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Ita (parte 2)

Equipe Ludopédio 22 de junho de 2011

Mais do que reconhecido, o futebol feminino ainda precisa ser apresentado ao Brasil. Para além da Seleção Brasileira, as meninas e mulheres vivem em um cenário repleto de histórias, contradições, injustiças, vitórias e derrotas. Confira estas e outras questões nesta primeira de uma série de entrevistas dedicada ao futebol feminino que publicaremos nos próximos meses. Iniciamos com a polivalente Ita – jogadora, treinadora, dirigente e professora que circula há mais de vinte anos pelo futebol amador de São Paulo. Aproveitamos também para agradecer aos colegas da equipe de pesquisa do Museu do Futebol pelas dicas e sugestões.

Ita é destaque de jornal em campeonato de futebol amador. Foto: Arquivo Pessoal.

 

 

Primeira parte

O uniforme sempre foi uma discussão entre as jogadoras: aquelas que preferiam os mais agarrados e outras que preferiam os mais largos?

Na várzea, as pessoas ainda se importam muito com isso. Isso é interessante. Dentro dos meus trabalhos, tomo muito cuidado com os uniformes. A roupa ajuda muita a revelar a sensualidade e expor um pouco a beleza que a mulher tem, mas que em alguns certos ela prefere esconder na prática do futebol. Na várzea, adota-se mais esse estilo de roupas largas e grandes. Hoje a maioria dos campeonatos expressivos em São Paulo dificilmente se vê esse tipo de imagem. Se observar as equipes de ponta, por exemplo, o Botucatu, a parte de vestuário é muito boa. Tenho uma admiração pela equipe pelo modo de se vestirem. Os uniformes são super femininos, ajustados ao corpo. O São José também tem um vestuário invejável. Adoro ver também o pessoal de Franca. O Santos tem hoje shorts muito grandes, o Juventus também. A Federação Paulista teve, há alguns anos, o cuidado e delicadeza de criar seus próprios uniformes, fornecendo a todas as equipes o mesmo material, para que todos se vestissem de modo padronizado. Isso foi muito bacana. Mas isso foi feito uma vez, depois nunca mais. Hoje se adotou essas mudanças, o que é bom. Devemos criar essa cultura principalmente com as meninas que estão iniciando: “olha, precisa cuidar da aparência, com uma modelito de uniforma mais bacana”. Algumas pessoas não têm essa preocupação. As meninas têm um papel fundamental nisso, pois as comissões técnicas no futebol feminino são formadas por homens. A maioria dos homens não tem essa sensibilidade de observar isso. A preocupação deles é com o futebol em si, não com a aparência. O uniforme da minha atual equipe de Mogi melhorou 30%, mas ainda foge ao padrão que eu acho ideal. Deveria existir um pouco mais um envolvimento feminino. Mas o pouco que mudou já ajudou muito.


Depois do Corinthians, em 1998, quais foram seus próximos passos?

Depois retornamos ao Elite quando acabou o Paulistana e começou aquele processo de seleção das jogadoras mais novas e com melhor aparência física. Eu já estava com uma idade mais avançada. Após alguns anos, veio uma liga do interior, com um novo campeonato feminino. Nesta época, eu já tinha ido para oi São Caetano. Lá juntamos todo o grupo do Elite com quem trabalhei anteriormente. Inclusive o Moreno. Foi quando surgiu esse primeiro campeonato do Interior. Rodamos quase todo o interior de São Paulo, pois era um jogo em casa e outro fora de casa. Foi bacana. Essa Liga promoveu dois campeonatos, super bem organizado, com muitas equipes participantes, não teve problemas. Foi maravilhoso. A Federação começou a acompanhar, gostou e pegou a ideia: “Opa, pera aí, vamos administrar”. Fez uma parceria com a Liga. Fizeram o terceiro campeonato, que também foi muito bom. Tiveram a ideia de promover uma renovação, criando o campeonato de Sub-17. A Federação cresceu o olho, surpreendeu as expectativas, abraçou a ideia tirou da mão da Liga e fizeram um campeonato. Contou inclusive com a participação dos principais clubes de São Paulo. Dali em diante a Federação Paulista passou a organizar tudo. Ficou fazendo só a divisão principal, sem organizar um sub-17. Agora a Prefeitura está organizando, pelo quarto ano seguido, as divisões de base para tentar renovar. Temos hoje 44 equipes participando do sub-17 e sub-15. Cada ano que passa cresce mais. Nossa equipe está participando.

Ita recorda histórias que vivenciou no futebol feminino amador. Foto: Equipe Ludopédio.


Como foi a passagem da jogadora Ita para a Ita educadora social?

Começou a surgir em 1996. Perdemos nosso treinador Wilson no Elite. Ele ficou cansado, após anos e mais anos tentando, sem ajuda de ninguém. Optou por descansar um pouco, cuidar um pouco mais da vida dele. Vi que íamos acabar com a saída dele do futsal. Todos começaram a entrar em desespero. Precisava de alguém para treinar, se não todos acabariam indo embora. Falei: “Sempre fomos todos amigos aqui, sempre ajudamos o Wilson em tudo, vamos dar continuidade. Não vamos ter um treinador, mas vamos continuar com o mesmo grupo”. Lá, tínhamos que ir atrás de tudo: bola, materiais, treinos. A responsabilidade acabou ficando comigo. Fui me envolvendo e gostando. Tivemos a ideia de crias as divisões de base, sub-15 e sub-13. Deu certo, foi crescendo, começamos a participar da Federação. Depois de um tempo, outras pessoas foram abandonando, já cansadas, mas eu fui ficando. Já não estava mais só com uma equipe. Cuidava das menores, tomava conta da equipe adulta e jogava também. Fazia essa salada toda. Tal como hoje. Depois que saímos do Elite fomos para o São Caetano me dediquei mais ao trabalho como atleta. Lá fiquei por quatro anos. Retornei e comecei a fazer um trabalho com as divisões de base masculinas. Abri ainda uma escolinha de futebol particular aqui em Guaianases.


A palavra chave é cansaço…

Para muitos. Mas já vivo isso há mais de quinze anos e não sinto esse cansaço. Todo dia eu deito pensando no que vou realizar amanhã e acordo ainda mais motivada.

Ita atuou como jogadora, treinadora, dirigente e professora que circula há mais de vinte anos pelo futebol amador de São Paulo. Foto: Equipe Ludopédio.

Quais são seus projetos atuais?

São vários. Realizei a maioria dos projetos em Itaquera. Como eu Moro em Guaianases, um dia eu parei e pensei: “poxa, por que eu tenho realizado coisas somente em Itaquera?”. É legal, gostoso e o que eu amo fazer. Mas percebi que tinha que realizar algo mais voltado ao meu bairro. Foi quando iniciei meu curso de Educação Física. Depois parei e fiquei oito anos sem estudar. Pude conhecer o CEU Jambeiro e comecei a participar das atividades. Solicitei um espaço físico para desenvolver trabalhos com a comunidade, como voluntária mesmo. Além disso, uma amiga iniciou um trabalho em Poá (cidade próxima de Guaianases) e me convidou para participar como atleta e treinadora. Fizemos uma ótima participação nos Jogos Regionais. Aqui no CEU passei a receber meninas de inúmeros lugares: Itaquera, Cidade Tiradentes, Prestes Maia, Itaim Paulista, São Miguel etc. As pessoas vêm muito por me relacionar ainda ao que desenvolvemos no Elite Itaquerense na década de 1990. Hoje estamos atendendo oitenta crianças, matriculadas gratuitamente.


Quais são os principais problemas e desafios destes projetos?

Acho que é a falta de uma visão política que desse mais atenção a estes trabalhos, especialmente quando é formado no bairro, políticos que moram aqui, conhecem nossa realidade, nossas dificuldades. Esse pessoal não procura ajudar ou mesmo saber como funciona. Muitas vezes só nos procuram quando lhes interessam, ou seja, em época de campanha política. Aí eles aparecem.

Ita ao lado do jogador Elano. Foto: Arquivo pessoal.

Vários candidatos te procuram?

Muitos. A maioria aqui da região mesmo. Ficam só no “precisa ajudar”. O Senival nos ajuda um pouco, principalmente no que se refere ao transporte. Eles têm uma cooperativa de transporte.


Com a chance de ter jogos da Copa em Itaquera, você acha que melhora o cenário esportivo da região?

Não acho. Vi recentemente uma entrevista da Marta. Perguntaram para ela o que seria mais interessante e bacana para o futebol feminino. Ela disse: “É ver o estádio cheio, aplaudindo, torcendo”. Não acredito muito nos efeitos da Copa. Acredito será uma coisa muito mais política, envolvendo certos interesses, do que qualquer outra coisa. Será bom para o país, para a cidade? Em partes, sim.

E para Guaianases?

Melhorará naqueles 30 dias do evento. Após esse período, vai voltar ao normal, de esquecimento, ao que era sempre. Para o futebol feminino, menos ainda. Como a própria Marta comentou. Seria interessante se fosse sempre como naquele período do Pan-americano. Mais depois tudo voltou ao normal. Vivo essa realidade todos os dias. Vou sempre procurando articular contatos com comerciantes locais. Digo que preciso de trinta pares de meia. Na média, isso dá R$60,00. Isso para eles não é nada. Quando consigo é porque insisti muito, venci pelo cansaço. E vai ser assim sempre. Por isso, todas as pessoas que iniciam um trabalho com futebol feminino se cansam em determinado ponto.

Ita ainda continua jogando futebol amador. Foto: Equipe Ludopédio.

 

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