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Odir Cunha (parte 2)

Equipe Ludopédio, Marco Lourenço 16 de fevereiro de 2011

O escritor paulistano Odir Cunha conquistou dois prêmios Esso. O primeiro pela cobertura da Copa do Mundo de 1978 disputada na Argentina e o segundo pela cobertura do Jogos Pan-Americanos de 1979 realizado em Porto Rico. Trabalhou como repórter e editor no Jornal da Tarde, comentarista de futebol e de tênis na TV e na Rádio Record, repórter do jornal O Globo, repórter e produtor da Rádio Excelsior, entre outrod veículos. Foi ainda diretor do departamento de imprensa da Secretaria Municipal de Esportes de São Paulo (quando Oscar Schmidt foi secretário). É autor de diversos livros, entre eles: “Time dos Sonhos, a história completa do Santos Futebol Clube”, “Donos da Terra” e “Heróis da América, a história completa dos Jogos Pan-americanos”. Em 2010, o pesquisador e historiador Odir Cunha virou notícia no cenário esportivo brasileiro. O “Dossiê pela Unificação dos Títulos Brasileiros a partir de 1959”, de sua autoria, foi aprovado pela Confederação Brasileira de Futebol. Nesta entrevista, dividida em duas partes, abordamos esta e outras questões, decisivas para (re)compreender o que se define como “uma história do futebol brasileiro”.

Odir Cunha ganho o prêmio Esso pela cobertura da Copa do Mundo de 1978 na Argentina. Foto: Equipe Ludopédio.

 

Segunda parte

Como e quando surgiu a ideia de fazer o dossiê para a unificação dos títulos anteriores a 1971?

Eu já havia escrito sete livros sobre o Santos FC. Como a fase áurea do Santos é o período da conquista das Taças Brasil e do Roberto Gomes Pedrosa, eu já tinha um fato material acumulado sobre essas competições. Aí fui consultado no fim de 2008 por José Carlos Peres, que era superintendente do Santos FC em São Paulo pra fazer esse dossiê. Era uma oportunidade excelente, de algo que eu gosto, que eu sabia que seria relevante pra história do futebol brasileiro e que eu sabia como fazer. O Santos na época liberou uma verba por cinco meses que me rendeu líquido algo em torno de R$ 3.900 reais por mês, e comecei. Trabalhando 12h por dia, visitando sebos, arquivos, entrevistando pessoas etc. Terminamos o livro no começo de 2009. A contra-argumentação já estava preparada, pois pesquisamos em sites, blogs, pra ver quais seriam as críticas que viriam e procuramos responder a todas. Mas não havíamos mandado pra CBF, achávamos que não valia a pena mandar um dossiê sobre torneios que ninguém tinha informação. Aí eu disse, Peres, precisamos primeiro mostrar para as pessoas. Foi então que fizemos os painéis para imprensa. Um audiovisual de 2h em que eu expus toda a argumentação com imagens, fotos, filmes, com ajuda da edição do Vítor Queiroz que trabalhava na superintendência do Santos FC em São Paulo. Depois disso, distribuímos mini-dossiês para todos os interessados numa apresentação no salão nobre do Palmeiras, onde todos puderam discutir, questionar, coisa que desmente o que vem sendo pregado aí de que não houve debate sobre o assunto.

Então expusemos, na presença dos presidentes dos clubes. O Luiz Gonzaga Belluzo falou sobre o termo anacronismo, que foi importante para mantermos a ideia de não julgar o passado com os olhos do presente, que foi central para o projeto. Depois fizemos um painel no Fluminense pra toda imprensa carioca, também com a participação de dirigentes dos clubes, com destaque para Roberto Horcades, presidente do Fluminense, e diversos ex-jogadores. Também escrevi arquivos de perguntas e respostas sobre a Taça Brasil e o Roberto Gomes Pedrosa e enviei a diversos jornalistas. Tive o trabalho e o cuidado de consultar antes um desses críticos que escreveram na Folha, mas ele não quis receber os arquivos, nem respondeu e-mail, em uma arrogância atroz. Mesmo assim, muitos canais e programas tiraram suas próprias conclusões, transmitiram informações erradas, tudo sem me consultar, em novas demonstrações de arrogância.

E como foi o processo de realização do Dossiê que serviu de base para a unificação por parte da CBF?

O processo, em suma, era comprovar, por documentos, entrevistas, testemunhos, cobertura da imprensa da época, que a Taça Brasil e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa a partir de 1967 davam aos seus vencedores o título de campeões brasileiro. Bom, aí tentamos contatar a CBF. Ficou sob responsabilidade do Peres, um cara mais diplomático. Mas demorou um ano e meio pra se conseguir falar com o Ricardo Teixeira. A reunião aconteceu só com três presidentes, sem imprensa. A ideia era não pressionar o presidente, e assim as coisas fluírem melhor. Já tínhamos uma carta do João Havelange apoiando nossa reivindicação. Nesse ínterim conseguimos um depoimento em DVD do João Havelange.

Então, havia a comprovação de que a Taça Brasil definia o campeão brasileiro, de que a Libertadores no início só recebia os campeões de cada país, o testemunho da imprensa, mais de 100 retornos de todos os veículos de imprensa do Brasil, testemunho do senhor João Havelange, testemunho de historiadores da época, um neutro, radicado no Rio de Janeiro que não tem nada a ver com o Santos, o seu Loris Baena Cunha, e depois os testemunhos dos jogadores. Nós achamos que com isso a Taça Brasil estava mais sacramentada. O Roberto Gomes Pedrosa de 1967-68 que é mais complicado de você dizer, porque a imprensa não definia como campeão brasileiro até porque tinha também a Taça Brasil. Mas você vê como a imprensa esportiva é, os caras aceitaram mais o Roberto Gomes Pedrosa válido como campeonato brasileiro do que a Taça Brasil, porque o Roberto Gomes Pedrosa tem uma fórmula mais parecida com o campeonato nacional que vem a partir de 71 do que a Taça Brasil, que eram jogos eliminatórios. Eram jogos eliminatórios porque era um formato que o Brasil podia fazer à época. Vou lembrar novamente: em 1959 o Brasil não tinha estrutura para fazer uma competição de outro nível. A ponte aérea Rio-São Paulo foi inaugurada em 1959, o fusquinha foi lançado em 59, as estradas, mais de 80%, não tinham asfalto, boa parte das estradas nem existiam ainda, os clubes eram pobres, tão pobres que os jogadores do Santos, que era o clube que melhor pagava no Brasil, em 59 ainda andavam de bonde, iam de Santos para São Vicente de bonde. Então, veja os recursos dos clubes, os clubes não podiam pagar passagens de avião. Tanto é que uma das fórmulas discutidas para um campeonato nacional, o melhor, já se discutia que a Taça Brasil não era a fórmula ideal. Então, algumas revistas da época discutiram isso e o Gentil Cardoso que era um técnico naquela época, umas das sugestões dele foi que houvesse mais jogos e que usassem os aviões da FAB para fazer o transporte dos times. Os aviões da Força Aérea Brasileira porque senão os clubes não teriam como pagar. Então, o que você pode questionar é: ah, então não poderia valer como campeonato. Tá bom, se nós aceitarmos essa definição, campeonato brasileiro mesmo foi em 2003, como na Europa, turno e returno, pontos corridos. Então, nós vamos anular tudo isso? Quer dizer, vamos tirar todos os títulos do Grêmio? Os gremistas vão invadir a CBF, vão destruir tudo. Porque você vai tirar os títulos do Grêmio, do Internacional. Espera aí! Eu acho que é muito melhor você incluir, você não está tirando nada de ninguém, do que você excluir. Se você quiser uma linha coerente, um fio condutor na história do futebol brasileiro, na história das competições nacionais do futebol brasileiro, esse fio condutor tem que começar em 59. E se você começar em 71 e excluir a Taça Brasil e o Roberto Gomes Pedrosa, você vai ter que justificar porque você está começando em 71 e não em 2003. Pelo nome não é, porque o nome mudou 10 vezes de 71 até hoje. Pela criação da CBF? Não é, porque a CBF foi criada no final de 79, o primeiro presidente da CBF assumiu em janeiro de 80, só que o campeonato de 79 ainda foi feito pela CBD. Então, você teria que excluir uma boa parte da história. Pelo nome “campeonato brasileiro”, que só foi adotado a partir de 1989? O nome é tão irrelevante quando você vê, que pode ter um torneio mata-mata e chamar de campeonato. Têm vários exemplos assim. No tênis você chama Wimbledon de Championship. Wimbledon é um campeonato, no entanto é um torneio eliminatório do começo ao fim. No tênis se usa campeonato. O campeonato português, no começo, era eliminatório e chamado campeonato português. Você pode batizar o torneio com o nome que quiser, Copa não sei o que, Taça, Campeonato e as pessoas se apegarem ao nome é um desconhecimento total da história. Mas se você se apega no nome campeonato, só pode contar a partir de 1989, quando o nome foi campeonato brasileiro, mas mesmo depois de 89 ainda teve a Copa João Havelange que já não tem o nome. Então, você vai excluir a Copa? A linha coerente de raciocínio para você avaliar os campeonatos nacionais é a partir de 59. Nós discutimos muito sobre isso. Então, o Santos foi campeão da Libertadores que era Copa dos Campeões da América, mas ele não era o campeão do Brasil? Ele foi o que representou o Brasil, mas não era o campeão do Brasil? Tá bom, então o Brasil não teve campeão naquele ano? É, não teve campeão. Até 71 o Brasil não teve campeão! Ele (João Havelange) nunca falou isso. Ao contrário, para ele houve uma evolução e ele diz isso no DVD, que foi o Rio-São Paulo e que a partir do Rio-São Paulo veio a Taça Brasil. Aliás, nessa matéria que está no dossiê, essa entrevista que ele dá ao Ney Bianchi, ele deixa claro isso. Até fala do nome da competição. Isso foi em outubro de 58 e a Taça Brasil só foi criada em 59. E ele já dizia que acabaria com o campeonato brasileiro de seleções e criaria um campeonato brasileiro de clubes, também chamado de Taça Brasil.


Qual o impacto prático que você prevê com a unificação para o futebol?

As pessoas podem te dar dois limões e você achar que é azedo e jogar fora ou pode fazer uma limonada. O que as pessoas vão fazer com isso, nosso país é rico até nessas possibilidades, você já tem de tudo. Você já tem sites como o Wikipédia chamando a Taça Brasil de 59 de Campeonato Brasileiro, já pesquisando e dando todas as informações. Acho que essa é a postura correta. Quem escreveu esse artigo na Wikipédia não está preocupado, não sei se ele é palmeirense, corintiano, santista, flamenguista, ele é um pesquisador, é um cara preocupado com a história. Ele respeita uma decisão da entidade máxima do futebol brasileiro, baseada no depoimento de um dos maiores dirigentes esportivos da história do esporte mundial, que é o João Havelange. A gente pode discutir tudo do João Havelange, mas também, se não provar para mim, não adianta você passar a vida inteira metendo o pau no cara e você nunca ter feito uma matéria tentando provar isso que fala. Você está fazendo fofoca, isso jornalisticamente não tem valor nenhum, é zero. É muito cômodo a imprensa ficar vivendo de indiretas, de não comprovar nada. Então, pra mim o senhor João Havelange é uma pessoa respeitabilíssima, muito educada, que mesmo questionado por mim reagiu com uma educação e uma cortesia admiráveis, um senhor com uma origem francesa, distinta. E a palavra dele é tão importante que foi ouvida pela CBF, mas mesmo assim não foi só a palavra dele, foram todos os fatos, os argumentos. Então, o que vai mudar é um respeito maior à história, vai surgir uma desconfiança maior desse jornalismo ibopista que quer fazer polêmica, mas não se aprofunda em estudo nenhum. Essas pessoas que criticaram tiveram nesses dois anos o trabalho de apresentar alguma pesquisa? Opiniões desencontradas, soltas, ao léu. Então, eu acho que vai valorizar a pesquisa, vai valorizar o trabalho de quem trabalha, não precisa ser famoso para fazer um trabalho importante.

Eu não vou influenciá-lo. Leia o dossiê, ouça os argumentos de quem é favorável à unificação, procure estudar aquela época e se você chegar à conclusão de que é uma grande mentira, que foi por motivos políticos, tente comprovar isso. Ninguém deu oportunidade de se discutir o fato de que é um motivo político ou não. Todo mundo assumiu isso como verdade. Então, o Ricardo Teixeira fez isso para punir o Flamengo e São Paulo, porque votaram contra o Kleber Leite no Clube dos 13? Essa é uma das verdades entre aspas que ficou. Por que não questionaram que Fluminense, Palmeiras e Bahia, três times favorecidos entre aspas votaram contra o Kleber Leite no Clube dos 13? São três votos e o outro lado eram só dois. Então, por que ele vai ajudar três que votaram contra e punir dois? O Ricardo Teixeira é flamenguista, que interesse que ele tem de entrar em briga, em guerra com o clube dele, o clube que ele gosta? Aí já associaram também o caso do Sport e do Flamengo. São duas coisas completamente diferentes. Há uma tentativa de manipular a informação. Eu estou tranquilo porque as pessoas sabem de que time eu gosto. É como um juiz. Um juiz é mais severo com o filho dele do que com o filho dos outros, o bom juiz. Eu fui mais severo até com o Santos. Já fui consultado sobre a Recopa Mundial, já dei a minha opinião que eu acho que não vale como título mundial e o presidente do Santos gostaria mais que eu falasse que valesse. Então, o impacto será muito grande, pois quer alguns queiram, quer não, a história dos campeonatos brasileiros foi incorporada de mais 12 anos e 14 títulos, e justo na fase áurea do nosso futebol. Ela terá de ser estudada, vasculhada, e só os jornalistas que trabalham e amam o futebol farão isso. Os outros continuarão tendo uma atitude arrogante, pretensiosa e preguiçosa. O público saberá identificar uns e outros.

Odir Cunha recebeu o prêmio Esso pela cobertura dos Jogos Pan-Americanos de 1979 realizado em Porto Rico. Foto: Equipe Ludopédio.

Como essas críticas serviram para você voltar para o dossiê e repensá-lo? Inclusive teve o Juca Kfouri que escreveu na Folha de S. Paulo posicionando-se contra o dossiê. Como foram recebidas as mais diversas críticas?

Bom, eu ouço uma crítica e tento tirar o que ela tem de construtivo, mas às vezes você vê que ela não tem nada de construtivo. Ela foi feita para te destruir, para te atacar, para te desmoralizar. Eu já tinha falado com o Peres sobre isso, quando acabarem os argumentos, as pessoas vão se voltar contra as pessoas. Percebi quando participei do debate na televisão, no rádio, que algumas pessoas, que eram da oposição, não tinham argumentos, quer dizer, os argumentos deles se esvaíram, enquanto eu mostrava a mesma convicção. Isso ficou evidente. Primeiro, porque eu estava muito bem fundamentado. Segundo, você também precisa ter argumentos para contrapor e isso significa trabalhar, estuda,r e tem muito jornalista que não trabalha há muito tempo. Muito não, têm alguns. Que vivem de dar opinião. Aliás, é um absurdo que hoje no meio jornalístico haja mais comentarista do que repórter. Isso é um sinal dos tempos. Tem mais gente com opinião formada sem estar informado. Isso é péssimo! Você deveria ter muito mais repórteres e pouquíssimos comentaristas. Quem poderia comentar? Um cara que foi um grande repórter durante a vida toda e que atingisse depois de um certo nível a condição de comentar. Comentar é uma atividade excelsa, sublime. Você vai analisar o que os outros estão fazendo. Hoje você vê comentaristas de vinte e poucos anos. Através do blog, da internet, das TVs por assinatura, você tem ene comentaristas por aí que não têm condição de comentar, de analisar. O comentário é uma análise. Então, como é muito mais difícil estudar os fatos, você critica a pessoa, você diz, em tom de crítica, que eu fui remunerado pelos clubes. Ora, eu fui remunerado durante cinco meses de um trabalho que durou dois anos. E se eu continuei um ano e meio trabalhando é porque eu acreditava nisso e ainda continuo trabalhando, porque eu acho que esse trabalho de esclarecimento é um trabalho que eu vou ter para o resto da minha vida porque sempre vão surgir questões e dúvidas. Aí se volta contra a pessoa, enfim, é um jornalismo de péssimo nível o que foi feito contra a unificação, com raríssimas exceções. Houve um ou outro que tentou analisar os fatos, que não me atacou pessoalmente e mesmo eu não concordando com os argumentos eu respeito a maneira como a pessoa tratou do assunto. O PVC [Paulo Vinícius Coelho], por exemplo, você não vê uma ofensa a mim, pelo menos eu não li. Houve uma análise da situação, o que ele concorda, o que ele não concorda. Pelo menos uma manifestação de alguém que conhece e procurou se informar. Mas a maioria não. Eu vejo a unificação como algo extremamente positivo para quem se preocupa com a história do futebol brasileiro. E algo negativo para quem achou que tinha dominava nichos de mercado e que poderia, naquele nicho, fazer prevalecer a verdade dele como Goebbels, o ministro da propaganda nazista, repetindo a mesma mentira indefinidamente até as pessoas acreditarem. Se a gente deixasse, iriam repetir indefinidamente que a Taça Brasil foi disputada por poucas equipes, sem expressão. Estavam acostumados a fazer lavagem cerebral em seus leitores, em manipular as informações a seu bel prazer e caíram do cavalo com a unificação, pois viram seus argumentos dissolverem-se no ar.


E os efeitos em relação a manipulação de informações em relação aos rankings? Como deixar claro que o dossiê não está a serviço disso embora isso seja algo relacionado?

O dossiê não teve a mínima intenção de mexer com rankings. Cada veículo de comunicação tem um ranking e critérios de ranking, o que é ridículo. Talvez um ou outro dirigente de clube queira usar a unificação para efeito de marketing. Porém, por mais que alguns dirigentes do futebol queiram assumir a paternidade, como se um filho pudesse ter tantos pais, eu sei que o dossiê é um trabalho do José Carlos Peres e meu. José Carlos Peres como um diplomata, como um cara que fez esses contatos todos e eu na pesquisa e no texto. Basicamente fomos nós dois. Nós nunca falamos em ranking. Claro que o torcedor leva para esse lado. O torcedor do Palmeiras, do Santos, falam em octa. Em primeiro lugar octa, são oito títulos seguidos e ainda não existe octa no futebol brasileiro. E depois porque resumir tudo a ranking é uma visão limitada e nós sabíamos que isso seria prejudicial ao trabalho. Os torcedores de clubes que ficaram suplantados ficariam eternamente contra. Então, temos a ideia que não entre nem Taça das Bolinhas nesse período e que seja contado a partir de 71, 75. E que o ranking brasileiro seja modificado. O ranking da CBF é ruim, os critérios da CBF não são corretos para se elaborar um ranking. Não é por nada, mas como você pode ter o Grêmio como primeiro do ranking? Você pega os títulos aí, o São Paulo foi três vezes campeão do mundo, seis vezes campeão brasileiro e, se bobear no ranking brasileiro está o Grêmio. Nada contra o Grêmio. Mas é só para ver os critérios de ranking, cada um tem um ranking. A Folha lançou um ranking que sem saber para que time o autor torcia eu já adivinhei, que valoriza as conquistas do time dele e desvaloriza os títulos que o time dele não ganhou. Então, é uma bobagem. O que vai acontecer? O Lance vai ter um ranking, a Folha terá um ranking, o Estadão, o Jornal da Tarde, Rádio Globo. E nenhum deles terá credibilidade, pois todos serão direcionados para dar o resultado que o autor do ranking quiser. Deveria haver um consenso maior e enquanto o ranking for decisivo para o clube buscar patrocínio, direitos de TV, não sei se ele é decisivo, mas se for decisivo para isso, vai haver uma briga não pelo interesse histórico, mas pelo interesse financeiro. Porque o ranking vai ser sinônimo de ganhar mais dinheiro e é isso que nós, preocupados com a história do futebol brasileiro, devemos ser contra. Eu acho que deveria ter um ranking atual. Por exemplo, há uma pesquisa da marca, do valor da marca, todo ano fazem essa pesquisa, acho isso bom,porque o valor da marca envolve a torcida, a visibilidade na TV, os títulos, os jogadores dos times que servem à Seleção, até se o time tem futebol feminino, futsal, tudo o que envolve. Eu acho isso mais importante do que um ranking. E nessa marca indiscutivelmente Corinthians, Flamengo, São Paulo, mesmo não estando no topo do ranking, sempre estarão bem. É isso que deveria ser passado para o torcedor. Olha, não tirou nada, esses caras ganharam esses títulos, tudo bem. O São Paulo concorreu a esses títulos, o Corinthians concorreu, o Flamengo concorreu, só que não ganharam porque na época não deu. Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Fluminense, Botafogo e Bahia foram campeões. Parabéns. Se bem que o Flamengo chegou a uma final, poderia ter sido campeão da Taça Brasil de 64. O São Paulo nunca concorreu porque não foi campeão paulista. O São Paulo não vai jogar a Libertadores e é o time brasileiro com mais conquistas internacionais, isso torna a Libertadores de 2011 não oficial ou mais fraca? Não. O São Paulo não teve condição de s classificar para a Libertadores. Ponto. O Palmeiras? Não teve condição de se classificar para a Libertadores. Ponto. A Libertadores não tem por obrigação reunir todos os melhores clubes da América do Sul. A não ser que esses clubes confirmem no campo a sua condição de melhor, de grande clube e se classifique para a Libertadores. Se não confirmar, não joga a Libertadores. Então, o problema não é da Libertadores, é do clube. O problema da Taça Brasil não é que muitos dos grandes clubes não participavam. Não participavam porque não ganharam a seletiva que era o campeonato estadual. Se ganhassem o campeonato estadual, participariam da Taça Brasil. Esse conhecimento histórico é que vai prevalecer. Vai haver uma ênfase, vai ser melhor. O público vai deixar de “babar ovo” para alguns cronistas esportivos e vai acreditar mais nele mesmo, vai acreditar no conhecimento que todo leitor pode ter. Hoje você entra na internet e tem lá um site histórico, sites oficiais, tem a Wikipédia, tem aquele RSSSF, tem o site oficial da FIFA, dos clubes, têm grandes pesquisadores com sites muito bons, tem o professor de Mongaguá, o Guilherme Nascimento, que pesquisa, trabalha com amor pela história do futebol e coloca no site dele muitas súmulas de jogos importantes. O que eu sempre falei quando dei aula de redação pros futuros jornalistas esportivos: vocês estão entrando no mercado numa hora dificílima, o mercado é disputado, o número de vagas é pequeno, o salário é pequeno. Se não houver idealismo, uma grande vontade de trabalhar nisso, se a sua vontade é ganhar dinheiro, virar um Yuppie, procure outra profissão. Claro que de repente você pode se tornar um jornalista famoso e ganhar altos salários. Se bem que a televisão é mais show business do que jornalismo. O Galvão Bueno tem uma voz boa, é um grande narrador, mas será que ele já fez alguma reportagem na vida? Faz aquela entrevista… Então, o jornalista tem que se encarar como o seu Roberto Marinho. Você tem de descobrir meios. Não há caminho? Construa um caminho. É o que eu fiz. Eu fiz um blog do nada e hoje eu tenho 40 mil acessos de pessoas diferentes, no total dá uns 80 mil por mês, mas são 40 mil pessoas diferentes que entram todo mês no meu blog. É pouco? É pouco, mas 40 mil pessoas dá para superlotar o Pacaembu e o nível das pessoas é bom. É mais do que qualquer revista brasileira de futebol tem de leitor. Pessoas que conversam, que trocam informações, que me respeitam, que eu respeito. Um blog que pode se tornar uma fonte de renda, vender uma publicidadezinha, ganhar algum dinheirinho honestamente, sem precisar me vender ou vender a minha opinião. Você pode fazer livros, você pode fazer filmes, você tem de criar o seu caminho. Então, hoje esse episódio vai mostrar ao leitor, o que gosta de futebol, que ele pode formar a opinião dele, ele pode pesquisar, ele não tem de esperar essa informação mastigada e ruminada pelo jornalista esportivo. Ele pode questionar, ele tem direito de questionar, mas que se informe primeiro. Porém, as pessoas vão pelo caminho mais fácil: primeiro ter uma opinião formada e depois, se possível, se informar. É passar o carro na frente dos bois.

 

 

 

Houve oposição dos clubes que não iriam somar mais títulos com a unificação?

Por incrível que pareça, dos clubes tivemos menos oposição do que dos jornalistas esportivos. O Kléber Leite chegou a definir esse dossiê como uma babaquice monumental. Depois de dois anos de trabalho, ele já se manifestou achando justo. A Patricia Amorim, na última manifestação, já estava aceitando. O problema do Flamengo é que foram duas pancadas ao mesmo tempo, porque enquanto acontecia a unificação houve a decisão do Sport campeão em 1987. O Andrés Sanchez confidenciou ao Peres que achava justo, mas ele não poderia falar publicamente senão os corinthianos matariam ele. Nem o Atlético-MG fez qualquer estardalhaço, e olha que eles perderam a primazia de primeiro campeão brasileiro. O Vitória já aceitava os dois títulos do Bahia. Isso quer dizer que para um dirigente de clube, que é uma empresa, é preciso ter mais que fanatismo, e sim competência administrativa. Ele precisa fazer alianças, ele precisa negociar com outros clubes, ele precisa ter empatia – que é o sinal de superioridade do homo sapiens –, se colocar no lugar do outro. O torcedor comum geralmente não chega nesse nível, ele é um ser primário, um neanderthal. Ele não tem a capacidade de se colocar no lugar do outro, se ele é são-paulino o outro é inimigo. Posso estar sendo parcial, mas no santista não vejo muito isso. Mas isso não é culpa do torcedor, é muito em função da imprensa que usa o lado pior do torcedor, o fanatismo, que estimula o lado irracional do torcedor. Eu sou jornalista, eu posso até já ter feito isso, mas eu estava errado. E nesse processo de unificação eu pude muito bem ver isso, não só a falta de informação, mas a falta de caráter, porque espírito esportivo é caráter. Até no boxe que os caras se matam, acaba a luta eles se beijam. Esses caras demonstram um espírito esportivo maior que o do torcedor brasileiro. O torcedor brasileiro está na escala mais baixa do espírito esportivo entre os torcedores em todo o mundo. Acho que nem emuma partida entre Palestina e Israel os torcedores seriam tão inamistosos como aqui.


A imagem seleção brasileira é marcada pela grandiosidade e união do futebol brasileiro. O dossiê não acabou revelando ou mesmo aflorando uma tensão que não era percebida, sobretudo pelas rivalidades clubísticas?

Aflorou, até surpreendentemente. Todos amam a seleção, e aceitam a história da seleção. Todos se vangloriam dos doze anos que geraram três títulos mundiais, ou seja, foi a era de ouro do futebol brasileiro. Mas quando você passa a avaliar esses mesmos atletas nos clubes, sobretudo sob a administração da CBD, explode a paixão clubística. Agora, por que é tão difícil de aceitar esses títulos? Eles dizem: o Santos conquistou um titulo brasileiro com quatro jogos. Mas peraí. As primeiras Copas do Mundo foram disputadas em quatro partidas, o Corinthians conquistou título paulista jogando praticamente só com times da várzea. Ou ainda, sem esquecer, por onze anos tivemos dois campeões paulistas no mesmo ano, e em oito anos tivemos dois campeões cariocas. Teve um ano em que o Torneio Taça Rio-São Paulo teve quatro campeões! E isso nunca foi tema de discussão. Por que isso está sendo tão criticado? Porque mexe nos rankings, e o ranking tornou-se sinônimo de dinheiro, de ibope.


Como fazer a análise correta do valor do título agora chamado de brasileiro num tempo em que os campeonatos regionais tinham maior importância que os tempos de hoje? Ou então, o título do Santos de 62 é igual ao de 2002?

Todo historiador olha pro passado, mas ele parte do presente. É aquela coisa. O campeonato brasileiro em 1959 não poderia ter sido feito de outra forma. Não havia estrutura, estádios, transporte, dinheiro. É isso. Mas se você fizer um juízo de valor de cada competição, será complicado. O Grêmio campeão da taça de ouro em 1981 enfrentou apenas 3 forças do futebol brasileiro. Agora, o Palmeiras campeão do Roberto Gomes Pedrosa jogou contra 12 forças do futebol brasileiro. Sendo assim o Gomes Pedrosa valeria mais. Cada torneio tem seu valor. Como dizer que o mundial que o Corinthians ganhou vale mais que a conquista do Santos em cima do Benfica, ganhando de 5 a 2 do time bicampeão europeu em Lisboa? Só porque a FIFA diz? Seria um absurdo. A maneira mais coerente é equivaler as competições. Ou seja, o que podemos definir numa competição não é o numero de jogos, participantes, fórmula de disputa e sim a sua finalidade. Então pra mim, o título de 2002 tem o mesmo valor que o de 1962. Não havia até hoje chancela da CBF, mas já havia da CBD. Avaliar a importância de títulos de épocas diferentes é impossível. Mas se tiveram o mesmo significado, têm de ter o mesmo valor.

Odir Cunha é autor do livro “Time dos Sonhos, a história completa do Santos Futebol Clube”. Foto: Equipe Ludopédio.


É bom pro futebol as decisões estarem tão concentradas na CBF? Os clubes não deveriam ter muito mais força para as tomadas de decisão?

A CBF é a entidade que representa o futebol brasileiro. Ela não representa bem os clubes, já critiquei a CBF. Mas hoje ela acertou. Ela precisa de um bom departamento de pesquisa, de história, estudar todas as competições brasileiras. A CBF dá mais pontos para a Copa do Brasil do que o Campeonato Brasileiro. Isso precisa ser revisto. A CBF não poderia invalidar as decisões da CBD. Se a CBF reconhece os títulos da Seleção conquistados nos tempos da CBD, não poderia deixar de reconhecer as competições de clubes.
Mas isso serve também para os clubes. Por que não mantêm departamentos de pesquisa e história, não só da sua história, mas da história do futebol brasileiro? Os clubes também estão só preocupados com o marketing, com a grana, e se esquecem de que história é, talvez, o patrimônio mais importante que podem ter.


Falta incentivo para a pesquisa da história do futebol?

Todo clube de futebol deveria ter um historiador oficial, ou uma equipe. Ter um jornalista pesquisador. A história é um patrimônio que fica para o clube. Eu mesmo valorizo mais uma historia do que um título. Você atrai um relacionamento mais duradouro do torcedor com o clube através da difusão de sua história. Hoje a ciência quântica já diz isso, passado e presente se misturam. Então quando falamos do passado, estamos falando do presente. Hoje estávamos falando da Taça Brasil que estava esquecida. Se um clube não valoriza sua historia, ele se equipara a times mais novos. Lá fora é diferente. É capaz de você ver um jornalista argentino elogiar muito mais aquele Santos de Pelé do que nós aqui. Aliás, eu aprendi a admirar esses caras (time do Santos dos anos 1960), não apenas como jogadores, mas pela sua personalidade. Era um time de um bando de caipiras, de rapazes do interior, de cidades pequenas, mas iam jogar em Paris, em qualquer lugar do mundo e se impunham. Jogavam em estádio lotado, num país que não sabiam a língua, numa cultura diferente, goleavam e saiam aplaudidos. Aí fiz o livro “Time dos Sonhos” e procurei o Santos. Nenhuma ajuda, nenhum centavo. Nem para indicar uma empresa, editora. Rodei com o livro uns quatro anos, até que o Quartim de Moraes, um jornalista do Estadão, resolveu fazer. Vendeu três edições já, hoje só se acha nem sebo,por uma fortuna.


Nessa volta ao passado via dossiê, quais as fontes de consulta para produzir o material e os métodos?

A imprensa é muito importante. Você até encontra um jornal que não diz que o campeão da Taça Brasil era o campeão brasileiro. Mas a partir do momento que você tem mais de cem retornos de veículos expressivos, entre jornais, revistas, TV, e grandes nomes do jornalismo escrevendo, tudo isso dá um peso. Sites oficiais das entidades (FIFA, CBF, etc), até o RSSSF, os boletins oficiais da CBD, testemunhos e depoimentos das autoridades, ex-jogadores, torcedores, fotos. As fotos são importantes, tem uma imagem do cara do Bahia recebendo a faixa de campeão do diretor da CBD. São todas evidências. Mas aí o cara pede, “mas onde é que está o papel da CBD que diz que o campeão da taça Brasil é o campeão brasileiro?”. Tem o boletim da CBD, tem os testemunhos rubricados pelo João Havelange. Há um bom senso, né?. Tem vários julgamentos que até levaram pessoas à morte que dependeram de um testemunho. Então eu acho que conseguimos mais até do que seria necessário para comprovar. Eles aprovaram não porque gostam de mim. Tanto é que se eles olharem pro meu passado e descobrirem o que já escrevi sobre a CBF, dificilmente seria aprovado. Eu fui um critico da CBF, eu já defini a CBF como um balcão de negócios. Uma entidade que não se preocupa com os clubes, mas neste momento ela se preocupou. O dossiê vai virar livro rapidamente. O Peres vai tentar fazer com que os clubes comprem mil exemplares cada um, seria até uma maneira de bancar o livro, porque é complicado. Por exemplo, meu livro sobre a história dos jogos pan-americanos encalhou nove mil cópias. Acabei vendendo um livro que custava cem reais por cinco. Quanto ao Dossiê, dizem que foi aprovado pro motivação política. Que poder tem o Santos, o Palmeiras? Fluminense? Pô, o Flu votou contra! [Nota: O Fluminense votou na chapa de Fábio Koff, adversário de Kleber Leite na eleição do C13. Leite está articulado politicamente com Ricardo Teixeira e a CBF]. Agora, o que eu percebi que houve foi o seguinte. O Ricardo Teixeira percebeu que o Brasil, como sede da próxima copa, teria sua história do futebol repassada aos outros países durante a competição. O que eles iriam contar? Tudo bem, iam falar do Zico, do Sócrates. Mas Pelé, Garrincha, Tostão, Rivelino, Carlos Alberto… como falar que esses Campeões do Mundo que conquistaram as competições realizadas internamente não eram reconhecidas pela CBF? Essas pessoas seriam ouvidas pela imprensa internacional. Você vai numa Copa da França, você procura o Zidane, o Platini. Imagina se esses caras falam mal da federação francesa? Então eu acho que houve também um receio natural por parte da CBF do que esses atletas poderiam dizer. A falta de reconhecimento já vinha deixando uma mágoa entre os atletas.


E com relação às criticas ao Palmeiras ser campeão brasileiro duas vezes no mesmo ano?

Não é o ideal. Agora temos de analisar as circunstâncias. Bom, quem representou o Brasil na Taça Libertadores de 1968 não foi o campeão do Roberto Gomes Pedrosa, e sim campeão e vice da Taça Brasil de 1967, Palmeiras e Náutico. Se tivesse que escolher uma competição seria a Taça Brasil. Como eliminar? Mas a grande imprensa aceita mais o Roberto Gomes Pedrosa. A Taça Brasil de 1968 foi o último ano dela e não deu vaga pra Libertadores de 1969, mas eu não vejo nenhum problema em o Botafogo ter um título a mais. Era a última edição de uma competição que por 10 anos foi a única a definir times brasileiros para a Libertadores. Agora você pode ser rigoroso com tudo isso. Mas e depois de 1971? Não era campeonato brasileiro. Tinha outro nome. Mudou a fórmula todo ano, A CBF só vai assumir em 1980. Tem uma série de incongruências, e para ser coerente teria que começar em 1959, porque há uma sequência. Se houvesse uma organização do futebol brasileiro, não teria sido feito um dossiê para que a CBF oficializasse as competições. O dossiê foi um mal necessário. Tem gente que diz que era melhor deixar como estava. Mas como estava? As entidades não valorizavam a história e a Taça Brasil e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa estavam esquecidos. Era assim que queriam que ficasse. Não mesmo! Seria uma grande injustiça com os melhores times e a melhor geração de craques que o Brasil já teve.

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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.
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