Tragédias, batalhas e fracassos: as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo fala de homens de masculinidade, de coragem e garra, de acovardamento e inexperiência, de honra. Mas sobretudo fala de futebol. Analisando narrativas e imagens sobre o desempenho dos jogadores nas derrotas do Brasil nas Copas do Mundo (1950 a 1982) ele não só reúne um amplo conjunto de informações sobre os bastidores desses eventos, mas também traz para a discussão questões humanas fundamentais. Se o futebol é um esporte marcadamente masculino, como lidar com a derrota sem colocar em dúvida a virilidade dos jogadores? Como entender a transformação do esporte “de machos” em humilhação, fracasso, tragédia? Como explicar o fracasso sem reconhecer a inferioridade, a falta de fibra? Para responder a essas questões, o autor revela magistralmente o caminho da construção dos sentimentos coletivos. Em meio às imagens e explicações sobre os culpados do fracasso, prevalece o sentimento de que tanto as tristezas da derrota quanto as alegrias da vitória nos unem, pois funcionam como emblemas de pertencimento.
Este livro, apropriadamente intitulado Tragédias, Batalhas e Fracassos: as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo, constitui-se, sem dúvida, como um dispositivo de memória. E aqui o dispositivo principal, em uma primeira mirada, parece ser apenas a Copa do Mundo de Futebol. Mas, na verdade, buscando na mídia as estratégias discursivas para reforçar e, se necessário, renegociar masculinidades hegemônicas em determinados contextos, o autor trabalha de forma ímpar a construção de uma identidade de gênero de maneira relacional. A costura que Leonardo faz em seu trabalho, por meio das narrativas e das imagens (discursos) produzidas pelos meios de comunicação e pela crônica esportiva para explicar o fracasso nas Copas do Mundo entre 1950 e 1982, tem o mérito não só de trazer à memória os fatos e os sentimentos associados a esses eventos, mas também de apresentar uma inovadora discussão sobre “o processo de construção da masculinidade e de sua relação com o envelhecimento”.
Na análise apresentada os jogadores de futebol não aparecem simplesmente como homens e sim como portadores de variados graus de masculinidade. Uma masculinidade que viaja pelos campos de futebol reforçando ou questionando os múltiplos significados de ser homem/jogador de futebol. O recorte feito proporciona uma viagem pelas temporalidades do ser masculino por meio da rota dos vários sentidos de vitória e derrota.
No caso do Brasil, onde vivemos da necessidade de vitórias, falar de derrotas pode parecer um “gol contra”, mas a abordagem feita por Leonardo neste livro nos mostra como é neste exato momento que podemos alcançar a compreensão de dimensões importantes que sustentam o processo de construção, transformação e renegociação da masculinidade.
Vivemos num país em que os grandes clássicos são jogados no campo, mas continuam nos jogos seguintes, nas tabelas dos campeonatos, nas discussões de bar, nos sentimentos apaixonados dos torcedores. Aquele que derrota nosso principal inimigo passa a ser alvo de nossos aplausos, e o inimigo derrotado é vaiado, achincalhado, destruído.
Isso só muda quando é Copa do Mundo. Quando a seleção brasileira perde, as cidades são invadidas por um silêncio aterrador. Nada se move, a pausa do controle remoto é apertada por um segundo e a vida para. O silêncio é mortal. E é neste instante de suspensão do tempo que começamos a criar os culpados da derrota, do fracasso. E eles são sempre velhos, acabados, fracos e, às vezes, pouco másculos.