vice-campeã paulista em 1977, 79 e 81, times que tinham Oscar, Polozzi. Odirlei, Zenon, Renato, Careca… E coincidiu também nessa época que a Portuguesa tinha times muito ruins. Na escola era um drama! Os moleques só me zoavam, pois o Guarani e a Ponte só ganhavam da Portuguesa.

Nessa época, nesses quatro anos, eu vinha a São Paulo ver jogo sozinho. Como marcava num caderno, eu sei: vim exatas cem vezes para São Paulo nesse período para ver jogos. Pegava um ônibus em Campinas, da Cometa, e vinha para a estação rodoviária antiga, perto da Luz, ali na Cracolândia, em frente à Sala Júlio Prestes. Dali, ia a pé até a Luz, pegava o metrô e ia até a estação Ponte Pequena, que hoje se chama Armênia. Descia ali e ia a pé até o Canindé pelo meio de um terreno baldio onde hoje tem um shopping. A Portuguesa jogava muito à tarde por falta de iluminação. Quer dizer, saía da escola em Campinas por volta do meio-dia, pegava um ônibus às 13h00, assistia ao jogo às 15h00, pegava o ônibus de volta e chegava em casa, fazendo o mesmo trajeto de novo. Fiz isso cem vezes nesses quatro anos! Aí eu saí da Força Jovem, fui para a Leões da Fabulosa e não sei o quê… Então, o futebol, nessa fase de minha adolescência, foi a coisa mais importante.

Como foi trocar de uma torcida organizada para outra?

Isso é menos comovente do que parece. A Portuguesa sempre teve duas grandes torcidas. A Leões da Fabulosa surgiu em 1972 no rastro das grandes torcidas de São Paulo, que eram: a Torcida Uniformizada do São Paulo, a Gaviões da Fiel, a Torcida Uniformizada do Palmeiras. Juntas, elas eram as quatro grandes torcidas. A Portuguesa tinha uma outra torcida chamada CUP, Corações Unidos da Portuguesa. Era muito bonito. Elas eram realmente uniformizadas. A Leões usava camisa vermelha e calça branca. A CUP usava uma camisa branca, com um coração lindo no meio. As bandeiras eram diferentes também. A Força Jovem era uma torcidinha que nasceu também de quatro ou cinco moleques que se conheceram no estádio. Nossa camisa era verde, com o escudo bordado na frente e os detalhes em vermelho. E era patrocinada, eu me lembro até hoje: “Margarina Colombo”, escrito atrás. Eu, sempre diferente, não quis fazer parte de maioria nenhuma, nem na torcida da Portuguesa. Então, fazia parte da Força Jovem. Aí a Força Jovem acabou. E a Leões, nesses quatro anos que morei em Campinas, fazia caravana para ver jogos no interior: Jaú, Ribeirão Preto, Araraquara, Rio Claro… Meu pai me levava para a estrada até passar o ônibus da Leões. Na volta, eles me largavam na estrada em Campinas também…

Meu pai gostava disso, achava o máximo meu envolvimento. Primeiro porque era o time dele, depois porque era realmente um outro mundo. Isso que existe hoje de briga, marginalidade, criminalidade entre torcidas organizadas simplesmente não existia naquela época. Era um outro universo. Porra, briga?… Eu vi briga em estádio, já levei bambuzada nas costas, mas, assim, nada nem remotamente parecido com o que existe hoje. Então, para meus pais não tinha problema nenhum. Hoje, como eu tenho filho adolescente, vejo como para eles, meus pais, deve ter sido uma coisa ótima ter um filho que só se preocupava com futebol. Eu não me metia com bebida, droga ou putaria… Namorada, só fui pensar nisso bem mais tarde, com 15 ou 16 anos. Era uma coisa que ocupava meu tempo, e para meus pais deve ter sido uma tranquilidade. Hoje não teriam, e eu não deixaria um filho participar de caravana de torcida organizada, porque é punk, pesado pra caralho. Na Portuguesa, não. Tem uma molecada legal até, mas em geral não dá, é outro universo. Meus filhos vão a estádio de futebol comigo.

Onde que entra o automobilismo para esse moleque apaixonado pela Portuguesa?

Eu era um garoto muito normal, gostava de futebol e gostava de carrinho, daqueles Matchbox que se ganhava antigamente. No fim dos anos 60 e início de 70, meu pai gostava de corrida. Não era fanático, mas gostava. Então, um dos programas que se fazia, numa época que não tinha muito o que se fazer com criança, era ir a Interlagos, além de levar ao Ibirapuera e ao cinema drive in. E ele nos levava a Interlagos para ver corrida. Eu fui atropelado com 4 anos de idade no autódromo, não por um carro de corrida. Estava com meu avô. Na parte superior da arquibancada de Interlagos, que hoje é o setor A, entrava-se com carro. Meu avô fumava como um louco, e no momento em que foi acender um cigarro eu escapei, atravessei uma ruazinha onde os carros circulavam e um Gordini me atropelou. Tomei dez pontos na cabeça. Pararam a corrida para uma ambulância atravessar a pista, me pegar e me levar para o hospital. Meu pai não sabia onde eu estava. Foi uma desgraça… O automobilismo entrou assim.

Disso eu não me lembro nada obviamente, mas eu me lembro, por exemplo, de a gente ter ido ver a primeira corrida de Fórmula 1 no Brasil, em 1972. Essa corrida foi extracampeonato. O Emerson Fittipaldi estava liderando e perdeu no final para o Carlos Reutemann. Disso eu me lembro, tinha 8 anos. Durante algum tempo, os carros ficavam expostos no supermercado, naquele Extra perto do aeroporto, que se chamava na época Jumbo. Foi o primeiro hipermercado de São Paulo. Eu sempre ia ver os carros expostos lá. Então, eu gostava de carrinho. Como vocês percebem, eu guardo muita coisa. E guardava os meus carrinhos, todos eles, as minhas miniaturas. Era uma coisa que eu organizava…

É um megaparênteses este, mas, enfim, quando fiz 10 anos a gente foi viajar para o Sul do Brasil. Foi a primeira grande viagem de carro que nós fizemos, a família toda, eu, meu pai, minha mãe e meus dois irmãos. E meu pai tinha tido um DKW. Lá no Sul tinha muito DKW na década de 1970, porque é um carro alemão e lá a colonização alemã é muito forte. Toda hora a gente via um DKW na rua e ele me perguntou: “Você se lembra? Olha lá o carro do papai!”. Eu não me lembrava, é claro, mas toda hora falava: “Olha, pai, um DKW!”. “DKW, DKW, DKW…”, ele viu que eu gostei e me deu, quando fiz 11 anos, duas miniaturas de presente. Um Belcar e uma Vemaguet. Pintou um de verde com a capota branca e a outra de bege. Eu os guardo até hoje. Aí eu comecei a me ligar em carro antigo. Falei para mim mesmo: “Eu ainda vou ter esses carros de verdade!”. E tenho todos nesta garagem aqui ao lado, iguaizinhos às minhas miniaturas.

Passei, então, a acompanhar corrida de carro, Emerson, Piquet… Comecei a trabalhar em jornal e, em um belo dia, me colocaram para cobrir as mais variadas corridas. Eu tinha saído da “Folha de S.Paulo” para a Editora Abril, revista “Placar”. Foi quando comprei meu primeiro DKW de verdade. Haveria uma Mil Milhas em São Paulo, cuja preliminar seria de DKW. Eu tentei falar com os caras do Clube do DKW na época para ver se poderia participar e fazer matéria. Não deu certo, mas os caras no jornal sabiam que eu gostava de automobilismo. Fiquei um mês na “Placar”, que era onde eu queria trabalhar, o sonho de minha vida, mas voltei. Uma das promessas que me fez voltar foi cobrir a Fórmula 1 no Rio, em 1988. Como era editor ainda, dava muito espaço para Fórmula 1 no jornal, porque o futebol estava em baixa e o Senna estava na McLaren, começando a ganhar corridas. Assim, entrei de cabeça nesse negócio de automobilismo.

Como foram esses anos de “Folha de S.Paulo”, dos anos 1980 até 1994?

Quando decidi ser jornalista ainda moleque, eu queria trabalhar com futebol, que era a única coisa que me interessava na vida. E queria trabalhar especificamente na “Placar”. Comecei a colecionar “Placar” em 1976, me lembro, inclusive, do número exato da edição: 333, número fácil de guardar. Aguardava com ansiedade as terças-feiras para ir comprar a revista na banca. Lia tudo, devorava a “Placar”, sempre achei os textos muito bons. Era uma época que a Editora Abril fazia jornalismo, depois o Juca Kfouri foi o diretor de redação. Então, eu estabeleci como meta de vida tabalhar na revista “Placar”. Com 12 anos de idade, portanto, eu já sabia que queria ser jornalista, que queria trabalhar com futebol e na revista “Placar”. Esse caminho foi um pouco tortuoso, mas acabei chegando nele. Eu estava no penúltimo ano da faculdade em 1984, e um professor, que gostava de mim, me indicou para um trabalho de um cara que estava voltando da BBC e ia implantar um projeto de divulgação científica na SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Fui conversar com o cara, e eles me contrataram. Comecei no jornalismo de forma remunerada fazendo jornalismo científico.

Um pouco antes, logo quando havia entrado na faculdade com 17 anos, eu já começara a escrever em jornal. Chamava-se “Popular da Tarde”, que era o braço esportivo do “Diário Popular”, que hoje é Diário São Paulo. Era o concorrente da “Gazeta Esportiva”. Esse jornal tinha uma página dedicada às torcidas organizadas. Então, todas as torcidas tinham uma coluna. E, na Leões da Fabulosa, como eu era estudante de jornalismo e ninguém queria fazer aquele negócio, comecei a escrever. Chamei a coluna de “Jornal dos Leões”. Dezenove de abril de 1982 é a data de meu primeiro texto publicado. Só que não saía assinado. Porra, por estar fazendo faculdade, já me considerava jornalista. Todo dia eu ia à sede do jornal, à redação, sentava, escrevia utilizando máquina de escrever, via os caras trabalharem… Eu me sentia no centro do universo, pensava: “Alguém vai me descobrir nessa porra aqui, porque escrevo bem pra caralho!”. Mas ninguém descobre nada, é óbvio. Não saía nem texto assinado. Aí veio esse trabalho na SBPC para fazer rádio.

Nessa mesma época, eu saí da Leões, porque briguei com os caras. A gente dependia muito do clube, tinha sede lá, ingresso, ônibus, bandeira… E eu falava muito mal da diretoria da Portuguesa, porque o time era uma bosta e tudo mais. Certo dia, os caras vieram discutir comigo: “Você não pode falar mal de todo mundo, dos diretores…”. Retruquei: “Ah é?! Então, não quero mais.”. Tirei a camisa e joguei no chão. Isso ocorreu num jogo no Parque Antarctica. Voltei para a Força Jovem… Aí o “Jornal dos Leões” virou o “Jornal da Força Jovem”, porque ninguém da Leões sabia escrever ou não ligavam para isso. Mas para mim aquilo era importante, estava no jornal, estava escrevendo e estava tendo o primeiro contato com a crônica esportiva. Pensava: “Se um dia vou chegar à ‘“Placar”’, talvez o caminho seja esse”.

Aí fui trabalhar em rádio fazendo programa de ciência que ia ao ar na Rádio Cultura AM. Trabalhei dois anos. Quando aquilo começou a me encher o saco, justamente porque queria trabalhar com futebol, escrevi uma carta para o Juca Kfouri. Sentei em frente à máquina e comecei a escrever. Tac tac tac, aquele barulho típico… “Seu Juca Kfouri, meu nome é Flavio, tenho 21 anos, estou na faculdade e quero trabalhar aí na ‘“Placar”’. Sou muito bom, escrevo bem, conheço futebol, entendo tudo, leio os textos da Abril…”. Fiz uma puta autopropaganda: “Sou bom e quero trabalhar aí.”, resumidamente. Coloquei a carta no correio. Foi engraçado pra burro, porque na mesma época a “Folha” publicou um anúncio precisando de repórter de educação e ciência, que era a minha área no fim das contas, onde eu estava trabalhando. O salário era bom, e eu mandei meu currículo. Pô, selecionaram o meu currículo para uma entrevista.

No dia que eu ia fazer a entrevista, tocou o telefone lá na SBPC. Era o Carlos Maranhão, que hoje é o diretor da “Vejinha”. Era, na época, o segundo na hierarquia da “Placar”. O Juca era o diretor de redação e o Maranhão, o redator-chefe. Ele fala esquisito, é um cara engraçado. Disse: “Flavio, aqui é o Carlos Maranhão, da revista ‘“Placar”’. Quando você mandar uma carta para uma revista, escreva um endereço ou um telefone pelo menos.”. Eu havia escrito meu nome e postado em um envelope da SBPC, que tinha um timbre só, mas não o endereço. Não coloquei meu telefone, nada, nem remetente! Ele viu o timbre da SBPC, ligou na SBPC, que não era no mesmo lugar que a gente trabalhava, e os caras falaram que eu trabalhava no programa de divulgação científica, outro endereço, e passaram o telefone. Ele ligou pra mim, e já comecei levando esporro: “Se você quer que alguém te ache, você precisa dar o contato”, disse ele. E eu: “Que legal que vocês ligaram!”. “A gente quer te conhecer, mas não tem emprego aqui, não tem vaga, não tem nada”, advertiu. Desliguei o telefone achando que iria ser contratado no dia seguinte. No mesmo dia, chega um telegrama da “Folha” me chamando para uma entrevista, pois tinham selecionado meu currículo. Fui à “Placar” às 10h e a entrevista na “Folha” era por volta do meio-dia.

Bom, fui à “Placar” e conheci os repórteres, o Tonico Duarte, que hoje está na Globo, o Marcelo Duarte, do “Guia dos Curiosos”, e tantos outros que lá estavam. Fiquei encantado com aquilo. Mandaram-me fazer uma matéria como teste, mas advertiram: “Não tem lugar, não tem emprego. Faz só para a gente te conhecer”. Inventei uma matéria da Portuguesa, achando que eles iam me contratar. Saí da “Placar”, fui para a “Folha” e fiz a entrevista. À tarde me ligaram dizendo que tinham me selecionado para trabalhar lá. Aí eu liguei para o Carlos Maranhão, contei que tinha sido selecionado em uma entrevista para a “Folha” e frisei que queria trabalhar na ““Placar”’, com futebol. “Vai trabalhar lá. Não tem vaga aqui, já te disse”, respondeu ele. Assim, comecei na “Folha”, como repórter de educação e ciência.

Você chegou a fazer essa matéria para a “Placar”? Eles publicaram?

Fiz sim, mas não publicaram. Mandaram até fotógrafo, o Sérgio Berezovsky, de quem eu comprei meu primeiro DKW… A Abril era muito séria, o padrão jornalístico deles era superelevado. Se você escrevia uma matéria, tinha que escrever dez vezes. Era bem foda! E eles gostaram da matéria. Não publicaram porque eu nem poderia assinar, não era nem formado… Fui para a “Folha” e fiquei dois anos em Educação e Ciência. Comecei a conhecer as pessoas do esporte, da redação, fiquei amigo dos caras. Um belo dia abriu uma vaga na editoria de Esportes, no começo de 1988, para pauteiro. O Nilson Camargo, que era o editor, me chamou e disse: “Flavinho, abriu uma vaga aqui. Não quer vir pra cá?”. “Porra, quero, vou correndo!”, respondi. Aí fui para o esporte.

Logo no começo dessa minha carreira na editoria de Esportes, eu fiz uma matéria assinada. No dia que saiu assinado, o Carlos Maranhão me ligou: “Pô, está no esporte agora, hein?!”. Os caras liam tudo. “É, Maranhão, estou.” “Tem uma vaga aqui para editor”, disse ele. Falei assim: “Puta, vou já!”, sem perguntar quanto era o salário. Fui falar com o Nilson: “Quero pedir demissão”. “Por quê?”, perguntou. “Começo amanhã na ‘“Placar”’.” “Você está louco e não sei quê!”. “Não quero saber”, e fui. Assim, comecei na “Placar” como um dos editores. Editor na “Placar” era um dos caras que reescreviam os textos dos repórteres. Isso foi no dia 24 de janeiro de 1988. O Maranhão me chamou porque viu uma matéria publicada.

Fui para a “Placar” e foi a maior decepção de minha vida. Em um mês, a revista estava indo pro caralho. Havia um projeto de virar a revista de game. Uma bosta, uma bosta, uma bosta! Uma tristeza… Não deu uma semana e o Nilson, editor de esportes na “Folha”, me ligou: “Flávio, volta pelo amor de Deus! Nós estamos precisando.”. Pois eu tinha ido para a pauta e começado a organizar o trabalho. “Não, não, não…”. No quinto telefonema, quando vi que o negócio na “Placar” não iria virar, eu topei. Fui até o Maranhão e disse: “Vou embora.”. “Não, você está louco! Foi um puta esforço para te contratar.”, porque eu não era jornalista formado, era radialista. Por isso teve um problema com o sindicato. Para me contratarem, foi um perrengue danado. Eu não assinava nem como repórter no expediente… Mas voltei para a “Folha”, voltei para a pauta e era o editor que ficava entre a abertura do dia e o fechamento. Depois dessa passagem pela “Placar”, que era meu sonho de vida, voltei para a “Folha” e fiquei lá oito anos, até 1994, quando o Senna morreu.

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