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Alexandre Fernandez Vaz (parte 5)

Equipe Ludopédio 15 de fevereiro de 2018

Depois de algumas tentativas finalmente conseguimos entrevistar o professor Alexandre Fernandez Vaz. Sua extensa agenda de compromissos o faz circular por diversas regiões do país e do exterior.  Do exterior Alexandre vai trazer seu olhar, especialmente, para o contexto alemão. Esta entrevista foi realizada em uma dessas viagens. Em Petrolina, Pernambuco, Alexandre separou uma tarde para conversar com o Ludopédio. A conversa durou mais de três horas e o resultado você pode ler aqui. Alexandre foi durante 10 anos editor da Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE). O futebol, além de o acompanhar desde a infância, já se tornou objeto de suas pesquisas. Além disso, desde agosto de 2017 tornou-se colunista do Ludopédio. Sua coluna Memórias do Futebol é publicada quinzenalmente aos sábados.

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Alexandre Vaz foi, por 10 anos, editor da Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Foto: Sérgio Settani Giglio.

 

Parte 5

Em sua experiência enquanto editor por dez anos da Revista Brasileira de Ciências do Esporte, que lugar o futebol ocupa dentro da revista, pelo menos dentro desse período em que você está lá?

A gente fez um esforço para que a revista tivesse, mais ou menos, metade dos seus artigos de Humanidades e metade de Ciências “duras”, vamos dizer assim, na perspectiva de que o CBCE pretende ser uma entidade de Educação Física. Nesse contexto, eu diria que, de fato, o futebol teve um peso razoável… Por outro lado, falta uma pauta do que seria importante para estudar no futebol. Por exemplo: a gente tem alguns estudos publicados sobre questões táticas ou estatísticas do futebol. Esses estudos são bons para a Revista de Ciências do Esporte ou deveria haver uma Revista de Futebol? Interessam à Educação Física como área de conhecimento ou basicamente a quem lida com futebol?

Penso que há uma pergunta que sintetiza um tipo de problema para a divulgação de trabalhos sobre futebol. Onde é que se publica um texto sobre futebol hoje? Se for um texto estritamente de Sociologia, talvez se consiga publicar em uma revista dessa área. Senão, ou em um periódico interdisciplinar ou, talvez, em um de Educação Física. Aí me pergunto se o pessoal da Educação Física está interessado em futebol, mesmo. Eu suponho que não muito. Então, eu diria que o tema teve um peso razoável se a gente considerar tudo aquilo que envolve a modalidade, mas, por outro lado, embora possa parecer paradoxal, a RBCE poderia ter publicado mais, desde que houvesse também mais trabalhos. De qualquer forma, não há muitos trabalhos, por exemplo, de história do futebol, ao menos se considerarmos a importância no fenômeno no Brasil. Não sei se foi feita uma história do Madureira ou do Campo Grande, tampouco havia sido feita alguma da maioria das equipes de Santa Catarina antes do livro que organizei com Norberto Dallabrida. Observa que há bons trabalhos sobre o Palmeiras, mas são memorialísticos, por exemplo, o do Aldo Rebelo. Tem um sobre o Chinesinho, um sobre o Ademir da Guia. São trabalhos memorialísticos, são interessantes. Mas quem se dedicou sistematicamente ao Palmeiras? Tudo bem, não é tão fácil. Para que se tenha uma ideia, certa vez, no trabalho sobre o Guttmann, eu comecei a levantar documentos sobre ele em São Paulo. Tinha material nos jornais. Aí eu escrevi para o Luiz Henrique de Toledo, um pesquisador com quem tenho boa relação há tempos. Falei para ele o que estava pesquisando e perguntei: “Você acha que no arquivo do São Paulo F.C. – e ele é são paulino –, posso encontrar alguma coisa?”. “Ah, acho que não. Sinceramente falando, acho que não.”, ele disse. Então, isso também dificulta. Veja: boa parte da história do futebol é feita tomando os jornais como documentos. Frequentemente acaba resalando mais uma história do jornalismo esportivo do que propriamente história do esporte. Porque os acervos são ruins, os arquivos dos clubes são ruins.

A gente tentou fazer uma história do Avaí num determinado momento em função de uma torcedora que era bolsista iniciação científica. Finalmente pesquisamos a profissionalização em Santa Catarina a partir do Avaí, ficou interessante. Mas o Avaí Futebol Clube, como instituição, tem muito pouco a oferecer. Tem lá um livro que é bom para consulta por ter, supostamente, a ficha de todos os jogos. Para fazer uma pesquisa, é muito pouco. Tem um memorial laudatório, fotos, algumas curiosidades… Então, falta muita história de clube. Antes de nós fazermos isso, praticamente não tinha quase nada lá em Santa Catarina… Sobre a história do Coritiba, vocês conhecem algum trabalho? E sobre o Atlético Paranaense?

Pensando nos outros lugares em que você transitou como docente, na Argentina, no Uruguai e na Colômbia, como você percebe essa relação do ponto de vista acadêmico?

Olha, no Uruguai quase não tem, a não ser trabalhos jornalísticos e memorialísticos. Eu estive no Memorial do Peñarol. Todo mundo conhece o Guttmann, sabe que na época ele foi importante e tal, mas lá não tem praticamente nada sobre ele lá. O Peñarol venceu muito, foi campeão de Libertadores várias vezes, tem um sem-número de taças. É uma exposição, mas não tem um arquivo. Eu queria parceiro lá para pesquisar sobre o Guttmann e não rolou muito. Também é um lugar onde a Educação Física está se academicizando mais fortemente agora. Desde 2006, se não me engano, que o Instituto Superior de Educação Física veio fazer parte da Universidade. Então, há um processo de academicização também importante.

Na Argentina, tem os grupos em torno do Pablo Alabarces e alguma coisa mais. Tem gente emergindo. Por exemplo: tem um garoto em La Plata, Alejo Levoratti, que tem feito trabalhos interessantes sobre política e esporte. Há que se considerar que a Educação Física na Argentina, com poucas exceções, é curso não universitário. Então, a pesquisa em Educação Física ainda é muito pequena, apesar do grande desenvolvimento que tem na Universidade Nacional de La Plata. Por exemplo: a Universidade de Buenos Aires, que é a maior do país, não tem curso de Educação Física. Rosário não tem Educação Física, até onde eu saiba. Córdoba acho que tampouco tem Educação Física. E todas são grandes universidades. Então, tem o pessoal de Sociologia, na verdade, que se interessa. Na UBA, tem o Instituto Gino Germani que estudou umas coisas de futebol, muito bons trabalhos.

Onde tem um movimento interessante é na Colômbia. Lá vem de várias direções. É um país também muito futbolero, eles gostam muito. Tem o tema da violência, que é uma questão geral na sociedade colombiana por causa da tradição militarista de um lado, mas também mais recentemente a do tráfico de drogas. Tem muitos estudos, às vezes associados a projetos sociais importantes, como, por exemplo, em Medellín com os torcedores. Para se ter uma ideia, a Prefeitura de Medellín tem uma Secretaria de Esportes com uma coordenadora de pesquisa. A equipe de pesquisa envolve psicólogos, gente de Educação Física, historiadores e tal. Tem o pessoal de jornalismo que faz boas pesquisas sobre esporte também.

Em uma grande universidade em que estive há alguns anos, a Bolivariana, que tem um centro de jornalismo, comunicação e expressão muito importante, fiz uma fala sobre imprensa e esporte como campos que se desenvolvem simultaneamente. Isso tem a ver com o desenvolvimento da ideia de cidade contemporânea. Comecei com uma capa do El Gráfico de quando a Colômbia ganhou de 5 a 0 da Argentina, em 1993, em Buenos Aires. Essa capa é toda escura e com uma pergunta assim: “Vergüenza, vergüenza?”. O que para eles é o jogo até hoje, o da grande seleção colombiana, do Asprilla, Rincón, Valderrama, Higuita… Enfim, tem gente lá fazendo bastante coisa boa, mas nem tanto ainda com futebol profissional. Tem um pouco de História do Futebol, de Sociologia do Futebol. A Colômbia talvez seja o país da América do Sul onde mais está acelerada a academicização da universidade, de uma forma geral, e da Educação Física, em particular, fora o Brasil. Eles têm um órgão lá, o COCIENCIAS, tipo Capes-CNPq daqui, que está sendo muito rigoroso com tudo, isso se reflete também nos estudos sobre esporte.

O Brasil ainda é o lugar onde mais se pesquisa. Claro, o Brasil também é muito maior, tem mais estudos sendo produzidos. Do Paraguai eu não sei nada. Nunca consegui saber nada do Paraguai. No Peru tem trabalhos interessantes de Sociologia do Corpo, já vi também algo sobre História do Esporte, futebol incluído, e política. Tem um menino que está fazendo doutorado na Holanda, que até citou um trabalho nosso uma vez, que fez pesquisa sobre o corpo no Peru, sobre o uso de aparelho de musculação nas praças públicas.

Voltando à Colômbia, tem muito trabalho sobre isso também lá, relacionando usos do corpo e tecido urbano. O esporte também entra por aí. Além disso, a Colômbia promoveu nos últimos tempos vários eventos esportivos internacionais, como os Jogos Sul-Americanos da Juventude, Copa do Mundo de Futebol sub-20. Isso também impulsionou o conjunto de estudos e mobilizou muita gente. Tem alguns esportes que para eles são chave, como, por exemplo, o ciclismo, muito popular e no qual eles são muito bons. Tiveram um vice-campeão do Tour de France, muita gente tem bicicleta para pedalar junto com amigos em torno de 100, 150 Km nos finais de semana. Agora no Brasil isso se popularizou mais, já na Colômbia há muito tempo é assim. Então, é um país onde o esporte tem um peso. Todas as cidades têm grandes times de futebol. Medellín tem dois: o Atlético Nacional e o Medellín. Cali tem time grande, Bogotá tem time grande…

Você assistiu o documentário “Os dois Escobares”?

Não, ainda não. O narcotráfico foi em um determinado momento na Colômbia absolutamente totalizante. Era muito dinheiro, muito poder e muito terror. Então, o futebol também não ficou fora disso. Inclusive, essa grande seleção de 1994… Tanto que houve o assassinato do Escobar. Até hoje a torcida do time dele leva uma bandeira com sua face ao estádio.

O documentário é legal porque os Dois Escobares é por causa disso. Vai mostrar a trajetória deles e como que as histórias se cruzam. Não que ele tenha sido assassinado por conta do narcotráfico, mas como que aquilo estava presente no contexto que ambos os Escobares faziam parte.

É, ele foi assassinado porque fez o gol contra. É a grande seleção da Colômbia. O Pelé, inclusive, disse que era a favorita para a Copa. O Pelé é sempre pé-frio, não é?!… De fato, a Colômbia tinha um time muito bom. Fez 5 a 0 na Argentina, em Buenos Aires, no Monumental de Núñez. Essa é considerada até hoje a pior derrota da Argentina em todos os tempos. Aquilo promoveu comoção nos dois países, ainda que pelos motivos contrários. Até hoje os colombianos tiram onda dos argentinos por causa de um jogo de Eliminatórias. Era um time muito forte mesmo, a maioria dos integrantes fez sucesso por aí. O Valderrama, além do cabelo estranho, era um ótimo jogador, o Rincón, o Asprilla… Eu vi um jogo do Grêmio pela Libertadores uma vez na Colômbia, e estava o Asprilla perto de mim. Continua fit, parece que não envelheceu nada.

Como eu dizia, na Colômbia têm um movimento de profissionalização da pesquisa muito forte, mais do que nos outros lugares, mais do que no Uruguai, mais do que na Argentina e mais do que no Chile, pelo menos nos estudos sobre esporte. Tem mais veículos, mais lugares, mais coisas. Há uma certa tradição. É isto: acho que ali é o lugar na América do Sul que mais vai crescer, ter estrutura, grupos de pesquisa, pós-graduação, revista, essas coisas todas. Em Bogotá, tem um pessoal da Antropologia, tem a Zandra Pedraza, que escreveu um livro muito interessante chamado “De corpo e alma: história do corpo na Colômbia”. Embora não tenha relação direta com futebol, tudo isso foi dando um pouco de chão, legitimidade para os temas, para as questões, que vão se mesclando, que vão se encontrando.

Tem umas duas ou três revistas muito boas na Colômbia. Eles estão muito rigorosos com o padrão editorial. Com cumprir prazo, toda essa jogada institucional, eles estão com muita força. Eu acompanho. A RBCE e a revista de Antioquia são as duas mais antigas de Educação Física em atividade acadêmica na América do Sul, desde 1979. Elas nunca pararam de ser publicadas. Então, acho que ali é o lugar mais promissor a médio prazo.

Pensando nesses aspectos que você tem visto na América do Sul e olhando de novo para a Alemanha. Você morou durante um longo período lá por conta do doutorado e voltou em 2015 para fazer um pós-doutorado. Como foi essa volta depois de uns quinze anos?

É, eu tive uma bolsa de pós-doutorado CNPq. Fiquei como investigador visitante lá durante um ano e meio, quase. A Alemanha mudou muito. O futebol alemão mudou e o país também. A Alemanha se internacionalizou ainda mais… Assumiu como pôde a questão de ser um país de imigrantes. Um dos grandes exemplos são os irmãos Boateng, o Jérôme e o Kevin-Prince. Os dois são formados na Alemanha, só que um joga por Gana e outro pelos alemães. Tem os muçulmanos e tal; isso mudou muito, está muito mais tranquilo. Especificamente falando do futebol, ele se globalizou brutalmente na Alemanha, eu diria. Esse é um ponto.

O outro é que, assim como no Brasil também, a adesão e da fidelidade das torcidas também mudou. Por exemplo: em 2013, eu fui ao jogo entre Mainz e Wolfsburg. No Wolfsburg, estavam jogando três brasileiros: o Diego, que hoje está no Flamengo, o Naldo e o Josué. No intervalo, eu fui comer um salgado e o bar só vendia para sócios. Claro que tem uma megaestrutura e essa “fidelidade” responde a isso. Tem até brinquedoteca no estádio, onde você deixa seu filho ou filha lá para assistir ao jogo. Há gentrificação, por um lado, muito forte.

Por outro, observa que no Brasil quase não há mais setores populares, não tem lugar para ficar em pé, enquanto que na Alemanha, isso se mantém. Em alguns, inclusive, com uma extensão grande, como é o caso do estádio do Borussia Dortmund, por causa da ideia da “parede amarela”. Atrás dos gols, assiste-se ao jogo em pé. Mas, pesa mais a gentrificação. Quer dizer, os estádios são teatros, principalmente depois da Copa do Mundo de 2006, lá sediada. Tudo é muito bem organizado. A maior parte das pessoas – a maior mesmo – chega ao estádio utilizando transporte público. Em algumas arenas, só se chega com transporte público, não tem sequer estacionamento.

Na Alemanha há um grande futebol, é uma das ligas mais importantes do mundo. Em comparação, os jogos são muito melhores do que quando morei lá nos anos 1990 e também dos que os do Campeonato Brasileiro. Um jogo bom de segunda divisão na Alemanha é mais ou menos como o último Flamengo e Botafogo. Acho que estou exagerando, vai. O time do Flamengo realmente é forte. Mas, um jogo normal no Campeonato Brasileiro é uma partida de segunda divisão na Alemanha, hoje. A seleção brasileira é muito boa porque tem jogadores excelentes espalhados pelo mundo, mas o campeonato nosso… Estava conversando com amigos uruguaios outro dia, sobre a desproporção enorme entre seleção e campeonato local. Talvez a maior que exista seja no lá, onde a seleção é boa, mas o nível do campeonato é péssimo. Mas no Brasil a desproporção também é grande. Na Alemanha, não; a seleção é muito boa e a liga igualmente.

Então: gentrificou muito, estandardizou, ficou tudo mais limpo, mais asseado… Mesmo a espontaneidade das populares atrás do gol e tal permanece, mas isso também está muito disciplinado. O futebol alemão melhorou dos anos 1990 para cá, de novo. Quer dizer, nos anos 1990 começou vencendo a Copa, depois a Eurocopa em 1996, e logo uma péssima Copa do Mundo em 1998. Tinha um time muito fraco em 2002, e ainda chegou à final porque é a Alemanha, que sempre consegue render o máximo possível. Teve um pouco de sorte, já que a Argentina caiu antes, vários times bons igualmente. A Inglaterra perdeu para o Brasil. Tanto é verdade isso que o Rudi Völler, que era o técnico da seleção da Alemanha naquele momento, ao ser perguntado se a tinha alguma chance de ganhar a final do Brasil, disse: “Tem, porque nem sempre ganha o mais forte.”. Tudo muito germânico, direto, o racional.

O futebol, de uma forma geral, tomou proporção muito mais positiva na sociedade alemã. O preconceito contra ele na intelectualidade diminuiu. O Detlev Claussen sempre destaca esse preconceito. Na Alemanha, classicamente, o futebol é coisa das camadas populares, mais ou menos como na Inglaterra, ou seja, cultura urbana, rock, cerveja. Quer dizer, quem que é o grande intelectual que falava de futebol na Inglaterra? O Hobsbawm, um cara ligado aos movimentos populares, membro do Partido Comunista. Existe um site que acho interessante vocês darem uma olhada: https://www.11freunde.de/. É uma revista, na verdade. Eles têm um portal excelente, que chamam de cultura do futebol. Tem até uma entrevista do PVC nesse site, de uns três anos atrás.

Nesses últimos tempos eu vivi em Berlim, uma cidade não propriamente futebolística. Apesar disso, tem vários times importantes, dois de maior destaque: o Hertha, onde jogou o Marcelinho Paraíba; e tem um outro time que até eu gosto mais, que é o Union Berlin, que joga a segunda divisão.  Mas há outros, como o Dínamo de Berlim, time oficioso, com ligações com a STASI nos tempos da Alemanha Oreintal, em contraste com o Union de presença mais operária, popular. Então, essa foi uma experiência muito legal em Berlim.

Uma das maneiras que eu conheci a cidade de Berlim foi indo a vários estádios diferentes, de times que jogam na segunda, na terceira, na quarta divisão. Fui ao estádio Olímpico ver o Hertha, mas frequentei muito o do Union. O Dínamo manda seus jogos num estádio que se chama Friedrich Ludwig Jahn, uma das grandes figuras da ginástica alemã… Então, isso tudo foi muito legal para mim. Eu me aproximei muito à cultura local do futebol, indo aos jogos, aprendendo com as torcidas, lendo muito material. Ali tem muita história legal, muito escrito bem feito sobre esses times, documentários, bons arquivos, memoriais.

O clássico “de esquerda” é o Union contra o St. Pauli, o time antifascista da Alemanha. Eu me lembro de que teve um jogo histórico St. Pauli contra o Dínamo Dresden. Tem muito radicalismo de direita na antiga Alemanha Oriental. Eles passaram o jogo inteiro xingando os jogadores e a torcida do St. Pauli. No final do jogo, o capitão do time, um turco, foi ao banco, pegou uma bandeira do clube, com a caveira e os ossos, foi ao meio de campo, cravou-a bandeira. Aquilo repercutiu pra caramba. Isso foi nos anos 1990, logo depois da reunificação. Foi bem interessante. Então, eles falam que o clássico do socialismo é o Union contra o St. Pauli, dois times mais ou menos irmãos. No caso do Union, canta-se o hino antes da equipe entrar em campo. A gravação oficial é da Nina Hagen, que toca nos autofalantes. É muito legal… Aí eles apresentam jogador por jogador. O hábito na Alemanha é sempre dizer o nome do jogador e a torcida responder com o sobrenome. Na hora da substituição também.

Sabe o Élber, o centroavante? Começou no Londrina, fez um mundial sub-20 muito bom em 1991 (o Brasil perdeu a final nos pênaltis para Portugal, o da geração do Figo) e teve o passe vendido para o Milan por um milhão de dólares. O Milan o emprestou para um time da Suíça. Depois foi para o Sttutgart, onde jogou quatro anos, e logo para o Bayern de Munique, fazendo uma carreira longa lá. A até uns dois anos, era o jogador estrangeiro com mais gols na liga alemã. O peruano Pizarro, que já tem quase 40 anos de idade, o ultrapassou. O Élber é ídolo até hoje no Bayern. Em 2002, o clube chegou para ele no começo do ano e falou: “Olha, é o seguinte: tem Copa e os atacantes alemães têm de jogar. Você não vai ter tanta chance porque não dá para deixar os caras no banco.”. Aí ele foi para o Lyon. E eles foram jogar em Munique pela Liga dos Campeões. Foi a primeira vez depois de tantos anos que ele entrou no vestiário visitante como jogador.  Foi um jogo muito duro, de igual para igual, e ele marcou um gol no segundo tempo. Deu uma virada em cima do zagueiro e finalizou. O Lyon ganhou a partida. Quando faltavam uns trinta segundos, ou coisa parecida, para terminar a partida, o técnico do Lyon o substituiu. Quando ele estava saindo o locutor do estádio disse: “Giovaneee…”. E a torcida inteira do Bayern, seu adversário, levantou e gritou o nome dele: “Élber”, ou \elːbɐ\ como eles pronunciam. Ao sair do campo, foi aplaudido de pé.

Isso também é um pouco diferente aqui. Embora aqui esteja mudando, a memória do time é muito forte lá. Fica muito mais presente do que aqui. Eu tenho a impressão de que no Brasil a devoção sobre o time é tamanha que supera quase qualquer coisa.

Confira a última parte da entrevista no dia 22 de fevereiro!

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