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Pablo Alabarces (parte 2)

Equipe Ludopédio 23 de abril de 2020

Entrevistar o professor Pablo Alabarces sempre foi uma vontade da equipe do Ludopédio. A distância entre Buenos Aires e São Paulo era uma das maiores barreiras para realizar esse encontro, mas no ano passado, nos encontramos no Rio de Janeiro, durante um evento acadêmico. A nossa conversa foi em um café, e rendeu muito. Falamos sobre a sua trajetória acadêmica, sobre a pesquisa na Argentina, sobre a relação entre Argentina e Brasil dentro e fora dos campos, além de outras boas histórias. Fica o convite para tomar um café e ler a entrevista com o professor Pablo Alabarces. Boa leitura!

Professor Pablo Alabarces. Foto: Sérgio Settani Giglio.

PARTE 2

Voltando um pouco para as origens, não as origens acadêmicas. Na Argentina há uma conexão muito grande do futebol com o bairro. Parece que o bairro respira aquele futebol e as rivalidades ali. Buenos Aires é aquela loucura de proximidade de todos clubes. Como é essa conexão com o Pablo, antes da universidade, esse futebol que está na vida de quem nasceu na Argentina, que vive em Buenos Aires. Ele te captura? Você quis ser jogador de futebol em algum momento? Perdemos um Maradona, de alguma maneira (risos)?

Eu sou homem, nascido e criado em um bairro com um estádio de futebol ao lado de casa, socializado na masculinidade argentina dos anos 1960. Está claro que eu também era um fanático, jogava, assistia no estádio, assistia na televisão. Nessa época, teoricamente, eu dizia que era nativo, era membro dessa cultura na qual eu tentava explicar. Eu também estou trabalhando, mas também conheço a cultura. No ano de 1996, Archetti vem para Buenos Aires, justo no final de semana que finalizava um campeonato, o jogo era do Vélez Sarsfield (meu time) contra o Independiente. Vélez tinha que empatar o jogo para ser campeão e, então, fomos ao jogo com Archetti, para fazer “observação participante”. E assim, falamos, olhamos e em um momento do segundo tempo eu olho para Archetti e digo: “Eduardo agora você continua fazendo antropologia, eu tenho que sofrer”. Finalmente Vélez seria campeão nesse ano. O que dizia é que, isto são coisas divertidas, por exemplo, em algum momento aparece lá no instituto de pesquisa um grupo de sociólogos e falam: “Você que fala tanto do futebol, mas você joga? Então, temos que fazer um jogo para demonstrar que a gente não é teórico”. Também acho que com o tempo foram duas questões: uma foram os meus joelhos, estão quebrados, então estou proibido de fazer a prática, e a outra questão foi a sociologia, meu olhar ficou demasiado reflexivo para ser um torcedor. Uma vez no estádio do Vélez, com meu filhos, um jogo de Copa Libertadores contra um time colombiano, e assim que o time colombiano entra em campo, toda torcida e meus filhos começaram a falar “Negro filho da puta! Negro puto”, e eu: “mas filho, eu trabalho com isso, vocês não podem reproduzir essas coisas”. É o problema de quando você também tem a teoria, tem que impor a distância, mas fique tranquilo, acho que o futebol argentino não perdeu nenhum Maradona. Um Messi, então? (risos).  Não, não, não. Um Caniggia? (risos). Não, não, não, ele era rápido. Eu era goleiro, muito pequeno para ser goleiro, mas bom para goleiro de futebol de salão, eu adorava ser goleiro. Mas também adorava ser atacante porque o gol é coisa mais linda do futebol, mas eu era muito ruim para fazer gols, chutava só com a direita, não conseguia chutar com a esquerda. Mas em um momento com a equipe docente que eu trabalhava formamos um time pequeno de futebol de salão e, claro, eu era o chefe de todos, o dono da bola. Eu podia jogar no meio do campo, gritar com todos, fazia com que todos corriam e eu no meio dava indicações, esse foi o ponto mais alto da minha carreira esportiva. Mas não, insisto, o futebol argentino não perdeu nada. O futebol agradece por isso? (risos) Sim, sim, sim, claro que sim. Mas essa questão da distância que você faz é fundamental. Em um momento você deixa de ser nativo, você conhece os códigos, por exemplo, a divisão dentro do estádio. Uma vez que você fez parte dessa cultura, você conhece os códigos, a divisão, os lugares, os rituais… Mas, em um momento, eu percebi que eu olhava mais os rituais do que os praticava. Só quando o Vélez Sarsfield esteve dois anos perto do rebaixamento, que eu virei mais torcedor novamente, porque era uma situação limite (risos). Mas depois não fui nem um jogador, nem um torcedor. Nem se quer com o time argentino, o time nacional, quando na Copa do Mundo no Brasil de 2014. Tiveram muitas “pelejas”, porque eu torcia pela Argentina, mas também torcia pelo Brasil. Então o 7 a 1 para mim foi uma ferida terrível, porque o que queria era que os dois times jogassem a final. Mas claro, quando Messi chegou à final, eu queria que ganhasse a Argentina. Mas não conseguia entender como os torcedores argentinos festejavam a derrota, a vergonha brasileira. Cara, aqueles que gostam de futebol sabem que na história uma final de Copa entre Brasil e Argentina é inesquecível, esse o fato que queremos, se você gosta do futebol. Nesse momento, reconheci que eu gostava do futebol, mas não era mais torcedor (risos).

Voltando para a questão acadêmica, é possível afirmar que neste jogo de quebra-cabeça entre vocês três principalmente, há um início de uma produção, em termos de livros como “Peligro de Gol”, “Futebologias“, como um tentativa de criar essa rede na América Latina e que se perde em algum momento e vira um produção mais individual. É isso? E por que isso aconteceu?

Sim. Isso acontece porque a criação do GT CLACSO incluía como requisito publicar coletâneas. Maravilhoso! Isto é, eles financiavam a reunião e o livro, então eu tinha que organizar esse livro. Maravilhoso, porque esse livro “Peligro de gol“, fundamentalmente, que foi a primeira coletânea latino americana sobre esporte e sociedade, foi um livro muito forte, muito decisivo. O fato de o livro ser bilíngue é importante, temos artigos em espanhol, temos artigos em português. Me lembro que um colega fez uma resenha lá na faculdade de Buenos Aires queixando-se do porquê ter que ler em português. Porque você tem que ler em português, cara, é obrigatório… Isso foi um fato muito importante, esses dois livros de 2000 e 2002, foram feitos porque a CLACSO tinha isso como requisito, fazer uma coletânea de cada reunião. Nesse mesmo momento estava finalizando meu doutorado e, quando finalizo a tese aparece um cara, um bom amigo, Raul Carioli, que tinha uma livraria e queria virar editor – ele era muito futeboleiro, fanático pelo Racing Club. Então, Raul, falando comigo, me disse: “eu posso publicar sua tese”. Eu converti muito rapidamente, já estava trabalhando no livro antes da defesa da tese. A tese foi defendida em fevereiro e o Raul tinha o manuscrito em maio, em novembro saiu o livro. O livro não virou um sucesso, mas foi um livro importante, tanto para mim, quanto para o campo. No ano 1999, saiu o livro “Masculinidades…” de Archetti, esse foi o primeiro livro importante individual. Até esse momento estávamos muito sujeitos as pesquisas acadêmicas da produção dele e coletâneas. Essa era uma lógica muito particular do campo. O que produzia o campo? Papers e artigos curtos. Assim é até o hoje. A maioria dos livros do campo são coletâneas e acho que isso é produto de uma lógica acadêmica de “publish or perish”. Que é, a gente produz para publicar, o paper, o artigo, artigo para revista, artigo para coletânea, então qual é o produto logicamente consequente? A coletânea. Eu brincava com o fato de que no ano 2000, quando eu fiz “Peligro do gol”, eu podia ter em um arquivo de word, todos os textos publicados sobre esporte e sociedade na América Latina naquele momento. Hoje isso é impossível. Mas se tivéssemos uma lista, a gente veria que os livro individuais são muito escassos, alguma tese de doutorado, por exemplo. A resposta tem que estar a função das lógicas, “Peligro de gol” existiu por quê? Já nesse momento começamos a publicar coletâneas, mas também porque a CLACSO obrigou a publicar duas coletâneas. E “Futebol e pátria” existiu porque era uma tese de doutorado, isso permitia uma autonomia de um livro completo. A partir dali eu publiquei uma terceira coletânea em 2008 que foi “Hinchadas”, “Torcidas”,  e que foi o último trabalho que eu publiquei com o que ainda era um grupo de trabalho, com todos os bolsistas, que foi uma coletânea organizada como coletânea, isto é, não era aquilo que você tinha. Quero dizer, todos trabalhavam com futebol: “tem um tema, você vai produzir um artigo para falar de um aspecto, você de outro…”. A partir daí, eu não queria mais publicar coletâneas, porque eu tentava sair do tema, especialmente os dois primeiros bolsistas, os doutores, o Jose Garriga Zucal e a Verónica Moreira, já tinham se doutorado, já tinham sua autonomia e eu esperava que eles começassem a organizar outros livros, e eu não queria fazer coletânea. Fiz artigos com eles, alguns artigos aqui, ali, mas não queria organizar uma coletânea. Eles tinham que organizar e eles organizaram as suas próprias coletâneas. Eu já estava buscando a voz própria, e essa voz não era acadêmica, queria escrever de um outro jeito. Já tinha idade suficiente para não tentar enviar arquivos para journals e tudo isso, já não era preciso. Então estava tentando achar um outro estilo de escrita, mais pessoal, buscando outros públicos, que não fossem exclusivamente acadêmicos. Aí entram os outros livros que publiquei. E eu não queria publicar coletânea, porque outras pessoas tinham que organizar, e eles fizeram e eu os ajudei, participei com eles com um prólogo, mas eu já estava com pé em outro tipo de escrita. E também, aqui tem a ver com a minha biografia, nos finais da primeira década do século, o tempo todo eu prometia: “não vou mais escrever sobre o futebol, não tenho nada novo que dizer sobre o futebol” e sempre aparecia uma tentação: “Mas olha, tem um contrato, se você faz um livro, a gente pode pagar uma antecipação”, então eu virei um comerciante (risos). No sentido que eu podia aproveitar todo o trabalho feito, para produzir argumentos mais extensos, não particulares, pensar em uma narrativa mais geral. Por isso abandonei as coletâneas. E acho que o campo precisa de mais de livro gerais, amplos, com coberturas mais extensas. Quando fiz a “História mínima del fútbol” achei isto: a falta de livro extensos, histórias mais completas, não temos boas histórias, não temos. Eu pensei, quando peguei o projeto, que era muito fácil, todos meus amigos da América Latina: “olha cara, me envia a história da Colômbia, do México” e eu respondia: “não existe…” (risos). A história do Brasil, não existe. Ninguém escreveu uma História do Futebol brasileiro. O que tive que fazer, foi pegar artigos do José Sérgio, da Simoni, do Victor Andrade e Bernardo Buarque. Sim, eram todos fragmentos, não tínhamos uma história. Na Argentina, por exemplo, tínhamos a história do Julio Frydenberg, grandíssimo livro, “História social do futebol na Argentina”, mas na realidade é estritamente de Buenos Aires, não há uma linha sobre o futebol fora de Buenos Aires. E o mesmo acontecia no Chile, que achei um grandíssimo livro de Brenda Elsey, “Citizen and Sportmens“, tem uma muito boa história do futebol chileno. Mas do Uruguai não tinha uma boa história do futebol uruguaio, falta essa produção. E acho que novamente a culpa é da lógica acadêmica, é uma merda, estamos sujeitos a… você está no mesmo campo e sabe como é: “cara, você tem que publicar três artigos na revista Scopus, Qualis 1. “Mas eu tenho um grandíssimo livro”, “importa uma merda, você tem que publicar três artigos de 15 páginas!”. É complicado. Para seguir falando de gente conhecida. A Simoni Guedes poderia escrever quatro livros maravilhosos, um melhor que o outro, mas ela não pode fazer isso, porque não teve o tempo material entre tem que enviar artigo para as revistas, mais o tempo com os orientandos, as aulas, a burocracia. Bom, dentro desse mapa horrível, nos últimos anos achei a possibilidade de me manter encostado, e não entrar nessa loucura de publicação dos papers. Disse que não queria mais escrever sobre futebol, mas esse paper que eu falei, “O Brasil diz como se sente”, foi uma conferência no ano de 2014 aqui no Rio, quando o Helal me convidou para um Simpósio pós-Copa, em setembro. E eu tinha dado uma aula especial, em meu curso em Buenos Aires, pelo fato dessa canção ter sido tornado especial, muito badalada, aí comecei a me indagar de início em uma aula, aí essa aula virou conferência, e a conferência virou artigo, porque achei o tema ótimo, maravilhoso, engraçado. Como é que uma canção do Creedence Clearwater Revival que é gravada no ano de 1969, isto é, muito antes que a maioria de todos os torcedores argentinos tivessem nascido, vira uma canção viral no mundo. No ano seguinte, dessa primeira apresentação, achei que a mesma canção tinha sido usada por torcedores italianos e mineiros, a mesma música. Por que os Argentinos tinha viralizado? Não sei, isso são coisas que eu gosto muito. Nestes últimos anos, trabalhei com aquilo que eu queria. Esse é o meu problema com o futebol hoje, eu não sei o que quero. Fui a Rússia, a minha primeira Copa do Mundo. Na Copa de 1978 eu era muito jovem, tinha 16 anos, estava no ensino médio, sem grana, bravo com os militares e a ditadura, não quis ir a Copa. Dali em diante nunca pude ir a uma Copa. Quando foi a Copa do Mundo no Brasil, já era tarde, eu tinha que ter preparado uma boa viagem, com mais tempo para pegar os ingressos. Sim, eu tenho amigos por todo Brasil, desde Recife, a Brasília ou Porto Alegre, poderia ter feito, mas não o fiz. Uma decisão ruim. Então quando eu fui a Rússia, pensei que seria a minha última oportunidade de ver uma Copa. Eu tinha um convite para falar em Berlim, uma semana antes da Copa. Quem diz Berlim, diz Moscou. Organizei tudo para ir a Copa, comprei um ingresso, para um jogo, Argentina versus Nigéria, e pensei que agora vou escrever um novo texto. Uma merda. Foi uma merda de Copa para a Argentina, para os brasileiros, os uruguaios, uma Copa de merda, e não tive inspiração (risos). Não achei nada para escrever. 

Voltando pelo tema da Copa e nacionalidades, por muito tempo a gente discutiu nacionalidade nos trabalhos sobre futebol, principalmente nos trabalhos do final do século XX. Isso ainda é um tema em potencial para discutir hoje na academia? Ou é um tema ficou um pouco de lado para gênero ou raça?

Hoje o tema do futebol é gênero. Acho que poderíamos deixar de discutir nacionalidade por alguns anos. Mas sempre é um tema, você pode dizer: “não vamos discutir isso”. mMas aí aparece uma Copa e você acha a relação da Copa com a mercadoria e, por consequência, terá a chave nacional. E finalizada a Copa da Rússia, todo mundo fala da sociedade francesa integrada, inclusiva e democrática, que festeja seus jogadores africanos e negros, e você aguarda três meses e França explode por diferenças sociais, culturais, étnicas, pela discriminação, pela falta de democracia. Sempre é um tema, portanto. Acho que a gente não consegue encontrar coisas novas, é uma hipótese minha, isto é, que aquilo que a gente trabalhou todos esses anos falando da relação entre futebol, cultura de massa e nacionalidade, já está. E que não há novidade mais para lado da questão étnica e racial também. Quando escrevi “A historia minima del fútbol” achei a questão étnica em vários lugares, principalmente no Brasil e no Uruguai, também no Peru e na América Central, especificamente em Honduras. Mas a gente não pode dizer nada novo sobre isso, é claro que poderia apresentar isso como dado histórico, mas não com análises novas ou contemporânea. Acho que tudo aquilo que a gente podia dizer sobre nacionalidade, raça, etnia e futebol, já está dito. Acho que a novidade pode vir pelo lado do gênero, principalmente pela a explosão do futebol feminino. Depois de 2022 no Qatar, poderemos assistir um espetáculo novo, de uma apresentação inovadora da questão nacional, não sei… que a Argentina ganhe (risos). Isso seria inovador, mas não, não, não sei. Nesse sentido, não é porque sou pessimista, é que sou otimista no sentido que as coisas que a gente falou, isto é, o Archetti, DaMatta, Simoni, e eu, sobre a relação futebol, etnia, e nacionalidade, foram boas, são sólidas. Algum dado ou alguém tem que refutar essas ideias, mas até agora não vejo que isso seja possível. Eu estou muito mais interessado na Copa do Mundo Feminina do que na Copa América, por exemplo. Olha, no ano de 2002, quando eu fiz “Futebol e Pátria“, falei da invenção do homem, na linha do Archetti, da importância dos relatos masculinos da pátria. Dez anos depois, quando vou revisar esse texto, ali achei que não tinha feito um pergunta de gênero, isto é, quando afirmava “os homens dizem isto…”, “narram isto…”, “fazem isto…”. Recentemente comecei a olhar para essa questão e, achei o que tenho escrito, que as pátrias são problemas masculinos, ou seja, que os homens têm isso reservado para eles e que isso atua também fortemente no campo do esporte. O que teria acontecido nos jogos do Rio de 2016 se a Marta tivesse ganho a medalha dourada e o Neymar não? O problema é que não aconteceu isso (risos). Mas o que teria acontecido? Eu não sei! O que aconteceria se o time feminino nacional ganhasse a Copa do Mundo e o masculino perdesse? Não sei, porque isso não aconteceu nenhuma das duas vezes, isto é, o time Argentino não vai ganhar nem o masculino, nem o feminino. Mas isso são coisas que poderiam acontecer e nos obrigaria a se rediscutir a teoria. Até hoje acho que não temos caminhado nesse sentido. A Argentina passou por um fenômeno muito interessante que foi o fato de que o esporte coletivo mais importante, mais bem sucedido, era um esporte feminino, o hóquei sobre grama. Mas, porém, nenhuma figura do hóquei feminino virou figura nacional, isto é, não encarnou o ethos do herói, da pátria. Não sei se isso pode chegar a acontecer, não sei, acho que não.

Você teve uma experiência de assessorar a Subsecretaria de Seguridade em Espetáculos Futebolísticos, comandada na época por Javier Castrilli, que ele tem um causo, acho que único na história do futebol brasileiro, em 1998. 

O que ele fez?

Pelo menos nossos amigos lusitanos não se conformam até hoje. Era um jogo entre Portuguesa e Corinthians e ele marca um pênalti que não houve, com uma convicção. 

Sua carreira está feita em base de escândalos no campo!

Como foi essa experiência? Se ela foi intensa ou não foi?

Foi intensa, foi muito engraçada e foi muito útil. Mas para conhecer o âmbito políticas públicas e fugir, eu fugi. Porque o nível de improvisação, desconhecimento, de ignorância de todos os caras envolvidos nessa experiência era incrível. Foram duas etapas, uma na província de Buenos Aires e essa durou quase dois anos, mas não era uma experiência executiva, era só de pesquisa, era só uma comissão de pesquisa da violência, não tinha competências executivas para fazer política. A segunda é do ano de 2003, e virou Subsecretaria de Violência e Seguridade, já com capacidade executiva, e essa experiência durou 45 dias. Para mim e para o Castrilli durou 5 ou 6 anos, não sei… Um inútil total, porque ele pensou que o que fazia falta era advogados e policiais. Então, ele chegou aos sociólogos e antropólogos, e em 45 dias a gente percebeu que o cara queria trabalhar com os advogados e policiais. E a gente ia ser uma espécie de máscara progressista científica, nada daquilo que a gente acreditava, que a gente queria fazer ia ser feito, então fomos embora. No dia 28 de março de 2019, apresentou a tese de doutorado um querido colega jovem Diego Murzi, que tem uma trajetória interessante. Ele é sociólogo, discípulo de José Garriga Zucal, que tem também uma parte antropológica, mas também foi e ainda é um cara importante nos organismos da sociedade civil, em uma fundação que se chama Salvemos al Futbol, uma das mais importantes organizações da sociedade civil de luta e discussão sobre violência no futebol; então ele combinava a profissão acadêmica com a militante. A tese é brilhante, maravilhosa, é um trabalho sobre todas as experiências de políticas públicas na Argentina, desde o retorno da democracia, em 1983, até hoje. O que ele vê é que nunca as políticas públicas argentinas prestaram atenção na profissão acadêmica, negaram completamente, ainda que nos últimos 20 anos já havia uma produção acadêmica solida, reconhecida. Essa experiência com o Castrilli foi a única na qual a gente participou, mas não fomos ouvidos, nem lidos, nem atendidos, repito, éramos uma máscara. Mas o desenho, a execução de políticas públicas sobre a violência e segurança no esporte na Argentina não dá nenhuma atenção a produção acadêmica. Só temos alguns jornalistas isolados que são fãs da produção da gente e que, às vezes, dão bastante ajuda para a repercussão do debate público, das discussões da gente. Na Alemanha, antes da Copa, nesse simpósio em Berlim, participou uma deputada Argentina de direita, convidada pelos alemães, porque ela é a presidente da bancada Argentino-Germânica. Então, a convidaram e ela começa falar da importância das bem sucedidas políticas argentinas de luta contra as barra bravas, como se fossem os culpados de tudo que acontece na Argentina, da violência, da inflação, da insegurança, de tudo. Eu estava com um bolsista, um pesquisador desses fatos em Córdoba, cara jovem, começamos a falar entre nós, não suportei a fala dessa mulher e perguntei para ela, “olha, se você tem feito uma política tão bem sucedida como é que nunca consultaram o pesquisadores da universidade de Buenos Aires?”. Ela: “Como que não? A gente consultou”. Eu respondi: “Deputada, você não sabe quem sou eu? Não, você não consultou ninguém”. Quando ela finaliza a discussão, ela diz de novo: “não, a gente consultou a CONICET, a universidade”. Eu respondo novamente: “Venha cá, se você não me conhece, isso quer dizer que você não consultou ninguém”. Ela: “Por quê? Qual é seu nome?” Eu: “Sou o Pablo”. E ela: “Ahhhhh…”. Aí ela tira uma bolsa um xerox de entrevista minha e “Ah, você é.. a gente tem que se falar”. “Claro que sim, quando você quiser, este é meu e-mail, a gente se fala, conversa sobre”. No final do ano, apareceu um projeto de lei na Câmara dos deputados sobre uma lei anti-barra brava, ninguém consultou ninguém. O que quero dizer é que eles sabem muito bem que há uma produção acadêmica, científica, rigorosa. Sabem perfeitamente. Não querem consultar, porque o saber científico vai na contramão do saber do senso comum e a política é o reino dos sensos comuns.

Confira a terceira parte da entrevista no dia 7 de maio!

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