#19 Futebol e Democracia

Equipe Ludopédio 22 de julho de 2020

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Como vocês têm proposto a abordar assuntos para além do futebol mesmo diante de um público? Quais os desafios?

Menon

Queria começar protestando. Sofri dois bullyings. Não sou gordo e não tenho idade para ser avô do Vitor.

Saí do Jornal da Tarde e estava sem emprego. Adoro jornalismo popular. Agora no UOL tenho minha coluna, não necessariamente escrevo sobre futebol. Mas sei dos meus limites. Eu escrevo menos de política do que o Juca Kfouri, por exemplo. O post mais lido foi o do Kid Vinil. Tinha uma foto tristíssima de seu velório. Triste país é este que cara famoso tem de dar beijo escondido. Eu sou mais ativo mesmo na rede social.

Aí o que Vitor falou é que tento sempre ir contra a corrente. No jornalismo hoje, o que os repórteres têm de bom sentido são engolidos pelas assessorias de comunicação.

No São Paulo, transformaram agora o Juanfran em um cara essencial. Acima de tudo tem de ser bom de bola. Sou contra a narrativa construída.

Tem vez que eu confesso que gosto para desagradar as pessoas. Tenho um pouco esse negócio de discurso pré-estabelecido. Por exemplo: o Corinthians é o bastião da democracia no Brasil. Tem o lado também de ser o laranja da máfia russa. Tem sempre mais de um lado.

Vitor Guedes

O Menon é um amigo que tenho há muitos anos.

Caneladas do Vitão. Iria chamar Caneladas do Alemão. Tenho o Ruiz também em meu nome, mas assino Guedes. A coluna começou em 2006, na época da Copa da Alemanha. Para não ter relação com a Copa, ficou Vitão. Meu apelido era Alemão. Agora pegou o nome. Caneladas é um título bom, era para diferenciar meu trabalho de repórter e de colunista, o que era sério e o que era humor. Quase que um personagem.

No começo, era só brincadeira. Depois vi que foi definitivo. Eu sempre fui o anti Caio Ribeiro em pessoa, acho que todos têm de se posicionar em tudo. Sempre me posicionei. Tudo na vida é conquista. Quando consegui esse espaço para dar opinião, aprendi a não querer agradar os outros. Nunca adapto meu discurso à plateia. Adapto à forma, mas não o conteúdo. Quero agradar os outros, mas não meu discurso.

Em relação a querer agradar, eu sou contra à polêmica pela polêmica. Eu não mudo meu discurso para ser do contra.

Nem sempre o diferente é legal. Exemplo é o Thiago Leiffert. Não tenho nada contra ele. Para mim, jornalismo não tem nada a ver com entretenimento.

Eu acho uma bosta. E não é o que penso para o jornalismo.

O jornalista tem de falar a verdade. O fato de ser corinthiano declarado não invalida minhas posições.

A máfia russa no Corinthians não apaga a Democracia Corinthiana. As roubalheiras das pessoas não invalidam as instituições. Precisamos separar as pessoas das instituições.

 

Isso vale para a FIFA?

Menon

Reconheço muito o trabalho da Democracia Corinthiana. Tenho o maior respeito.

Podemos trazer a discussão da FIFA para o Brasil.

Estamos misturando a CBF com a seleção. Hoje tem menos amor do que 58, 70 e tudo. A CBF é um covil de bandidos: Havelange, Teixeira, Nabi… Não é gente que convidamos para almoçar em nossa casa.

O torcedor está longe por isso.

Os clubes aceitam tudo e o futebol brasileiro aceita tudo.

Vitor Guedes

A FIFA não é clube. A FIFA de Havelange, Blatter, Valcke… Nunca fez nada pela humanidade. Ah, tem mais associados do que a ONU. E o que ela fez para o mundo. Nunca fez nada!

Concordo com tudo o que ele disse. Em 82 ele tem muito mais lembrança do que eu. Minha primeira lembrança é o Brasil x URSS. E lembro da final do Paulista, Corinthians x São Paulo. Só que nessa Copa não me lembro de ninguém de torcer contra por ser jogador do Corinthians, São Paulo ou Flamengo. Hoje em dia se um jogador é convocado, as pessoas vão dizer que foi convocado porque é do Corinthians. Se não convocou também é para ajudar o time A. A CBF tem grande culpa nisso.

Nunca deixei de torcer para o Corinthians por causa de bandidos. No meu caso, é que a seleção virou uniforme de fascista. Eu não sou fascista, não quero matar todo mundo, negros, gays, indígenas… Eu quero voltar a usar a amarelinha para não deixá-los vencer. Mas não quero usar porque não quero ser confundido com eles.

 

O tema da camisa amarela já apareceu outras vezes. Ele roubaram nossa camisa. Roubaram o discurso da moralidade. O lavajatismo já tinha feito isso. O foda são os símbolos nacionais. Enquanto comunicadores, que tipo de conversa vocês poderiam ter para discutir isso? Não tem proposta pronta para isso. Usar azul, branco? Pouco importa. Apesar da desigualdade, estamos constrangidos de usar um símbolo nacional?

Menon

João Carlos Assunção está fazendo uma campanha internacional para usar branco.

Sinceramente, eu dou essa batalha como perdida. Estou tão descrente pela seleção. Não sinto necessidade desse resgate, não. Nunca me identifiquei muito com a camisa. Pode deixar com eles, que não quero de volta não.

Em 82, ninguém torcia contra um jogador ou outro. Havia uma unanimidade na torcida. A rivalidade era grande.

Hoje ninguém quer seu jogador na seleção.

O Catar foi vice-campeão mundial de handebol e tinha 12 jogadores estrangeiros.

Vitor Guedes

Uma coisa que você citou qualquer torcedor fanático gosta mais do clube do que da seleção. A audiência mostra que não.

O João Carlos Martins será embaixador da Lusa.

A Fafá de Belém disse que os militares roubaram os símbolos pátrios.

Antes do amarelo, do fascismo, eu sou filho de português com alemão. Somos um país de imigrantes. É lógico que numa competição temos de ganhar dos adversários. Lá fora gostam tanto ou mais de futebol do que o Brasil. Turquia, Argentina, Inglaterra… Há um discurso muito xenófobo. O mundo de hoje é muito mais sem fronteiras.

Me pega muito essa coisa da nacionalização nas seleções. O Amauri só jogou na Itália, beleza. Essa coisa que o cara não tem nada a ver, mas se naturaliza para jogar uma competição por outra seleção. Isso é uma grande… A única graça da Copa do Mundo é a disputa nacional. Mas agora vão tirar a graça. Na Copa do Catar, a seleção não terá um nacional.

 

Nós gostamos de falar que somos o “país do futebol”, mas me parece que há um investimento cada vez maior em transformá-lo em produto para a televisão. Somos de fato o país do futebol? Isso vai produzir pessoas que não se interessam pelo futebol, me parece. Se não houver um investimento para que nossos filhos torçam por um clube, eles não irão torcer por nenhum clube. Está se perdendo essa chave?

Menon

Acho que sim. O mundo globalizou e a criançada tem camisa e sabe todos os jogadores de clubes europeus. O que a gente está ofertando é pouco. O jogador vai embora antes de estrear. O SP vendeu dois: o Morato e o Maia. O Diego Carlos parece que é um grande zagueiro na Europa. Saiu do Madureira e ninguém viu.

Todo grande jogador quando sai fazem uma despedida. O Uruguai fez isso, o Peru faz isso para ter um congraçamento. O Brasil nem isso faz. Não tem jogo de despedida.

Na Copa de 2006, o Brasil perdeu e no outro dia o Ronaldinho estava em uma discoteca. Eles não fazem nada para ter uma identificação. Não tem congraçamento, não tem título, não cria laços.

Vitor Guedes

Meu filho vê muito futebol, mas não torce pela seleção. Ele tem 11 anos. Ele tinha motivos para torcer pelo Brasil por causa do Tite. A seleção não empolga nem quem é criança. Ele é um caso que tinha tudo para torcer pela seleção brasileira. Minha mulher é corinthiana, mas torce mais pela seleção em Copas do que pelo Corinthians.

O Brasil foi o único país que não se apresentou nem se despediu junto.

Eu debati isso no Baita Amigos. Tem uma data FIFA dia 7 de setembro. Ser eliminado pela Bélgica é como o Corinthians ser eliminado pelo Santo André.

Por que não faz jogo em Salvador Tem cabimento fazer uma Copa do Mundo no Brasil e não jogar no Maracanã Fizeram uma tabela em que o Brasil só jogaria no Maracanã numa final.

Não tem uma identidade. Fizeram um CT num lugar que tem neblina todo dia. Fica num condomínio fechado. Aquilo não tem nada a ver com o Brasil.

Os alemães estavam falando com baianas que vendiam acarajé.

É mais fácil falar com Dilma, Obama do que com os jogadores da seleção.

Em 2010, eu me emocionei. Era minha primeira Copa. Mas quando vai cobrir, tem uma frescura que acaba torcendo contra.

 

Dois textos publicados por vocês. Alexandre Pato é o que para você? Como você vê o Pato?

Menon

Na minha opinião, não vira mais. O que ele prometia ser acho que não vira mais. Acho que na Copa de 2010, o Brasil jogou com o Luís Fabiano. Dois jogadores que poderiam estar ali eram Adriano e Pato. Adriano por seus problemas emocionais e o Pato porque é Peter Pan, não consegue crescer. Disse que o sonho dele era o tapete vermelho do Oscar. Ele não é adulto. Acho um bom jogador, tem técnica. Tanto que está jogando no SP. Quem viu ele com 17 jamais diria que estaria no SP com 30. O que ele prometia era estar em uma grande liga na Europa. Estava na segunda divisão da China.

Quer ver outro exemplo. Ele cobrou um pênalti com cavadinha contra o Dida. Jogos depois ele cobrou com força e comemorou como se apagasse o que fez.

Se fosse como jogador, jamais bateria com cavadinha. Se faz, é herói. Mas se perde, não tem desculpa.

Vitor Guedes

Ele apanhou no vestiário. Se me perguntar do Pato, cai do ar… Eu não gosto do Pato porque apoia o Bolsonaro. O cara inventou o coração no ar e faz arminha…

 

Queria falar do Dérbi. Não tem futebol sem torcida. Estamos diante desse momento, se já era ruim com torcida única, agora não teremos torcida. Fale um pouco de seu texto. Eu não duvido que esse tipo de expediente seja repetido.

Menon

A mensagem do futebol hoje é: foda-se a sociedade. Morram!

Sou do tempo da corda no Morumbi, que ia para mais ou para menos conforme a chegada da torcida.

Como deixar de ter torcida única vou deixar de levar minha torcida para levar torcida adversária

No Estatuto do Torcedor, decidiram que o Brasileiro tem 60 cm de bunda. Perguntaram se o torcedor gostou diminuir o número de torcedores

Chegamos a esse impasse. Adoro torcida junto. Mas por que o Corinthians vai deixar de vender para si para vender para o palmeirense, o são-paulino

 

Vitor Guedes

Chamei de quarta-feira de cinzas. Em minha coluna, falo em nojo a volta do futebol. Eu fiquei três meses sem ir para a televisão e sem ganhar dinheiro. Eu sempre me posicionei radicalmente contrário à torcida única. Sou contra também esse discurso contrário às torcidas organizadas. Estudos falam em 6% de bandidos nas torcidas. O Congresso nacional tem muito mais. Lutamos para que esses saiam de lá. Não acabar com o Congresso.

Em relação à pandemia, é óbvio que não pode ter torcida em jogo. Sou contra porque eu acredito que somos da sociedade. Como vou pagar a escola do meu filho se só eu volto a trabalhar e outras profissões não.

O ápice da canalhice foi Flamengo e Bangu no Maracanã ao lado de um hospital de campanha.

Nenhum dos dois historiadores do Corinthians e do Palmeiras vão falar do jogo. Esse jogo não tem sentido. Quantas pessoas vão morrer amanhã 500… Nesta semana, tivemos recorde de mortos em SP. Não faz nenhum sentido, moral, esportivo…

Corinthians e Palmeiras é o clássico que mais amo na vida, mas não tenho nenhum tesão para ver este.

Ninguém mais está defendendo meio a meio, mas o direito de ter torcida adversária.

Nenhum clube trabalha com 100%, nem Flamengo, nem Corinthians. Eles preferem perder torcida a ter o estádio completo.

Quando o SP estava na merda, abaixou preço. Outro dia melhorou um pouco já enfiaram a faca no torcedor também. E mesmo assim nunca trabalhou com 50%.

O Corinthians fez algo tão hipócrita ontem. O Corinthians é “o time do povo”, só que a camisa custa R$400,00.

É óbvio que o jogo do Corinthians vale mais porque tem mais torcida. O problema é a correlação com os outros clubes.

Falta democratizar o esporte.

Algo que me incomoda demais. Tenho um filho de 11 anos. Além do embranquecimento na arquibancada, teremos um dentro de campo. Hoje é tudo escolinha. Não tem mais negros nem nos times de ONG. Daqui 10 anos não vai ter negro nem em time de periferia. Falo disso como pai que acompanha um filho a jogar bola. Estamos perdendo a luta no futebol de base.

 

O estádio vazio não é o problema, é o sintoma do problema. Estamos falando do individualismo. É um projeto. O projeto do futebol é o projeto do Brasil.

Menon

É isso. Compra de ingresso pela internet. Tenho um amigo, o Moacir, de Indaiatuba. Ele compra para ter direito a comprar quando o jogo valer.

“Futebol tem que ser caro porque quem não tem condição tem de ver pela TV.”

O primeiro jogo do campeonato foi no Premiere, no pago do pago.

O primeiro jogo deveria ser entre o campeão da Série B e o da Série A. Eles colocam no escondido do escondido.

Tem um amigo meu, jornalista, que cortou o Premiere porque a situação não está fácil.

Mais pobre quer dizer mais preto.

Toda vez que vejo o 7 a 1 vejo uma mulher branca chorando. Tenho certeza que aquilo é fingimento.

O Maracanazo foi tragédia, o Minerazo foi comédia. A carta da Dona Lúcia foi o estopim.

Vitor Guedes

O último jogo antes da Copa do Mundo de 2014 foi no Morumbi, contra a Sérvia. Metade dos ingressos da seleção brasileira é de público que são clientes dos patrocinadores da seleção. São pessoas que não iriam ver o jogo. Estão indo porque ganharam o ingresso. O clima é esse.

O Felipão foi péssimo. A escolha do Bernard para estar no 7 a 1 é porque ele era de BH. O público, contudo, era de SP e RJ. O percentual de atleticano era o de atleticanos no Brasil, baixo. Não havia clima nenhum. Estive em dois 7 a 1. No Corinthians e Santos em 2005 e no Brasil e Alemanha em 2014. O pouco que teve de comoção foi inventado. A vergonha foi pelo placar. Era público de cinema, de teatro. No 7 a 1, não havia clima de fim de mundo. As pessoas não estavam nem aí.

 

Não poderíamos deixar de falar do Esporte pela Democracia, grupo do qual vocês fazem parte. Como esse grupo se forma? Falem um pouco dele. O que espera-se dele no longo prazo?

Menon

O grupo foi criado após o assassinato de George Floyd. O Gilvan disse que o grau de ansiedade do Casagrande se reflete. Ele quer fazer live sobre vários assuntos. Ele vai para todas as pontas. Acho que de uma maneira ou de outra ele tenta debater. Acho bacana essa falta de ordem dele. O grupo cumpre seu papel, é um grilo falante da sociedade. Está bem organizado. Outro dia teve um debate.

Escrever literatura fantástica na Am. Latina é fácil. É nossa realidade.

 

Vitor Guedes

No sábado, falei na discussão do alcoolismo. O grupo Esporte pela Democracia tem algumas bandeiras comuns: antirracismo, antifascismo e luta pela democracia. É um grupo heterogêneo. Há pessoas de direita, de centro, de esquerda. O grupo tenta se posicionar e em que lado está a democracia. O que acho que falta no grupo e o que acho que vamos atingir é ir para a rua. Além da heterogeneidade, cada um pode fazer mais pela democracia. O que eu posso fazer? O que o Casão diz é um canhão. Acho que falta falarmos mais para fora do grupo, para além do jornalismo. Na minha bolha, o Haddad ganhou no primeiro turno. Na realidade… Precisamos nos comunicar com o público. Nosso discurso não está atingindo o público faz tempo.

O grupo é eclético, defende causas importantes, mas precisamos canalizar isso para os que pensam contrários a nós, aos neutros, não aos fascistas.

Equipe Ludopédio

Nosso objetivo é criar uma rede de informações, de pesquisadores e de interessados no tema futebol. A ideia de constituir esse espaço surgiu da necessidade e ausência de um centro para reunir informações, textos e pesquisas sobre futebol!
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