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Mauro Galvão

Equipe Ludopédio, Ricardo André Richter 11 de dezembro de 2013

Poucos jogadores tiveram uma carreira vitoriosa como a de Mauro Geraldo Galvão. O zagueiro começou sua trajetória profissional no Internacional de Porto Alegre, mas antes passou pelas categorias de base do rival Grêmio. Durante sua longa carreira atou em diversos clubes, entre eles Bangu, Botafogo, Vasco e Grêmio. Disputou duas Copas pela Seleção Brasileira, 1986 e 1990, e os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Na Europa, defendeu por seis anos o Lugano, da Suíça. Encerrou a carreira no Grêmio em 2002, aos 40 anos de idade, com um currículo invejável: diversas vezes campeão gaúcho e carioca, tetracampeão brasileiro, bicampeão da Copa do Brasil, campeão da Libertadores da América de 1998 e campeão da Copa América de 1989. Após a vitoriosa carreira como jogador, Mauro Galvão atuou como técnico do Vasco da Gama, Botafogo e Náutico. Foi ainda diretor-executivo de futebol no Grêmio e Vitória/BA, além de superintendente de esportes do Avaí.

Boa leitura!

 

Mauro Galvão durante a entrevista. Foto: Ricardo André Richter.

 

 

Primeira parte

 

Mauro, como foi a sua formação no futebol? Atuou por equipes de várzea, participou de peneiras?

Na verdade, eu comecei jogando em times de rua, ou times de bairro, podemos dizer assim. Eu era muito novo, tinha uns nove ou dez anos, e ai comecei a jogar no bairro, ter destaque. Como acontece em todos os lugares, tinha um time que representava o bairro, acabei indo para esse time. Posteriormente disputamos um campeonato e tínhamos um jogo marcado com o Grêmio na preliminar do jogo do Grêmio. Eu fui com o time até lá, mas não teve a preliminar, pois estava chovendo muito. Quando acontece isso não tem a preliminar, aquele jogo anterior ao jogo principal. Mas como eu estava lá no Estádio Olímpico, meu pai acabou conhecendo um homem que trabalhava na escolinha do Grêmio. Ele perguntou: “O que você está fazendo aqui?”, “Ah, vim ver meu filho jogar na preliminar, mas não saiu jogo”. Ele perguntou a minha idade, meu pai disse que tinha 11 anos e ele então falou: “Não quer trazer seu filho para fazer um teste?”. Acabei fazendo o teste. Fiz o teste e dali não saí mais. Então fiz meu começo de base no Grêmio dos 11 aos 15 anos. Aos 15 fui para o Inter de Porto Alegre e acabei me profissionalizando com 17 anos. O interessante é que foi rápido. Normalmente você tem uma linha a seguir e eu consegui ir superando, adiantando um pouco. Eu acho que foi bom, porque não foi fácil, a concorrência era muito grande para jogar num time como o do Internacional, que era bicampeão Brasileiro. Em 1979, quando cheguei, era um time com Falcão, Batista, Jair, Benítez no gol. Era um grande time. Para mim, que era jovem, com só 17 anos, foi muito bom ter começado naquele momento.

Você ingressou jovem no Internacional e ficou lá de 1979 a 1986. Como foi esse processo de se firmar dentro do clube? Em qual momento você realmente percebeu que seria um jogador de futebol?

É difícil. Eu nunca pensei muito nisso, se eu seria ou não um jogador de futebol. As coisas foram acontecendo. Aconteceram naturalmente. Quando você chega ao profissional e começa a jogar, começa a pegar confiança, começa a jogar futebol e se sentir mais maduro, ali você começa a sentir que está no lugar certo e que vai fazer aquilo que tinha em mente. Acho que o primeiro ano é um ano de afirmação, um ano em que você tem que mostrar seu futebol. Acho que com vinte eu senti que estava pronto realmente. Tem a parte física a ser melhorada em algumas coisas. Então com 17 anos o jogador ainda está um pouco verde. Não que não possa jogar, mas com vinte anos já me senti mais à vontade, dominando mais a situação, tanto na parte técnica, na parte física, e também poder ser um jogador admirado, ser um jogador exemplo para o mais novos. Tudo isso vai pegando, inclusive de ser uma pessoa pública. Você acaba incorporando tudo isso. Porque você realmente representa um grande clube e isso não é fácil. Não é só jogar futebol. Tem uma imagem a ser passada, tem que saber lidar com isso. Acho que com vinte anos eu já conseguia conviver tranquilamente com todo esse interesse que cerca o jogador de futebol.

Mauro Galvão no Inter-RS. Foto: Arquivo Pessoal.

Qual a importância da família na carreira de um jovem, que como você na época, está buscando seguir a carreira de jogador? A base familiar é fundamental?

É tudo. Acho que a família é tudo, em qualquer setor é importante, cuida da educação, dos valores. O meu pai, por exemplo, era uma pessoa que tinha jogado futebol, não profissionalmente, mas tinha um histórico de futebol amador. Minha mãe oferecia toda aquela proteção, vibração, incentivo. Um cuidado com tudo, inclusive minha alimentação. E os valores que são passados pelos pais, de ser uma pessoa correta, de ser uma pessoa do bem, tentar sempre o seu objetivo, acreditar no que tu faz. Então sempre tive essa cobertura. Meu pai, por ter jogado, me ajudou bastante dando toques de como fazer as coisas. Antes de ser profissional já fazia concentração eu mesmo. Quando tinha jogo domingo de manhã, não no sábado de noite. Eu tinha toda uma disciplina pré-profissional. É difícil chegar nesse nível e quando você consegue chegar é porque realmente tem um objetivo. Se você vai conseguir, ninguém sabe. É impossível ter certeza de alguma coisa sobre algo que ninguém domina. No futebol ter boas passagens nas categorias de base, não quer dizer que vá virar profissional. Não existe lei que diga que vá acontecer isso. Pode acontecer, mas não tem certeza. Vai depender de vários fatores que acabam conspirando para que deem certo. Graças a Deus, no meu caso, elas deram certo.

Sempre jogou de zagueiro? Quais eram seus ídolos no futebol?

Sempre gostei de ver os jogadores de defesa jogar. Claro que gostava de ver os meias e atacantes, mas sempre me interessei mais pelos zagueiros. Gostava de ver o Figueroa jogar, Luís Pereira, dos jogadores de defesa europeus, como o Ruud Krol, da seleção da Holanda, que era um jogador moderno, que saía jogando; gostava de ver o Beckenbauer jogar, em seu estilo de cabeça erguida; e o Falcão, que sempre um jogador que admirei muito e depois acabei jogando com ele. Foi uma satisfação enorme jogador que torcia e tinha como referência. Acho que esses foram os jogadores que peguei como referência. Além da parte técnica, sempre procurei ver jogadores que tivessem uma boa imagem; jogadores que tivessem alguma coisa para dar além da qualidade do futebol, isso é importante e um papel que temos que executar.

Logo no seu primeiro ano de clube, o Internacional é campeão brasileiro invicto. Como foi essa experiência?

Foi muito importante, para marcar logo na chegada. Foi um ponto de partida importante. Para um jogador vindo da base que jogava de zagueiro no Sul não era fácil ser titular do Internacional, bicampeão brasileiro. Você entrar e o time ganhar o campeonato de forma invicta não é fácil. Foi muito bom. E deu bastante confiança para poder seguir a minha carreira. Foi acima da expectativa. Você sempre espera conseguir o melhor, mas quando consegue ganhar de forma invicta, realmente é uma coisa que marca muito. Uma equipe que trouxe muitas lembranças positivas e amigos. Uma conquista que é até hoje lembrada.

Mauro Galvão é o Diretor Executivo de Base do Vasco da Gama. Foto: Ricardo André Richter.

Nesse período você foi convocado para a seleção pré-olímpica que disputaria a vaga para os Jogos de Moscou em 1980. Como você se recorda dessa experiência em que o Brasil não se classificou para os Jogos?

Foi uma experiência muito negativa no que diz respeito ao resultado, porque nos encontramos logo após o fim do Campeonato Brasileiro, fomos para a Colômbia e não conseguimos criar um time, não existia um grupo, ficou cada um vendo a sua condição individual. Então não conseguimos formar um bom time. Tivemos alguns problemas disciplinares na delegação, de jogadores que saíam para fazer algumas coisas que não eram certas. Nós estávamos indo para jogar e não para passear. Estava tudo muito solto. E quando você tem esse tipo de coisa fica muito difícil. Já é difícil quando está atento e concentrado. Mas não existia entrosamento nenhum, dentro ou fora do campo. Não houve organização adequada. Eu, graças a Deus, fiz a minha parte. Procurei ser sempre aquilo o que fui: jogar, concentrar, procurar ter cuidado e seguir as regras do jogo. Isso foi importante, pois logo depois fui chamado novamente, e minha ficha na Seleção foi a melhor possível. Sempre procurei fazer aquilo o que temos que fazer: jogar futebol e ter um comportamento que seja adequado a essa função.

Quatro anos mais tarde, você participa da conquista da medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Como foi o processo de preparação da equipe?

Foi muito bom. Não tínhamos ideia que poderíamos disputar a Olímpiada, pois até ali profissionais não podiam participar. Mas aconteceu uma mudança nas regras do COI e eles acabaram liberando a presença de jogadores profissionais que não tivessem disputado Copa do Mundo. Existiram algumas dificuldades. Uma equipe estava se preparando e a seleção foi dissolvida. E resolveram chamar o time do Inter como base da Seleção Brasileira. Era uma boa equipe, nós tínhamos um bom time, e acabamos representando o Brasil com quatro ou cinco jogadores da seleção extinta. Então, houve uma mescla de dois trabalhos. Fizemos uma boa campanha. A Seleção foi bem, era um bom time, que acabou vice-campeã. Uma medalha importante, pois foi a primeira medalha de prata que o Brasil ganhou em toda a sua história. Eu fiquei muito contente, mas na hora ficamos muito chateados. Fica aquela sensação, principalmente por jogar futebol aqui no Brasil, de que tem que ser o primeiro. Se não é o primeiro, não serve. Sabemos que não é assim. Se ficou em segundo, conseguiu ficar à frente de muitas equipes. Depois, pensando com mais calma, dei o valor que realmente tem essa medalha. Foi muito importante e tivemos próximos de ganhar a medalha de ouro. A França foi mais feliz no jogo, teve oportunidades, fez o gol e nós não conseguimos fazer. Paciência. Mas foi uma experiência marcante. Foi uma experiência de vida, uma experiência esportiva, de conviver com outros atletas de várias modalidades. Foi em Los Angeles, um lugar muito bonito. Inesquecível. Uma experiência marcante.

Por qual motivo a base da seleção olímpica foi o Internacional de Porto Alegre?

Essas mudanças aconteceram pouco antes da Olímpiada, em cima da hora, faltavam dois ou três meses. As regras foram mudadas. Podia levar jogadores profissionais. Dissolveram uma seleção que estava treinando e foi cogitada a possibilidade de levar um time como base. Acabaram escolhendo o Internacional. E eu era na época jogador do Inter. Por isso que a maioria dos jogadores, se for ver, é do Inter. Por causa dessa mudança, acharam melhor desfazer uma seleção que estava pronta e pegar um time pronto. Como se pegasse hoje um time que está bem e o fizesse representar o Brasil.

Mauro Galvão quando era jogador do Bangu. Foto: Chamaco Fotografia – Arquivo Pessoal.

Do Internacional você vai para o Bangu. Como foi essa transição de sair de sua cidade natal e de um clube de ponta para outra cidade e um clube de menor expressão no cenário futebolístico?

Foi uma mudança ousada. As pessoas podem perguntar: “por que saiu do Inter para o Bangu?”? O Inter não passava por um bom momento. Era um momento de transição, de dificuldades. E o Bangu tinha uma pessoa que cuidava do time, que o Castor de Andrade, que investia bastante no time. Eu estava há sete anos no Inter, existia um desgaste. Eu praticamente tinha saído do Inter para outra equipe. Mas não aconteceu. E naquilo eu já fiquei preparado para sair. Meu pensamento já era de sair. Não aconteceu o negócio, mas eu já estava com o pé fora. O Paulo César Carpegiani, então técnico do Bangu, me ligou e disse: “pô Mauro, vem para cá, vamos fazer um bom time, uma equipe para disputar o Brasileiro”. E o Bangu tinha sido vice-campeão carioca e vice-campeão brasileiro. Estava num momento de destaque. Pensei: ‘É o momento. Ou me aposento no Inter ou vou à luta. Eu resolvi ir à luta. Achei que era o momento de cortar o cordão umbilical”. Com certeza era muito mais fácil ficar em Porto Alegre. Ficaria lá com os amigos e minha família. Mas achei que o momento de ir atrás de um outro desafio: conquistar o mercado carioca e nacional.

No Botafogo você vai participar da campanha de 1989 em que o clube vence o campeonato carioca depois de 21 anos. Como foi essa experiência?

O Botafogo foi importante. Como falamos antes, o Bangu é um time que não tinha o mesmo perfil do Inter em termos de grandeza e torcida. No Botafogo tive a oportunidade de retornar a ter destaque, reconhecimento, cobrança da torcida. Voltou ao que era antes quando eu jogava no Inter. Apesar do Botafogo estar passando naquele momento por uma dificuldade, de não ganhar títulos, mas ele era um time grande. Então era um momento de tentar reconstruir. Levei um ano para entender e conhecer o clube, para ver o que realmente precisava. Em1989 o time mudou, chegou o Valdir Espinosa, as coisas começaram a encaixar e fizemos aquilo que todos diziam ser quase impossível. Além de um trabalho técnico, dentro do campo, foi um trabalho psicológico, de quebrar essa barreira de não conseguir chegar ao título. Para mim foi fundamental, pois logo em seguida acabei sendo chamado para a Seleção Brasileira.

Mauro Galvão no Botafogo. Foto: Arquivo Pessoal.

Confira a segunda parte da entrevista no dia 25/12/13!

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Ricardo André Richter

Doutorando em Educação Física pela Universidade Eberhard-Karls Tubingen. É consultor em Gestão Esportiva e Programas de Qualificação na Europa da ERW Consulting.
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