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José Antônio da Costa

José Antônio da Costa, conhecido como Mano Costa, foi o primeiro treinador de Givanildo Vieira de Souza, o famoso Hulk, com passagem destacada pelo Porto, de Portugal, e que atualmente joga pelo Zenit St. Petersburgo. Atualmente, Mano Costa é o coordenador da escolinha de futebol mantida pelo jogador brasileiro na Paraíba.

Nessa entrevista para o Ludopédio, Mano Costa relata como foram os passos iniciais de seu pupilo no futebol; a amizade com o pai do jogador; o cenário do futebol paraibano; e como é o trabalho realizado com crianças e jovens de Campina Grande.

Mano Costa, o primeiro treinador do atacante Hulk. Foto: Gustavo Domingues de Oliveira (Guga).

Givanildo Vieira de Souza, conhecido como Hulk, começou na escolinha “Futebol e Companhia”, aqui em Campina Grande. Como era o menino Hulk? O que ele tinha de diferente dos demais meninos?

O Hulk veio do futebol de salão, já jogava com o Prof. Luciano. Quando ele foi para o campo começou a treinar comigo. Já víamos que ele era diferente dos outros. Tínhamos mais facilidade de trabalhar com ele, que assimilava bem o trabalho que passávamos.

E como era a escolinha naquela época? E o futebol? Era muito diferente, 15 ou 20 anos atrás?

Não. O futebol era como é hoje. Só que era uma escolinha particular e só participava quem tinha um maior poder aquisitivo. Eu recebi o convite para ser o coordenador técnico. E o pai do Hulk era meu amigo, pediu uma oportunidade para o filho e falei com o pessoal da escolinha. Um concordou, outro não, porque teria que pagar. Eu achei por bem pagar, pois não iria fazer diferença, já que tinha meus dois filhos, de colocar o Hulk como uma terceira pessoa. Apostei nisso não só porque o pai dele era meu amigo, mas o Hulk era um garoto que tinha muita vontade, criado num bairro muito pobre, bairro José Pinheiro, onde o índice de criminalidade era muito alto. Já tínhamos a intenção de ajudar o amigo. A oportunidade surgiu e dali em diante ficamos uns dois anos fazendo trabalhos com o Hulk. Foi quando surgiu o Hulk para o futebol mundial.

O que um treinador ou olheiro observa no momento de avaliar um garoto?

Nosso trabalho é voltado mais para a formação do cidadão. Eu olho muito isso. Às vezes tem aquela pessoa que é mais quieta, mas que é mais observadora, e que gosta e se dedica. Eu olho muito isso: quem não gosta de faltar, quem treina de manhã e pede para vir de tarde. Vemos que essa pessoa tem interesse, faz aquilo que gosta, tem interesse grande em atingir um objetivo vida. O Hulk sempre teve esse objetivo, sempre pedia para treinar mais, e eu abri as portas, porque eu via que aquilo iria ser bom para mim e para ele.

Escolinha de Futebol em Campina Grande mantida pelo jogador Hulk. Foto: Marcos Marques dos Santos Júnior.

Qual a importância da família nos projetos de crianças e jovens de se tornaram jogadores de futebol?

Acho que a família tem que participar. Eu falo para os alunos as dificuldades que os pais às vezes têm que enfrentar, como nas cidades do interior, que abrangem a cidade de Campina Grande. Muitos alunos vêm dessas cidades pequenas. Vejo a dificuldade dos pais, que saem do trabalho para trazer os filhos aqui. Então digo que eles têm que retribuir essa gratidão aos pais que estão apostando neles. A gente tenta dar um incentivo para que eles tenham bom desempenho no colégio, porque tendo um boa formação dentro de casa com os pais, obedecendo as pessoas que estão trabalhando com você, é mais fácil alcançar seus objetivos, como sair daquele local em que está treinando e ir para um clube. Ao ir para um clube, já vai encontrar pessoas com pensamentos diferentes, outros tipos de trabalho. Então, se souber assimilar o trabalho que é feito no lugar em que chegar, as coisas vão ficando mais fáceis.

Você pôde acompanhar treinos e jogos do Hulk em Portugal durante algumas semanas quando ele ainda jogava no Porto. Qual a comparação entre o futebol brasileiro e o futebol português? A estrutura dos clubes é diferente?

Alguns grandes clubes no futebol brasileiro têm estrutura igual a alguns times da Europa. O Brasil é grande demais e em cada estado do país existem grandes clubes que representam bem o futebol brasileiro. É um país que tem vários times títulos mundiais, de Copa do Mundo, com a seleção brasileira. O futebol europeu está crescendo muito. Inclusive, se for analisar bem, em cada ponto do mundo tem atletas brasileiros. Só que o futebol brasileiro é mais uma arte. Quando um garoto nasce aqui, um dos primeiros que a gente dá é uma bola. Todo dia tem futebol na televisão e esse garoto quer praticar aquilo que as pessoas praticam. Por isso que a procura por atletas e destaques brasileiros lá fora é muito grande.

Como você avalia hoje o futebol do Hulk? Ele está no mesmo nível dos melhores jogadores do mundo hoje, como Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar? Ele tem condições de um dia ser o melhor do mundo?

Eu acho que sim. Desde o início da carreira, o Hulk vem quebrando barreiras, tanto quando começou na escolinha, depois quando passou pelo São Paulo, no Vilanovense em Portugal, em busca de oportunidades. Depois ele foi para o Japão, onde também enfrentou barreiras, dificuldades. Foi para o Porto, onde também enfrentou dificuldades. Foi para o Zenit e encontrou algumas barreiras. Na seleção brasileira, a própria imprensa do Sul, por ele ser aqui do Nordeste, colocou alguns obstáculos, mas ele conseguiu vencer essas barreiras. Ele chegou a esse ponto de ser titular da seleção brasileira porque ele é uma pessoa dedicada. Hulk é um bom filho, é um bom pai, um bom amigo, é muito dedicado. Não vejo diferença nenhuma em Neymar, Messi ou Hulk. Como frisei certa vez, Hulk só existe um e só vai existir ele, porque é uma pessoa que a cada dia que passa vai criando expectativa para ele mesmo, de que pode vencer essas barreiras. Um cara sair de Campina Grande e participar de uma Olimpíada é uma coisa inédita para um jogador de futebol. Depois foi campeão da Copa das Confederações. E vem sendo convocado há quatro anos para a seleção. E ele vai conseguir seguir essa grandiosa fábula de ser campeão da Copa do Mundo aqui no Brasil.

Meninos de Campina Grande na Paraíba se inspiram em Hulk. Foto: Marcos Marques dos Santos Júnior.

Como surgiu a ideia de criar, em parceria com o Hulk, um projeto social para as crianças e jovens de Campina Grande?

Hulk sempre teve esse sonho. Ele sabe que aqui não foi fácil para ele conseguir entrar na escolinha. Deus me iluminou, me deu aquela luz, para que eu tivesse feito uma amizade com o pai dele e depois o Hulk trabalhasse com a gente. Não que eu tivesse certeza naquele momento, quinze anos atrás, que ele fosse chegar aonde ele chegou, mas senti que ele poderia ser um jogador profissional, tinha vocação para isso, e um dia poder ajudar sua família. Hoje a gente aposta, tal como naquele período apostamos em outros que tinham um poder aquisitivo melhor e não quiseram dar continuidade. Hoje estamos apostando em outros garotos que estão passando pelo o que Hulk passou. Eu acredito que daqui cinco ou dez anos estaremos falando de outros garotos que surgirão desse nosso trabalho.

Qual é hoje o cenário do futebol da Paraíba? O que merece elogios? O que poderia melhorar?

A diferença aqui é que os clubes não têm trabalho de base. Você tem que começar de baixo. Se você vai fazer uma casa, tem que começar pelo alicerce da casa; não vai começar pelas telhas. Os clubes daqui ainda não abriram a cabeça para ver que eles precisam trabalhar o garotinho com cinco, seis, dez anos, nessa faixa. Se você ensina a criança desde pequena, mais tarde não irá se preocupar. É como um trabalho de educar. Você tem seu filho, ele nasce puro e inocente, sem saber comer e falar, e você vai ter que ensinar para ele o primeiro passo. No futebol é do mesmo jeito. Alguns querem, outros não querem. Os clubes da Paraíba têm essa deficiência. Toda vez que vão disputar uma competição, apostam na contratação de vinte ou trinta jogadores que já são considerados estrelas, por um valor alto. Mas a receita do clube não acompanha. Às vezes paga, às vezes não paga. Atualmente, na Paraíba, só temos um clube com esse trabalho, o CSP – Centro Sportivo Paraibano. Inclusive tenho cinco garotos lá, pois o CSP tem um trabalho de base. Essa é a diferença dos clubes daqui. Quando surge um garoto de 17, 18, 20 anos no São Paulo, Flamengo e outros, e o pessoal da imprensa vai fazer uma matéria, percebe-se que o garoto já tem oito ou dez anos de casa, jogando na base. Se essas pessoas não mudarem o pensamento, vai continuar sempre na mesma coisa. Para que possa acontecer isso, tem que ter o trabalho de base.

O que espera da Seleção Brasileira na Copa do Mundo? Com certeza Hulk estará entre os convocados?

Hulk hoje é um dos titulares da seleção. Toda a imprensa do sul do país está vindo para Campina Grande, pois já tem certeza da convocação. E também pelo o que o próprio Luiz Felipe Scolari fez na Copa das Confederações, apesar de parte da imprensa ser contra. E o Hulk faz hoje a função pelos dois lados do campo, tano na marcação quanto no apoio. O Felipão tem facilidade de reunir um grupo, pessoas que querem fazer de uma seleção. Acho que não será muito difícil. Na Europa tem muitos clubes de qualidade, mas em termos de seleções só dá para destacar três ou quatro jogadores. E a seleção brasileira é um grupo, um todo. Não dá para diferenciar, são todos do mesmo nível. Neymar, Hulk, David Luiz, são todos jogadores que estão atuando fora do país. Se eles estão lá, é por que eles têm valor. Isso é que vai prevalecer bastante na seleção brasileira.

Mano Costa é o responsável por treinar os jovens da escolinha mantida por Hulk. Foto: Gustavo Domingues de Oliveira (Guga).

O senhor enquadraria o jeito de jogar de Hulk no futebol-arte, no futebol-força, ou nas duas maneiras de jogar juntas?

Ele enquadra tanto na arte quanto na força. O Hulk tem uma facilidade muito grande de jogar dos dois lados, pode jogar de área, tem muita velocidade, é uma pessoa que não gosta de perder. Então, quando entra em campo para jogar e dar alegria ao clube ou à seleção, ele consegue seus objetivos. Conheço a pessoa, e não de pouco tempo, mas há muito tempo. Conheço o seu histórico como atleta. Onde passou sempre ganhou títulos. Inclusive me deu a alegria de ganhar o primeiro título aqui, o Jogos da Esperança. Trabalhar com Hulk é muito fácil. É uma pessoa de grupo e que dentro de campo se transforma. Acho que com esse trabalho que Hulk faz, essa força que ele tem, essa técnica, a colocação dentro do campo, acho que chegaremos ao título da Copa do Mundo.

Você teve experiências profissionais no Treze e no Sport do Recife. Em sua opinião, quais são os principais conselhos a passar para esses jovens para virarem atletas e cidadãos completos?

Isso também depende da família, pois ela tem que estar junto com o jovem no seu dia a dia. Às vezes conversamos com alguns desses jovens, que têm dificuldades no relacionamento. Se você não tiver um bom relacionamento dentro de casa e com seus amigos, jamais você poderá integrar um grupo de jogadores. Hoje, aquele atleta que era considerado mau-caráter está sendo banido do futebol. O futebol hoje está mais como se fosse uma arte. O que o atleta faz dentro de campo está sendo mais respeitado. Acho que tendo um pensamento mais nessa direção tende a conseguir os objetivos que deseja. Eu aprendi muita coisa no período em que joguei futebol. Aprendi a respeitar o adversário. Se você não se amedronta e tem respeito, acho que consegue aprender muita coisa para a sua vida, tanto dentro quanto fora de campo. O importante não é só dentro do campo, mas fora do campo é fundamental.

Então, o que o atleta faz dentro de campo reflete fora, e o que atleta faz fora também reflete dentro de campo?

Os grandes jogadores têm um contrato que os impedem de se envolverem com várias coisas. Por mais craque que seja, pode ter quebra de contrato. Conheço alguns jogadores, converso com eles. Você tem que estar bem fora de campo para estar bem dentro de campo. O que um atleta do nível de Hulk e Neymar fizer fora de campo todo mundo vai saber. Hoje a gente vê muita discriminação em outros países. Hulk passou por isso, mas ele superou esses obstáculos. Uma vez, num jogo contra o Benfica, ele foi discriminado, e respondeu fazendo um gol. Nem todo mundo tem a oportunidade de, ao passar por essa situação, de ter a cabeça para aceitar esse tipo de coisa. Eu tenho meu pensamento construído com base no atleta que fui há alguns anos e no trabalho que faço hoje. Um trabalho no campo, fora de campo. Sabemos que cada um desses garotos tem um sonho. Todos eles se espelham em Hulk, pessoas que dão exemplo, tanto como atleta quanto como homem.

 

Hulk é mantenedor e exemplo de jovens em Campina Grande -PB. Foto: Marcos Marques dos Santos Júnior.
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Marcos Marques dos Santos Júnior

Paraibano de Campina Grande-PB. Professor de Educação Física no ensino público de São Bernardo do Campo-SP: na prefeitura atuando do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e no estado lecionando no ensino médio.
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