40 Anos da Copa de 1978

Depoimentos de jogadores da Seleção

 

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 10 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, a décima primeira edição do torneio organizado pela FIFA. São eles: Emerson Leão, Oscar, Edinho, Carlos, Waldir Peres, Reinaldo, Nelinho, Zico, Rivellino e Polozzi. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil. O depoimento a seguir foi concedido no dia 16 de agosto de 2012, na cidade de Nova Lima (Minas Gerais), na residência do ex-jogador. Para assistir ao vídeo com a gravação completa, clique aqui.

Entrevistadores: Bernardo Buarque (FGV/CPDOC) e José Paulo Florenzano (PUC-SP/Museu do Futebol); Transcrição: Fernanda Antunes; Edição: Pedro Zanquetta

nelinho
Nelinho. Ilustração: Xico.

 

Nelinho

 

Manuel Rezende de Mattos Cabral nasceu a vinte e seis de julho de 1950, na cidade do Rio de Janeiro. Era morador do bairro do Méier, zona norte do Rio, onde passou a infância. Aos quinze anos de idade, foi indicado por um olheiro para as categorias de base do Fluminense. Em 1970, ainda no Fluminense, estava em seu último ano como aspirante quando foi contratado pelo América-RJ, assinando seu primeiro contrato profissional. No mesmo ano, por indicação de Otto Glória, foi jogar no Barreirense F.C. de Portugal. Jogou por quase um ano no clube português, mas por conta de uma contusão voltou para o Brasil. Em 1972, após conseguir a liberação de seu passe voltou a jogar no Rio de Janeiro, dessa vez no Bonsucesso. Em seguida, transferiu-se para o Remo, de Belém do Pará. Após boas partidas pelo clube paraense foi contratado pelo Cruzeiro e estreou na equipe mineira em 1973. Jogou até 1980 e conquistou o campeonato mineiro por cinco vezes, assim como a Taça Libertadores da América. No ano seguinte, é convocado por Zagallo para a Seleção Brasileira. Estava no grupo que disputou a Copa do Mundo da Alemanha e iniciou o torneio como titular. Na Copa de 1978, atuou nos jogos da primeira fase como ponta-direita e entrava durante o segundo tempo. Na partida contra a Polônia, voltou a atuar na lateral e marcou um gol, assim como na partida contra a Itália. Em 1980, foi emprestado para o Grêmio, onde foi campeão gaúcho. Em 1981, volta para o Cruzeiro, mas no ano seguinte é negociado com o grande rival de Belo Horizonte, Atlético-MG. Em 1983 recebeu pela quarta e última vez o prêmio Bola de Prata da Placar. Atuou no Atlético até 1986 e conquistou o campeonato mineiro mais quatro vezes. Ao todo foram 274 jogos e 52 gols pelo Galo e 410 jogos, com 105 gols marcados pelo Cruzeiro. Na Seleção brasileira, foram vinte e uma atuações, com 6 gols marcados. Em 1987, após encerrar sua carreira, foi eleito deputado estadual pelo PDT em Minas Gerais. Em 1993, foi treinador do Atlético-MG. Em 2005, atuou como comentarista na Rede Globo e Sportv. Atualmente é proprietário da Academia Wanda Bambirra, em Belo Horizonte.

 

Depoimento

Nelinho, agradecemos nos receber em sua casa. Fale um pouquinho sobre as lembranças da infância, a família e o princípio no futebol.

Meus pais são portugueses. Meu pai, falecido, e minha mãe já com noventa e dois anos. Em casa, somos um casal, eu e uma irmã mais nova. Desde pequeno, bola sempre foi o presente que mais me emocionava. Gostava demais quando ganhava uma. Quando acontecia a festa de Cosme e Damião, no Rio – na época, muito bem frequentada –, todas as crianças esperavam esse dia. Eu saía correndo, querendo saber onde estavam distribuindo as bolas. Eram umas de borracha, pequenininhas – rasgavam rapidinho quando chutadas na parede. Ficava o dia inteiro jogando na rua. Ir à escola era um sacrifício, pois pensava nos meus amigos e na rua. Tive muita dificuldade no aprendizado, fui disperso dentro da escola e completei apenas o segundo ginasial, no colégio Pedro II. Minha mãe sempre chamava a minha atenção, mas eu só queria saber de bola: – Olha, você não quer estudar? Então vai trabalhar! Arrumou-me um emprego de office boy, no centro do Rio de Janeiro. Eu já tinha quinze anos e estava no Olaria. Um amigo, que jogava comigo do Morro do Alemão, contou: – Nelinho, o pessoal do América está doido para te levar. Eu indiquei. – Ah, então vamos lá, ver se dá certo. Matei o trabalho e fui fazer o teste. Passei. Demorou uma semana, até o dia no qual o meu chefe ligou à minha mãe – Pô, cadê o Nelinho? Ele sumiu! – Como sumiu? Ele sai todo dia daqui com a marmita! – Ele não está vindo! Quando cheguei em casa, minha mãe chegou junto. – Por onde você anda, cara? Não está indo trabalhar? – Ah, mãe, realmente faltei, porque fiz um teste no América e passei, então vou iniciar a minha carreira lá. Ela ficou calada e deixou – na época, eu já ganharia mais do que um office boy. O América, um grupo no qual as categorias de base sempre disputavam entre os três primeiros –, mas naquele tempo, o grande time era o Fluminense.  Então, comecei a atuar e fiz boa campanha. O Otto Glória, um técnico do profissional, solicitou garotos do juvenil, então cheguei ao principal e arrebentei. Eu já havia passado pela lateral-esquerda, direita e meio. Ele me botou no meio de campo, e disputei uma partida. Fui bem. Um ex-preparador físico do clube, contratado como treinador por um grupo de Portugal, chegando lá, percebeu as deficiências da equipe e me indicou. O Otto Glória já treinara a seleção Portuguesa – super reverenciado, tinha muita credibilidade com eles. Ele veio e falou comigo, perguntando se eu queria ir: – Eu vou. Ainda não havia esse êxodo de atletas ao exterior, uma novidade. Fui, ganhando apenas um pouco mais do que ganhava. Chegando lá, tive muita dificuldade de adaptação. Um futebol diferente, exigiam de mim muita marcação. Mas a pior coisa, na época: Os times de lá se dopavam muito. Não existia exame antidoping e nenhum controle. E eu não tinha esse costume, não fazia isso. Então, jogava e os caras corriam três vezes mais. Reclamavam: – Pô, Nelinho… – Gente, porra, eu não consigo! Os caras correm demais! E eu, inocente, não sabia de nada. Um dia, fizemos uma partida pela Taça da UEFA[1] e perdemos, fomos desclassificados. Voltamos e fomos direto atuar contra o Porto, todo mundo cansado. Entrei e joguei muito! Corri, rapaz! Eu chutava prego, os caras vinham, botavam a sola e eu chutava. Chutei baliza, fiz de tudo…  Quando terminou, todo mundo veio me dar os parabéns: – Hoje sim, Nelinho, você foi bem! Correu para caramba, marcou, apoiou. Mas após o jogo, fiquei excitado demais e não conseguia dormir. No dia seguinte, eu, um uruguaio, o Câmpora[2], e outro brasileiro, Farias, conversávamos – éramos os melhores amigos –, e então contei: – Cara, eu não consegui dormir ontem! Está difícil demais! Aí eles perguntaram: – Vem cá, você tomou aquela laranjada servida lá dentro ontem? – Tomei. – Ah, é isso! Aquilo estava batizado, cheio de bolinha. O cara corre mais mesmo. – Porra, nunca mais tomo esse negócio! Não bebo mais nada dentro do vestiário. Eles dopavam, mesmo sem você querer ou saber. E o Câmpora gostava, ele estava acostumado. – Nelinho, se você não gosta, não tome, é ruim. Eu já estou em fim de carreira, só atuo dopado mesmo. Mas você… Depois disso, tive uma distensão e não pude continuar. Eles acharam que eu estava fazendo corpo mole, porque exatamente nessa época mandaram embora o treinador brasileiro. Os caras ameaçaram de me botar no Exército de Portugal, mas eu já havia servido o Exército no Brasil… Aquilo era possível, mas, na minha inocência, fiquei apavorado. – O quê? Estávamos na véspera do carnaval e sou apaixonado por essa festa, então decidi: – Vou embora. Me deu uma louca, rapaz. Saí do apartamento e fui ao clube. A diretoria estava toda reunida. Invadi a reunião e falei: – Eu quero o meu passaporte agora, vou viajar amanhã. Vou embora, não fico aqui nem um minuto mais! Vim embora, mas o meu passe ficou preso lá. Então, encerrei minha carreira. Eu tinha vinte anos. Num belo dia, o presidente do Barreirense, o clube português, precisou de uma declaração dos meus pais comprovando ser eu filho de portugueses. Aproveitei e falei: – Só dou a declaração se vocês me derem o passe, senão, nada feito. Então, eles vieram com o passe prontinho, eu assinei o documento e foi a salvação. Num belo dia, jogava a minha pelada na rua, quando passou o Jonas. Goleiro no Bonsucesso, também esteve no América. – Pô, Nelinho, o que você anda fazendo? – Ah, nada, cara. Mas meu passe está livre. – Ah, não! Você topa atuar no Bonsucesso? – Claro! Estávamos no primeiro semestre de 1972. Ele foi ao clube, falar com o Amaro[3], o treinador. O técnico disse: – Traga ele aqui. O Campeonato Carioca estava parado – não sei se era por causa da Seleção –, e só voltaria no meio do ano. Fui lá treinar e arrebentei. O Amaro então falou: – Pode assinar o contrato! Você vai participar do final do Campeonato Carioca conosco! Joguei todas as partidas, umas oito, e o último jogo foi contra o Vasco da Gama, do Tostão. Se vencêssemos, nos classificaríamos ao quadrangular final, mas perdemos, de 1 X 0. Se não me engano, gol do Tostão, de falta. Terminou o campeonato. Eu atuara contra o Botafogo e fui bem, fiz até gol de falta, e quando terminou o campeonato, eles entraram em contato comigo, para me apresentar na disputa do Campeonato Brasileiro. Acontece que, nessa partida contra o Botafogo, levei um chute no calcanhar doído demais. Quando cheguei ao vestiário, havia um talho de uns cinco centímetros. Levei muitos pontos, não podia pisar no chão, e aí falei a eles: – Olha, eu tenho muita vontade de atuar aí no Botafogo, mas agora estou desse jeito, não tem como… – Nós queremos alguém imediatamente, então não serve. Perdi essa chance e continuei sem clube. Depois de curado, recebi uma proposta do Clube do Remo, no Pará. O Campeonato estava em andamento e fui contratado como um coringa, jogando em qualquer posição. O treinador, João Avelino[4] – que já morreu e foi assistente do Rubens Minelli, quando veio treinar o Atlético. Fiquei na reserva, e, num jogo entrava, no outro não. Nas últimas três partidas, atuamos contra o Fluminense. O Aranha[5] – um lateral-direito, também esteve no Atlético – se machucou no primeiro tempo. Quando entramos no vestiário, o treinador perguntou: – Quem vai ficar de lateral-direito? Aí, o pessoal do Remo, que me conhecia do Bonsucesso – o Dutra, o Silva… Eram uns quatro atletas –, disseram: – O Nelinho joga, põe ele! – Mas esse cara… Coringa não vai bem em lugar nenhum. Não vou botar ele não! – Mas só tem ele, cara! – Então põe. Puseram-me no fogo! Eu arrebentei na partida, no meio tempo. O Lula[6] não fez nada e eu joguei para caramba. Veio então a penúltimo disputa, contra o Atlético–MG. Entrei, fui bater um corner, a defesa do Atlético tirou. Estava eu, o Dario[7] e mais um jogador no meio de campo. Peguei de primeira, rolando, e meti na gaveta, mas o juiz anulou, dando impedimento. O Dario – um maluco! –, falou ao árbitro: – Você está doido! Anular um gol maravilhoso desses? O jogo terminou e o Bibi – filho do Didi, meio de campo do Atlético –, falou: – Pô, Nelinho. O que anda fazendo? – Ah, rapaz, agora o passe é meu, estou aqui… – Não, vou te levar ao Atlético. O treinador é o Telê[8]. – Pô, beleza, então me indica, eu quero ir. Fiz a última disputa contra o Cruzeiro. Os caras vieram para cima de mim, mas eu fiquei inspirado demais nesse dia. O cara vinha, eu tomava a bola, ameaçava dar um chutão. Eles davam o bote e eu jogava debaixo de suas pernas… Quando chegou ao meio tempo – isso o pessoal do Cruzeiro me contou depois –, eles foram ao vestiário, o Dirceu Lopes, o Zé Carlos,o Roberto Batata e o “Palhinha”, e comentaram: – Pô, você viu aquele lateral-direito? O que é isso, rapaz?! Não vou em cima dele, não, o cara só quer dar caneta[9], só quer dar lençol[10], não vou não, ele é habilidoso demais. Ficaram com medo de mim. Nesse jogo, apoiei muito, dei chute de fora da área, fiz de tudo. Empatamos em 2 X 2. O diretor, Carlos Furletti, estava assistindo e perguntou: – E esse volante aí? Um jornalista respondeu: – Ele é carioca e o passe é dele. Estará livre a partir do fim do campeonato. – Então, diga para ele se apresentar no Cruzeiro, no dia nove de janeiro, e estará contratado. Me deram a notícia e o campeonato continuou. O Cruzeiro participava da final e esteve no Rio disputando contra não sei quem. Liguei ao Amaro – meu treinador no Bonsucesso –, e falei: – Amaro, está acontecendo isso e isso. Você pode ir ao hotel do Cruzeiro descobrir se é verdade? Ele retornou confirmando tudo. Então, me apresentei no dia nove, fizemos o contrato e já comecei a arrebentar no treino. Cheguei metendo gol de fora da área, batendo falta. Quem batia falta era o Lima, ponta-esquerda. Tomei a posição, fui lá e me impus: – Não, deixa eu bater. Comecei a fazer gol e me tornei o titular, isso tudo em 1973. Conclusão: No final de 1972 eu estava no Remo, em 1973 no Cruzeiro e ao fim de 1973, veio à convocação à Copa do Mundo de 1974. Logo no início, o Carlos Alberto Torres se contundiu e fui convocado no lugar dele. Esse é um exemplo aos jogadores desanimados: Em um ano eu fui reserva do Remo, no seguinte, estava em uma Copa do Mundo. Isso exemplifica bem o futebol. E o Cruzeiro era um timaço: Dirceu Lopes – o Tostão[11] já tinha saído –, Zé Carlos, Piazza[12], o Raul no gol, “Palhinha[13]… O Joãozinho veio logo em seguida, Eduardo “rabo de vaca” – depois esteve no Corinthians… Eu ia pra frente e me davam cobertura. Deu certo, ganhei moral.

Isso fazia parte do seu estilo?

Desde pequeno. Eu era ponta- direita, depois meio de campo. Gostava de jogar, de dar passe, tabelar, chutar ao gol. De marcar eu não gostava… Eu tinha fama de não marcar nada, e um dia, numa decisão contra o Atlético, marquei noventa minutos. Não me deram um cruzamento e nós ganhamos de um a zero. Depois, comentei com a imprensa: – Está aí a prova. Vocês falam que eu não sei marcar, mas, se quiser, eu marco. Se eu tenho condição física, qual é a dificuldade nisso?  Depois, até aliviaram um pouco, não ficaram mais falando, como quem diz: – Pô, realmente o cara…deixa ele… O clube começou a ganhar muitos títulos e prosseguimos.

Nelinho, você falou da Copa de 1974. O momento no qual a Holanda mostrou ao mundo que a mobilidade pode se tornar uma estratégia importante, quer dizer, subverteram a posição fixa. Isso influenciou o seu futebol ou é uma marca do seu estilo?

Eu já era assim. O Zezé Moreira[14] foi o treinador que melhor soube me aproveitar. Jogos difíceis, cara. Chegava no fim, ele tirava o atleta do meio de campo, eu tomava o lugar, e ele botava um volante. Eu tinha essa facilidade. A novidade é que, no meu caso, apenas eu fazia isso, às vezes entrava em diagonal… E a Holanda rodava inteira. Nessa partida contra eles, nem troquei de roupa, fui à arquibancada assistir. A Holanda estava atacando, eles trocavam passes do lado esquerdo, o lateral-direito passou e os jogadores da esquerda meteram a bola. Viraram. O zagueiro dominou e foi à linha de fundo. O Cruyff estava no meio de campo, saiu andando à ala direita. Eu chamei a atenção dos companheiros: – Olha lá, o cara consciencioso, profissional, ele vira… Ninguém precisou falar nada. Ele saiu andando como quem diz: – Estou fora, vou ser o lateral, porque ele está atacando. Não tinha essa de um atleta não apoiar o outro. Todo mundo apoiava o quarto-zagueiro, o beque central, o ala- esquerda, uma confusão. Mas, bonito de ver. Aquilo foi, em minha opinião, a última mudança radical no futebol mundial. Depois, nunca vi nada de novo, a não ser, agora, o Barcelona e a Espanha, trocando de passe e dificilmente batendo o corner dentro da área – eles tocam para trás e armam de novo.

Que lembrança você tem da experiência de ir a uma Copa, em 1974?

Olha, o que trouxemos de experiência ao Cruzeiro, eu e o Piazza: A marcação. Os times europeus não nos deixavam jogar. Fora essa movimentação do time Holandês. Quando chegamos ao Cruzeiro, nos primeiros treinamentos coletivos, ficávamos comandando o time: – Sai! Sai! Todo mundo! Marca, pega… O grupo reserva ficava doido. Colocamos isso dentro das partidas, no Campeonato Mineiro. Eu saía da lateral-direita, a bola dominada, cruzava a área na ala esquerda, no meio de campo. Agora, a mentalidade do jogador brasileiro não estava pronta. Eu fazia, o Piazza também, e havia um ou outro fazendo, mas, de repente, percebia os demais sentindo: – Pô, que confusão é essa?! Eles não se movimentavam, não aderiram à ideia. Logo, estávamos atuando da maneira antiga, sem nada de novo. O conjunto fica sempre em segundo plano, o atleta pensa primeiro nele mesmo. Como irá aparecer, como fará para se beneficiar da estrutura da coisa… Não pensa no coletivo. É outra mentalidade. Vi muito disso no futebol. Difícil implantar um tipo de jogo como o da Holanda aqui.

Nelinho, e o Zagallo como técnico, em 1974? Existe a imagem de ser adepto do jogo mais defensivo. Isso influenciou seu desempenho na Copa?

Não. Dizer que o Zagallo era retranqueiro é a maior balela. Isso começou quando ele, ponta-esquerda, atacava pouco e quase não chegava à linha de fundo.

Você se manteve na Seleção até a Copa de 1978?

Nessa época, eu brigara com a imprensa mineira, e não dava entrevista à ninguém, mas o João Saldanha[15] me adorava e escrevia colunas falando sobre mim, no jornal O Globo. Quando o Oswaldo Brandão assumiu, eu estaria na primeira disputa da Eliminatória, mas tinha operado o joelho, não consegui me recuperar direito e não joguei. Empataram em Assunção, contra o Paraguai. Quando voltamos, o Brandão caiu e entrou o Cláudio Coutinho. Foi quem me convocou quando o Zé Maria[16] se machucou. Depois de 1978 veio o Telê.  Convocou e já apresentou o grupo titular: Eu estava nele. No primeiro, contra a Rússia[17], no Maracanã, ganhávamos de um a zero. Houve um pênalti ao nosso favor, mas o Zico perdeu. No segundo tempo, dois corners para a Rússia. Bateram um e o outro, um lance do meu lado. O jogador veio por trás – entre eu e o Amaral[18] –, cabeceou e fez o primeiro gol. Perdemos de 2 X 1 – sentaram o pau em mim e nele. Houve o segundo amistoso contra a Polônia, lá em São Paulo. O ponta-esquerda me deu uma canseira naquele dia. Ele era rápido demais… Uma correria. As melhores jogadas deles foram pelo meu lado e nesse dia estive abaixo da crítica. Então, depois dessa convocação, na seguinte já não fui chamado. Veio a Copa do Mundo. Eu tinha a esperança de ser convocado novamente, em 1982. Na última partida do Campeonato Mineiro – o Atlético já campeão –, aconteceu a final, Cruzeiro X Atlético, e o Telê estava no estádio. Depois, ele faria a convocação. Briguei com o Éder no início do jogo. Corri atrás dele dentro do campo, aquela palhaçada toda, e me expulsaram. A convocação saiu e eu não estava. Sempre me perguntam: – Será isso? Não acredito que o Telê faria assim. Imagino não ter sido convocado pelo meu histórico quando ele foi treinador. Fora isso, o Cruzeiro, na época, estava ruim. Só tinha eu, o Joãozinho[19], e, talvez, o Eduardo. Então, isso me prejudicou. Acho que, se eu estivesse em um dos times de antigamente, do próprio Cruzeiro, ou no atual time do Atlético, poderia ser convocado nesse momento, pois teria condições de me apresentar melhor. Mas ali encerei a minha carreira na Seleção.

Conte um pouco suas lembranças da Copa de 1978.

A do Coutinho, realmente, eu não tive participação nenhuma. Mas 1978 teve muita história. Sempre me perguntam: O Peru entregou a disputa? Eu não acredito. Quando fomos atuar contra eles, na segunda fase da Copa do Mundo, era a primeira partida do Peru. Eram três: Peru, Polônia… Eu não sei a ordem.

Peru, Argentina e Polônia.

É, Peru, Argentina e Polônia. No primeiro, contra o Peru, o Brasil meteu 3 X 0. Dava para ter ganhado de 6 ou 7, mas não fizemos os gols. A bola batia na trave e não entrava. Ou seja, o Peru tinha chance, mas, tomou de 3 do Brasil. Depois, contra a Argentina, foram desclassificado, lá dentro daquele caldeirão. 6 X 0 é super normal, pô! Porque que teriam entregado o jogo? Eu não acredito. E os gols, por exemplo, eu vi. O goleiro deixou a bola passar?! Não, eles fizeram os gols! Em minha opinião, não teve isso. O Brasil perdeu a classificação contra a Argentina. 0 X 0 e eles receavam o Brasil, éramos os mais temidos. Entramos respeitando demais, com medo de levar gol, e acabamos não fazendo. A única vez que lamentei ter ficado no banco. Achei um erro do Cláudio Coutinho não ter me posto. Ele não levou em consideração o meu passado dentro da Argentina. Fui mais respeitado lá, do que aqui no Brasil. Todos os jogos da Libertadores, do Cruzeiro contra o River Plate, o Independiente, o Boca Juniors… Meti gol em todos daqui, e lá, meti contra a seleção deles. Tinham medo dos meus chutes, das faltas.  Eles sabiam que, se fizessem uma falta, eu ia bater. O Coutinho perdeu a grande oportunidade de me escalar naquele dia. Não me lembro de qual dos três goleiros ficou no banco, o Leão agarrou – foi o Carlos Gallo ou o Waldir Peres. Eu, Edinho, Zico e Rivelino estávamos no banco. O Rivelino machucado – naquela Copa só entrou na última disputa, na qual ganhamos da Itália de 2 X1. O Zico também tinha se machucado e estava meio duvidoso, mas o Edinho entrou. Olha só, quando começou, o Rodrigues Neto, lateral-esquerda, se machucou. Eu falei: – Vou entrar. Ele passaria o Toninho, que já esteve nessa posição, para essa ala, e eu entraria de lateral–direito… Mas colocou o Edinho na esquerda, pô! Eu disse: – Então não vai me colocar nunca. Eles queriam uma maneira de barrar o Toninho[20]. Achavam ser um jogo no qual iam pegar, dar pancada. Barraram ele no grito – não queria sair – e puseram o Chicão[21] no lugar dele. Um grande atleta, meu amigão, mas o Toninho era tecnicamente melhor. Era ele quem deveria ter disputado. Por isso o 0 X 0 nos tirou da Copa.

Você continuou no Cruzeiro até 1980?

Não, fui até 1982. No início de 1982 me transferi ao Atlético.

Você atuou no Grêmio?

Isso em 1980, quando eu discuti com um treinador, o Ilton Chaves. O time estava naquela fase de transição, difícil, e discutimos. Ele então disse a diretoria: – Ou eu ou ele. Eu corri ao presidente, Felício Brandi: – Presidente, aconteceu isso. – Já estou sabendo. – E ele disse ser eu ou ele, então, que seja eu. Me venda ou empreste, qualquer coisa, porque, se mandar ele embora, não vou me sentir bem. Vão dizer: ‘pô, o Nelinho derrubou o treinador’, e não pega bem. No dia seguinte: – Oh, Nelinho, o Grêmio quer você na disputa do final do campeonato gaúcho. Você aceita? – Agora! Estou indo! Fomos bicampeões. Na época, eram o Juniores do Grêmio, que depois tornou-se campeão do mundo. Aquele time: Paulo Roberto – lateral-direito –, Baidek, Leandro – quarto zagueiro –, e Paulo César – lateral-esquerdo. Os quatro meninos da defesa eram do Juniores quando cheguei lá. Eles não jogaram. O “China”, no meio de campo, atuou comigo. Bonamigo, Renato Sá – esse, já mais velho – Tarcísio, Baltazar, e Oldair. E o Paulo Isidoro e o Vitor Hugo, no meio de campo. Um timaço! Cheguei lá e joguei muito. Como pode?! Estava no Cruzeiro, sem atuar nada. Cheguei ao Grêmio e melhorei. Conhecia os caras de nome, mas não tinha entrosamento nenhum. Facilita quando tem um time armado. Fiquei só o final do Campeonato Gaúcho e voltei. E não lamento, não: –Se eu tivesse ficado lá, teria sido campeão mundial, campeão da Libertadores… Mas eu não lamento, primeiro porque o Paulo Roberto estava surgindo como lateral-direito, e era muito bom, jovem ainda. Eu já tinha trinta e dois, quase trinta e três anos, então, seria difícil me manter titular com ele no time. Na minha volta, fiquei mais um ano e fui ao Atlético… – Porra, preciso jogar bem no Atlético. Os caras vão me cobrar fazer a favor deles, tudo o que eu fiz contra. Foi minha maior motivação, além de ter os craques lá do meu lado. Já cheguei como titular. No primeiro ano foram oitenta partidas, eu participei de setenta e nove. Só não joguei essa única. Eles me proibiram de viajar para fazer um amistoso em Montes Claros. Não me deixaram ir. Disputei todas as partidas, fiz um monte de gols e nos tornamos campeões… Aí eu renasci. Voltei a jogar, a ter prazer! O tempo passou… Na primeira disputa contra o Cruzeiro, o treinador era o Yustrich[22], e duas coisas aconteceram. A primeira: Quando saiu uma falta a favor do Cruzeiro, todos os torcedores do Atlético – estavam em maior número nesse dia –, começaram a gritar assim: – Nelinho, Nelinho! Gozando o torcedor cruzeirense. E depois, quando saiu uma falta a favor do Atlético, em frente à área, a torcida do Galo gritou novamente: – Nelinho, Nelinho! Aí depois – antes de bater a falta – Éder, Éder! E, por fim: – Qualquer um, qualquer um! [risos]. Porra, cara! Eu, dentro do campo escutando aquilo, falei: – Os caras são criativos demais, não é?! [risos]. O jogo estava 1 X 0, duro. Aos quarenta minutos do segundo tempo, saiu uma falta na entrada da área, na meia-lua. Eu e o Éder sempre nos demos bem nesse negócio de falta. Brigávamos para o outro bater, e não competindo. Então, nesse dia, eu falei: – Éder, vai aí, pega essa! – Não vou rapaz, tu tá louco? Você é quem vai bater essa, vai lá e mete o gol! Tomei distância, o goleiro botou uma barreira de seis e ficou no canto dele, sem brincadeira… Eu tenho esse gol gravado. Ficou há uma distância de um metro da trave, do lado esquerdo. Vim correndo, dei uma bomba em cima dele, por cima da cabeça. Ele não conseguiu levantar o braço, não deu tempo. Quando ele fez assim, a bola já estava na rede. Um dos chutes mais fortes da minha vida. Fiz o gol em frente ao túnel do Cruzeiro e pensaram que eu ia correr ao Yustrich. Nem olhei para o lado deles e corri à torcida do Atlético. Não teria nada a ver eu ir na torcida do Cruzeiro! Sempre respeitei isso. O torcedor precisa ser respeitado. Acontece de pegarem no seu pé e tal, mas, quando existe esse tipo de atitude da torcida, de desrespeito, normalmente é por parte de uma minoria. A maioria respeita, entende.

Você teve uma longa história no Cruzeiro…

Hoje, a coisa mais difícil é explicar, quando me perguntam, para qual time eu torço. Torço pelos dois. Ninguém entende ou acredita. Aí, preciso explicar que sou do Rio e fui vascaíno mas, a medida em que me tornei profissional, deixei de ser. Hoje sou Atlético e Cruzeiro. Por quê? Os dois me trataram bem. Devo tudo na minha vida aos dois clubes. Gosto do Grêmio também, do Remo, gosto de todos. Sempre acompanho e torço pelos clubes nos quais atuei. Tive uma passagem maravilhosa pelo Atlético, a oportunidade de jogar com grandes atletas. Depois desse período, ainda houve um segundo, antes de eu encerrar: O Zenon[23], o Nunes, o Renato Pé Murcho[24] – esteve no São Paulo e no Guarani… Nossa! O Elzo… Só grandes jogadores. Então, sou grato aos dois clubes. Não dá para falar que sou cruzeirense ou atleticano, é difícil. Tenho três filhas, atleticanas doentes, e elas brincam comigo: – Você é cruzeirense! Eu digo: – Não, sou atleticano também, gosto dos dois, não tem problema.

Nelinho, aquele seu chute chute extraordinário: Um aprendizado? Como você o desenvolveu?

Bom, tem explicação, sim. Quando eu era pequeno, nem sempre tínhamos o número suficiente de pessoas para jogar uma peladinha na rua. Vocês não conhecem Olaria – onde minha mãe mora –, mas atrás do campo de lá, chamava-se “Boiada de Olaria”. Eram dez campos de futebol gramados pela natureza, e sempre havia um responsável, mantendo a grama cortada. Ao longo do ano, eram disputados campeonatos e íamos lá durante a semana, quando não tinha ninguém. Pegávamos um campo daqueles, levávamos a baliza, chutávamos a gol, brincadeiras de dupla, batíamos pênalti… Brincávamos disso. Na rua na qual eu morava, também. Colocávamos a baliza e brincávamos, no final de semana, de dupla. E já naquela época, eu disputava entre os adultos, e eles usavam uma baliza mais alta do que o normal. Eu então chegava, e como não tinha o chute tão forte em comparação a eles, batia só no altinho, a bola passava rente ao travessão e os caras não conseguiam saltar e pegar. Apesar de pequenininho, os caras queriam jogar comigo. Na defesa, era praticamente nulo, mas batendo, chutando… Eu fazia todos os gols. Então, normalmente, a minha dupla ia à final. Eu gostava disso. Quando comecei a participar de clubes, no “dente-de-leite” do Olaria, tinha um tal de Zé de Riba, que morava lá e chutava muito forte. Usávamos a bola número três, uma pequenininha. Todos meninos de onze, doze anos e eu já batia falta também. Aí cheguei ao América, e comecei a bater falta. Eu treinava normalmente. Quando acabava o treino, ficava chutando de fora da área no gol, pá, pá,pá. Passava lá o dia inteiro. Quando treinava à tarde, escurecia. Os caras precisavam me tirar do campo à força! Era um prazer. Quando cheguei ao Cruzeiro – falo assim, pois no Remo eu praticamente não atuei, então não tinha o hábito – comecei a bater falta, a fazer gol. O treino terminava, cerca de dez, dez e meia. Eu pegava um goleiro – às vezes não tinha goleiro e eu botava uma camisa no ângulo, dos dois lados, e começava a meter entre a camisa e a trave. Chutando, barreira, sem barreira. Bola rolando – um auxiliar de cozinha pegava as bolas atrás do gol e rolava de volta a mim. Pegava a bola, do lado direito, fora da marca do corner, botava dois metros mais para fora, e chutava direto ao gol, de curva, batendo. Chutava, chutava, depois entrava com a bola no campo e fazia um semi-círculo em frente à área, ia parar lá do outro lado, fora do campo, e batendo de lado interno do pé. Eu treinava isso demais. Acabava de treinar meio dia, meio dia e meia, uma hora. Aí o roupeiro vinha: – Nelinho, está aqui a sua toalha, o seu tamanco. Botavam lá, todo mundo ia embora, e eu ficava sozinho treinando. Alguns dias, almoçava e passava à tarde toda – um garoto me fazia companhia e ajudava. Quando muito, tinha o Vitor Braga – hoje é um marchand, que agarrou no Santos. O Vitor se animava a treinar comigo. O Raul Plassmann nunca gostou desse tipo de treino. Eu gostava e tinha facilidade de bater na bola. Quando eu batia falta, treinava todos os tipos de cobrança. Batia com o lado interno do pé, lado externo, peito do pé, chutava… Eu treinava tanto… Pode parecer até: – Pô, esse cara é mascarado para caramba! Mas falo mesmo de boca cheia. Eu ia bater na bola e – quem me conheceu na época pode confirmar –, falava aquilo que ia fazer: – Eu vou chutar aqui, ela vai sair numa curva aqui por trás da barreira e cair no canto do goleiro. Eu vou chutar ali e vai no canto da barreira. Eu vou chutar e agora ela não vai fazer curva, vai reta. Às vezes eu falava assim: – Vou chutar e a bola não vai girar. Já viu isso? Eu vou chutar e a bola vai sair assim, parada… Hoje até fazem essa bola. Às vezes, nem sabem como, mas fazem. Eu sabia, e falava: – Vou fazer! Outra coisa, o Palhinha costumava me falar, nas faltas em frente à área: – Nelinho, posso ir ao rebote? – Não vai, não tem rebote, Palhinha! [risos]. Ou é gol, ou a bola sai fora. Porque eu não acertava a barreira, não. De seis chutes, eu acertava a barreira uma vez. Tanto que, nos treinos coletivos, quando tinha falta e o cara ia ser barreira… – Pode deixar, não assusta, não! Não vai pegar em vocês. [risos]. E não pegava mesmo. Aí ele perguntava: – Vai ter rebote? – Não. – Vai ter rebote? – Vai. Corre em cima do goleiro! Eu chutava para quicar na frente dele. Batia e sobrava. Às vezes não dava rebote, se o cara pegava firme, mas eu tinha total domínio na hora de chutar. O único cara que eu vi fazer isso – em minha opinião, o último grande batedor de falta brasileiro –, Marcelinho Carioca. Ele batia também de lado externo do pé, peito do pé, lado interno, chutava esse elevador, picava na frente do goleiro… Podia não ter 100% de domínio, mas 80%, ele tinha. Visível que ele treinava. Eu vi caras baterem bem na bola e não se tornaram grandes batedores de falta. Faziam muitos gols, mas não treinavam. Esse Roberto Carlos: O chute dele… Poderia ser considerado o maior batedor de falta do mundo, porque ele batia mesmo… Um gol quase do meio de campo, contra a França. A bola fez uma curva, saiu da barreira, foi lá fora, veio e entrou na gaveta. Mas não fazia sempre, pois não treinava. Por que eu acho que ele não treinava? Quando acontecia uma falta, ele chutava no lugar onde o goleiro estava. Ele não tirava do goleiro, dificilmente fazia isso… Hoje, quem é o batedor de falta do Brasil? Marcos Assunção. Ele bate bem, mas só bate com o lado interno do pé, é o mesmo chute. E o Rogério Ceni também, só tem esse mesmo chute. Vai no canto do goleiro ou passa acima da barreira, não tem variação nenhuma. Então, o último foi o Marcelinho.

Você ainda joga?

Agora parei com o futebol. Estava jogando society, grama sintética, mas tive um problema de vista – fui operado –, e depois, dores musculares e tudo mais. Fui me afastando. Já estou totalmente recuperado, mas acho difícil voltar a disputar. Meu esporte predileto hoje é futevôlei. Jogo nas casas dos amigos nas quais tem quadras de areia. E tem ex-jogadores participando: O Júnior, mora aqui – ala-esquerda, esteve no Palmeiras, na Seleção. O Denis – do Palmeiras e América –, Carlinhos… Um monte de gente, um grupo bom. É o esporte que eu mais pratico hoje.

Qual é a sua expectativa em relação à Seleção nesta próxima Copa de 2014?

Olha, a meu ver, hoje, não existe time. Não existe Seleção. Se pensarmos, a Seleção das Olimpíadas é praticamente metade da Seleção da Copa do Mundo. Não tenho uma informação precisa sobre a Seleção do México, mas imagino ter mais jovens, menos jogadores top do que nós. Mesmo assim, o que vimos lá? O Brasil tomando de 2 X 0, levou um passeio. Nossos grandes atletas sumiram! Então, o que esperar da Seleção Brasileira na Copa do Mundo? Estou esperando o pior, salvo nesse curto espaço de tempo, ocorrer uma mudança grande, significativa, e voltaremos então a acreditar na Seleção dentro do campeonato. Sabe qual comparação eu faria? É exatamente como aconteceu à seleção feminina de vôlei. Quando começou a competição nas Olimpíadas, inacreditável. As meninas erravam saques fáceis, só de passar a bola, erravam. Eu, um fã do vôlei brasileiro, fiquei desanimado. – Nossa, vão ser desclassificadas na primeira. Aí, o troço girou. Elas ganharam, tinham a oportunidade de fechar e vencer a Rússia, subiram, e chegaram à final arrebentando, atuando demais. Foram campeãs! Então, o Brasil se encontra igual a seleção de vôlei feminina se encontrava no início da competição. Mal. Agora, pode ser que até lá haja uma reviravolta, a Seleção pegue confiança, desenvolva um trabalho em termos de conjunto. Também, é muita convocação, muitos atletas. O cara atua mais ou menos e já não é convocado. Aí tem o outro lado: O cara joga mais ou menos: – Olha, esse é o homem! Na partida seguinte, não atua nada. Você não tem uma sequência nas atuações transmitindo ao treinador e ao torcedor essa confiança de manter o cara: – Não, esse cara aqui eu esqueço, não precisa mexer. Se não me engano, do Neymar eles já se esqueceram, não vão mexer. Não vou me preocupar com ele. O outro é o Thiago Silva, beque central. De repente, um zagueiro. Quem mais? Não sei. Aí, o meio de campo: Esses meninos das Olimpíadas, não sei se algum deles vai à Copa do Mundo, não tenho a mínima noção. O Ganso vinha arrebentando, entrou na Seleção no segundo tempo… Entrava andando e saia andando do campo. Gente, como vamos confiar? Então, a desconfiança existe da minha parte, e acredito ser igual a de muitos torcedores brasileiros, em função das atuações. Se eles não passam, mesmo nas vitórias, não conseguem transmitir confiança para sentirmos: – Não, esse grupo agora está jogando bonito. E quando atua bonito e bem, muitas vezes, no próximo não faz nada. A confiança se adquire da sequência de boas atuações, do conjunto e individualmente. Aí você passa a confiar. Mas isso não está acontecendo. O treinador, claro, tem culpa, mas também é prejudicado, porque algumas peças estão atuando abaixo do esperado. Outra coisa também, em relação ao treinador. No futebol brasileiro – não falo do resto do mundo –, ele é supervalorizado. Não só financeiramente, como nos resultados. Não passa de 25%, a participação dele. Esses 25% é a participação durante a semana e no meio tempo, dentro do vestiário. Eu nunca vi, a coisa mais revoltante – agora pararam um pouco, mas na minha época, vi muito disso –, acaba a partida: – Quem esteve melhor em campo? O treinador. O melhor em campo é o treinador, pô? [risos]. O treinador jogou? – Não, mas ele armou um time… Que armou nada, ele fez um feijão com arroz. O cara foi quem chegou lá e meteu o gol, o goleiro quem defendeu tudo. Não foi ele, não. Damos o melhor em campo, mas o time perde. – O culpado é o treinador. Não é, os culpados são os jogadores. Então, quando ganha, são os jogadores também. A maioria dos méritos é dos atletas. E quando perde, precisa ser deles também. Eles são os verdadeiros culpados. O treinador tem uma parcela mínima na vitória e na derrota. Agora, se formos analisar o trabalho dele, você pode até chegar a uma conclusão: No dia- a- dia ele é fraquíssimo. O cara não sabe dar treino, nem ver o futebol e o que está acontecendo no campo, então ele é culpado. Nesse caso ele não é 25% não, ele é 80%. Escala mal. Mas aqui temos essa mania: O treinador ganha: – Pô, esse treinador é fera! O cara já faz contrato, vai para um clube e não ganha de ninguém. – Pô, esse cara desaprendeu. É o mesmo cara, fazendo a mesma coisa, mas agora não está dando certo. Ele é valorizado demais. Em relação ao quanto ele ganha, acho que precisa ganhar bem mesmo, não é essa a questão. Isso é problema dos clubes, de onde vem a verba, não me interessa. Ele recebe, fico satisfeito por ele. Mas na hora das críticas, mandar o treinador embora, ou então falar que ele esteve melhor em campo, isso não existe. Em minha opinião, sem chance.

Nelinho, em nome do Museu do Futebol e da Fundação Getúlio Vargas queremos agradecer. Você nos encantou aqui com a sua fluência e lucidez sobre o futebol, e seu depoimento vai compor o acervo do Museu, para os visitantes conhecerem a história, contada pelas suas próprias palavras.

Sou eu quem agradece a presença de vocês aqui em casa e a oportunidade de fazer parte do acervo de um museu. É super, hiper importante fazer parte disso. Parabéns a vocês e a todos os que tiveram essa iniciativa.


 

[1] UEFA: Union of European Football Associations (União das Associações Europeias de Futebol).

[2] Henrique Raul Câmpora do Carmo.

[3] Amaro Viana Barbosa.

[4]João Avelino.

[5]Antonio Aranha Alves.

[6] Luís Ribeiro Pinto Neto.

[7] Dario José dos Santos “Dada Maravilha”.

[8] Telê Santana.

[9] Caneta: drible no qual o jogador passa a bola entre as pernas do adversário e corre para pegá-la do outro lado. Também chamado de Rolinho, Sainha ou Janelinha.

[10] Lençol: drible no qual o jogador passa a bola por cima da cabeça do adversário e corre para pegá-la do outro lado. Também chamado de Chapéu.

[11]Eduardo Gonçalves de Andrade.

[12]Wilson Piazza.

[13]Vanderlei Eustáquio de Oliveira.

[14]Alfredo Moreira Júnior.

[15] João Alves Jobim Saldanha: jornalista brasileiro.

[16]José Maria Rodrigues Alves.

[17]União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, na época.

[18]João Justino Amaral dos Santos.

[19]João Soares de Almeida Filho.

[20] Toninho Cerezo.

[21] Francisco Jesuíno Avanzi.

[22] Dorival Knipel.

[23] Zenon de Souza Farias.

[24] Carlos Renato Frederico, o Renato Pé Murcho.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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