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Pablo Alabarces (parte 4)

Equipe Ludopédio 21 de maio de 2020

Entrevistar o professor Pablo Alabarces sempre foi uma vontade da equipe do Ludopédio. A distância entre Buenos Aires e São Paulo era uma das maiores barreiras para realizar esse encontro, mas no ano passado, nos encontramos no Rio de Janeiro, durante um evento acadêmico. A nossa conversa foi em um café, e rendeu muito. Falamos sobre a sua trajetória acadêmica, sobre a pesquisa na Argentina, sobre a relação entre Argentina e Brasil dentro e fora dos campos, além de outras boas histórias. Fica o convite para tomar um café e ler a entrevista com o professor Pablo Alabarces. Boa leitura!

Pablo Alabarces durante a entrevista para o Ludopédio. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Nesse sentido, em 2018, a final da Libertadores vai para a Europa! Se na Copa do Mundo se era Brasil e Argentina a final mais esperada, do ponto de vista das rivalidades locais, ali a gente tem o êxtase, o máximo, pensando não só na Argentina, mas na América Latina. É um grande clássico, e ele simplesmente foi para em outro lugar, distante. A Libertadores da América voltou aos conquistadores, como isto foi visto lá?

Lá foi visto como uma grandíssima vergonha. Vergonha e humilhação. Também podem comprar isto, também podem comprar o jogo, mas ao mesmo tempo foi nossa culpa, eles podem comprar o jogo, podem comprar essa mercadoria que era só nossa, porque os torcedores e os cartolas fizeram tudo o possível para que eles comprassem. Nesse sentido foi forte, uma vergonha, visto como uma humilhação pública. Mas isto ratifica o que eu disse antes. Que mercadoria se vendeu? O maior clássico local. Este jogo que todo amante de futebol deve ver uma vez na sua vida, foi exibido lá perto dos futebolistas europeus, que não foram ver, porque é uma mercadoria que se assiste, que não se vá in loco. Uma mercadoria televisiva fundamentalmente. Mas para a Argentina foi forte, muito humilhante. Foi essa ideia que eles podem comprar tudo, já compraram os jogadores, já compraram os clubes, já compram os meninos aos 12 anos. E agora podem também comprar o jogo mais importante latino-americano, não sei se é o mais importante, mas do futebol argentino sim. Isto é, foi o jogo mais importante da história do futebol de clubes, fora disto está o jogo da Argentina e Inglaterra, o jogo da Argentina e Alemanha; e Argentina e Holanda em 1978. Mas o jogo de futebol local mais importante da história do futebol argentino foi comprado pelos os europeus. É muito humilhante. É muito humilhante! Mas permanece essa questão, teve um interesse público muito grande a partir do clássico da final, e muito rádio, televisão e imprensa. Era claríssimo que a responsabilidade era puramente local, dos clubes, da polícia, do poder político. O cara responsável pela segurança esportiva de Buenos Aires, é um cara diretamente indicado por Daniel Angelici, presidente do Boca e pelo Macri. Então, a responsabilidade do poder futebolístico e político era direta, inescusável, ninguém podia negar que os responsáveis era o poder político e do futebol.

E a AFA?

A AFA nisso era, como se diz em espanhol, “cartón pintado”, eles só olhavam. Claro que a organização do jogo era da Conmebol. O presidente da AFA estava ali, todo tempo aí, falando, falando, mas eles aceitaram o que a Conmebol decidiu, porque a AFA, uma consequência do Grandona, que tinha o poder político da Conmebol… A Argentina perdeu o poder político na Conmebol, já não tem nada de poder político na Conmebol. Isso é interessante, isso alguém deveria estudar, uma história da Conmebol e das relações dos poderes políticos e futebolísticos, acho que durante muito tempo o Grandona fazia boas alianças com o poder brasileiro, mas eram mafiosos, claro, todos eles estão presos, menos ele porque está morto.

Nesse sentido, não assusta que já conseguiram comprar o que tinha de mais genuíno que era o clássico. Agora vai começar a ter isso, vem assistir a final em Berlim, aí ela vai rodar, então essa mesma final vai ser jogada em Pequim, em Londres, como se fosse um Cirque du Soleil que vai passar por todos os lugares, que vai ser a salvação de muitos clubes.

Sim. Não falo em termos sociológicos, falo em termos de torcedor. Eu sei que o Vélez, depois de dois anos muito ruins perto do rebaixamento, em 2019 achou um bom grupo de jogadores jovens e um técnico muito inteligente que organizou eles de um outro jeito, e permitiu os jovens crescer. Temos meninos que valem 10-15 milhões de euros. Então, o que dizem os torcedores? Que esses meninos fiquem no clube, mesmo que precisamos de um goleador, porque o time joga maravilhoso, mas ninguém faz os gols, quem diz isso é o torcedor. O que disse aquele que conhece o mercado, que o Vélez tem que ver dois meninos de 20 a 21 anos. Temos agora um menino de 17, a gente sabe que esse menino aos 18 ele vai embora, e que tem que ir embora, porque senão o clube não pode funcionar. Então, se Vélez jogasse uma final de Copa Libertadores, contra o São Paulo, como fez no ano de 1994, e vem os espanhóis dizendo, “temos tanto milhões de euros para jogar em Madri, Paris ou Helsinki”, os cartolas vão dizer “de jeito nenhum, porque a memória, identidade e tradição, mas quantos milhões?”. Os torcedores vão dizer “de jeito nenhum por memória, tradição! Quantos milhões?”. Sabemos que eles têm que vender. Pensa o problema da periferia, este é o problema da periferia. Não tenho conhecimento suficiente para dizer o que está acontecendo na periferia da Europa, o que está acontecendo com Portugal, por exemplo. Que vive de sua tradição, de sua memória, mas não de seus jogadores, porque eles têm que também, isto é, o que acontece com os futebóis que são exportadores de jogadores? Como vivem isso? Como sofrem isso? Não sei. Ao mesmo tempo, poderíamos colocar na mesma discussão das grandes ligas, o que acontece com os nativos. Isso que aconteceu na Copa da Rússia, quando o time inglês que em pouco tempo tinha descoberto uma geração de jovens jogadores, apesar da invasão europeia que eles têm vivido nesses últimos 20 anos. No ano 1999, eu estava morando lá, me lembro da cobertura do diário The Guardian, que se jogava um clássico, Chelsea e Arsenal, e dos 22 jogadores, 19 não eram ingleses. Isso há 20 anos. Estamos falando de Chelsea e Arsenal, um clássico de Londres, do futebol inglês. Então é um problema que na periferia nós experimentamos de maneira muito forte. Não sei o que tenho acontecido com o mercado brasileiro recentemente, por exemplo, há alguns anos, estou falando de 5 ou 6 anos podiam… bom. O Neymar esteve aqui até 2012, e quando vinham alguns jogadores europeus também, comprava uns jogadores argentinos. Argentina agora compra, nem se quer os compra, muitos meninos colombianos vão jogar lá, porque, claro, a Argentina e o Brasil são lugares onde os jogadores são vistos para ser comprados. E muitas vezes, não é que os clubes argentinos compram os jogadores colombianos, é que muitos jogadores colombianos jogam nas categorias de base. Então não sei, aí eu já não tenho informação.

Diante desse quadro, é possível dizer que haverá uma fragmentação, um enfraquecimento, daquilo que a própria academia estudo muito na década de 1990, a relação de estilo de jogo, isso se perde?

Já mudou, não se perde. Se perdeu? Se perdeu. E não se recupera? Não, claro que não, isso não, não pode ser recuperar. Isto novamente é uma afirmação de torcedor, não é uma afirmação de sociólogo. A de sociólogo é isto, que aconteceu a migração dos meninos, as urgências dos times, evitar rebaixamento, ganhar a todo custo. A observação de torcedor, os jogadores latinos americanos, especialmente argentinos e brasileiros, têm perdido riqueza técnica, para mim já não jogam do mesmo jeito, no sentido que se tem perdido riqueza, tem perdido habilidades que eram as clássicas de jogador dos jogadores argentinos e brasileiros. Por exemplo, o manejo da bola, um argentino e um brasileiro sabiam manejar a bola, antes que nada era isso, o drible, o passe. Agora, eu vejo jogos da Copa Libertadores, não reconheço a equipes argentinas e brasileiras. Se eu assisto um jogo na TV, e não reconheço nem os nomes e nem as cores, certo, aí aparece PAL, Petroleiro de Venezuela, Palmeiras… não sei quem são. Não conheço os times, não reconheço as cores. Não reconheço estilos. Não reconheço. Às vezes você vê um menino, mulato, e vê como maneja a bola e diz “Ahhh esse menino é brasileiro”, às vezes. Me passa isso como torcedor. Não reconheço. Não quero ser um torcedor argentino. Os torcedores argentinos dizem ser grande conhecedores do jogo, mas não sabem nada do jogo (risos). Eles só veem o seu time, e veem pela TV. Na TV você não sabe de futebol quando vê futebol pela TV, porque na TV não tem um plano geral, não permite ver o posicionamento, esse o plano curto, plano detalhe, plano melodramático. Não é o plano do jogo. Eu insisto que torcedor argentino não sabe de futebol, sabe do seu time e não vê muito futebol inglês, espanhol, italiano, croata, australiano, africano, brasileiro, peruano, para fazer comparações, para ver novidades técnicas, novidades táticas. O torcedor argentino diz que o futebol é simples, mas é mais complicado, porque o sistema de jogo tem que melhorar o tempo todo para enfrentar os novos desempenhos atléticos. Quando assisti um jogo do Di Stefano do ano de 1961, eu dizia, ninguém vai marcar esse cara? O Pelé contra a Suécia em 58? Ficaram olhando, né? Sim, ficaram todos a olhar (risos). Futebol tem um muito significado, o espaço reduzido, a inteligência tática, o conhecimento do outro. Amanhã você tem que jogar um jogo da Libertadores com uma equipe venezuelana, cinco jogos no computador você analisa, então tudo está tão imprevisível, a criação do imprevisível precisa de muito mais trabalho, muito, muito. Eu estou convencido disso, não acho que seja mal, ruim, é assim. Adoro os técnicos que inventam, o tempo todo inventam, na América Latina a maioria dos técnicos são conservadores. Acho que as exigências mercantis são tantas que não há espaço para inovação, criação, trabalho, mas insisto, isto é minha opinião.

Aí você falou dos treinadores, como foi a experiência argentina na última Copa foi com Sampaoli?

Não me fale. O Sampaoli é um cara interessante, estudioso, inovador, mas capturado pelo seu personagem. Chegou ao time argentino e achou que iria ser campeão mundial. É isto! Seu personagem ilude, mas é um cara interessante, para seguir.

Quando houve algum momento aqui no Brasil, que dizima precisa de um treinador, aí circulou, pelo menos na imprensa, o nome de Guardiola, aí isso foi uma coisa. Imagina a questão de identidade, imagine que um espanhol vai comandar os brasileiros. Isso em algum momento houve também na Argentina? De um treinador estrangeiro assumir a seleção?

Depois de Sampaoli, na dança dos nomes, apareceu o nome de Guardiola. Também lá? Claro que sim. Na época de esplendor de Guardiola no Barça, muitos jornalistas falavam que o Barça na realidade jogava o estilo argentino (risos). Isso é narcisismo meu caro, isso é narcisismo. “Agora vamos voltar a jogar o clássico estilo argentino, como o Barça”. Mas o Barça como todos sabemos joga o clássico estilo holandês (risos).

Para gente se encaminhar para o final. Messi ou Cristiano Ronaldo?

Messi, a vida inteira. E não pelo fato de ser argentino, e não pelo fato do Ronaldo ser o cara mais egocêntrico, pedante, insuportável que conheci na história do futebol mundial. Não todos, mas quase todo os grandíssimos jogadores que eu vi no futebol, e eu vejo o futebol desde 1968. Tenho visto muitos grandes jogadores, grandíssimos jogadores. Ninguém era tão insuportável como Cristiano Ronaldo. Nem Maradona, nem Pelé, falaram de si dizendo “sou o melhor jogador de toda história”. Ninguém!!! Eu não posso tolerar. Além disso, Ronaldo é um cara decisivo, incrível, goleador incrível. Mas que faz toda a equipe para ele, ele tem que só finalizar?. Messi não, Messi você pode fazer o que quiser, pode jogar para ele, para você, para os outros, para si. Em todos esses 50 anos que vejo futebol, e ver Cruyff, Pelé, Ronaldinho, Platini, Maradona. Tantos grandíssimos jogadores, e ninguém me surpreendeu tanto como o Messi, ninguém. Em 2019, no Barcelona contra Atlético de Madrid, com um golaço de Suárez e o segundo gol, um golaço de Messi. Olha para isso, é um senhor de 31 anos, quase 32, não tem a mesma velocidade, não tem o mesmo drible. Olha esse segundo gol. Ele vai como se fosse o velho Messi. Tem os dois centrais mais e um lateral, ele fingindo e vai passar no meio deles, mas ele já não passa no meio deles, ele faz como se passasse no meio deles. E todos não sabem o que fazer, porque ninguém sabe o que ele vai fazer, e de repente, ele finge que passa por dois e vê um pequeno buraco e dá um toquezinho no canto esquerdo e o goleiro olha a bola lá dentro. E, mas, os números? Num futebol mais duro fisicamente, não tem espaços, todo mundo corre muitíssimo, ele sempre fabrica o buraco. Para mim ele é incrível. Isto é, não é Messi ou Ronaldo, é Messi ou Maradona? Messi! Messi ou Pelé? Messi. Messi ou Cruyff? Messi. Todos os outros que olharem de novo a jogada de gol da Holanda na final da Alemanha do jogo de 1974, esse jogo que Holanda começa ganhando logo aos 3 minutos do primeiro tempo, e era o gol mais rápido da história das Copas. Todo o time, mas o Cruyff inicia a jogada em sua própria área, e terminam sofrendo um pênalti nele na área da Alemanha. Messi ou Cruyff? Messi! Zico? Messi! Não vi nunca nada igual.

Qual é a sua partida inesquecível? Que se você fosse ver um jogo você gostaria que fosse esse.

Não é só uma, e muito menos nessa ordem. São esses: Vélez e Milan, no final da Copa Intercontinental, no ano de 1994 no Japão; Vélez 2, Milan 0. Vélez tinha vencido o grande São Paulo de Telê Santana na Libertadores e vence o Milan na final do Intercontinental. Vélez é um time pequeno que não consegue lotar seu próprio estádio. Esse jogo foi inesquecível. Dois: o jogo contra a Inglaterra, foi muito melhor que o jogo da Argentina contra a Alemanha, o jogo da Inglaterra. Os dois gols de Maradona, depois a guerra de Malvinas, jogo muito forte emotivamente. Outro é Brasil e França na Copa do México, foi em termos da beleza atlética, como diz o Gumbrecht, foi um dos jogos mais bonitos que vi na minha vida. Já esqueci muito dele, já não lembro quem fez os gols, os que perderam os pênaltis, Sócrates falhou, Zico falhou, Platini falhou, não me lembro todos, mas sei que foi inesquecível. Brasil e Itália, em México 1970, eu era muito pequeno, tinha 8 anos, foi minha primeira copa que eu assisti na TV, posso te descrever ainda com alguns detalhes o gol de Carlos Alberto, o último, o quarto, com Pelé jogando, todos tocam, de repente Pelé está na porta da  área olhando para outro lado, daqui a pouco sai um bola e de repente aparece de fora do plano Carlos Alberto. Inesquecível. Acho que a culpa disso é o mito argentino que o Brasil de 1970 foi o melhor time da história do futebol universal. Isso são só quatro jogos, os outro são muitos, mas esses são aqueles fortes, tenho que fazer uma ordem? Acho que Argentina e Inglaterra. Eu sou da geração da guerra, eu nasci no ano 1961, os soldados da guerra foram do ano 1962, eu tinha feito serviço militar um ano antes da guerra, mas o retorno da democracia em 1983. Esse jogo é uma condensação, muito forte da história Argentina e da minha própria bibliografia, então esse jogo é.

Se tivesse um arbitro de vídeo naquele jogo… A mão de Deus (risos) não existiria?

Não, não, claro que não. Durante muito tempo eu fiz como todos na Argentina, fizemos dessa trapaça um argumento da sabedoria popular. Tempos depois repensei isso, e isso não é sabedoria popular, isso é trapaça e isto está mal, é ruim, não se faz. Mas no ano de 1986, quatro anos depois da guerra, contra a Inglaterra, sim! Maravilhoso! “Faz de novo” (risos).

Até porque é de uma perfeição incrível a jogada.

Assim, são muitas coisa. O segundo gol é incrível, tem se tornado um dos ícones centrais da história icônica Argentina. Todo argentino ou argentina viu esse gol, mesmo aqueles que não eram nascidos em 1986. Então esse gol vale por dois, mas ainda assim era a segunda Copa, mas na realidade, essa Copa valia duas. A Copa de 1978 é a Copa da ditadura, é Copa obscura, é Copa corrupta, Copa autoritária. A Copa do México, é a Copa do Maradona, valia por duas. Esse jogo o mais importante.

A última Pablo. O que é futebol para você?

O futebol é um jogo maravilhoso que eu gostava muito de jogar, e que eu já não posso jogar, agora é isso. Olho, assisto o jogo às vezes, vejo o jogo e penso, já não posso jogar, tenho meus joelhos quebrados. Jogo tênis, no saibro, que é menos grave para os joelhos, mas quando tentei jogar, dois anos atrás, passei dois meses recuperando meu joelhos. Então, agora é isso, trato de que não seja o centro de minha vida acadêmica, tento pensar em outras coisas, ocupar-me com outras coisas. Mas o futebol permanece sendo esse jogo maravilhoso que eu joguei desde os quatro anos, até o 55, e eu gostaria voltar a jogar, mas não posso. Estou velhinho, idoso (risos).

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