A entrevista faz parte do projeto Memórias dos boleiros: histórias de vida de atletas e de integrantes de comissões técnicas brasileiras que atuaram no exterior. Esse projeto foi fruto de uma parceria entre LUDENS-USP, Museu do Futebol e o portal Ludopédio.

Esse projeto tem como proposta reunir as histórias de vida de jogadores de futebol e de integrantes das comissões técnicas que tenham atuado no exterior. Ao optarmos pela história de vida, teremos acesso a uma série de discursos até então pouco investigados. Isso pode ser verificado quando se recorre à história do futebol e se percebe que existe uma história que é considerada “oficial”. Essa pesquisa será uma forma de ampliar discussões sobre o futebol a partir da história de vida dos jogadores e integrantes das comissões técnicas. A história oral será o método adotado para a construção de um diálogo com o referencial teórico das Ciências Humanas, mais especificamente a produção da Antropologia, da História e da Sociologia. Por meio da história de vida, ainda será possível registrar memórias, histórias e experiências dos sujeitos mencionados, além da criação de um banco de vídeos com as entrevistas realizadas de modo a constituir um acervo para preservar a elaboração de tal memória, quer se refira de modo restrito à carreira dos mesmos, quer, de modo geral, ao futebol brasileiro.

Lima. Foto: Museu do Futebol.
Lima. Foto: Museu do Futebol.

Segunda parte

Como era a relação dos jogadores com a Ditadura Militar no Brasil?

Olha, nós não sentíamos muito, os atletas profissionais, não sentia porque parecia que era normal. Hoje a gente lê que, na época, Lula fazia as greves, e a gente lembra “Puxa, aquela época era ditadura?”. O Caetano Veloso ia embora, os cantores foram embora, mas a gente não se ligava nisso, porque o atleta profissional não tinha nada a ver. Eu peguei ditadura na Europa, na Tchecoslováquia, nós íamos jogar, a gente não podia sair sozinho, ir pro bar e beber, tinha que sair três ou quatro, pegava uma cerveja, tinha que dividir, ele não servia uma só pra pessoa, então a gente achava estranho. Ah, na França, o que eu estranhei muito, a gente pegava amizade, eu metido a falar e o caramba, eu e o Piaza, sempre andava junto, aí os caras chegavam: “Aí Bica, o que acontece? Só vejo você e o Piaza beijando as muié”. Aí eu falei “Ah, meu filho, bonitão é assim, você vai querer o que?”. Só que nós saíamos, o Piaza pra lá e eu por aqui, via uma bonita, e o Piaza “O cara me ensinou, só você falar “Kiss me for me”, e elas te dão o beijo”. E na Europa é assim mesmo, “Ah, kiss me for me”. São coisas que a gente lembra, vai lembrando de passagem. Ah, e outra coisa, a gente no avião conversava, porque a gente comprava garrafa de uísque, “Hoje você compra, amanhã você, o outro”, e bebíamos só pra alegrar o ambiente, e as aeromoças conversavam com a gente, brincavam como se fossem amigas, só que elas eram tudo cabeludas embaixo do braço, um fedor de gambá, que a gente chegava e falava “Não é possível”, aí os caras falavam “Não, é que elas não são acostumadas a se depilar”. Chegaram a falar: “Sabe o que elas são acostumadas? Elas chegam, se trocam, já tão esperando elas, ficam um dia e meio, dois dias descansando, e vão fazer filme pornô, aí ele falou “É assim que elas ganham dinheiro”, a gente ia aprendendo coisas, que eram tabu na época aqui no Brasil. Na Bélgica, nós jogávamos bilhar, e o banheiro, era de homem e de mulher, um tabu, não existia aqui no Brasil aquele negócio. Mas lá é com respeito, mas não é normal, então são coisas da Europa muito mais adiantadas que nós na época.

Você disse que encontrou, na Austrália, jogadores de futebol brasileiros que tinham ido pra lá por conta da ditadura…

Jogadores não, só família. Não tinha jogador brasileiro lá na época. Era difícil. Hoje não, hoje brasileiro é igual pardal, todo lugar tem brasileiro, você vai na Espanha, vai na Itália, vai onde for, encontra brasileiros.

Em nenhum desses países que visitou, você chegou a encontrar com outro brasileiro? Hoje, os jogadores dizem que isso é razoavelmente comum, que eles vão pro exterior e lá encontram brasileiros, sejam jogadores ou não, que estão estabelecidos por lá. Na sua época, como que era?

Na nossa época não, era muito difícil sair um jogador, e hoje jogador brasileiro é igual pardal, todo lugar tem, e na época não, dificilmente.

Quando vocês chegavam nesses países como brasileiros, como o pessoal de lá percebia vocês como brasileiros? Qual era a expectativa que eles tinham sobre os brasileiros?

É, a expectativa era grande, porque quando tinha uma excursão nós ficávamos no hotel, e ali já sabiam que era brasileiro, porque já tinha o batuque, o samba, e nós saímos na porta do hotel, e nós fazíamos nossa música, sambava, e nós, morenos, na época, e as moças chegavam e faziam assim (esfrega a pele) pra ver se saía a tinta, porque não tinha internet, não tinha esses negócios pra ver, não era coisa normal. Nós fomos na Espanha, nós estávamos num hotel, Pedro Paulo, baita dum negrão, uma artista estava hospedada no hotel, porque ela tava terminando um filme, ela ficou tão apaixonada por esse Pedro Paulo, ela parecia uma vela, só servindo champanhe na boca dele, e nós falávamos: “Não é possível”, “Pelo amor de…”, “Ê, negrão! Lá você só bebe pinga, aqui tá com champanhe!” (risos). Aí ela queria que ele ficasse morando com ela, ela pagava tudo, que ele deixasse de jogar futebol, aí eu falei assim “Eu não”. Eu era gozador pra caramba, eu só enchia o saco deles, aí eu chegava perto lá, na hora que ela tava lá servindo, eu fazia “Shhhhh, shhhhh” (risos), “Ó, tem urubu aqui perto de vocês” (risos). Ele ficava doido comigo. Então, a gente nessas excursões ficava legal, passava por muita brincadeira, palhaçada, porque o time era muito unido. Então, pra vocês terem uma base, em Kuala Lumpur, em uma dessas excursões, nós estamos no hotel, tinha quatro boates, e tamo lá conversando, aparece uma loira com outra loira, e falou “Ah, brasileño”, falei “Si, brasileño”, eu já falava um pouco de espanhol, aí ela falou “Ah, yo soy de Argentina”, aí eu falei “Eu joguei no Boca”, ela, torcedora do Boca, falou “Ah, Boca, meu time!”, aí começamos, pegamos amizade, e ficamos lá; essa moça também pediu pra que eu ficasse lá acompanhando ela, e acredita que quando ela veio passear na Argentina, ela parou e foi me ver, passear em Belo Horizonte, ainda bem que eu tava separado, graças a Deus não influenciou em nada. Mas olha, antigamente, negrão com loira pra esses lados, na própria Argentina… Porque homem era um bicho danado, eles têm uma inveja do brasileiros, e nessas excursões sempre tinha essas coisas…

Como assim “homem é um bicho danado, tem inveja de brasileiro”?

O argentino. O argentino, infelizmente, é invejoso, tem raiva do brasileiro.

Mas eram só os argentinos?

Uruguaio, paraguaio, chileno, mexicano, colombianos, adoram brasileiro, então, argentino morrem de inveja.

Como que foi essa mudança para o Chile?

Eu estava aqui, eu já tava quase pensando que eu ia encerrar a carreira, aí o Yustrisch falou “Ó, Lima, não vai dar pra você ficar no Corinthians”, aí eu falei “Caramba, o que eu vou fazer?”. Aí tinha um diretor, Gebran, Tony Gebran do Corinthians, sempre gostou de mim, ele falou: “Ah, Lima, vem trabalhar comigo”, eu falei “É, vou pensar um pouco pra ver o que eu posso fazer”, aí apareceu o empresário, falou “Lima, vamos pro Chile”, eu falei “Beleza”, fui pro Chile, fiz uma avaliação no Santiago Morning, não é dos times de topo, mas também não é dos últimos, aí passei dois anos e meio lá, fui um dos melhores jogadores estrangeiros, depois fui contratado pelo O’Higgins de Rancagua, tive a felicidade, também, de fazer um bom campeonato lá e fiquei quase quatro anos, só parei porque eu machuquei, tive que operar o joelho, e esse joelho operei uma vez, não deu certo, aí a segunda tive que voltar aqui pro Brasil, com o Dr. Joaquim Grava, ele me recuperou, aí eu voltei pro Chile pra receber o que eu tinha que receber, aí perguntaram se eu queria continuar, falei “Não, vou embora”, vim embora, e encerrei minha carreira no Chile, em 82.

E ficou quanto tempo lá?

Seis anos. No Chile é bom, me trataram bem demais, passei por vários terremotos lá (risos)…

Você falou que não percebia a ditadura aqui no Brasil e no Chile?

No Chile era o seguinte: morava numa cidadezinha, tipo Guarulhos, cidadezinha, Guarulhos agora é grande, mas é Santiago e Guarulhos, e Santiago Morning tava lá e nós morávamos lá nessa cidadezinha, nessa cidadezinha o toque de recolher era 11h, morava eu e o Ned Barbosa, o Ned jogou no Corinthians também, tá morando lá até hoje. Aí, nessa cidade, só nós dois (risos), parecia que nós éramos os donos da cidade. Quando era meia-noite, uma hora, vinha com o carro, os carabineros parava do lado “¿Ih, los brasileños nuevamente? Puta merda”, “É que non vimos el orario, nel…”, eles chamavam nós de “Seus perros”, perro é cachorro, “Seus perros safados”, aí falava “Vai, vai, vai”, aí deixava nós, mas quando via caro um meia-noite, uma hora,  éramos nós (risos). Porque com o Pinochet, na época, tinha o toque de recolher, mas a cidade era pequena. Até hoje, eu fui lá, viajei no ano passado pra lá, a alegria foi enorme, tanta gente…

Do que você sente falta do Chile?

Sinto bastante falta do carinho, do que os chilenos têm comigo. Eu fui lá agora, nossa senhora, todo mundo lembra de mim, o Vasconcelos tá até hoje lá, jogou comigo no Náutico, tem o Ned Barbosa lá, tem vários jogadores, o carinho é enorme, aqueles ex-jogadores, companheiros de clube, como se fosse em casa, você chega lá e se não vai na casa deles, eles se sentem magoados, são muito carinhosos.

Rotina, casa, comida… Tem alguma coisa que só tem no Chile?

Vou te falar um negócio: eu nasci na Bahia, comia rapadura com farinha, água com farinha, vou te dizer, eu não estranho comida nenhuma. No Chile, a comida é muito peixe, muito milho, muita empanada, aqueles negócio, só que quando a gente ia, a gente levava feijão, então ensinamos famílias lá a fazer o feijão preto, então a turma não fica sem o feijãozinho, tem que estar mandando sempre. Na Colômbia é igual, só que no Chile eles falavam “Ih, mas poroto negro é pra los chanchos”, chanchos são os porcos, mas acostumaram, então eles pedem sempre pra que leve essas comidas. O café da Colômbia é o melhor que tem, o café de Valdez. Na Colômbia, eles gostavam muito do sabonete Phebo, você quer dar um presente legal pra turma lá é um sabonete Phebo, nossa senhora, a turma te aplaude.

Se você pudesse ter escolhido, igual os seus amigos, ficar lá ou voltar pro Brasil, o que você escolheria?

Ah, não ficaria lá não, Deus me livre! Aqui é muito lindo. Nós vamos de vez em quando, ficar quinze, vinte dias lá, tudo bem, mas morar definitivo. Na época, eu tava solteiro lá no Chile, namorando moças ricas, que me davam de tudo pra ficar lá, e eu não, falei “Não, não fico não”. Brasil é Brasil, o amor que a gente tem, queria que todos os governantes tivessem esse amor que nós temos pelo Brasil, nosso país seria um dos melhores do mundo, com muito recurso que nós temos, e outros países que têm menos recursos e são melhores que nós na saúde, educação, estudo. Criança lá no Chile, com dois anos já tá aprendendo inglês, coisa impressionante, e nós aqui não, retrocedemos. Agora que estamos acordando, com essas manifestações, sem briga, sem nada, que tem vândalos no meio, mas se fizer pelo bem do país vai ser bom. São necessárias essas coisas, hospital, segurança, isso é primordial, mas não é isso aí que vai afetar, eles têm dinheiro pra fazer hospitais, é só roubar menos. “Esse fez falcatrua?”, faz igual na China, ou corta a mão, vai preso, pena de morte, mas devolve o dinheiro, aqui todos vão presos e não devolvem o dinheiro, tem dinheiro que não acaba mais lá fora, pega esse dinheiro de fora e vamos fazer hospitais.

Em relação ao futebol, às condições pra jogar, a estrutura do futebol, dá para fazer uma comparação entre o Brasil e esses outros clubes?

Sim, a diferença é grande. A própria Argentina não tem o recurso que nós temos, o Brasil vem em primeiro lugar, por isso que dizem que é o país do futebol e do carnaval, porque no Chile, Argentina, Colômbia é precário, precário porque, olha, fardamento lá é de segunda, infelizmente não é igual. Aqui é primeiro mundo, já estamos acompanhando a Europa, em como manter um clube, manter o futebol, aqui cresceu muito e valorizou demais.

Em relação ao reconhecimento como atleta, você sentia que existia esse reconhecimento maior aqui no seu país ou você chegou a se sentir um pouco em casa em outros lugares, por conta da torcida e de ser bem tratado?

Eu fui bem tratado, graças a Deus eu tive sorte, e além de sorte eu fui bem, na maneira de ser como homem e como jogador de futebol, sempre falava pros meus companheiros “Pelo amor de Deus, vamos fazer o possível pra não falhar, pra dar caminhos pra outros jogadores virem”. O brasileiro é reconhecido, e eu fui muito reconhecido, eu, na Colômbia, tinha o apelido de Maravillita Lima, que lá tinha o Maravilla Gamboa, era o jogador da Colômbia, e eu Maravillita porque eu era pequeno, e ele era alto.

E foi o Millonarios que fez uma homenagem para você?

É, esqueci de trazer o álbum, foi o Millonarios de Bogotá.

Você teve técnicos nesses países que faziam um treinamento muito diferente do que você estava acostumado aqui no Brasil?

Certo, os treinamentos não são iguais, aqui nós temos condições de ter várias peças pra fazer treinamento físico, e lá não, lá é força, sobe escada, desce escada, no campo de areia, e aqui nós temos diversos aparelhos pra poder treinar, antigamente já havia isso, e na condição física era você também que tinha que fazer o possível pra poder manter, não é igual hoje em dia que você é avaliado, chega lá tem isso, tem aquilo. Na Colômbia, treinamento, primeira vez em que nós estamos treinando, daqui a pouco a terra começou: “Uuu, uuu, uuu” (imitação de som de terremoto), você olha assim, fala “Meu Deus!”, parecia uma barriga de velha, e começou “Uuu, uuu, uuu”, e a turma de lá falava “Se acuesta nel suelo, se acuesta nel suelo!”, que é pra deitar no chão, e tinha uns eucaliptos, e começava a balançar de uma ponta na outra, “Mira se no abre la tierra, mira se no abre la tierra!”. Minha filha, um minuto, um minuto e pouco, parecia doze horas, é horrível terremoto, parece que você não tem pra onde correr, “Só Deus mesmo agora, só Deus pra salvar” (risos). E no Chile, levei minha esposa, minha segunda esposa, e eu usava um aplique da Interlace, que eu fui pra lá, eu já tava careca, e eu usava um aplique (risos), e nós morávamos no quarto andar, rapaz, começou às quatro horas da manhã a balançar esse prédio, Deus do céu, só eu e ela, “Corre, vamos embora”, quando cheguei no terceiro andar, no segundo andar, cadê o cabelo? (risos). Eu falei “Sobe pra pegar pra mim”, ela falou “Eu não” (risos), aí eu peguei uma camisa e amarrei na cabeça, depois nós ríamos, ninguém sabia que eu era careca (risos).

Lima, então você volta do Chile e aí para de jogar profissionalmente…

Parei em 82, porque eu tinha problema no joelho, aí comecei a brincar, aqui no Operário, União dos Operários, que sempre foi nossa casa, aí eu comecei a disputar campeonato do Desafio ao Galo pelo Operário, só jogos. No Operário era o seguinte, não tinha grama, era terra, nós jogávamos aqui de segunda a segunda. Jogavam os artistas, os lutadores de boxe. Tinha um time nosso aqui, era o Acredite Se Quiser, de quinta-feira era essa turma aqui dos antigos, até hoje tem isso, e no domingo, sábado, jogava campeonato pelo União dos Operários, e era bom demais, lotado sempre, então, você se sentia como se não tivesse parado de jogar.

E quando começa a sua relação com o União dos Operários?

Em 82, eu e o presidente, que é hoje o Bira, Ubirajara, jogávamos no Vila Maria, o outro time lá que eu jogava de pequeno, e o Bira falou “Ah, vamos lá pro União dos Operários, tem isso, tem aquilo…”, aí vim pra cá pro União dos Operários, já tinha o Bira, já tinha alguns amigos lá da Vila Maria, porque aqui é do Belém, então a turma de lá ficava “Pô, vocês vão pro Belém, invés de ficar aqui no nosso bairro, caramba”, mas não teve jeito, porque o carisma é outro, a turma vem porque se sente bem, coisa maravilhosa. Aqui no Operário não tem maconheiro, não tem briga, podem chegar senhoras, senhoritas, crianças, é uma maravilha, ninguém mexe com ninguém, todo mundo respeita todo mundo, festa aqui é uma maravilha, não vê briga, não vê nada, por isso que até a gente fala, o União dos Operários é um oásis na cidade, ninguém imagina o que é isso aqui dentro.

Então, depois que você se “aposentou” do futebol profissional, você se considerou futebol de várzea, você se sente…

É, um varzeano, mas olha, é uma dureza, viu, é triste você não se preparar pra deixar o futebol, porque o futebol te dá muitas alegrias, muitas mordomias, mas dá muitas tristeza, porque eu sou corintiano de coração, e eu, até hoje, se o Corinthians ganha, essas coisas, eu vibro, ainda brinco aqui “Vai Corinthians!”, e todo mundo me conhece assim “Ei muchacho, e o Corinthians? Ei muchacho, e o Corinthians?”, então, eu sou corintiano, eu fico feliz por causo disso, que é um clube que me criou de doze, treze anos, apesar de não agradar todos os torcedores.

Você é lembrado mais em qual time, você acha?

Aqui em São Paulo é o Corinthians, em Minas é o Cruzeiro, em Recife é o Náutico. Lá no Chile fui agora, um ano atrás, e os caras “Negrito Lima”, todo mundo. Na Colômbia eu não cheguei a voltar a Bogotá, mas quando vêm os clubes aqui, eu vou lá, eles lembram, me tratam bem.

Você é conhecido por uma especialidade, que é o chute de falta…

Isso é verdade, eles até brincam, porque eu chutava muito forte, eu tinha um potencial na perna esquerda que era muito boa, e eu sempre fiz vários gols de falta, de jogada, chutar forte de longe, eu fazia gol mesmo. No Cruzeiro eu batia falta, quando o Nelinho chegou, aí eu batia de um lado e o Nelinho do outro, mas como o Nelinho batia mais forte que eu, o Nelinho foi vindo, foi vindo, daqui a pouco eu falei “Ah, bate você direto”. Até tem a charge, que é eu e o Pepe, o Pepe chutava forte no Santos e eu no Corinthians. Era o Canhão da Vila, que era o Pepe, e eu o Canhão do Parque, que era do Corinthians, e nós em cima de um canhão. Então, eu tive essa felicidade de ter um potencial muito forte no meu chute.

E como que você se tornou um grande cobrador de faltas?

É o seguinte, eu sempre fui apaixonado por futebol, na época que eu estava no infantil, no juvenil, o pouco dinheiro que nós ganhamos no começo, o meu pai comprou uma barraquinha no meio da feira, que vendia pimenta-do-reino, Bombril, borracha de panela de pressão, aquelas miudezas, e meu pai comprou aquela bicicleta com aquele baú, e nós morávamos na Vila Maria, e tinha feira no Tatuapé, Lago da Concórdia, Penha, e eu, antes do treino, já saia mais cedo, naquele triciclo, e eu “Lepe, lepe, lepe” (imitação do som de pedais), chegava, treinava, voltava, essa bicicleta me deu muita resistência, muita força nas pernas, e eu treinava direto, e o paredão tinha uns círculos, 1, 2, 3, o técnico falava “Lima, vai lá, chuta com a direita e com a esquerda, cem chutes com a direita, cem chutes com a esquerda”, eu dava duzentos, minha vontade era imensa, e enquanto eu não acertava eu não me sentia satisfeito de ir, eu não parava, e nisso aí eu aprimorei chute, escanteio, passe eu dava como se fosse jogado com a mão, cruzava a bola na cabeça do meu centroavante, todos eles foram goleadores por causa disso.

Quando você terminou a sua carreira profissional, você chegou a dar treinos em escolinhas de futebol?

É, quando nós paramos de jogar, fizemos uma cooperativa, Cooperesporte, ex-jogadores, oitenta atletas, cada um era numa favela, num CDM, num bairro, só que essa molecada era o seguinte: eram oitenta moleque de manhã, oitenta moleque a tarde, então você não dava fundamento pra eles, era pra ocupar o tempo deles, então a gente não dava instrução nem nada, colocava um time, jogava, tirava, jogava outro time, então reunia essa molecada.

Em que época foi isso, mais ou menos?

Ah, foi noventa, até pouco tempo tinha, aí eu me aposentei, não quis mais não, mas a é pra dar fundamento pra molecada, não tem jeito não, mas não porque a molecada tem que pagar bem, coitados, não tinham dinheiro pra pagar, então, não ia, fazia nada disso.

 

Lima, para encerrar, você tem alguma mensagem, alguma coisa que a gente não perguntou?

A gente conversa, fala muitas coisas. Eu, no futebol, só tive alegria, graças a Deus, conheci muitos países, tive essa felicidade, então, eu me sinto glorioso por conhecer, por sair de uma cidadezinha pequena, chamada Serra Dourada, lá na Bahia, perto de Bom Jesus da Lapa, muito feliz pela minha carreira.

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Paulo Nascimento

Professor de História.

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