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Marcelo Aparecido Ribeiro de Souza (parte 2)

Equipe Ludopédio 25 de fevereiro de 2015

Se o estádio é o plano ritual no qual se vivencia de forma mais intensa a dimensão do torcer, outros espaços cotidianos também são palcos da performance torcedora, principalmente os bares e botecos, locais de consumo dos eventos futebolísticos e espaços de sociabilidade privilegiados para a interação lúdica, juntar os amigos, tomar uma cerveja e petiscar porções durante o jogo televisionado. Na arena do bar, boleiros boêmios recriam um clima de arquibancada que pode não ser tão absorvente quando o do estádio, mas que se revela descontraído e animado, onde torcedores também vestem as camisas de seus times de coração, gritam, comemoram, discutem e xingam o árbitro.

Mas como reclamar do juiz se o próprio dono do bar é um árbitro de futebol? É o que acontece na Chopperia e Espetinho do Juiz, inaugurada em 2010 no bairro de Guaianases, Zona Leste. Marcelo, dono do bar, é árbitro de futebol, vinculado à FPF -Federação Brasileira de Futebol e à CBF – Confederação Brasileira de Futebol. Morador da Zona Leste, Marcelo decidiu unir a sua atuação como empresário ao seu papel central no cenário futebolístico. O juiz afirma que teve alguns receios quando abriu o bar: “Como é que vai ser o torcedor, que na hora da emoção perde a razão?”. Porém, nunca teve problemas com torcedores no bar. Ao contrário, o sucesso do bar em Guaianases levou à criação de um novo bar do juiz no bairro do Patriarca, também na Zona Leste.

 

Marcelo Aparecido Ribeiro de Souza
Além da arbitragem, Marcelo Aparecido Ribeiro de Souza é dono de um par na Zona Leste de São Paulo.

 

 

 

Segunda parte

 

Mudou a relação do juiz/dono do bar com os torcedores/clientes?

O pessoal brinca na hora do jogo: “Sei onde você mora”, “sei onde trabalha”, conheço sua mulher”, mas tudo na brincadeira. É até mais um ponto positivo do que negativo. Eles têm orgulho de ver e conhecer um juiz de futebol, me defendem, “o cara é gente boa, é honesto, é trabalhador”. Passamos uma outra imagem, até quando envolve outros colegas árbitros. Eles analisam quando o árbitro errou ou acertou e falam: “aquele cara é bom, né?” ou “Marcelo, o seu colega não foi bem no jogo”. Mas ninguém chega e fala: “o cara é ladrão, é bandido”. Era um receio que eu tinha: como vai ser o torcedor, que na hora da emoção perde a razão? Não sou um estudioso, mas até comento com os clientes que uma das razões da violência é terem separado os torcedores, pois começaram a formar bandos, tribos. Seu eu tivesse feito isso no meu bar, “olha, desse lado vão ficar torcedores da equipe A e do outro lado da equipe B”, com certeza eu já teria algum tipo de problema no bar. No calor da emoção, as pessoas começam a ofender o outro lado, que começa a se sentir injustiçado, o que leva à ignorância e violência. Quando eu abri o bar, tinha muito receio da violência: “como vão conviver corintianos, palmeirenses, são-paulinos e santistas, juntos, no mesmo ambiente?”. Mas você acredita que em todos estes anos eu nunca tive nenhum tipo de torcedor no bar? Aconteceu de um gol alguém já estourar a cerveja ao comemorar, mas de forma tranquila. E eu pensei: será que não é por isso? Por que você vê na mesa palmeirenses, santistas, corintianos, todos juntos, amigos, com suas camisas, e nas mesas ao lado outros torcedores, e eles conseguem conviver. Quando é gol do Corinthians, gritam; quando é do Palmeiras, comemoram; e assim por diante. E nunca tive problemas. Acho que se tivesse dividido poderia ter tido problemas. Quando a pessoa está ao seu lado, você vai tentar respeitá-la. Mas quando ela lá do outro lado, você já a vê como inimiga. Como se fosse uma guerra, ele é meu inimigo,é matar ou morrer. Na Copa do Mundo, por exemplo, croatas e brasileiros ficaram lado a lado e não teve nenhum tipo de confusão. Esse é um caminho: voltar ao que era, ao que os mais velhos dizem, que iam aos jogos juntos. Pode acontecer na numerada, por exemplo, com o pai são-paulino e o filho corintiano, ou vice-versa. E estão sentados ao lado de outros torcedores, de times diferentes.


Você está numa posição privilegiada e diferente: você é árbitro de futebol, tem um bar cujo tema é futebol localizado na Zona Leste paulistana, próximo à Arena Corinthians, conhecida também como Itaquerão. Qual a sua opinião sobre a construção do estádio? Ela é benéfica para a cidade e, especificamente, para a Zona Leste?

Eu acho que sim. A construção do estádio na Zona Leste é muito positiva. Não sei se foi vista com bons olhos pelo resto da cidade. A escolha do estádio na Zona Leste foi muito criticada. Algumas personalidades fizeram críticas duríssimas. O que se mostrou um equívoco. A Zona Leste é uma região da cidade muito produtiva. Além do potencial industrial e comercial, temos que destacar a alta qualidade do potencial humano daqui. Podemos dizer que a Zona Leste é uma cidade dentro de São Paulo. E era uma parte esquecida da cidade, até com um certo preconceito. Mas só porque muitas destas pessoas que criticam não conhecem a Zona Leste, que não fica devendo para nenhuma outra região da cidade. Temos que melhorar bastante a infraestrutura, mas em outros lugares também ainda não é o ideal. Com o estádio e a abertura da Copa, acho que passarão a ver com bons olhos a Zona Leste. Trata-se de uma região carente. Quando abri o primeiro bar em Guaianases, ouvi muito isso: “Juiz, você fez um negócio para a gente que ninguém tinha feito”. Alguns falaram que para aproveitar um bar legal iam para o Tatuapé, Anália Franco ou mesmo Moema. E agora falam que podem fazer isso perto da casa deles. “Você acreditou que a gente tinha potencial para frequentar um bar como esse”. Depois surgiram outros parecidos. Ainda bem que nós incentivamos isso. Isso foi bom. E lá nós somos os pioneiros. Eu até brinco: “Se eu fosse lá na Vila Olímpia ou Moema, eu iria ser mais um. Aqui eu sou o Bar do Juiz. Eu sou diferente”. E tenho que agradecer muito à minha equipe, meu pessoal. Temos que valorizar o ser humano. A relação interpessoal é o mais importante. Montamos uma equipe boa para atender bem os clientes. Não basta só o produto bom, precisa ter qualidade no atendimento, qualidade nas pessoas. As pessoas vão porque gostam do atendimento do juiz, ou do atendimento do “Baixinho”, por exemplo. Isso é bem legal.


E como pretende aproveitar a Copa do Mundo, quando você possivelmente estará de férias?

Acredito que estarei de férias, mas não sei ainda. Você sabia que árbitro de futebol é o único que não tem férias? Os jogadores lutaram e conseguiram ter férias. Nós árbitros não temos férias. Quando os campeonatos acabam, os jogadores entram de férias. Mas nós já começamos a nos preparar para o campeonato seguinte. Por exemplo: a Federação Paulista chama seus árbitros, convocados para trabalhar no Campeonato Paulista, para uma série de treinamentos. Logo no início do ano você vai para uma pré–temporada, mas já está se preparando desde o fim do Campeonato Brasileiro. Não tem férias. Só para na semana de Natal e Ano Novo. Já durante estes campeonatos internacionais, como a Copa das Confederações e Copa do Mundo, o árbitro para, mas não pode ficar despreparado. Nestes períodos, a CBF organiza cursos, reúne seus árbitros, faz treinamentos, cursos, revê o que aconteceu na primeira rodada do Brasileirão, o que pode ser melhorado. É um período de aprimoramento, como é chamado. Não tem descanso. Mas espero que na Copa do Mundo seja diferente. Se tiver um tempinho livre, vou acompanhar um jogo da Copa, pois consegui comprar um ingresso para uma partida fora de São Paulo. Mas a maior parte do tempo estarei cuidando dos meus bares. São bares com tema futebol e teremos o Brasil e a Zona Leste no maior evento futebolístico do planeta. A Copa vai acontecer ao lado do meu bar, menos de 1km do meu bar.


O que vocês estão preparando de diferente nos bares para a Copa do Mundo?

Nós estamos preparando com o web designer o novo layout da casa, para que as pessoas possam reservar as mesas pelo site. Estou montando também um KitCopa; o cliente vai ganhar bandeirinha, apito e chapéu. E vamos enfeitar a casa com artigos para a Copa do Mundo: bolas, bonecos do mascote da Copa, o que for preciso para ficar com a cara da Copa do Mundo. Afinal, pode ser que o ônibus da seleção passe em frente ao bar, na av. Radial Leste. Se eles passarem, nós vamos dar boas-vindas a eles. E desejar boa sorte.


E casa ficará aberta todos os dias da Copa?

Não somente em dias de jogos do Brasil, mas em todos os jogos da Copa. Estava agora mesmo estudando a tabela para começar a fazer o planejamento.


E, por fim, se alguém pergunta “qual é o seu time?”, o que você responde?

Brasil (risos). Eu sou Brasil. Como eu não vou poder apitar o Brasil, sempre serei Brasil.

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