Esta pesquisa tem como propósito refletir acerca do uso das memórias locais e nacionais e de sua mobilização em determinados momentos históricos, com destaque para a realização dos megaeventos esportivos sediados pelo Brasil, em particular, da Copa do Mundo da FIFA de 2014. Nesse aspecto, analisamos os elementos simbólicos e discursivos utilizados para representar uma nação imaginada, que faça sentido tanto para o público interno (“para dentro”) quanto para o público externo (“para fora”), num contexto de concorrência global em torno da produção de espaços para a realização de eventos transnacionais. Procuramos investigar quais elementos da memória social do país são acionados e ressignificados para a conformação de uma identidade nacional durante a Copa do Mundo e como eles foram usados. Partimos da compreensão de que os megaeventos são dotados de grande valor estratégico, uma vez que eles operam como promotores internacionais dos países que os sediam e, consequentemente, de suas imagens no exterior. Trata-se de acontecimentos de alta visibilidade midiática mundial, orientados para um público de massa, que exploram elementos simbólicos da memória social dos países. Os megaeventos afetam a vida, os sonhos, as memórias e o tempo do público massivo em função de sua capacidade de dramatizar e globalizar o presente como evento midiático. Investigamos o tema a partir da noção de dispositivo de Foucault ao tomarmos os megaeventos esportivos como catalisadores, isto é, como algo capaz de articular elementos heterogêneos num intricado jogo de forças em interação. Com base no conceito de dispositivo como fundamento teórico-metodológico e na ideia do mito da democracia racial e da cordialidade como representações homogêneas do povo brasileiro, procuramos estabelecer a rede que se pode tecer entre elementos heterogêneos em torno da memória coletiva do país. Dentre os resultados, destacamos a abordagem da Copa do Mundo como um dispositivo de memória que, ao disponibilizar fragmentos dos elementos que constituem a memória nacional, instiga o duplo movimento de lembrar e esquecer inerente ao processo de rememoração; e a possibilidade de se pensar a memória como mídia, num processo de mediação, de produção de significação e estruturação de sentido e de estabelecimento de temporalidades diversas, que modelam e ordenam processos de interação.