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Reinaldo

Equipe Ludopédio 17 de setembro de 2014

Em maio de 2014, realizou-se a mesa “Engajamento, democracia e bom senso”, realizada durante o II Simpósio Internacional de Estudos Sobre Futebol. Expressões, Memórias, Resistências e Rivalidades – organizado pelo Museu do Futebol, pelo Ludens (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas, do Departamento de História da Universidade de São Paulo), pela Biblioteca Mário de Andrade e pela Fundação Getúlio Vargas. Com coordenação do Prof. Dr. José Paulo Florenzano (PUC/SP), a mesa contou com a participação dos ex-jogadores Afonsinho, Reinaldo e Nando. Ao longo do mês de setembro, publicaremos as falas dos palestrantes.

Ídolo e maior artilheiro da história do Atlético Mineiro, foi um melhores centroavantes do futebol brasileiro. Além da passagem vitoriosa pelo Galo mineiro, atuou também pelo Palmeiras, Cruzeiro e no futebol holandês. Encerrou a carreira aos 28 anos, após inúmeras contusões e cirurgias. José Reinaldo de Lima foi vereador e deputado por Minas Gerais, atua como jornalista, e é dono e técnico do BH Futebol e Cultura, que integra crianças e revela novos craques para o futebol. 

Boa leitura! 

 

Reinaldo foi apelidado pela torcida atleticana como “Rei do Mineirão”. Foto: Max Rocha.

 

Reinaldo:

Bom dia, eu queria agradecer a organização do simpósio pelo convite de participar da mesa. Isso me honra e fico feliz de estar na mesa com dois ex-atletas e cidadãos brasileiros que deram uma contribuição muito grande para que a gente pudesse avançar na democracia do nosso país.

A minha trajetória de vida no futebol e na politica vem desde a minha infância. Eu sou do interior de Minas. O meu pai faz aniversário no dia 30 de marco e nesse período [da minha infância], eu sou de 57 e até 64, eu vivi em um Brasil rural, mas que desfrutava de uma democracia até muito efervescente. Até porque eu tenho na minha memória o chachacha e o boxe, uma influência muito grande de Cuba por causa da revolução cubana e do Fidel Castro. E vivi no meio essa agitação, essa propaganda mesmo não sabendo do governo de João Goulart. Na minha terra, eu lembro que quando criança adorava juntar aqueles santinhos de politico como se fosse figurinhas de jogadores de futebol. Eu distribuía aqueles santinhos […]

Porque eu tinha um vizinho, eu não sabia também, ele me levava para o campo de aviação e ficava falando no radio. Eu era menino de rua, brincando ali, e justamente no dia do aniversario do meu pai, no dia 30, eu que acordava de manha e já pulava a janela para jogar bola, foi a primeira vez que eu dei de frente com a ditadura militar. Acordei cedo, fui pular a janela para jogar bola e no passeio da minha casa, eu tinha esse vizinho que era um comunista, que depois eu vi saber, encontrei dois soldados do Tiro de Guerra. E eu com aquilo assustei, pois eu não podia nem jogar bola. Esse foi o meu primeiro trauma ao confrontar o Regime Militar.

Depois disso, a gente passou a ter uma vida um pouco mais acanhada, mais triste, mais oprimida mesmo. Depois de 64, meus irmãos mais velhos já tinham ido um para o Rio e o outro para São Paulo, eu via dentro de casa uma preocupação muito grande da minha mãe com eles porque eram estudantes e ela queria saber se eles estavam participando de algum movimento quando começou toda essa repressão politica militar no país. Isso me deixava um pouco assustado.

Depois, aos 14 anos, eu também saí de casa e fui para o Atlético-MG jogar bola. E vivendo dentro do futebol, tem que ter uma dedicação integral ao futebol para ir se desenvolvendo. Mesmo novo, no infantil do atlético, a gente via uma presença muito forte dos militares. Nessa idade, a gente via muito essa presença. A gente respirava esse medo, essa aflição que a gente tinha de tudo. Como um adolescente, eu não tinha ainda a compreensão do que era essa repressão. A gente só tinha esse medo.

Reinaldo disputou à Copa do Mundo de 1978. na Argentina, marcando um gol  no torneio. Foto: Max Rocha.

E esse medo não era somente dos adolescentes. Esse medo era de todo mundo. A gente vivia em uma sociedade toda amedrontada e não tínhamos liberdade. Em uma sala dessa, por exemplo, ninguém ousaria falar qualquer coisa sobre política. Você não tinha coragem de falar o nome do General Castelo Branco ou do Costa e Silva porque existia aquela coisa do dedo duro, dos agentes militares que estavam espalhados por todo o país. Não havia reunião de mais de dois.

E o futebol que foi muito utilizado pela ditadura – os mais antigos podem se lembrar da relação de Getúlio Vargas e do futebol. E no Regime Militar começou nessa época em 68, com a Copa de 70 ali no auge, começou os campeonatos da ARENA e do MDB. Foi aí que eu me profissionalizei aos 16 anos, em 1973, e estava no auge da ditadura. Ainda a ditadura estava muito forte nesse país. Mas jogando futebol, se outros setores da sociedade, as pessoas tinham dificuldade de se organizar para reivindicar, no futebol muito mais. A gente era o ópio do povo. Os jogadores eram chamados de alienados.

O Nando eu não conhecia bem a história, mas o Afonsinho era quase como um líder nosso. A gente via ali no meio do futebol, a gente reconhecia o talento do Afonsinho, era simpático às ações do Afonsinho, mas ao mesmo tempo a gente não queria muita aproximação do Afonsinho [risos]. E a gente era mesmo aconselhado mesmo a jogar somente futebol. E assim nós vivemos esses anos de chumbo, essa década que falam que é a década perdida. E insistiam que jogadores eram alienados, jogadores não participavam e tal, que o futebol era usado e tal. Tinha todo esse preconceito contra o futebol e contra o jogador de futebol. Na verdade sim, a gente era alienado, não tinha participação nenhuma mas não era só jogador, era quase todos os setores da sociedade. Mesmo os intelectuais, os engenheiros, os médicos, nenhuma organização, nenhum conselho tinha reuniões políticas, se tivesse eram considerados como subversivos. Se tivessem, eram reuniões subversivas. Não tinha essa liberdade de se reunir para falar da política do país. Então, nós vivemos todo esse período reprimido.

Eu já tinha sido contaminado por esse vírus de ter uma participação política, mas não encontrava nenhum espaço. Quando, por volta de 75,76, começou alguns movimentos, eu tive – aí e o destino – a oportunidade de conhecer o Lula e o Frei Betto, porque o Frei Betto era meu vizinho, ele mora lá em Belo Horizonte. E eu era muito amigo do irmão do Frei Betto. E foi logo que o Betto saiu da cadeia aqui de São Paulo e foi recebido na casa dele, a mãe dele, a Dona Estela, uma cozinheira maravilhosa, e o pai dele, Antonio Carlos Libani, foi um jurista e escrevia, tinha uma crônica para o Estado de Minas. Foi ai que na casa do Frei Betto começou a me colocar, conheci o Lula, ai que a gente abriu assim uma janela para que a gente pudesse ver outra coisa. Mas mesmo assim, Betto voltou para São Paulo, o Lula voltou para o ABC, a gente acompanhou, mas não tinha… Começou alguns movimentos de músicos de Belo Horizonte, Fernando Brant, alguns desses assim. Me procuram também o pessoal da UFMG, alguns professores, algumas coisas, mas não tinha nada sistemático. Alguns eventos que a gente participava, alguns lançamentos de livro, mas também ninguém se identificava. Nós não tínhamos nada a apoiar. E no futebol não existia sindicatos, e mesmo os sindicatos eram controlados, a maioria. Partidos políticos também não tinham, tinha ARENA E MDB.A gente não via a possibilidade da gente participar da politica do país. Mas eu sempre acompanhava noticiário, aquelas noticias da tortura, todo aquele medo, aquela aflição que a gente passou nesse longo período. Em 1975, logo depois da conversa com o Betto, que eu comecei a procurar assim, nem livros a gente tinha acesso. E vai ler o que? Quer dizer, não lia. Mas você procurava, vai ler um Marx, um Engels, vai ler isso? Não tem nem acesso a isso, ouvia falar disso. Alguns amigos que eram de épocas anteriores, a maioria desapareceu, mas a gente não tinha nenhuma dessa participação politica. Você tinha que ficar recolhido ali, vivendo tudo isso.A gente via dentro dos estádios de futebol aquela multidão que era considerada omissa. Hoje até que está tendo uma inversão, mas antes o campo de futebol era o espaço mais democrático do país. Você podia gritar, reunir, coisa que você não faria no bar da esquina e muito menos na praça lá do seu bairro, né? Você seria preso, ou apanhava, ou seria fiscalizado por essa policia da ditadura militar. Mas a gente já pensava a ensaiar algumas coisas. Já tinha o Afonso no futebol, já tinha outros, as letras das músicas do Chico, a gente pensava assim, olha: A gente tem que encontrar uma abertura, um disfarce para que a gente participe.

Reinaldo jogou durante 12 anos no Atlético Mineiro. Foto: Max Rocha.

Ai que eu fui oportunista, né? Oportunista não… Eu estava surgindo no futebol, eu já tinha fama lá em Minas como um grande jogador, mas em 77, em 76 foi a minha grande fase minha no futebol. E em 1977 eu era o artilheiro do campeonato brasileiro e eu tinha uma tribuna, eu tinha uma imprensa para eu falar. Mas a imprensa oficial não dava espaço para isso e nem queria esse tipo de comentário, foi quando começou nessa época também surgiu essa imprensa que eles diziam imprensa marrom, imprensa dos jornais alternativos, tinha o Movimento, o Opinião, todos esses jornais alternativos que tinham algum alcance popular.

Foi ai que eu vi que a oportunidade, eu com essa tribuna a partir de agora, com um jornal desses, eu vou deixar um posicionamento. Isso também muito aconselhado pelo Doutor Antônio Carlos, o Beto, que me abriram os olhos para o que o país vivia. Foi ai que eu dei essa entrevista no jornal Movimento, que é um jornal comunista. Dei a entrevista falando da constituinte, anistia. E deixei um posicionamento sobre a volta dos militares, o Estado de Direito, tudo isso, deixei esse posicionamento. […] Eu falei isso e tal, e aí eu senti todas as ameaças, todas as restrições do regime. Primeiro, a própria imprensa, a imprensa oficial do regime começou uma descaracterização da minha pessoa, né? Aí eu era gay, eu era maconheiro, eu era viado, eu era comunista.

Começou a me criar várias coisas, desmontando essa liderança, essa repercussão que teve. Tão logo eu dou uma entrevista dessas, começa os jornais falando essas coisas e aí vai desvirtuando, vai descaracterizando todo esse posicionamento. E com isso, também comecei… No Atlético tinha um deputado federal, Doutor Flavio Fonseca, ele era do Arena na época, ele tinha muito carinho comigo e falava: “ô, mineirinho, não mexe com isso não!”.

Mas eu fiquei… Como eu era um garoto de 16 anos, eu ia recorrer a quem? Não tinha sindicato, não podia falar com jogador, não podia falar com ninguém, na escola também não tinha com quem falar. Eu sofri muita pressão e essa pressão, igual o Nando estava falando. A ditadura é uma coisa maquiavélica, a direita, o poder é muito inteligente, não é só a oposição que é inteligente não. Além da inteligência, eles tinham todo o aparelho. Então vem pressão, vem pressão de todo jeito, com quem eu tinha andado. Aí começaram a querem me investigar, querem saber desse posicionamento e aí não tinha o que falar, nem podia dar uma ali, falar que eu andava com Frei Betto e tal, ou o que eu tinha ou o que eu era.

O que eu queria na verdade era primeiro acabar com esse preconceito que jogador não é cidadão, que jogador é alienado e também contribuir para acelerar esse processo democrático. Porque também a gente se considerava muito distante sim, mas a gente lia outros que perderam a vida, outros que foram torturados, outros que foram deportados, outros que foram…Então alguém tinha que começar, e então começou esses movimentos que pipocaram por todo o país.

Eu dei essa pequena contribuição para isso, sem também ver as consequências, eu achava que eu teria poder de acelerar com isso, mas sofri varias retaliações a partir dessa premissa.

Reinaldo comemorava seus gols de punho esquerdo erguido, um gesto semelhante o dos militantes negros do movimento dos Panteras Negras dos Estados Unidos. Foto: Max Rocha.

  

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