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Maurício Stycer

Equipe Ludopédio 7 de junho de 2010

O jornalista carioca Mauricio Stycer está em São Paulo há mais de vinte anos. Foi repórter e editor de alguns dos principais jornais e revistas do Brasil. Membro da equipe que criou o Lance! em 1997, posteriormente Stycer realizou uma pesquisa de Mestrado no Departamento de Sociologia da USP sobre a experiência editorial singular vivida no jornal esportivo, publicada no livro História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo. Nesta entrevista, o autor relata sua carreira jornalística, os primeiros passos como pesquisador, a experiência como docente e analisa algumas das principais questões abordadas em seu livro.

Mauricio Stycer, um dos fundadores do jornal Lance!
Mauricio Stycer, um dos fundadores do jornal Lance!

Primeira parte

Qual a sua formação e quais as razões para a escolha do jornalismo como profissão?

Sou graduado em Economia pela UFRJ e Jornalismo pela PUC-RJ. Fiz mestrado 20 anos depois de formado, em Sociologia na USP. Não sei dizer por que sou jornalista. Sempre, desde jovem, fiz jornalzinho no colégio. No ginásio, colegial, todo lugar em que ia fazia um jornal. Acho que é uma coisa um pouco natural, sempre escrevia muito. Mas não virei jornalista porque eu gostava de escrever. Não sei, nunca pensei em fazer outra coisa. O único momento de pressão paterna foi quando fiz o vestibular para Economia, pois nos anos 70 jornalismo ainda não era uma carreira com o status que tem hoje. Então cursei Economia junto com Comunicação. Foi um curso muito legal de ter feito. E resolvi ir até o fim e acabar. Sou formado, mas nunca peguei o diploma. Em seguida, comecei a trabalhar no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, na área de cultura, que era a que eu mais gostava. Logo, em menos de um ano, fui chamado para trabalhar no Estadão, aqui em São Paulo, no final de 1986. Já estou completando 24 anos de São Paulo.

Conte um pouco sobre sua trajetória jornalística – passagens pelo Jornal do Brasil, Estadão, Folha de SP, Época, Carta Capital, etc. -, sobre a decisão de trabalhar em São Paulo e o envolvimento com o jornalismo esportivo em diferentes veículos.

Eu sempre trabalhei na área de Cultura. No Rio de Janeiro, trabalhei no Caderno B do Jornal do Brasil. Zuenir Ventura era o editor desta seção. Estava começando aqui em São Paulo o Caderno 2 do Estadão. No final de 1986 houve uma crise e metade da equipe pediu demissão. O editor, Luiz Fernando Emediato, começou a chamar gente jovem para trabalhar. Só de ler o Jornal do Brasil, ele me chamou, pois não me conhecia pessoalmente. Eu vim para cá e trabalhei um ano e meio no Caderno 2. Depois, me convidaram para trabalhar na Folha de S.Paulo, no caderno Ilustrada, onde fui editor assistente durante 1 ano. Depois, fui chamado para ser editor de Turismo da Folha. Acabei me afastando do jornalismo cultural. Fui chamado para ser editor de cidades, no caderno Cotidiano. Eu me lembro de pensar: “pô, um carioca vai editar o caderno de cidade”. E me falaram: “é isso mesmo, a gente quer um olhar estranho, diferente”. Fiquei quase dois anos como editor do Cotidiano. Depois fui correspondente do jornal em Roma. Voltei e passei a atuar como repórter especial, momento quando comecei a fazer mais coisas de esporte também. Mas não só isso, pois o repórter especial é o cara que trabalha em todas as áreas. Fiquei quatro anos nessa função, fazendo reportagens especiais. Foi nessa época que me chamaram para participar da equipe que criou o Lance!. Isso foi no final do primeiro semestre de 1997. O Lance! começou a se reunir em julho e estreou em outubro de 1997. Foi quando vivi mais intensamente o jornalismo esportivo: participar da criação, pensar o jornal e seleção da equipe. Já imaginava que um dia eu faria alguma coisa sobre aquele momento. Desde o Jornal da República, criado pelo Mino Carta em 1979, não se criava um jornal daquele porte no Brasil. Um jornal grande, ambicioso, com tanto investimento. Um pouco da minha escolha de participar foi por causa disso. Todo jornalista tem o sonho de fazer um jornal: “pô, eu fiz esse jornal”. E há muitos anos não tinha um jornal novo. Acho que muita gente foi para o jornal por conta disso. Eu não fui por causa do jornalismo esportivo. Fui pela aventura de fazer um jornal. Acabei por me interessar muito. Sempre gostei de jornalismo esportivo. Vivi aquilo muito intensamente. Menos de um ano depois, fui convidado para participar da criação da revista Época, para cuidar da seção de cultura. Como eu gostava deste assunto há muito tempo, eu aceitei. Eu estava um pouco cansado, pois a experiência no Lance! foi muito intensa. Trabalhava-se demais, estava esgotado. Fui para a Época e fiquei três anos lá. Foi uma experiência legal. É bacana ver um negócio que você ajudou a criar ainda existir. Em seguida, fui chamado para trabalhar na revista Carta Capital, que era quinzenal e passaria a ser semanal para competir com a Veja e a IstoÉ. Isso foi em abril de 2001. Trabalhei na seção da cultura da Carta Capital. Foi uma aventura sensacional. Fiquei seis anos na Carta, sendo quatro anos só cuidando da seção de cultura. Quem me convidou foi o Bob Fernandes, o redator-chefe na época. No final de 2004 ele saiu e no início de 2005 assumi a função de redator-chefe durante 2005 e 2006. Trabalhei direto com o Mino Carta, foi uma experiência muito bacana. Neste momento eu parei para fazer a dissertação na Sociologia da USP, fiquei quase um ano só dedicado a isso. Depois, fui trabalhar na Glamurama Editora, que edita a revista da Joyce Pascowitch e tem um site de fofoca e celebridades. Eu era o número dois da editora, responsável pelo gerenciamento de toda a área editorial. Depois de 1 ano, fui chamado para o portal IG, onde fiquei 1 ano e meio como repórter especial e pude fazer muito jornalismo esportivo. Agora estou no UOL fazendo a mesma coisa. Tenho um blog e sou repórter do portal. Comecei em janeiro, fazendo crítica de televisão, fazendo reportagem e um blog de assuntos gerais.

Mauricio Stycer, um dos fundadores do jornal Lance!
Mauricio Stycer, cursou mestrado  em Sociologia na USP.

Quais foram as principais influências (suas e da equipe) para a construção do Lance!?

Uma coisa muito peculiar do Lance! é a que a idéia do jornal foi, primeiro, sugerida por um designer gráfico espanhol e inspirada em dois jornais estrangeiros: o Olé, da Argentina, que tinha nascido um ano antes, por sugestão deste mesmo designer catalão (que também fez a última reforma do Estadão); e a outra influência foi o Marca, da Espanha. O dono do Lance!, Walter de Mattos, trabalhava no O Dia (onde era o braço direito do dono do jornal), foi para Europa, para a Espanha especialmente, onde estava muito vigoroso o mercado jornalístico esportivo. Um dos casos mais interessantes era do Marca, um jornal que estava falido, alguém comprou o título, transformou e o jornal virou um fenômeno, vendendo muito. O Walter tinha isso em mente quando foi fazer o Lance!. Tem uma coisa forte, muito parecida com o Marca (que é muito Real Madri), de trazer manchetes “para cima”. Se o Real está mal, você não vai dizer: “Real acabado”. Ao contrário, você diz: “Esperança de melhora com a chegada de…”. Sempre buscando uma coisa que eleve a moral. É claro que não vai mentir, mas sim realçar algo que anime o leitor. O que para um jornalista da velha escola é muito estranho. Para nós, a notícia é sempre o que está ruim, o que está errado. E o Olé também ia muito bem na Argentina. Não sei hoje, mas quando o Lance! foi lançado estava bem por lá. Olé e Lance! são muitos parecidos: no formato, graficamente, no humor. Um caso célebre desse jornalismo “para cima”. Na Copa de 1998, a Argentina foi desclassificada e no dia seguinte a capa do Olé era assim: “E quando começa o Apertura?”. Não era dizendo: “A Argentina perdeu”. Esse é um belo exemplo. Se fosse na Folha de SP, ou O Globo, seria “Por que o Brasil fracassou”. “O que deu errado”. No Lance! seria diferente.

Como surgiu a idéia de estudar o jornalismo esportivo em seu mestrado? E por que a Sociologia?

Quando cheguei no Lance!, pensei: “O que estou vivendo aqui é muito interessante”.Tinha uma geração atrás de mim que não teve a experiência de criar um jornal. Não conhecia ninguém que podia falar: “eu participei da criação de um jornal”. Tive a percepção e comecei a guardar emails, memorandos, etc. Tudo que passava na minha mão ligado àquela história. Segundo, entre 1994 e 1996 eu tive minha primeira experiência como professor de jornalismo um pouco antes de trabalhar no Lance!. Dei aula na Cásper Líbero, por um breve período. Os cursos de jornalismo têm professores que são profissionais em atividade no mercado, mas não foram formados para dar aula. Eu achei legal. Nunca tinha pensado em dar aula. Fui chamado um dia para dar aula e gostei. Achei bacana essa experiência de contato com jovens, falar da minha experiência, discutir assuntos do jornalismo. Quando comecei a trabalhar no Lance!, juntou essa experiência com a idéia de uma pesquisa. Em 2001, eu voltei para a Cásper Líbero, com uma nova direção. Foi quando se criou um centro de pesquisa na Cásper Líbero, que dava bolsas para professores que faziam pesquisa. O então coordenador de Jornalismo, Marco Antonio Araujo, falou para eu apresentar um projeto. Eu caí na conversa dele (risos), apresentei o projeto e decidi fazer sobre a formação do Lance!. Ganhei uma bolsa de 1 ano para fazer a pesquisa. Com essa bolsa decidi entrevistar todos que tinham participado do jornal. Ainda não tinha um projeto fechado, mas minha idéia era fazer uma grande reportagem sobre a história do Lance!. Só que em certo momento, houve um problema na Cásper, um grupo de professores fez greve e muitos pediram demissão. Como eu fazia parte do movimento grevista, tive que interromper o trabalho. Parei, mas fui contaminado pelo “vírus” da pesquisa. Quando estava na Carta Capital, tive dois encontros com o sociólogo Sergio Miceli, para entrevistá-lo. No segundo contato, durante o lançamento de um livro dele sobre o modernismo brasileiro, eu puxei o assunto sobre a pesquisa, não sei bem porque (risos). Eu sei por que eu não queria ir para a ECA. Quando comecei a dar aula, via quem eram os caras que estavam discutindo na área de Comunicação e eu achava que eram todos chatos. Não tinha diálogo. No fundo, havia grande rivalidade, ou melhor, ainda tem: entre jornalistas que trabalham no mercado e os acadêmicos da Comunicação. E eu não percebi isso com o Sérgio. Ele tinha tanta curiosidade em relação a mim, quanto eu tinha em relação a ele. Além de ter uma grande admiração por ele, lendo os trabalhos dele, alguma coisa me fez perguntar: “e se eu for fazer mestrado na Sociologia?”. Ele falou: “Se você passar, eu te oriento”. Portanto, eu sei por que eu não fui para a ECA (Escola de Comunicação e Artes), mas porque eu fui para a sociologia é uma coisa mais intuitiva, uma simpatia grande pelo Sergio Miceli, uma curiosidade. Algo que eu não percebia no pessoal de Comunicação. Se você for olhar as pesquisas que são feitas lá, é sempre uma coisa contra a imprensa, com preconceito, nunca tentando entendê-la (o que não implica defender). Existe um problema mesmo entre os comunicólogos e os jornalistas.

E com os sociólogos? Como foi a sua inserção na Sociologia, visto que há uma conturbada relação entre os campos “acadêmico” e “jornalístico”?

Eu fui muito bem recebido aqui. Até agora, no doutorado, perguntam “o que eu estou fazendo aqui?”. Mas nunca foi hostil, quase nunca (risos). De um modo geral, a recepção foi bem simpática. Participei de tudo que tinha que participar. Fiz tudo com prazer, realmente me empolguei. Quando entrei, a banca sugeriu que fizesse matérias como ouvinte na graduação para me inteirar sobre os temas. Eles viram que era sério. E a recepção da dissertação e do livro foi muito legal. Havia curiosidade para saber como estava o trabalho. Alguns brincavam dizendo que o filho era leitor do Lance! e ficou empolgado para ler a dissertação.

O que a sua própria experiência como jornalista e editor-chefe – ou seja, um ator social – dentro do projeto inicial do Lance! trouxe de singular para a dissertação de mestrado? O acesso irrestrito e em primeira mão ao material empírico (conversas, atas de reuniões, etc.) foi a principal diferença?

Isso é indiscutível. A questão é que em algum momento, antes de eu começar a trabalhar na Sociologia, eu achava que isso era suficiente para uma investigação, que ter tido esse acesso irrestrito era suficiente para contar uma história. Eu acho que era uma perspectiva muito jornalística: preciso contar uma história, procuro os atores, entrevisto, ouço as diferentes versões, faço uma síntese e tenho uma história. Tinha essa especificidade. Além de estar entrevistando, eu era um ator e tinha uma vantagem de poder confrontar essas pessoas com minhas próprias experiências, o que de alguma maneira intimida estes atores a tentarem me enganar (pois não existe essa coisa do sujeito contar a verdade, mas sim uma versão). Mas se eu conheço intimamente a história, fica mais difícil o cara te enganar. Posso o tempo todo refutar, questionar. As entrevistas foram muito interessantes por isso. Tem um caso que eu conto sobre um editor de fotografia do Lance!. A área que teve mais conflito foi na fotografia, pois eram dois editores, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo. O Rio realmente mandou em São Paulo. Um deles falou: “por que eu era o editor de fotografia”. Eu disse: “era um, o do Rio de Janeiro, tinha outro em São Paulo”. Ele novamente: “eu era o editor”. Eu falei: “não, olha aqui o expediente, era um no RJ e outro em SP”. Ele afirmou então: “é, até podia ser assim, mas eu mandava”. Então, se ele estivesse dando uma entrevista para uma pessoa “de fora”, ele estaria passando uma versão que não aconteceu. Ele foi obrigado a aceitar e assumir que ele tinha “engolido” o outro. Então, isso ajudou muito na apuração. Porém, quando comecei a discutir o trabalho com o Sérgio, cuja atuação como orientador foi fascinante, as perguntas que ele começou a fazer mostraram os buracos que havia no encadeamento lógico que eu tinha dado ao trabalho. Comecei a perceber contradições, a perceber problemas que eu não tinha pensado. A visão que eu trazia do jornal era insuficiente para contar a história. Isso foi muito legal. Talvez para um jornalista, o trabalho em alguns momentos pode ser menos atraente do que um relato ou uma grande reportagem sobre o Lance!. Mas eu acho que assim ficou muito mais denso e interessante. Isso deve valer também na Antropologia. A pesquisa etnográfica deve ser o ponto de partida, mas não pode ser o único para contar o que foi visto.

Mauricio Stycer, um dos fundadores do jornal Lance!
Mauricio Stycer, conta sua trajetória no jornalismo.

Por que podemos pensar o Lance! como uma singular experiência não só jornalística, mas também social dentro da imprensa brasileira e do universo esportivo como um todo? Ou seja, por que se trata de um ator fundamental no processo de “modernização” que vem marcando o futebol brasileiro nas últimas décadas?

Primeiro, porque ele se atribuiu esse papel. Para fazer um jornal é necessário um esforço de convencimento, para diferentes grupos sociais, de que esse jornal pode dar certo. Você tem que convencer primeiro quem vai investir nesse jornal de que é algo necessário, importante, por algum motivo. Tem que convencer um grande grupo de leitores de que é um projeto interessante. Convencer jornalistas de diferentes capacidades e qualificações a se engajar neste projeto. Então, desde o início, e isso tento mostrar no trabalho, o primeiro a pensar no jornal, Walter de Mattos, empreendeu um esforço de provar que era necessário, primeiro, um veículo novo que renovasse o jornalismo esportivo brasileiro, que estava engessado em velhas fórmulas e cujos principais veículos reproduziam um modelo antigo que supostamente estava atrasado (a saber, os concorrentes eram a Gazeta Esportiva e o Jornal dos Sports). Segundo, havia no mundo inteiro uma onda de renovação da exploração do esporte como negócio. Vivia-se um período de florescimento deste conceito do esporte como business, como nunca houve antes. Terceiro, havia e vivia-se uma discussão de reforma da legislação de imprensa no Brasil. Uma discussão antiga e que estava madura naquela ocasião (estamos falando de 1997), que era a possibilidade de empresas estrangeiras poderem investir em mídia no Brasil. Algo que foi sempre um tabu, não só aqui como em vários países, pois a mídia sempre foi considerada um setor estratégico, onde a participação de capital estrangeiro é questionada e considerada perigosa. Naquele momento discutia-se a possibilidade de permitir, pelo menos uma parte. No final, a Constituição foi alterada, permitindo até 33% de capital estrangeiro na mídia. É o que pode até hoje. Imbuído deste espírito de criar um jornal a partir destas três diretrizes, o Walter levou adiante um projeto novo e foi o protagonista desta inserção do Lance! na mídia.

Confira a segunda parte da entrevista no dia 21 de julho

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