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Silvio Ricardo da Silva

Equipe Ludopédio 13 de novembro de 2013

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais e do Programa de Pós Graduação em Estudos do Lazer da UFMG, Silvio Ricardo é um dos principais pesquisadores que atualmente se dedicam ao tema das torcidas de futebol e aos estudos interdisciplinares sobre o lazer nas sociedades contemporâneas. Coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas – GEFuT, Silvio organizou recentemente o livro O Futebol Nas Gerais (Ed. UFMG, 2012)

Boa leitura!

 

Silvio Ricardo da Silva. Foto: Sérgio Settani Giglio.

 

 

 

Primeira parte

Qual foi o seu primeiro contato com futebol?

Então, eu abro minha tese falando disso. A minha primeira casa ficava à 500 metros do Maracanã. Não tinha como ficar incólume àquela multidão indo pro Maracanã, e além disso meu pai era o que chamamos de vascaíno de quatro costados. Ele nasceu em 1915, ano em que meus avós chegaram ao Brasil. Curiosamente minha avó se torna torcedora do fluminense por conta das cores e meu avô se torna torcedor do Vasco e então eram dez irmãos: cinco tricolores e cinco vascaínos, e dentre estes vascaínos tinha meu pai que era um vascaíno apaixonado. Minha história com meu pai era de que ele não me contava historias de infância e sim histórias de futebol, sobre o que ele jogou e os feitos do Vasco. Isso foi me contaminando e desde que eu me lembro como gente, cinco, seis anos de idade, eu já frequentava o estádio. Isso foi muito forte na minha historia até hoje.

E quando o futebol vira um interesse acadêmico, visto que no mestrado você trabalha com outro tema?

Eu fiz vestibular para educação física por causa do futebol. Eu gostaria de ter sido jogador, cheguei a treinar em vários clubes. Eu sou goleiro, fiz testes no Fluminense, Botafogo, Vasco, Portuguesa do Rio, mas não tinha condição, eu era um peladeiro para falar a verdade. Bom, continuo jogando futebol até hoje, pela paixão. Mas como não deu pra ser jogador acabei fazendo educação física, com aquele entendimento que poderia trabalhar com futebol. Mas logo percebi que o futebol profissional não batia muito com os valores que eu tinha, Alguns amigos começaram a trabalhar com o futebol profissional e com a experiência que eu tive na tentativa de ser jogador, achei que era um ambiente de muita disputa, muita vaidade e de trairagem. Dessa forma, optei por trabalhar com a educação física na perspectiva da educação. Mas ao longo desta trajetória acabei tendo algumas oportunidades no futebol. Fui treinador de goleiro num time de futsal. Quando fui fazer meu mestrado em Santa Maria – diga-se de passagem, à época em 1988 só existiam três mestrados no Brasil: USP, Santa Maria e UFRJ – não existia a possibilidade de você estudar o futebol na perspectiva das ciências sociais/humanas. Ai eu acabei fazendo meu mestrado estudando o crescimento do desenvolvimento humano. Não era um tema que eu gostaria de ter trabalhado, inclusive me lembro de assistir em Santa Maria uma fala do José Carlos Witter. Eu lembro que fiquei encantado e fui procurar meu orientador e disse que era disso que eu queria falar, desta paixão do torcer, que era algo mais valioso pra mim. Mas ele dizia: como você vai comprovar isso estatisticamente? O que tem de cientifico falar do torcer? E eu não tinha argumento e acatei: “acho que é isso mesmo”!

Mas mesmo assim em Santa Maria eu tive a oportunidade de trabalhar com escolinha de futebol. Primeiro no Inter de Santa Maria, onde desenvolvi um projeto social mesmo, e depois levei esse projeto até a universidade com um colega professor Ciro Knackfuss, que era de lá, e começamos a trabalhar. É uma história que muito me orgulha, e que parece que continua até hoje, depois de vinte e tantos anos. Um projeto que tinha a concepção de escolinha mesmo, mas acabávamos tendo crianças de toda Santa Maria, viajamos muito com eles e partir deste projeto comecei a perceber que o futebol tinha uma capacidade educacional muito grande. Você viajava, conhecia lugares, discutia coisas. Então eu comecei a ter nesse trabalho a visão de que o futebol tem uma riqueza muito grande de conhecimentos.

Depois de Santa Maria apareceu um concurso na UFGRS para futebol, com 35 candidatos em que eu participei e fiquei sem segundo lugar, o que era um ótimo resultado, pois eu ainda era aluno de mestrado, e o engraçado é que caiu na prova o tema “treinamento de goleiros”. Bom, logo depois fui pra Viçosa ser professor da Universidade de Viçosa e tive a oportunidade de trabalhar com uma disciplina chamada Futebol I. Primeiro eu trabalhei nessa disciplina com meninos e meninas e depois resolvi fazer uma separação da turma porque entendi que as meninas ficavam muito constrangidas de trabalhar com os meninos e fiz um trabalho especifico pra elas e teve um resultado muito bacana.

Mas mesmo assim nessa minha trajetória, meu concurso em Viçosa foi pra área de lazer e eu considerado uma pessoa do lazer e não do futebol. E, diga-se de passagem, nós não tínhamos no futebol um leque de bibliografias muito grande e isso foi surgindo a partir dos anos 1990.

Em Viçosa acabei desenvolvendo um projeto social chamado “Projeto Gente” junto com meus alunos com as crianças da periferia de Viçosa. Tivemos experiências ótimas, os levamos para o Rio de Janeiro pra conhecer os estádios, o museu do maracanã.

Aí é isso. Essa paixão pelo futebol sempre me acompanhando e algo me dizendo que eu tinha que ter uma relação acadêmica mais próxima, só que eu não sabia direito como. Até porque Viçosa era um lugar que o futebol na perspectiva profissional, enquanto um fato social era muito precário. Acabei trabalhando com as disciplinas e extensão, menos com pesquisa. Contudo, no meu doutorado em Campinas, entrei com um projeto que não tinha nada a ver com futebol, eu estudava as politicas de extensão das Universidades Brasileiras, referentes ao lazer. Com o tempo, eu passava a ter contato com os trabalhos que já apareciam ao final dos anos 1990, o próprio trabalho do Arlei (1998), do campo da história, da antropologia, da sociologia e aquilo me deixava realmente incentivado a mudar meu projeto de doutorado de 1997. E fui procurar meu orientador, Marcelino, para eu mudar meu projeto e ele aceita com uma generosidade muito grande e propôs que o Jocimar fosse meu co-orientador porque ele já fazia na educação física uma discussão sobre o futebol e foi ótimo. Eu me vi muito empolgado de fazer esse trabalho. Era quase como uma necessidade de dizer ao meio acadêmico de onde eu vim e porque era apaixonado por futebol. Assim, resolvi fazer uma tese sobre a relação dos torcedores do Vasco com o clube. E essa tese acaba me inserindo num universo de leituras e bibliografias que fez com que eu acabasse me sentindo preparado para algo maior, talvez a formação de um grupo de pesquisa.

Porém, Viçosa não me possibilitava isso. Em 2005 aparece um concurso aqui na UFMG em que sou aprovado e inicio meu trabalho em março de 2006. No final do ano aparece um convite do Ministério do Esporte à Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, mais especificamente à Rede Cedes, um trabalho chamado observatório do torcedor em que eles buscavam em algumas universidade do Brasil apoio para aplicação de um formulário e principalmente para constatar se as federações estavam cumprindo o estatuto de defesa do torcedor, que fora implantado em 2003 .

O instrumento deixava a desejar. A partir disso nosso grupo se reuniu e fizemos uma proposta da mudança do instrumento para o Ministério que submeteu a estes outros parceiros (Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná) que aceitaram e propusermos continuar em 2007. Então a partir dessa demanda vimos a necessidade de fundar o GEFuT (Grupo de estudos sobre futebol e torcidas) que começou comigo, três alunos de graduação e foi se ampliando.

Em 2007 nós tivemos aí a abertura do curso de pós-graduação em lazer, e comecei a receber mestrandos a desenvolver várias pesquisas sobre o futebol. Nós desenvolvemos outros projetos junto ao Ministério dos Esportes, o levantamento de produções bibliográficas sobre o futebol no período de 1980 a 2007. Em 2012 abrimos o curso de doutorado e aí o GEFuT recebe também doutorandos e hoje se configura como um grupo que tem realizado trabalhos de pesquisa individuais e coletivas, trabalhos de extensão universitária e de ensino, através das disciplinas que desenvolvemos. Somos um grupo em busca de uma maior consistência, afirmação, mas vivemos um bom momento hoje, inclusive hoje com a realização do I Simpósio Internacional “Futebol, Linguagem, Artes, Cultura e Lazer”, que ocorreu entre os dias 18 e 21 de setembro deste ano.

Silvio Ricardo da Silva. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Voltando a discutir o tema do doutorado: é possível separar a paixão pelo Vasco da sua ação enquanto pesquisador?

É difícil. E digo que se eu trabalhasse no Rio de Janeiro não existiria o GEFuT. Tenho muita dificuldade com isso realmente. Inclusive meu trabalho tem problemas em relação a esta paixão, é evidente. Mas aqui eu me sinto muito à vontade, pois não tenho vínculos com os clubes mineiros. Fiz o máximo possível, o Marcelino e o Jocimar me chamaram a atenção para eu não ser mais passional do que sou. Não adianta né? O Vasco é anterior a tudo, é o início de tudo. Não tem como dizer que a partir disso eu estou separando. Eu admiro muito os acadêmicos intelectuais que se afastam disso, mas não consigo. Eu lembro do Giuliano Pimentel me dizendo: “olha cuidado, todo acadêmico após sua tese se afasta do seu objeto de pesquisa”. Eu estou esperando até hoje!

Você utilizou pesquisa de campo no doutorado?

Sim, basicamente utilizei entrevistas com torcedores, procurando variar idade, organizados, não-organizados onde também um indicava outro, e além disso observação. Ajudou-me muito ter contato com a própria história do Vasco. Eu precisava viver essa historia e falar para o mundo acadêmico essa história. Outro dia uns alunos da Unicamp me adicionaram no Facebook, porque tem uma torcida do Vasco dentro da Unicamp, e eles gostariam muito que eu fizesse parte da comunidade. Então eu acho legal ter tido essa oportunidade de falar para o mundo acadêmico a respeito dessa paixão. Hoje a academia respeita um pouco mais trabalhos dessa natureza, mas antes era árduo pesquisar o futebol. Havia um preconceito mais evidente.

Tenho muito orgulho hoje em pesquisar o futebol, que é tão caro na minha vida, tenho orgulho de trazer a Educação Física para essa discussão, tão afeita às ciências sociais e mais ainda de pesquisar o futebol mineiro, mudando um pouco a tradição hegemônica de pesquisas sobre futebol do eixo Rio- São Paulo.

Silvio Ricardo da Silva. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Os outros clubes cariocas aparecem de alguma forma?

Aparecem. Principalmente o Flamengo, pois os dados trouxeram. Aquilo que o Arlei fala no trabalho dele que você tem no seu vinculo com seu clube a necessidade do outro. E o outro pro Vasco é o Flamengo. O torcedor vascaíno é também antiflamenguista. Eu tive um entrevistado, muito engraçado em que ele dizia sobre porque torcer pelo Vasco: “eu não sou daqueles vascaínos que torcem pelo Vasco porque são antiflamenguistas. Eu não sou antiflamenguista. Porque o Vasco tem história, eles não têm história nenhuma..nós temos estádio, eles não tem”. Ou seja, metade da entrevista foi ele falando mal do Flamengo pra se afirmar. E é isso, essas rivalidades, pra quem acha que elas são de hoje, elas não são né?

Em 1900, em uma regata de comemoração dos cinco anos de fundação do Flamengo, o Vasco ganha essa regata. Então, são detalhes de onde uma rivalidade se inicia. Outra coisa que aparece muito é um titulo que eles ganharam em cima da gente, em 1944, onde os torcedores mais antigos mantém um ódio porque supostamente tem uma falta feita em cima do zagueiro do Vasco e isso perpassa os tempos e os filhos ouvem isso, aprendem e passam pros seus filhos e a rivalidade se estabelece a partir daí.

Confira a segunda parte da entrevista no dia 27/11/13.

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