09.4

Juca Kfouri (parte 2)

Fruto da parceria com site Pública, o Ludopédio publica a entrevista feita com o jornalista Juca Kfouri. Em 2011, também fizemos uma entrevista com o Juca. Caso queira relembrar como foi a entrevista, acesse: Juca Kfouri (parte 1) e Juca Kfouri (parte 2).

Na chegada, Juca Kfouri já foi tranquilizando a equipe da Pública, dizendo que estava bem, e que o problema de saúde que sofreu no dia da semifinal entre Brasil e Uruguai, em Belo Horizonte, não era nada do que saiu na imprensa. “Fui vítima do sensacionalismo de alguns coleguinhas”, comentou, explicando que ficou pouquíssimo tempo sem trabalhar e que teve o apoio de ninguém menos que Tostão, tricampeão do mundo em 1970, que também é médico.

Workaholic assumido – ele é colunista da Folha de São Paulo, da rádio CBN e do UOL e apresentador e comentarista na ESPN -, Juca nos recebeu numa sexta-feira ensolarada em seu escritório, em Higienópolis, depois de gravar uma entrevista com o filósofo Vladimir Safatle justamente sobre a “Copa das Manifestações”, diz, em referência aos protestos que ocorreram durante a Copa das Confederações.

O papo também foi além do futebol: em mais de uma hora de conversa ele falou sobre manifestações – incluindo a cobertura da imprensa – e sobre a reação dos poderosos do futebol ao que aconteceu nas ruas. E fez sua previsão para a Copa 2014: “Se não houver respostas, [a reação popular] vai ser maior do que foi”.

Boa leitura!

 

Juca Kfouri. Foto: Renato Leite Ribeiro – Pública.

 

 

O David Luiz, o Hulk e o Fred se posicionaram claramente a favor das manifestações de rua. Você acha que há realmente uma empatia da seleção com isso ou foi mais um jogo de cena?

Qual é a origem desses caras? Todos têm origem popular, convivem ou conviveram com essas dificuldades. Todos eles se ressentem das dificuldades que passaram na profissão pelas dificuldades educacionais a que foram submetidos. Não era para esses caras terem chegado nos lugares onde chegaram pelo menos sabendo falar inglês? Como um menino japonês, francês ou americano? Eles suam para aprender outra língua porque têm esses problemas de formação. E eu acho que a resposta deles não é a toa. Quantos jogos o Brasil fez gol em menos de cinco minutos de jogo? Aquela maneira de cantar o hino era a melhor resposta às ruas que eles poderiam dar.

Na coletiva de balanço da Copa das Confederações, o Ronaldo declarou apoio às manifestações como se ele e as pessoas que estavam ao lado dele não fossem alvos nas manifestações contra a Copa. O que você achou?

Ronaldo é um desastre. De duas uma: ou ele se faz de bobo, ou ele é realmente uma pessoa muito limitada. E eu acho que limitado ele não é; e não entender todos os conflitos de interesse que hoje ele representa ao comentar futebol na TV Globo, é absolutamente incompreensível. Ele me ligou um dia, dizendo que eu estava enganado ao dizer isso. E eu respondi: “Mas Ronaldo, você vai criticar o Neymar [agenciado pela Nine, empresa de Ronaldo] que você representa? Você vai falar que o estádio está uma porcaria quando você é membro do COL?”. E ele: “Ah, eu vou, porque na minha vida eu sempre falei as coisas…” E eu: “Você não vai.” E de fato ele não está falando. Ele é capaz de cometer infelicidades como a frase de que Copa do Mundo se faz com estádios e não com hospitais. Bom, muito bem. Agora arque com isso. Ele disse uma coisa que eu concordo: que se não se tivesse colocado essa dinheirama toda nos estádios, não está dito que esse dinheiro seria melhor empregado em outras áreas. É verdade. Mas há certas coisas que um homem público guarda para si, principalmente num contexto como esse. Ele não pode dizer isso que porque está dizendo que não está preocupado com os hospitais. E aí não tem nuance. É preto e branco. Ele é de uma infelicidade a toda prova. A exemplo do Pelé, ele é mais um que, como se diz, calado é um poeta.. Veja que coisa maluca: esse cara que nada parecia pegar nele, que conseguiu sobreviver num país conservador e preconceituoso como o Brasil ao episódio dos travestis, se ferrou no discurso social. Tá ferrado. Não pode aparecer, ficou recluso no hotel em Salvador. Não é que ele não poderia sair porque iam pedir autógrafo para ele, ele corria o risco de apanhar.

E você acha que a experiência brasileira pode criar uma cultura de resistência à FIFA em eventos futuros fora do Brasil?

Eu acho que sim. Acho que a FIFA não vai conseguir desfazer essa imagem por injusta que ela possa ser. Pegou na FIFA porque é fácil. E ela vai padecer com isso. Eu vi tirarem a bandeira da FIFA da frente do hotel Copacabana Palace, tal o medo que eles estavam. As viaturas FIFA desapareceram porque eram apedrejadas. Agora: não foi à toa que a última Copa do Mundo foi na África do Sul, em seguida no Brasil, a próxima vai ser na Rússia e em seguida no Catar. Esses países foram escolhidos a dedo. O que tinha de comum nesses países todos? Pouco controle social. O Brasil surpreendeu, mas é improvável que aconteça na Rússia. Improvável, mas pode acontecer. Também ninguém diria a um tempo atrás que aconteceria no Egito o que está acontecendo. Mas esta má imagem não vai se limitar ao Brasil.

E como você avalia a cobertura da imprensa da Copa das Confederações e das Manifestações?

A TV aberta é um horror. É a coisa mais acrítica possível. E está pagando o preço por isso. Não sei até quando. Por exemplo, eu acho que a cobertura exagerada dos vândalos vai ter um preço porque não é possível que isso prevaleça. Porque o comportamento pacífico de milhões de pessoas é muito mais chamativo do que os eventuais quebras-quebras feitos pela minoria. Não adianta tentar se apropriar da vitória esportiva como sendo da televisão, porque não é. É do Neymar, do Fred… E a Globo tenta se apropriar, sem dúvida. Mas você vê. O pobre do Galvão Bueno não pode aparecer porque é vaiado, xingado. Porque é o estereótipo. Quando você compra um evento esportivo, você não se torna sócio do cara que te vendeu o evento esportivo e o comportamento da TV Globo é de sócio. As grandes redes americanas de TV resolveram isso há anos: elas têm um departamento de eventos e um departamento de jornalismo. É claro que o departamento de evento doura a pílula do seu evento. Outra coisa é o Jornal Nacional de cada uma dessas redes dizer que o hambúrguer estava frio, que a cerveja estava quente, que faltou ingresso, que o trânsito não fluiu bem, que o jogo foi ruim. Ou não. Que foi tudo bom, que tudo funcionou. A Globo não tem esse balanço. Eu criei até um jargão para isso. A confusão entre jornalismo e entretenimento na TV Globo chegou a tal ponto que a Globo “leifertizou” [referência ao apresentador e editor do programa Globoesporte de São Paulo, Tiago Leifert] a sua cobertura esportiva. E eu não tenho nada contra o menino, é um excelente comunicador. Mas eles apalhaçaram a cobertura. E para quê? Para não mostrar aquilo que está por baixo dessa bandidagem. Não me venha dizer que se surpreenderam com o Ricardo Teixeira fugindo do Brasil. Não me venha dizer amanhã que se surpreenderam com o José Maria Marin. Está dito inclusive na rádio CBN, onde eu trabalho: a apropriação de um terreno público, a questão da ditadura, do Vladimir Herzog, do elogio ao Fleury, da medalha que ele roubou e a própria TV Globo mostrou. Como é que a Globo pode tratar esse cara como se fosse uma pessoa séria?

Juca Kfouri em palestra no Play the Game 2012. Foto: Roberto Assem – Play the Game.

Em abril do ano que vem tem eleições para a presidência da CBF e tudo indica que o novo presidente será Marco Polo Del Nero, presidente da Federação Paulista de Futebol e muito ligado ao Marin. Você acha que as manifestações podem injetar um pouco mais de turbulência nesse processo eleitoral?

Tomara que sim. É um desejo mais do que qualquer coisa. Mas acho que a última coisa que vai mudar no Brasil é a superestrutura do futebol. Porque ela é extremamente corruptora, corrompida, e mais do que conservadora, ela é reacionária. Ela é contra qualquer tipo de mudança. Eu acho que o negócio futebol é bom demais para continuar na mão dessa gente, uma hora começa a mudar. E eles estão assustados. Lembre-se da primeira reação do Marco Polo Del Nero que disse que milhões estavam trabalhando enquanto outros poucos estavam nas ruas. No dia seguinte ele já estava que nem avestruz colocando a cabeça embaixo da terra porque não podia aparecer.

E as eleições da FIFA, qual é o cenário?

O Blatter vai ser candidatíssimo de novo e vai se reeleger. Você verá.

E as manifestações bateram de que maneira na alta cúpula da FIFA?

Eles ficaram muito assustados, tiveram medo de gente deles morrer, pensaram em suspender a Copa das Confederações. Em Salvador, eles tiveram funcionários agredidos, carros depredados. O Blatter foi embora. Ele tinha um almoço marcado aquele dia com o Eduardo Campos [governador de Pernambuco] e com o prefeito do Recife e se mandou para a Turquia, pô, que estava pegando fogo, mas ele preferiu a Turquia do que ficar aqui. Aí quando o governo deu a resposta que eles esperavam, com Força Nacional nas ruas e tudo mais, ele veio. Veio e não foi anunciado nem no Mineirão e nem no Maracanã. Passou quase incógnito.

E como você avaliou a cobertura das redes sociais e dos veículos não tradicionais das mesmas manifestações?

Eu gosto muito do cartaz que diz “Saímos do Facebook”. Porque fazer manifestação em rede social é fácil, queria ver na rua, to vendo, ótimo. Essa molecada na rua está fazendo coisas que a minha geração não conseguiu fazer. Nós fizemos passeata, fizemos o diabo a quatro para derrubar a ditadura e não foi por aí que a ditadura caiu. Mas essa manifestação e a desregulamentada que se deu no Brasil esses dias é um negócio seríssimo. E aí eu pergunto: é essa a tal geração que só é voltada para o próprio umbigo, que todo mundo me dizia que só pensava na própria carreira, que era despolitizada? Eu fui dando toda a agenda de todas as manifestações e vou até te contar um episódio divertido. O Brasil estreava num sábado, contra o Japão, em Brasília. Eu precisava pegar o meu ingresso um dia antes, no centro de imprensa, na frente do estádio. O meu hotel estava a uns 40 minutos dali e resolvi ir a pé. Aí eu começo a minha caminhada naquelas avenidas de Brasília e de repente começo a ver aquela fumaça preta. Aí eu pergunto para alguém na rua o que estava acontecendo e me dizem que o pessoal estava queimando uns pneus, que estava tendo uma manifestação aí. Aí eu digo: “É claro, estava prevista para sexta, dez horas da manhã, na frente do Mané Garrincha uma manifestação”. E eu tinha até posto no blog. Quando cheguei lá, os manifestantes me reconheceram e disseram: “Que legal, você veio aqui e tal…” E eu: “É, é, vim”. Vim o cacete, tava de calção e o escambau, nem tinha me lembrado. Aí de tarde eu vejo o secretário de segurança do DF dizendo que foi pego de surpresa e um cara da ABIN dizendo que o secretário de segurança estava mentindo porque a ABIN tinha alertado que havia uma possibilidade de manifestação naquela manhã. Aí eu dei uma nota dizendo que estavam mentindo ambos, ou despreparados ambos, porque bastava olhar a agenda que está até publicada no meu blog que havia um ato marcado, não era possibilidade. Era inadmissível que o secretário de segurança não soubesse e que a ABIN tratasse como possibilidade. Essas coisas que eu digo que eram óbvias que iriam acontecer. Ainda mais num governo dito popular, com a violência das remoções se dando como se deu, você achar que não ia ter nego queimando pneu, puto. Eu tive uma discussão com o Aldo, ele ficou puto porque eu disse que isso era coisa do nazi-fascismo, mas eu falei: “Aldo é o seguinte: marcar uma casa e passar no dia seguinte com uma máquina em cima da casa, tá bom, não é o gueto de Varsóvia porque não está se pegando ninguém e colocando na câmara de gás, mas, porra, você quer que eu chame isso do quê?”

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