Esta dissertação tem por objetivo analisar a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil, levando em consideração não apenas seus legados e impactos mais evidentes, mas principalmente compreendendo-a como parte substantiva da dinâmica mais geral do modo de produção capitalista em sua relação com as cidades-sede, os lugares. Como maiores eventos do planeta, as Copas apresentam-se como veículos passageiros e particulares do processo de totalização do capitalismo, sendo simultaneamente matrizes parciais do tempo e do espaço desse período histórico marcado pela crise econômica internacional. Nesse movimento, tendo os lugares como espaços finais de sua realização, esses megaeventos deixam marcas profundas; promovem a qualificação de uma determinada fração do tempo no qual ocorrem, determinados pelas necessidades do capital de se reproduzir lucrativamente, algo complexo nesse momento crítico. A totalidade, essa “trama de eventos” emaranhada entre as necessidades e possibilidades concretas dos lugares, ganha novos desenhos nas cidades a partir do contato com a agenda estabelecida pelo megaevento. Desde 2007, quando o Brasil foi escolhido como sede do Mundial e a crise econômica já aparecia no horizonte dos Estados Unidos e da Europa, as cidades brasileiras vivem a realidade desta agenda crítica pautada pela Federação Internacional de Futebol (FIFA). Tendo como pano de fundo as estratégias rígidas das corporações patrocinadoras e interessadas no evento, promove-se um verdadeiro estado de emergência para o atendimento das normas e “padrões FIFA”. Tomadas por uma avalanche de obras e negócios imobiliários desvinculados de planos estratégicos associados às necessidades mais sentidas da população, as cidades-sede tornam-se experimentos de novas formas de privatização e espoliação, sob o regime de leis de exceção e violações de direitos. Tal dinâmica – imposta às cidades da Copa como um todo – é manifesta de forma evidente na elaboração de uma nova centralidade na Região Metropolitana de Recife por meio da construção do grande empreendimento imobiliário “Cidade da Copa”, a partir do novo estádio construído para o evento. Trata-se pois, da eclosão no Brasil de uma crise fundamentalmente urbana que, se por um lado estrutura verdadeiras “cidades de exceção”, no outro vértice promove também a força criativa das resistências. Como demonstraram as manifestações urbanas multitudinárias de junho de 2013 e os protestos ininterruptos que se seguiram a elas, a revanche dos lugares à agenda da Copa pode estruturar também “cidades rebeldes” como legados.