40 Anos da Copa de 1978:

Depoimentos de jogadores da Seleção

oscar
Oscar durante a entrevista.

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP.A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 10 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, a décima primeira edição do torneio organizado pela FIFA. São eles: Emerson Leão, Oscar, Edinho, Carlos, Valdir Peres, Reinaldo, Zico, Nelinho, Zico, Rivellino e Polozzi. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil, após a conquista do título inédito. O depoimento a seguir foi concedido no dia 22 de junho de 2012, na cidade de Águas de Lindóia, em São Paulo. Para assistir ao vídeo com a gravação completa, acesse aqui.

Entrevistadores: Bernardo Buarque (FGV/CPDOC) e Felipe Santos (Museu do Futebol); Transcrição: Fernanda Antunes: Edição: Pedro Zanquetta

OSCAR
Oscar. Ilustração: Xico.

 

Oscar

Oscar Bernardi nasceu no dia vinte de junho de 1954, na cidade de Monte Sião, em Minas Gerais. Filho de um pai taxista e de uma mãe costureira, tem cinco irmãos. Cresceu em uma típica família do interior, muito religiosa. Aos dezesseis anos, depois de se destacar no time de Águas de Lindóia, foi levado por Mário Juliato à Ponte Preta. Aprovado nos testes, demorou a ter certeza de que seria jogador de futebol. Em 1972, estreou pelo time profissional da equipe ponte-pretana em uma partida contra o Santos. Em 1977 foi vice-campeão paulista, na final contra o Corinthians. No mesmo ano, foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira. No ano seguinte, foi chamado a disputar a Copa do Mundo da Argentina. Titular em todas as partidas, foi eleito o melhor zagueiro da competição. Na volta ao Brasil, foi vendido ao Cosmos, de Nova York, e nele ficou por cerca de sete meses, onde conquistou o título de campeão da Liga Norte Americana. Em 1980, retornou ao Brasil, para defender o São Paulo F.C, onde logo se tornou capitão. Formou com o uruguaio Dario Pereyra uma reputada dupla de zaga. Em 1982, é convocado para a Copa do Mundo e, mais uma vez, é titular em todas as partidas. Nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1986, continuou a ser titular e capitão em quase todos os jogos. No São Paulo, participou do grupo que conquistou o título brasileiro daquele ano. No ano seguinte, sagrou-se bicampeão paulista, em 1985 e 1987. Ainda neste último ano, transferiu-se para o futebol japonês e passou a jogar no Nissan F.C. Foi um dos primeiros brasileiros a chegar ao Japão e tornou-se ídolo da torcida, com a conquista do bicampeonato japonês. Encerra sua carreira em 1990 no Japão e lá é convidado para ser treinador. Dois anos mais tarde, foi técnico da Inter de Limeira (SP) por três meses. Também treinou clubes na Arábia Saudita, no Japão e no Brasil. Desde 2003 não é mais treinador. Em 2007, fundou o Brasilis Futebol Clube Ltda., na cidade Águas de Lindóia, centro criado para revelar novos talentos. Seu filho Matheus preside o clube. Na atualidade, é empresário de atletas e “agente FIFA” autorizado.

 

Depoimento

 

Oscar, boa tarde. Muito obrigado por aceitar dar esta entrevista e por nos receber aqui em seu resort, em Águas de Lindóia. Gostaríamos de começar falando um pouco sobre a sua infância.

Muito obrigado pelo convite para participar e perpetuar uma história com os grandes nomes do futebol brasileiro. É uma honra participar. Meu nome completo é José Oscar Bernardi e nasci a 500 metros de onde estamos. Aliás, aqui era a fazenda do meu falecido avô e recebi o terreno como herança de minha mãe. Nasci do outro lado da divisa, em Monte Sião. Joguei futebol amador aqui em Águas de Lindóia e nas cidades circunvizinhas: Jacutinga, Socorro, Borda da Mata e Monte Sião, até entrar na Ponte Preta. Nasci em 20 de junho de 1954 – vou revelar aqui. [risos] Ninguém gosta depois dos 40 anos… Na verdade, o interessante é que ainda corro bem, bato uma bolinha e tenho saúde. Por isso, estou à disposição.

Fale um pouco sobre a sua família.

Como já disse, nasci aqui em Monte Sião, uma cidade do interior de Minas, pequena e muito conhecida pelo tricô e as malhas produzidas. Se eu não fosse um atleta de futebol, certamente também faria tricô. Não usando agulha, crochê, este tipo de coisa, mas feito por máquinas industriais. A cidade vive disso. Minha mãe foi uma das pioneiras nesse trabalho e o meu irmão mais velho, um dos jogadores mais conhecidos da região. Atuava no clube da Associação Atlética Monte-Sionense, e eu gostava muito de vê-lo, de acompanhar seus jogos e tal, embora tivéssemos uma diferença de 22 anos entre nós. Ele permaneceu filho único durante 19 anos e só depois vieram mais cinco filhos da minha mãe [risos], e não quis ser profissional porque queria estudar: Se formou em direito e depois ingressou na carreira política e conseguiu ser eleito três vezes prefeito da cidade de Monte Sião. Espelhei-me muito nas partidas dele e tive uma vontade muito grande de ser atleta também. Eu não torcia por nenhum time, nem fui daqueles garotos vidrados em futebol, e apesar disso, aos 15 anos disputava no meio dos adultos de vinte, vinte e poucos anos. Recebi, então, convites das cidades vizinhas. Numa final, disputando contra a cidade de Itatiba, havia um olheiro da Ponte Preta, o seu Mario Giuliato – meu primeiro treinador, devo muito a ele, gostaria de frisar bem isso, pois me deu uma oportunidade. Eu não queria aquilo e quase desisti duas vezes. Desejava estar ao lado de minha mãe e meu pai, na vidinha boa do interior, na fazenda do meu avô e aquelas coisinhas todas de cidades pequenas. As coisas aconteceram muito de repente e não estava preparado para deixar Monte Sião e ir a Campinas, uma cidade assustadora pelo volume de gente, a distância, a necessidade de me afastar da família… Fiquei bastante chocado e cheguei a rezar muitas vezes… Queria atuar mal, me machucar e voltar. Mas meu sucesso foi rápido… O próprio Mário Giuliato teve a sua chance – o treinador da Ponte Preta despediu-se e ele passou a ser o técnico do profissional. Como sabia da minha qualidade, me chamou ao time de cima. Minha carreira deu um salto grande em um ano. Eu estava na Ponte Preta, numa tarde de sábado, sentado em frente ao estádio, na estátua do Moisés Lucarelli – o pessoal sentava lá no mármore, depois do almoço. Eu não gostava de ficar assistindo ao profissional, pois preferia voltar e ver a família, a minha mãe – mamar na mãe [risos]. Certo dia, a Ponte disputaria contra o Santos, e eu decidi: – Bom, vou ficar aqui e ver o Pelé, o Clodoaldo, o Edu. Não vou perder a oportunidade. Então o seu Mário me disse: – Italiano – ele me chamava assim –, vou precisar de você amanhã. Eu perguntei: – O que o senhor precisa? – O zagueiro Araújo não renovou o contrato. Se ele não renovar, posso contar com você? Puxa vida! Eu disse: – Pode. – e pensei: – Cara burro! Está de brincadeira! Ai o treinador avisou: – Lá é dividido: Um lado é do amador e o outro do profissional, então hoje você dorme no profissional. No dia seguinte o Araújo não tinha mesmo renovado o contrato e acabei escalado. E assim as coisas aconteceram muito rápidas comigo. Já comecei enfrentando o Santos. Vencemos de 2 X 1 e continuei no time – não fiz nada mal feito em campo, fui discreto e continuei, mesmo tendo apenas 18 anos. Iniciei assim minha carreira, em Campinas. Por mais ou menos oito anos fui titular da Ponte Preta.

Seus avós já moravam aqui na região?

É. Aqui ao lado ficava a casa dos meus avós. Eles nasceram no sítio. Antes, parecia muito longe de Monte Sião, mas a cidade cresceu e encostou-se a casa.  Meu avô morreu aos 94 anos, e chamava os campos daqui de Pasto da Tropa, pois guardava os animais de lida da fazenda – ele plantava café e milho, entre outras coisas. Até hoje estes campos nos pertencem e continuamos chamando pelo mesmo nome.

Fale um pouco sobre seu pai.

Herdei do meu pai o sobrenome Bernardi. A família dele veio da cidade de Lucia[1], província de Rovigo, na Itália, e se estabeleceu aqui – até tiramos passaporte italiano, eu e meus filhos. Metade de seus irmãos era músico, e os outros trabalhavam em confecção de sapatos, eram sapateiros. Lá na Itália, em Milão, vi uma loja de sapatos chamada Bernardi. Pensei: Talvez seja uma tradição familiar trabalhar nesse tipo de coisa. Aqui no Brasil, meus familiares trabalharam muito tempo no ramo. Meu pai foi caminhoneiro e romeiro. Não uma família rica, e sim da classe média – necessitavam trabalhar para criar os filhos. Ele era uma pessoa humilde e me ensinou muitos princípios. Não uma educação rígida – meu pai não batia, nunca relou a mão em mim, nem nada –, mas através de exemplos e atitudes me ensinou a ter um bom caráter.

Era uma família religiosa?

Muito religiosa. Todos católicos praticantes. Íamos a missa, procissão e peregrinação à Aparecida todo ano. Muito ativa, minha mãe ajudou a construir a igreja da cidade de Monte Sião – hoje é um santuário. Uma família tradicional, das primeiras de procedência italiana da região. Somos três irmãos e três irmãs. Dois fizeram direito, advocacia – um é estabelecido aqui e tem cartório. Sou formado em fisioterapia pela PUC de Campinas e tenho duas irmãs com a mesma formação. Nenhum de nós atuou na profissão – depois de casadas, elas seguiram a vida ao lado dos maridos, comerciantes, e foram direcionadas ao tricô. A mais velha é pedagoga.

Como os pais e a família viam a sua carreira?

Fui jogador porque meus pais insistiram bastante. Aliás, mais o meu pai. Quando fui me apresentar lá em Campinas, relutava em sair de casa. Chegando lá, o treinador Mario Giuliato perguntou: – Você trouxe alguma coisa? Eu neguei. Queria enrolar mais um pouco [risos]. Aí meu pai disse: – A mala dele está aí, sim. – Onde? Eu não trouxe bagagem. – No porta-malas, você já vai ficar. [risos]. Naquele dia eu chorei, cara. Ele partiu e me enganou… Quando a gente é garoto não alcança bem aquilo que esperam da gente. Meu pai pedia ao professor e treinador me aconselharem – uma vez eu voltei e não queria mais ir. Foi uma luta me tornar atleta. Muitos querem e eu tinha qualidades naquela época, apenas não queria deixar a minha vidinha. Mas as coisas vão te empurrando pelo caminho, não é?

Muitos atletas falam sobre a profissão ser marginalizada e mal vista, e o quanto as famílias resistiam à ideia. No seu caso, pelo contrário: Houve estímulo.

É, houve sim. Meu pai queria que eu jogasse. Na minha época não viam o atleta com maus olhos, não. Tinham, sim, uma fama boa. Eu achava bonito, mas estava muito distante de mim. Não pensava chegar ao nível profissional. Quando somos garotos não pensamos muito nisso. Hoje os moleques são muito mais ativos, desinibidos, atirados, e menos apegados à família… Vejo garotos de 15 anos vindo sozinhos aqui no clube, se prontificando a treinar e contatando eles mesmos, por e-mail. É uma coisa difícil. Eu não tive essa dinâmica toda, nem partiu de mim mesmo. Fui mais ou menos empurrado, pego no laço.

Você escolheu ser zagueiro?

Não, comecei sendo goleiro. Aqui na região, às vezes, os caras queriam me colocar de lateral e uma vez eu desisti: – Se for ficar na lateral, não quero mais! Não estive mais nesse campo… Aí acabaram me posicionando na zaga e abandonei o gol… Eu gostava de pular.

A disputa por posições no futebol era muito acirrada. Como você persistiu nessa batalha, tendo tantas dúvidas?

Acontece o seguinte: No início, duvidamos. Depois de ser avaliado, fiquei e recebi a faixa de capitão do time. Comecei a ser o destaque da equipe. Galguei os degraus e depois de seis meses, um ano, já tinha um caminho pela frente e não queria mais voltar atrás. As coisas foram me empurrando, os objetivos começaram a serem maiores… Fui atrás deles. Veio o Campeonato Paulista, depois a Taça São Paulo – todo o garoto quer isso! –, depois, desejava uma vaga no profissional e, após, uma seleção. Tive uma grande sorte, pois a Ponte formou um time muito bom e me ajudou a crescer. Em 1977 disputei o campeonato contra o Corinthians na final, mas não vencemos. Mesmo perdendo, a Ponte ficou muito valorizada e os atletas também, e com isso, apesar de muito jovem, despertei o interesse do treinador da Seleção Brasileira: Claudio Coutinho. Por merecimento e pela imagem obtida – a partida transmitida ao Brasil inteiro, valorizou todo mundo –, ele me chamou para as Eliminatórias da Copa do Mundo de 1978. Fizemos alguns jogos e, inicialmente, fiquei de fora. Fomos à Colômbia e o Luís Pereira era o titular. Logo em seguida, venderam-no ao Atlético de Madri e eu o substituí na excursão pela Europa.

Você participou da Seleção Brasileira Juvenil?

Sim. No começo tinha outros objetivos: A Taça São Paulo, a Seleção de Novos – antigamente existia essa equipe e disputava o Sul-Americano –, e também a Seleção Brasileira de Jovens, excursionando ao Oriente Médio e Europa. O Muricy atuava neste time. Assim, fui buscando. Estou dizendo: Você já está lá na frente caminhando, procurando e crescendo, e então as coisas vão te empurrando e não tem volta.

Você aguardava a convocação ou a notícia chegou de surpresa? Qual foi a sensação de ser chamado e ocupar a posição de titular?

Sinceramente, como eu estava no interior, não achava que seria convocado. Até então ninguém do interior havia sido. Talvez o Amaral[2], mas estava muito distante… O Guarani foi campeão brasileiro em 1976 e logo depois o convocaram. Pensava precisar sair da Ponte e ir a um time de maior expressão em São Paulo, Rio ou outro estado, para me projetar e ter a chance de ir a Copa. Estava na cidade quando noticiaram a convocação e um torcedor na rua me falou: – Convocaram você! Peguei o ônibus circular da minha cidade e não via a hora de chegar ao campo e descobrir se era verdade [risos].

Você se lembra das Eliminatórias?

Eu não participei. Fizemos umas partidas na Colômbia e ficamos uns 15 dias concentrados lá e tudo aquilo me ajudou – foi até bom eu não jogar porque, francamente, às vezes amadurecemos sem atuar. Comecei a conviver com meus ídolos, até então conhecidos à distância. O Rivellino, o Paulo Cesar Caju, toda essa turma: o Leão, o Zico. Todos eram muito distantes, mas aí você convive, treina junto e percebe não serem as coisas tão difíceis ou afastadas quanto você imagina. Você acredita poder e consegue. Mede a qualidade dos outros, compara a sua, e isto faz parte de um amadurecimento. Vai se testando, descobrindo onde pode chegar. Isso me ajudou muito. Se eu tivesse entrando logo de cara, poderia ter me queimado. Principalmente por ser do interior, nunca ter disputado o Campeonato Brasileiro, nem ter tido um convívio próximo à estrelas, só conhecidas através da TV.

Seus companheiros contam que, na concentração, você era uma pessoa muito reservada, solitária – passava boa parte do tempo lendo, por exemplo. É correta a informação? Ou você também participava de algumas conversas?

Não. Eu participava de tudo, apesar de ser uma pessoa reservada. Mesmo quando estava na Ponte e no São Paulo, gostava de sair desacompanhado. Em minha opinião, sozinho você é uma coisa e junto a dois ou três começa a criar coragem de fazer coisas as quais não tem costume. E eu, desculpe falar, sempre levei essa fama comigo, uma coisa até chata pô… – O Oscar não aproveitou a vida? Aproveitei sim, da minha forma. Eu sou assim. Sempre achei que, depois da meia-noite, não havia nada me favorecendo como atleta. Antes dessa hora já precisava estar na cama. Perdi muito? Não sei se perdi, sei lá, casamento, festas, bailes, essas coisas. Fazia o que queria, mas na hora certa, era meio Caxias [risos]. No ambiente de concentração, gostava de ver TV – não tinha internet ainda –ficava batendo papo, gostava de ler… Fui assim, meio quieto, mais ouvinte, não um cara muito falante.

E junto ao grupo da Seleção?

Ah, na Seleção fiquei mais desinibido, brincava com todo mundo – sempre na minha. Nunca fui de extrapolar. Mais comedido, tinha muito medo de errar e ser alvo de alguma coisa. Acredito ser por isso. Tinha um pé atrás por receio de tomar uma posição errada, falar uma bobagem ou magoar alguém. Sempre tive essa preocupação.

Existiam grupos dentro da Seleção? Você precisava se enquadrar?

Não exatamente grupo, mas sim uma questão de amizade. Alguns jogadores vinham do mesmo time e já eram ambientados. Na Copa de 1982 eu dormia no mesmo quarto do Leandro, amigo do Renato Gaúcho. Então propus: – Vamos trocar de lugar. Você fica no meu quarto e eu e o Cerezo dividimos o outro. Facilitava o ambiente, porque às vezes você tem mais afinidades aqui e ali. Quando me tornei treinador, fiz isto mesmo: Botei os dois zagueiros juntos para conversar e se entrosarem até dentro do quarto [risos]. Já vão se acostumando. Mas não tive dificuldades com ninguém, não. Mesmo sendo mais na minha, sempre tive um bom relacionamento.

Você sentiu mudanças na rotina da seleção em comparação a Ponte Preta? O treinamento da posição de zagueiro, as exigências? Pensando em condicionamento físico, quais foram as mudanças neste momento?

Na seleção, tive uma grata surpresa: Conheci o Cláudio Coutinho, um super treinador. Ajudou-me muito, me ensinou bastante. Um cara muito honesto e inteligente, nos demos muito bem. E ele montou uma equipe muito boa: o Chirol, o Camerino, um pessoal lá do Exército do Rio de Janeiro. Usavam técnicas visando o aperfeiçoamento da parte física e me ajudaram muito no treinamento. A parte tática, de posicionamento, também foi uma coisa muito boa. Fora isso, sempre fui dedicado. Ele me mandava fazer alguma coisa, eu fazia mesmo. Gostava da parte física. Aliás, dependia muito desta parte. Para jogar, precisava estar, de fato, muito bem, senão não sentiria segurança. Meu ponto forte era o cabeceio – tinha mais confiança na cabeça do que nos pés. Fui muito bom em cruzamentos. Podia fazer isso o dia inteiro, sentia muita certeza nas bolas altas e me especializei nisso. Treinava o dia todo, até cansar. Os caras cansavam as pernas de tanto cruzar, mas eu não cansava a cabeça.

Conte um pouco sobre o treino de cabeceio? Colocavam mesmo um atleta sobre o outro?

Isso aconteceu na Ponte Preta. O nosso treinador era o Cilinho[3] – uma enciclopédia do futebol e um dos treinadores mais inteligentes com quem trabalhei. Ele me treinava de cabeça… Antes das partidas, o treinador botava dois jogadores, um nas costas do outro, subindo assim, no pescoço. Ficavam então uns cinco ou seis atletas na área cruzando, e eu, no meio, cabeceando. Um treino muito proveitoso. Fora isso, tanto na Ponte Preta quanto no São Paulo, usava muito o colete de areia: Ficava mais pesado e conseguia uma impulsão maior. Eram os meios possíveis na época. Talvez hoje existam outros mais importantes. Ou não! O mais necessário é cada um se prontificar a fazer o necessário. Percebo que, atualmente, esperam muito o treinador mandar. Comecei a atuar e fiz sucesso. Por exemplo: a Ponte foi disputar contra o Palmeiras, e eles tinham o Leivinha, um dos maiores cabeceadores de São Paulo e do Brasil. E eu, garotão, marquei bem, consegui tirar as bolas altas e não deixei ele fazer gol de cabeça. Isso começou a me dar moral e fui me especializando nas bolas altas.

Você recorda o momento da convocação e da pré-temporada antes da viagem à Argentina, na Copa de 1978?

Bom, na Copa de 1978 eu já estava aguardando a convocação. Eu tinha viajado e feito boas partidas na excursão, e o Coutinho dava a impressão de estar na dúvida se ia ou não chamar o Luís Pereira. Essa polêmica apareceu nos jornais por muitos meses. No final, ele não convocou o Luís, porque não acompanhava sua carreira lá fora – hoje transmitem os jogos e tal – então ele acabou me dando a oportunidade. O Brasil atuava mais aqui no país mesmo, em vários estados. Fizemos uma boa preparação, na Toca da Raposa.

Como foi o seu entrosamento com a defesa?

Treinávamos na Toca e, por exemplo, na Copa de 1982, ficamos mais de dois meses concentrados até atingirmos aquele entrosamento. Não apenas um encontro de dez, quinze dias. Foram mais de dois meses em amistosos – jogos importantes –, e isso gerou um clima de amizade e entendimento entre os atletas dentro do campo.

Uma das acusações feitas à seleção de 1978 é justamente a de o Brasil ter abandonado seu estilo em função de um futebol mais defensivo, característico do Coutinho. Você acha isso?

Não. Nós não perdemos nenhuma partida. Tomamos, se não me engano, apenas dois gols… Contra a Polônia ganhamos de 3 X 1 e contra a Itália, 3 X 2. Muito poucos gols! Mesmo assim, fomos eliminados. Tinha o Zico, o Jorge Mendonça, o Reinaldo, o Dirceu, o Cerezo… Um time respeitado e de bom nível técnico. Infelizmente, não conseguimos. Essa Copa da Argentina foi meio obscura, não sei o que aconteceu. Ganhamos da Polônia e o nosso jogo seria no mesmo horário do da Argentina. Eles mudaram o horário e tiveram a vantagem de saber por quanto precisavam ganhar.

Escolheram a Argentina como sede da Copa do Mundo e logo depois ela sofreu um golpe militar. O Brasil, por sua vez, ainda vivia um clima de ditadura. Houve interferência desses regimes vigentes na América do Sul no ambiente da competição?

Ah, se houve, a gente não ficou sabendo. Essas informações não chegavam até nós. Falando a verdade, o clima não estava dos melhores, e sim muito tenso. Na concentração havia muitos policiais fazendo ronda, muitos cachorros. Um ambiente pesado. Agora, nunca pensei realmente se houve mesmo ou não algum problema com o Peru e a Argentina. Fala-se muito, não sei se é verdade. Se vencêssemos a Argentina, em Rosário – empatamos em 0 X 0 –, teria sido diferente e o Brasil chegaria à final contra a Holanda. Ficamos dependendo muito do resultado da Argentina X Peru.

O time se soltou mais em campo com o passar da Copa? A primeira fase foi muito difícil: Empates contra a Suécia e a Espanha, 1 X 1 e 0 X 0, respectivamente, sendo o ultimo um jogo dificílimo, no qual o Brasil por pouco não levou um gol.

Quase perdemos! O Amaral salvou aquele gol em cima da linha… É verdade: Conforme caminhava, o time começou a ficar mais confiante, a atuar melhor e ganhar. Contra a Polônia, fizemos uma bela partida. Na disputa contra o Peru, vencemos, mas não foi fácil. Ninguém acreditava na possibilidade da Argentina fazer quatro gols contra eles, de forma alguma. Eles tinham um bom time.

Quais episódios você destacaria da Copa de 1978? Sua própria atuação, alguma partida?

Algumas coisas chamaram a atenção. Por exemplo, no primeiro jogo aconteceram coisas inusitadas. Contra a Suécia ocorreu um escanteio no final, no qual subimos eu e o Zico. Ele cabeceou e o juiz terminou a partida antes da bola entrar no gol… Ninguém entendeu. Depois disso, contra a Argentina foi muito tenso. Estávamos em Mendoza e viemos a Rosário. Chegamos um dia antes e houve um foguetório em frente ao hotel. Não nos deixaram dormir direito. A polícia vinha e, logo depois, eles voltavam novamente. Os torcedores então fizeram um cordão humano em volta do ônibus xingando, vaiando e aquele negócio todo, do hotel até o estádio. Um clima bastante pesado. Aí o Coutinho falou: – Vamos fazer o seguinte: Entramos no estádio meia hora antes e damos uma volta na pista. Deixem o pessoal vaiar à vontade, até não poderem mais, e, quando voltarmos, já não terá a mesma graça de antes. Fizemos assim. Descarregamos um pouco a tensão e recebemos as vaias mais tranquilos. Todos diziam: – O campo tem um bom policiamento e não vai entrar ninguém aqui, então, deixa fazerem barulho, vamos nos acalmar e atuar. Muito boa a tática do Coutinho. Outro detalhe ajudou: Eu era garotão – o time formado por muitos jovens –, e sofremos a pressão do dia anterior e do caminho ao estádio. Aí entramos e relaxamos… Recebíamos xingamentos e dávamos tchau de volta. Fomos lá fazer o de sempre: Jogar futebol. Foi uma partida chave, muito tensa. Logo no início a Argentina veio amedrontando, querendo se impor violentamente. Eu estava sentado junto ao Chicão[4]. O Coutinho chamou-o e disse precisar dele. Tirou então o Cerezo. A situação exigia mais marcação, pegada mesmo e o Chicão jogava com mais força [risos]. Tinha o pé um pouquinho menos carinhoso [risos].

E o Cerezo ficou ressentido?

Ele ficou meio chateado naquele momento. Criou-se um leve mal-estar. Depois ele voltou. Nessa partida foi mesmo necessário um atleta que sabia se impor. O Cerezo não merecia sair, de forma alguma, não é isso! Mas a medida foi correta.

Depois de 1978, elegeram-no um dos melhores zagueiros daquela Copa.

Fui eleito entre os onze da FIFA[5].

E então o New York Cosmos interessou-se por você?

Muitos clubes grandes me assediaram. São Paulo, Palmeiras – conversei diversas vezes com os diretores deles lá em Campinas. Junto ao Cruzeiro, cheguei até a assinar um pré-contrato. A Ponte não me deixou sair. Ou seja, havia interessados. No dia no qual foi decidida a minha ida ao Cosmos, o time do São Paulo também estava lá e meu clube preferiu o Cosmos, devido à quantia em dólar. Veja você, depois de ter participado da Copa do Mundo e ser eleito na Seleção, fui vendido por 500 mil dólares. Hoje, seria uma mixaria, um empréstimo aqui dentro do Brasil. Naquele momento, foi muito bom.  Na final Ponte Preta X Corinthians não participei, já tinha ido embora – o Julinho entrou no meu lugar. Na época, estava contundido na coxa. Já disse anteriormente: Gostava de treinar, era muito Caxias e às vezes jogava contundido, escondia os machucados. Na Ponte, fiquei muito tempo sentindo uma dor próxima à virilha. Uma distensão mal curada, encapsulou e se tornou um quisto. Como era embaixo da artéria femoral, sentia muita dor até tossindo. Cheguei ao Cosmos tendo esse problema, pensando ser coisa passageira, e lá o problema continuou e atuei muito pouco. Gostei demais, não queria voltar, pois estava adaptado. Os Estados Unidos eram uma maravilha de se viver, o time, muito bom, uma estrutura espetacular. Mas eu estava naquela situação, me tratando e sem atuar… Um dia encontrei o Jorge Salma[6] – depois se tornou meu amigo. Ele estava a passeio nos EUA e acabou assistindo a uma partida do meu lado. Então me falou: – Vou levar você ao São Paulo. – Se eles me derem as mesmas condições daqui, quem sabe eu vou?! Depois ele me ligou e falou: – Eles dão. – Então eu vou. Voltei em agosto de 1980 e se estivesse lá fora ia ser difícil participar da Copa de 1982 – o futebol americano não passava muito aqui e eu sumiria um pouco da mídia e dos olhos do Telê Santana. Foi um dos motivos do meu retorno: Ficar a vista da comissão técnica e participar de outra Copa do Mundo. E vou falar uma coisa: Quando vim para o tricolor paulista, me senti muito protegido. Na gíria do futebol se diz: Era uma “teta” ser do São Paulo, uma moleza. Olhava atrás e tinha goleiro, lateral, volante, atacante. Muito fácil jogar lá, uma maravilha. Só alegria [risos].

E assim se formou a dupla: Oscar e Darío Pereyra, considerada por muitos torcedores, do São Paulo e de outros times, uma das maiores do futebol brasileiro.

Qualquer zagueiro busca o entrosamento – junto ao time todo, claro, e principalmente com quem está ao seu lado. Ocorreu uma coisa engraçada: Era solteiro e o Darío também. Eu era muito miserável, não gostava de gastar, e o São Paulo não dava apartamento [risos], então, no início, morei na Casa do Atleta. Fora do futebol eu não sabia ser tão bom companheiro quanto dentro do campo, nem saía junto dos colegas. O Darío Pereyra era meu amigo e parceiro dentro do campo. Depois eu me casei e ele também, e a minha esposa ficou amiga da esposa dele. Então, a gente começou a sair e nos tornamos mais amigos, mais íntimos. Mas o entrosamento estava baseado nos treinamentos e dentro de campo. Ou seja, aprendi logo a conhecer seus pontos fortes. E ele também, certamente, sabia meus lados bons e ruins. Então, quando um completava, já ficava atento e se precavia, e assim, buscávamos um entrosamento. Quando eu cheguei ao São Paulo, o Carlos Alberto Silva treinava e o Darío jogava como volante, não zagueiro. A partir de então o técnico começou a testá-lo na zaga e montamos essa dupla, a qual durou bastante tempo.

Você continuou sendo convocado em amistosos?

Continuei. Esse problema da contusão persistia e eu ainda jogava machucado, não tão bem e sabendo ser possível render o dobro. Estava perdendo as minhas bolas altas… Até para tossir, precisava agachar. Depois das partidas, então, a dor era uma tristeza. Uma vez parei no Hospital Sírio Libanês e o médico sugeriu uma ressonância – exame novo no Brasil – e constataram um quisto embaixo da artéria femoral. Por isso sentia tanta dor. A uma cirurgia seria delicada porque essa artéria é muito importante, e não pode ser riscada, arranhada ou cortada, é muito perigoso. Veja como são as coisas: Fui internado nos Estados Unidos, no Lennox Hill, um dos grandes hospitais de Nova Iorque, e eles não descobriram essa minha contusão. Viraram-me dos pés a cabeça e até cistoscopia eu fiz. Não acharam nada. Enfim, resolvi o problema e meu futebol cresceu. Comecei a me destacar e mereci ser convocado posteriormente.

Copa de 1982. Quais são as lembranças desta experiência tendo o Telê Santana no comandando? Uma equipe que, apesar de encantar o mundo, não conseguiu sair coroada?

O time era bom, treinamos bastante e estávamos muito confiantes. Ficamos – acho – um ano sem perder nada. Treinamos 15 dias em Portugal. Fazíamos duas partidas por semana e marcávamos seis, sete, oito gols nos times da segunda divisão. A equipe estava muito bem preparada em todas as posições, e possuía bons substitutos. O Telê tinha na mão um time no qual ele podia mexer bem. Agora, tem dias nos quais as coisas não acontecem.  Um amigo meu me falou sobre a FIFA: Consideraram o segundo tempo do jogo Brasil X Rússia um dos melhores de todos os tempos. Eu não sei… Sinceramente: A Rússia morreu no segundo tempo. Eu via a expressão dos caras: Eles estavam liquidados fisicamente. Por isso, não fizeram muita coisa. Fazia muito calor e eles tinham uma preparação forte. A melhor atuação do Brasil foi contra a Argentina. A partida modelo da seleção brasileira. Impomos um ritmo, lances de passagem de laterais, de overlapping, passes, antecipação, de tudo. Uma partida a ser estudado por atletas e treinadores. Em minha opinião, excelente. Contra a Itália houve muitos erros nossos. Não atuamos em cima do necessário. Buscamos a vitória, como sempre, querendo golear. Sempre fazíamos isso – falando agora, lógico, depois de muito tempo. Mas, voltando lá atrás, onde erramos? Soltamos demais o time, os laterais avançaram muito, nossos meias foram ofensivos e não nos resguardarmos. Talvez tenha sido esse o nosso pecado. Tínhamos uma equipe ofensiva. Não sei se algo seguraria o Zico, o Éder, o Leandro, o Júnior, o Sócrates… Só se fossem trocados por outros elementos.  Sempre disse e vou repetir: Recordo-me muito bem, e você pode perguntar também ao Falcão. Nessa preleção, ele disse: – O Conti me falou: Eles vão ficar atrás, no contra-ataque, e já estão até com as malas prontas para voltar à Itália. Estavam mal, em crise junto à imprensa. Não davam entrevistas e eram sempre criticados. Aguardavam, de fato, a degola. A gente tinha quase certeza da vitória e houve um excesso de pensamento positivo… Aí o Falcão falou: – Você não acha melhor jogar esperando ou mudar a forma hoje? Mas todo mundo disse: – Ah, estamos bem assim! Vamos mudar, depois perdemos e o que vão dizer? Qual o motivo de mudarem se estava dando certo até agora? Os amistosos foram assim, os oficiais foram assim, e vão mudar logo agora?

Se perdessem a culpa seria pela mudança do esquema tático?

Justamente. Conversamos e resolvemos fazer como já estávamos fazendo. Fomos surpreendidos por pequenos erros aqui e ali e sofremos os gols. Hoje percebo: Fomos muito ofensivos. O empate era nosso. Saímos do zero a zero e eles estavam quase perdendo. Depois empatamos e por duas vezes o placar esteve favorável a nós. O Telê perguntou a um ou outro: – Vamos entrar desta forma mesmo? E acabamos desclassificados. Assistimos ao Argentina X Itália – A Itália ganhou, mesmo assim jogou muito mal. Aí disputamos contra a Argentina, metemos três a um e pensamos: – Agora vamos atropelar aquele time feio. Supostamente, na nossa cabeça, iríamos ganhar. O Batista se machucou e foi substituído – o mesmo jogo no qual houve a expulsão do Maradona. Aí, contra a Itália o Batista poderia até atuar, mas pouparam-no para a partida contra Polônia… Porque a gente tinha a certeza de passar…

Como era o clima entre o grupo? Os atletas tinham uma boa relação, conversavam bastante?

O ambiente não estava ruim, não. Um ambiente sadio. Não tínhamos problemas de amizade. Era, creio, um grupo bom. Quando você fica fora do país por mais de 10 dias sempre há um probleminha ou outro dentro de campo, uma coisa normal. Passou desses 10 dias sempre surgem umas discussõezinhas, nada influenciando o rendimento, ou alguém não passando a bola a um companheiro por causa disso ou aquilo. Isto nunca chegou a acontecer.

Sua atuação foi muito elogiada contra a Escócia – inclusive o lance no qual você subiu no primeiro pau e marcou o gol.

Era uma jogada ensaiada do Telê. O Junior batendo com o pé trocado – um lateral-esquerdo destro. Então, nos treinamentos, ele batia sempre pelo lado esquerdo, trocando o pé, no primeiro pau. E eu entrava ali. Treinamos até dar certo.

Em nossa pesquisa, o Falcão falou sobre você nessa partida, afirmando ter mostrado a maior qualidade de um atleta: Fazer unicamente aquilo que sabe e pode fazer.

O Falcão se referiu a isso porque o Telê sempre falava. Ele me citava como exemplo: Eu ia cabecear, cabeceava e retornava. Se eu fosse bater uma falta, chutaria na barreira. Não era o meu forte. Ou eu faria um gol se a bola sobrasse ou um gol de cabeça mesmo. Nunca fui de driblar ou enfeitar. Eu fazia o simples, feijão com arroz. O Falcão, o Zico, o Sócrates e o Éder eram jogadores técnicos, de habilidade. Mesmo o Luizinho sabia ser mais técnico. Eu tinha velocidade, força, impulsão. Talvez ele tenha tentado dizer isso. E está correto [risos].

A autoconfiança do grupo cresceu com as vitórias. Essa influência também vinha da imprensa e da torcida? A presença dos meios de comunicação já era ostensiva, feito hoje?

Embora a gente não queira, contagia um pouco. Não houve excesso, talvez um exagero… Acreditávamos já ter ganhado. É complicado segurar. Você vai às partidas e vê aquela torcida – parecia estarmos no Brasil. Só via cara de amarelo, dentro do campo, brasileiros torcendo. Depois, clima de festa, pandeiro, a famosa música do Junior, “Voa, Canarinho”, os torcedores cantando. Tudo isso dentro do ônibus. Um clima muito para cima, levantando a moral. Em certo ponto a gente acaba entrando no embalo do torcedor, da imprensa, do “já ganhou” e, depois, levamos um susto.

Quantas vezes você já falou sobre a cabeceada contra a Itália?

Toda semana alguém me pergunta, algumas vezes [risos]. No finalzinho dessa partida, queríamos empatar. Então, teve uma falta no lado esquerdo e o Éder sempre batia – muito bem, por sinal. Disse ao Cerezo: – Vamos à área, você tromba o zagueiro, empurra e atrapalha ele. Vou cabecear essa bola. É a única chance. E fui tentar cabecear. Nem precisava: Subi sozinho, tranquilo, para lançar no chão. Não sei como o cara apareceu, a mão daquele tamanho, e salvou na risca. Mais ou menos feito agora, no jogo Inglaterra X Ucrânia, mas essa entrou. A minha, na verdade, foi na linha. Trabalhei junto a uma comissão técnica na Arábia Saudita – era italiana –, e me mostraram uma entrevista do Zoff dizendo ser aquela a defesa da vida dele, a minha cabeceada. Ele salvou o time ali. Depois daquilo, não aconteceria mais nada mesmo.

E após esta derrota, você se recorda do clima? Não tinha mais pandeiro, festa? Qual foi a reação do time?

Não teve festa. A torcida andava na rua de cabeça baixa e a gente não entendia. Aqui no Brasil, a cada vitória comemoravam nas ruas, nos bares, e podíamos medir os acontecimentos. É o seguinte: O atleta se sente cumpridor do seu dever. Podíamos vencer e fizemos o melhor. O que eu podia fazer, fiz. Dei e contribuí como pude. Voltamos ao Brasil e ninguém foi hostilizado. Todo mundo valorizado, os jogadores respeitados e não houve ofensas. Até hoje o time é lembrado carinhosamente pelos torcedores. Isso é muito gratificante, uma coisa na qual precisamos nos apegar. Vai ficar chorando as mágoas? Não tem jeito de fazer mais nada, entendeu? Mas a satisfação do dever cumprido existe, e todo mundo voltou valorizado, e não sendo criticado porque fez isso ou aquilo. Bom para todos.

Em 1978, o Coutinho criou a expressão “campeão moral”. Também houve essa sensação em 1982?

Estávamos lá, ganhando, fazendo isso e aquilo. O time estava entrosado – não digo perfeito –, bastante equilibrado, atuando bonito e bem. Vencendo e convencendo. Não sabemos o pensamento do torcedor, mas o encanto desse time, guardado, lembrado, a forma do time atuar, os gols, a reação de um e de outro… Valeu a pena.

É curioso: O brasileiro valoriza menos a Seleção de 1994, campeã do mundo, do que a de 1982.

Marcou mais. O time ficou junto por mais tempo. E depois, os atletas começaram a jogar fora do Brasil e, por isso, o torcedor não se identifica tanto. É necessário atuar mais no país, mostrar o jogador brasileiro ao público, até porque a Copa será aqui. Esse negócio de estar lá fora faz o atleta ficar meio distante. O torcedor precisa conhecê-los, chamar pelos nomes e não pelos números. Quando o torcedor não conhece, não sabe quem é, de onde saiu, onde está atuando…

Você se casou em 1984. Esse acontecimento influenciou de alguma forma a sua vida profissional? 

Não, não mudou nada. Foi tranquila a passagem da minha vida de solteiro para a de casado. Casei-me quase aos 30 anos e já tinha visto de tudo, aproveitado bem a vida. Eu sempre fui caseiro e gostei muito.

A Revista Placar afirmava, na época, ser você um dos solteiros mais cobiçados. É verdade?

Quando voltei da Copa de 1982, recebia um saco de cartas! O Juninho e todo o pessoal me ajudavam a ler [risos]. Líamos juntos! E no São Paulo, a mesma coisa. Nos grandes times, todo jogador recebe, é uma coisa normal. Chegavam setenta, oitenta cartas por dia das fãs do São Paulo [risos].

E então o convocaram para a Copa no México, de 1986. Conte um pouco sobre aquele momento.

Um time também muito bom, mais renovado. Desta vez participei com o Careca. Em 1982 ele também havia sido convocado, mas uma semana antes da partida, cortaram-no.

O Renato Gaúcho deixou de ir, na última hora. Ele e o Telê já tinham uma má relação, não é mesmo?

Não sei qual era o relacionamento deles. Houve um problema, acho que o Renato deu apoio ao Leandro – ele havia sido cortado, ou vice e versa. Tornou-se então um time renovado, muito bom também. Alguns atletas viajaram e foram cortados lá no México – se não me engano, dois atletas. Fui o capitão do time até a semana anterior ao início da Copa. Acabei ficando na reserva. Eu e o Falcão fomos trocados, o técnico optou por outros nomes, por isso não participei, fiquei todos os jogos no banco. Em 1978 e 1982 a seleção da Fifa me escolheu. Em 1986 saí daqui feito titular e capitão. Acabei ficando de fora.

Foi muito difícil?

A gente não espera, nem quer. Na hora de aproveitar a comida, você fica só lambendo os lábios [risos]. Mesmo assim, não tive nenhum problema com o Telê, tanto é que, depois da Copa, ele me convidou como seu assistente, no São Paulo. Passei um ano lá. Ele deixaria de ser treinador e me preparou para assumir o posto dele, mas, no meio do caminho, tive um convite da Arábia e aceitei. O Muricy ficou no meu lugar e fez uma bela carreira de treinador. Tive bons companheiros em minha carreira, bons profissionais, me ensinaram muita coisa. Depois dos 30 anos, se o atleta tem a intenção de se tornar treinador, já deve observar os acontecimentos dentro de campo, as mudanças, os treinamentos. Precisa começar a anotar, em casa, as experiências e aproveitar quando parar. Eu mesmo não fiz isso. Apenas aos 33, 34 anos, comecei a observar mais. Poucos atletas estão aptos a assumir um time de futebol quando param. Os jogadores hoje devem começar a aproveitar alguma coisa a mais de seus treinadores, do ambiente, dos diretores, e ir anotando. Usar essa experiência, já ir estudando e não se tornar um treinador precoce.

Voltando à Copa de 1986, ocorreram algumas tensões na preparação: O Zico teve um problema no joelho; o Falcão vinha de uma cirurgia no mesmo local; o Sócrates, por sua vez, também teve alguns problemas físicos. No processo de treinamento, na Toca da Raposa, o Telê precisou fazer diversos cortes até chegar à lista final dos 22. O convívio em grupo ficou mais difícil?

Não. Não houve problema nenhum no grupo, tudo tranquilo. O Telê chamou um ou dois atletas a mais, por causa do Zico. Não sabia se ele poderia atuar ou não. Cortaram o Cerezo e o Dirceu ficou em seu lugar. O Zico atuou, inclusive contra a França, mas não estava em sua melhor condição. Entrou frio, bateu o pênalti e aconteceu aquilo na decisão. Eu via o trabalho dele, todo dia na fisioterapia, o joelho muito inchado: Era um problema grave. Ele não pôde jogar e não foi o Zico de sempre.

O Brasil também não conseguiu um título nesta oportunidade – havia 16 anos que o mesmo acontecia – e a imprensa sempre busca um bode expiatório para culpar e responsabilizar. Muitas vezes é o técnico, mas também pode ser um jogador. Como vocês viveram internamente o fato do Zico perder o pênalti? Vocês culparam-no de alguma forma?

Não! Imagina a culpa ser do Zico! Ele só contribuiu, é uma pessoa maravilhosa, responsável pela decisão de muitos jogos da seleção. Eu ficava lá atrás tranquilo, sabendo que, se não tomássemos gol, lá na frente não iria ficar no zero a zero, entendeu? Tínhamos o Zico e o Éder, cada qual batendo do seu lado, caso ocorresse uma falta. E alguma coisa aconteceria, na velocidade, na tabela. O Zico foi sacrificado. Mesmo sendo tão respeitado pelos adversários, quando entrou, a partida estava empatada e o imolaram: Não estava em suas melhores condições e não é culpado de nada. Nunca ouvi ninguém falando nada dele, pelo contrário: Uma figura importante, decisiva. Um bom companheiro, bem relacionado com todos, apesar do nome e de ser tão representativo.

Se ele não estava em condições de cobrar o pênalti, não seria um erro técnico designá-lo? 

Ele estava frio, no banco. Estava ao meu lado e não esperava entrar. O Zico possuía confiança, mas, sabe como é: Copa do Mundo, nem todo mundo quer fazer isso [risos]. Eu mesmo, só faria se fosse o último: – Agora precisa ser! O goleiro já bateu e só sobrou você. Então eu bateria, mas não era o meu forte. Cada um precisa saber suas capacidades e o meu negócio não era esse. Agora, o Zico sempre foi um exímio batedor de pênalti! Quem iria prever esse erro? Confiávamos que, apenas com uma perna, ele bateria e faria.

Estamos às vésperas de uma Copa do Mundo sediada no Brasil – você inclusive comentou sobre o seu resort ser candidato a receber as delegações, as seleções mundiais. Como você vê a atual Seleção Brasileira?

O Brasil, por sorte, tem uma geração de bons valores surgindo. Lógico, é preciso dar tempo de se entrosarem. Não pode cada um vir de um lado diferente, compor uma equipe e achar que tudo vai dar certo naturalmente. Os times de 1978 e 1982 eram bons times, mas ficaram dois meses treinando juntos. Hoje, não sei se conseguem fazer isso. Sendo uma Copa do Mundo no Brasil, acho necessário um sacrifício da CBF em remunerar os clubes e trazer estes atletas, deixarem ficar mais tempo juntos, armarem mais amistosos. A cada mês armarem umas duas partidas, buscando o entrosamento. Quando eu estava no Japão, nas Eliminatórias da Copa do Mundo, fizeram uma coisa interessante: Colocaram um time olímpico disputando feito convidado o Campeonato Japonês, e assim tornaram o time mais experiente e entrosado. Não sei se poderíamos copiar a ideia aqui – talvez nas Olimpíadas, com jogadores mais jovens –, nem se os clubes permitiriam. Seria interessante num time jovem, talvez o campeonato da Série D ou C, ou um regional.

Para terminar, uma última pergunta: Qual a principal diferença entre o futebol da época na qual você começou a atuar e o atual?

O futebol brasileiro teve pequenas mudanças. Copiou de fora algumas coisas piores e outras melhores. O Brasil tem muitos treinadores jovens e dinâmicos, mais estudados sobre os adversários e as formas de fazer. Mexem mais nas peças, nos botões, são mais estratégicos. Por outro lado, não temos tantos bons atletas técnicos feito no meu tempo. Mas a mudança não foi tanta. Os times de 1982 e 1986 já eram velozes. Não era como em 1970, um pouco mais lentos. Aquele caso do Gerson: Sinalizou ao Pelé usando a mão, deu dois toquinhos e fez o lançamento. Hoje não é possível fazer isso. A marcação encostou mais, a parte física se aprimorou, os atletas têm uma maior dinâmica dentro de campo. Eu vejo por esse lado. Também houve algumas mudanças na parte tática. Antigamente o jogo ficava mais aberto, não tinha dois ou três cabeças de área de marcação. Hoje o meio de campo é mais povoado, porque as jogadas são criadas ali. Os treinadores dificultaram o trabalho do adversário nesse local. Também existe a tentativa de implantar no Brasil o sistema europeu de 3-5-2 e 3-6-1. Apareceram, sim, bons atletas técnicos. No Brasil e em outros lugares. O nosso é o país com o maior numero de mudanças de valores. Saem daqui mais de mil atletas ao exterior. E o time brasileiro hoje, esse que atuou a última partida contra a Argentina, não repetiu nenhum atleta da Copa do Mundo passada. Nenhum. Esta semana eu assisti à partida da Inglaterra junto a meu filho Mateus. Eles ainda usam os mesmos nomes da Copa passada. O Rooney está ali há 20 anos fazendo sucesso. Ou seja, a renovação das outras equipes é mais lenta. Felizmente, temos essa facilidade. Estamos fazendo uma mudança positiva, porque temos bons meninos, muito interessantes, treinados e valorizados. Precisamos dar a eles tempo de treinamento e deixá-los pegar confiança, pois nos darão muita alegria. É uma boa geração.

Oscar, agradecemos imensamente ter nos recebido, com tanta paciência, nesse depoimento sobre as lembranças da sua trajetória no futebol. Muito obrigado. 

Sou eu quem agradece fazer parte do acervo do Museu do Futebol. Lógico, ainda teria muita coisa para contar. Fui falando, lembrando, mexendo, mas, de qualquer forma, foi bacana participar. Muito obrigado.

 


[1] Santa Lucia, também chamada apenas de Lucia ou Luzia, localizada na região de Veneto, nordeste da Itália.

[2] João Justino Amaral dos Santos.

[3] Otacílio Pires de Carvalho.

[4] Francisco Jesuíno Avanzi.

[5] Federação Internacional de Futebol Associado, do francês Fédération Internationale de Football Association.

[6] Inaudível (Salma/ Salman/Salmo?): não localizei nome semelhante associado ao futebol.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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