40 Anos da Copa de 1978

Depoimentos de jogadores da Seleção

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 10 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, a décima primeira edição do torneio organizado pela FIFA. São eles: Emerson Leão, Oscar, Edinho, Carlos, Waldir Peres, Reinaldo, Nelinho, Zico, Rivellino e Polozzi. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil. O depoimento a seguir foi concedido no dia 07 de dezembro de 2012, no bairro do Brooklin, em São Paulo, nas dependências da escolinha de futebol do ex-jogador.

Entrevistadores: Bernardo Buarque (FGV/CPDOC) e Felipe Santos (Museu do Futebol); Transcrição: Fernanda Antunes; Edição: Pedro Zanquetta

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  Rivellino e seu drible chamado elástico. Ilustração: Xico.

Rivellino

O paulistano Roberto Rivellino nasceu em 1º de janeiro de 1946. Filho de Nicolino, o “seu Nicola”, que o assessorou e acompanhou por toda a carreira, e de Iolanda, desenvolve o gosto pelo futebol ainda na infância, ao jogar na rua com os amigos e ao assistir jogos de várzea. Começa a jogar no Clube Atlético Indiano, em São Paulo. Ganha uma oportunidade no Palmeiras, então o time do coração, mas, insatisfeito com a falta de atenção, deixa o clube. Logo depois, recebe outra chance, no Corinthians. E é no clube do Parque São Jorge que desponta. Quando chega aos Aspirantes, em 1964, começa a atrair a torcida corintiana. Em 1966, vai para o Profissional, onde logo vira um dos principais jogadores. Em 1968, ganha sua primeira chance na Seleção Brasileira, e já começa a se credenciar para ir à Copa de 1970. Após ficar na reserva com João Saldanha como técnico, passa a titular da Seleção sob o comando de Zagallo. Convocado para a Copa, atua em todas as partidas, e destaca-se na conquista do terceiro título mundial. Já chamado de o “Reizinho do Parque”, continua a se destacar no Corinthians e mostra talento em lances como o drible “elástico” e no chute forte. Mas a falta de um título paulista só faz a pressão da torcida aumentar. Em 1974, já como o principal destaque da Seleção, é convocado para a Copa do Mundo, onde tem boas atuações e se consolida como o principal jogador da equipe, mesmo com o quarto lugar no Mundial. Após derrota para o Palmeiras, na final do Campeonato Paulista de 1974, deixa o Corinthians, no início de 1975, e vai para o Fluminense. No clube carioca, forma a chamada “Máquina Tricolor” e nela se destaca. Bicampeão estadual, chega a duas semifinais de Campeonato Brasileiro, em 1975 e 1976. Em 1978, convocado para mais uma Copa do Mundo, uma lesão faz com que só dispute a primeira e a última partida do Brasil no Mundial. Depois da Copa, vai para o Al-Hilal, da Arábia Saudita. Em três anos, conquista um Campeonato Saudita e uma Copa do Príncipe. Volta ao Brasil, em 1981 e encerra a carreira. Monta então uma escolinha de futebol, no bairro paulistano do Brooklin, onde sempre viveu. Convidado por Luciano do Valle, torna-se comentarista da TV Bandeirantes, em 1984. Em 1987, é um dos destaques da Seleção de Masters montada e treinada por Luciano do Valle. Em 1994, tem rápida experiência como técnico, no Shimizu S-Pulse, do Japão, mas logo retorna ao Brasil. Em 2003, tem passagem breve pelo Corinthians, na condição de diretor de futebol.  Em paralelo, comando a escolinha e retorna à tevê em 2012, sendo debatedor do programa Cartão Verde, da TV Cultura.

 

De início, gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.

Meu nome é Roberto Rivellino. Eu nasci no bairro da Aclimação, em São Paulo, no dia 1 de janeiro de 1946. Quando eu tinha 2 ou 3 anos, meus pais se mudaram para a região do Brooklin, onde passei toda a minha infância.

Quais são suas lembranças do Brooklin, na década de 1950?

Essa região marcou muito minha vida porque eu acordava e já ia jogar bola descalço na rua. Naquela época, ainda não havia asfalto, a água do rio era limpa e podíamos pescar e nadar. Graças a Deus, eu tive uma infância livre e podia empinar pipa, jogar bolinha de gude, rodar pião, acender fogueiras, soltar balões e disputar peladas. Havia pouquíssimo fluxo de carros e nos divertíamos sem preocupação. Fico triste que meus filhos não puderam ter esse prazer de brincar na rua. A minha felicidade era tanta que cheguei a escrever um livro chamado Saí da Rua, Roberto! Essa era a frase que minha mãe mais dizia.

Em meus aniversários, eu sempre pedia uma bola de capotão. Não queria outra coisa e, até na hora de dormir, não me desgrudava dela. Eu costumava ir até o açougue mais próximo e pedir sebo para passar nela. Se chovia, não tinha jogo porque eu tinha medo de estragá-la. Geralmente, quando a minha bola já estava ruim, chegava o aniversário do meu irmão e pedíamos uma nova. Na hora de jogar, íamos descalços porque, infelizmente, não havia tênis. Eu tinha uma crosta enorme no pé. Quando eu me machucava, passava areia na região, enrolava com um pano e estancava a ferida. Depois, quando chegava em casa, minha mãe lavava tudo com sabão. Hoje, na minha escolinha, os garotos caem, nem se machucam e já pedem um Mertiolate.

Em que seus pais trabalhavam?

É difícil falar sobre meu pai, pois eu o perdi há dez anos e desato a chorar. O nome dele era Nicolino. Ele foi bastante importante na minha vida e, desde criança, sempre esteve ao meu lado. Durante um período, ele teve uma granja e, como eu sempre gostei de bichos, levantava cedo para ir colher os ovos. Eu também ajudava o meu pai a segurar os perus para vaciná-los e a cortar couve e misturá-la com ovos para eles comerem… Portanto, minha infância foi no mato. Em minha casa havia um pomar de laranja e bastava eu esticar a mão para apanhar a fruta.

Quando eu me tornei atleta profissional, o meu pai foi meu empresário e, em conjunto com meu irmão, cuidou da minha carreira. Nós discutíamos os valores dos contratos e resolvíamos tudo, sem problema algum. Ele era um amigo e uma pessoa fantástica. Eu sempre tive vontade de ter um sítio e ele encontrou um para comprarmos em Vinhedo, onde construí um campo de bocha para ele. Nós jogávamos bastante.

Já a minha mãe é outra santa.  Há três semanas ela completou 90 anos e organizamos uma festa para ela. Ela ficou muito feliz. Toda segunda feira eu a busco em sua casa e almoçamos. A velhinha está bem e ainda vai enterrar muita gente.

Tanto ela quanto o meu pai foram fundamentais em minha carreira. Quando eu comecei a treinar no Corinthians, eu fazia aquilo com o maior prazer e emoção, porque eu morava perto do clube Banespa, em Santo Amaro, e pegava um ônibus até o ponto final do Anhangabaú. Lá, eu subia a escadaria, passava pela Rua Direita, pela Praça da Sé e ia até a Praça Clóvis, onde tomava o coletivo São Judas – São Jorge para chegar ao Parque São Jorge. Eu saia às cinco e meia da manhã e chegava lá às sete e meia. Não havia a mordomia de hoje. O treino acabava às onze horas, eu tomava banho, fazia todo o percurso novamente e chegava em casa às duas da tarde.

A minha mãe sempre me esperava com a comida pronta, pois até hoje não gosto de almoçar fora de casa.  Ela é uma ótima cozinheira. Antigamente, as mulheres eram mais prendadas em termos domésticos, hoje, elas são prendadas fora de casa, ocuparam outros espaços e devem ter os mesmos direitos que os homens. Contudo, no passado, a mulher se casava para tomar conta da casa, do marido e dos filhos. Hoje esse conceito mudou.

Essa minha rotina era uma coisa maravilhosa e o fato de eu ter feito tudo com amor e carinho, culminou no desenvolvimento da minha carreira dentro do Corinthians.

Quantos irmãos você tem?

Somos três irmãos. A Vilma, a irmã mais velha; o Abílio; e eu, o caçula.

Você conheceu os seus avós?

Eu conheci mais os meus avós maternos. O pai da minha mãe também se chamava Abílio e a mãe dela, Esperança. Já o meu avô paterno era o Biagio Rivellino e a avó, a Pina. Ele era italiano e possuía uma olaria que ocupava um bom pedaço do bairro do Brooklin. Há uma fotografia em que ele aparece usando bigode e segurando uma garrucha enorme de dois canos.  Era invocado.

Então, sua família se formou a partir da mistura de imigrantes?

Exatamente. A família da minha mãe é portuguesa, da Ilha da Madeira, e a do meu pai, italiana. Minha raça que é complicada. Há um tempo atrás fiquei muito feliz ao ser convidado pelo prefeito de Macchiagodena, da província italiana de Molise, para receber o título de cidadão honorário. Eu tive o prazer de passar dez dias lá e de conhecer toda aquela região. Visitei, inclusive, a casa onde meu avô viveu e chorei bastante porque lembrei do meu pai. Esse título, além do carinho e respeito que os italianos demonstraram por mim, é inesquecível e não há dinheiro no mundo que pague. Sinceramente, foi uma das coisas mais incríveis que aconteceram na minha vida.

Você chegou a concluir os estudos fundamentais?

Eu nunca fui muito chegado a estudar e fiz apenas o ginásio. Eu ia à escola, não é? Mas, graças a Deus, eu tinha o dom de jogar bola. Quando comecei a treinar no Corinthians e, consequentemente, a faltar às aulas, um professor de Língua Portuguesa que não ia com a minha cara, me questionou: – “Rivellino, porque você não veio à escola ontem?”. Eu justifiquei: – “Fui treinar no Corinthians”. Ele rebateu: – “Isso não dá futuro”.  Respondi: – “Isso é problema meu.”. Ele acabou me retirando da classe. Aquilo era problema meu e não dele, não é? Podia me mandar embora, mas não tinha direito de dizer aquilo. Se meu pai me dava força, por que um professor queria reclamar comigo? Guardei isso na memória e, em 1971, quando retornei do México como campeão do mundo, comprei um Mustang novo azul e branco. Certo dia, parei no sinal e quem estava ao lado em um fusquinha? Meu professor de português! Nada contra Fusca. [risos] Afinal, meu primeiro carro foi desse modelo. Mas, apertei a buzina alta do meu carro e dei um susto nele. Então, falei: “E aí professor, como está?”. Ele respondeu: – “Tudo bem.” Em seguida, acelerou e foi embora.

A verdade é que nunca gostei mesmo de escola. Cursei o ginásio e comecei a jogar bola. Eu levantava cedo e só voltava no meio da tarde, dessa forma, só poderia estudar à noite e não sei se havia ensino noturno naquela época. Recordo de pensar: “Eu quero o futebol. É isso que eu gosto”. Era o meu desejo. Hoje é diferente e muitos pais impõem que o filho jogue para ser um Neymar, um Ronaldo ou um Pelé da vida. 

Durante sua infância, você tinha o hábito de frequentar estádios?

Não, eu fui pouquíssimas vezes. Naquela época, a várzea era maravilhosa e meus ídolos estavam lá: o Chiquita, o Adílson, o Miranda… Eles jogavam demais. No Morumbi, havia dois campos, um ao lado do outro, e todo domingo eu os assistia. Muitos olheiros de equipes profissionais iam até lá para levá-los, porém eles recusavam as propostas porque já tinham seus empregos. Os valores que os olheiros ofereciam não eram os de hoje e eles preferiam continuar com suas vidas porque tinham prazer em jogar na várzea. Isso era o importante.

Eu tenho um pensamento de que a pobreza de talentos que temos hoje no futebol brasileiro está relacionado ao sumiço da várzea. Recentemente, elegeram o Bernard como revelação do Campeonato Brasileiro, contudo ele já está atuando há três anos entre os profissionais. Apontam ainda o Fred como craque do torneio. Sem dúvida, devemos aplaudi-lo pelo que ele é, porém já tem quase 30 anos e, durante todo este tempo, não apareceu mais ninguém. O desaparecimento da várzea, sem dúvida, influencia nisso.

Embora eu tenha desenvolvido essa relação com o futebol amador, acompanhei alguns jogos em estádios. Por exemplo, estive na histórica partida entre Santos e Botafogo, no Pacaembu, e vi de um lado, Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo; e, do outro, Doval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Eles eram fantásticos. Eu era palmeirense, em razão de ser descendente de italianos, e não ia aos jogos, mas acompanhava o treinamento do time, que treinava no clube do Banespa, e ficava admirando os atletas alviverdes. Aquela era a época do Valdir de Moraes, do Djalma Santos, do Aldemar, do Valdemar, do Geraldo Scotto, do Zequinha, do Chinesinho, do Júlio Botelho e, talvez, do Vavá.  Eu os observava, mas não ia ao estádio porque só queria jogar com a minha turma. Era bem legal na rua, pois se estávamos em dez, separávamos cinco para cada lado, sem escolher. O nível de todos era quase igual. Todo mundo realmente jogava bem. Hoje, na minha escolinha, nós precisamos dividir os times. Sabemos aqueles que jogam melhor e também percebemos quando algum não está com vontade. Fazemos isso para equilibrar e também motivá-los. Já na minha época, cada grupo tomava seu lado e o pau comia. Ninguém queria jogar no gol e fazíamos golzinhos pequenos com pedras. Isso era bem melhor, pois aumentava nossa habilidade na finalização. 

Qual foi a primeira Copa do Mundo que você acompanhou?

Foi o Mundial de 1958, quando eu já tinha 12 anos. Eu acompanhei esse e o seguinte, de 1962, com meu pai, pelo rádio. Aquelas foram duas copas parecidas em que tínhamos seleções brasileiras incríveis que encantaram o mundo. E foi na primeira dessas Copas do Mundo que apareceu aquele jogador que não sabe nada, o Pelé. [risos]

Quando você deixou de apenas brincar na rua para começar a vislumbrar uma carreira de atleta?

Antigamente, não tínhamos essa ideia de: “Eu quero jogar, vou ser jogador.” O sujeito gostava, ia jogando e podia aparecer uma oportunidade. Como a concorrência e a qualidade eram enormes, ficava difícil. No meu caso, eu era palmeirense e, na minha infância, jogava futebol de salão pelo Banespa[1] e futebol de campo pelo Indiano[2]. Certa vez, calhou de decidirmos um título de salão contra o Palmeiras. A primeira partida foi em casa. Meu pai dificilmente me acompanhava nesse tipo de jogo, porém ficou sabendo que era uma decisão e decidiu ir. Eu, realmente, era danado no salão. Jogava bem e ia para cima, mesmo com aquelas bolas ruins da época. O treinador do juvenil do Palmeiras na época era o Mário Travaglini[3]. Ele gostou de me ver atuar e me procurou. Infelizmente, existe até hoje uma mística de que quem joga bem no salão, não joga campo. Isso deixou o Mario desconfiado, todavia meu pai esclareceu: – “Ele também joga futebol de campo”. Então, um padrinho meu me levou ao Palmeiras. Treinei dois dias e nada. Não é porque eu sou o Rivellino que ele tinha que olhar para mim. Entretanto, eu sou canhoto e quando alguém assim é bom, a maneira de bater, de conduzir a bola e de driblar é diferente. De vez em quando, eu fazia uma jogada bonita, olhava para o treinador e ele nem estava aí.

No terceiro treino, ele separou um grupo em que eu estava e alertou: – “Se vocês quiserem, podem se trocar, mas não sei se vão treinar”. Eu retruquei: – “Não pedi para vir aqui, pô.” Eu sou meio pavio curto e soltei o verbo. Disse então para meu padrinho: – “Vamos embora”. Expliquei o que havia acontecido e partimos.

Nesse ínterim, um membro do Indiano, o seu Paulo Laguna, era diretor do Corinthians e começou a me indicar para o João Cerino, responsável pelo futebol amador do Timão. Era final de ano e ele marcou um dia para eu ir até lá treinar. Eu ia decidir a final do futebol de salão no Palmeiras e acabei arrebentando com o jogo. O Mário Travaglini estava assistindo e eu nem liguei para ele. Quando acabou a partida, ele foi me procurar e disse: – “Olha, quero pedir desculpa porque naquele treino eu não fui legal, mas, no ano que vem, eu gostaria que você estivesse conosco”. Eu respondi: – “Não, agora eu vou para o Corinthians”. Ele insistiu: – “Mas eu mando um carro te apanhar em casa”. Refutei, por fim: – “O senhor não está entendendo, agora irei para o Corinthians. Obrigado e tchau”. Assim, na virada de 1962 para 1963, começou minha trajetória no Timão que, graças a Deus, me recebeu de braços abertos. Eu sequer fui para peneira, já comecei trabalhando com o José Castelli[4], o Rato, que estava preparando a equipe juvenil para um campeonato. Uma pessoa que me ajudou demais nesse momento de chegada foi o Mendes[5], capitão do time juvenil. Ele me apresentou para todo mundo e me deixou bastante à vontade. Mais tarde, atuamos juntos na equipe principal.

Em 1964, eu me lembro de falar para meu pai que eu seria titular do juvenil porque um meio-campista, chamado Serginho, passaria da idade e deixaria a vaga. Contudo, o time não estava ganhando e o José Castelo resolveu me colocar no lugar dele ainda em 1963. Para minha felicidade, comecei muito bem.

No ano seguinte, retomaram o campeonato de aspirantes nas partidas preliminares e eu estava entre aqueles que formavam a equipe alvinegra. Contudo, o time principal estava sem um meio-campista e o Luís Trochillo[6], um dos outros meias, disse para o Paulo Amaral[7], treinador na época: – “Tem um moleque lá embaixo que joga muito bem, convoque ele”. Na primeira partida pelos aspirantes, tive uma boa atuação e fui embora direto para casa. Na segunda-feira, ao retornar ao clube, já me colocaram para treinar entre os profissionais. Como não retornei para o juvenil, o Paulo Amaral mandou me chamar e disse: – “Faça o favor, porque você não voltou com a gente depois do jogo?”. Eu disse: – “Ué, acabou a partida, eu fui para casa”. Ele reclamou: – “Não, você não entendeu. Os atletas só são liberados no dia seguinte”. Eu realmente não sabia que voltávamos para a concentração depois dos jogos. Apesar dessa confusão, continuei atuando bem na equipe aspirante, tínhamos um time fantástico e fomos campeões. O Antônio Guzman[8], do Diário da Noite, chegou a escrever: “Vá mais cedo ao estádio porque tem um garoto muito bom nos aspirantes”. E, realmente, o pessoal da torcida do Corinthians começou a assistir nossas atuações para acompanharem eu e o Sérgio Echigo[9], o japonês, com quem aprendi o famoso drible elástico.

Naquele ano, o treinador do time principal era o Roberto Belangero[10] e eles estavam apanhando de todo mundo. Começou então uma pressão para me colocarem no profissional. O Roberto, uma pessoa fantástica, me chamou um dia e disse: – “Riva, não vou te colocar, não adianta. O time está mal e você pode se queimar.” Eu respondi: – “Fique à vontade, eu quero jogar. Se amanhã você achar que preciso atuar, eu vou. Porém, se não achar, você está no seu direito e eu respeito, sem problema nenhum”. Assim, permaneci nos aspirantes em 1964 e estreei somente em 1965, já com o Osvaldo Brandão[11] dirigindo o Corinthians.

Como se deu a assinatura do seu primeiro contrato profissional?

Em 1964, eu levava gente para o estádio e já me projetavam para a Seleção Brasileira, todavia recebia apenas uma ajuda de custo, ou seja, o dinheiro para pagar a condução. Era o acordo. No ano seguinte, eu aceitei um contrato de gaveta absurdo porque disseram ao meu pai: – “Se você não assinar, teu filho não joga”. Além disso, eu me lembro do Wadih Helu[12], o presidente na época, me dizer: – “Não posso te dar muito dinheiro, pois não sei se você será bom jogador”. Quando consenti aquilo, perdi minha liberdade, pois não custei nada ao clube e só tinha direito a quinze por cento do meu valor, em caso de venda.

Em seu percurso da rua para o futebol de salão e, de lá, para o futebol profissional, seu posicionamento em campo e suas características já estavam definidas? 

No salão, eu era um ala, apesar de que rodávamos muito e não tínhamos uma posição bem definida. O único mais fixo era o Chupim, que ficava na frente para receber a bola lançada pelo goleiro e a ajeitar para quem chegava. Pela minha facilidade de bater na bola, eu gostava de vir de trás. Já no campo, como era canhoto, queriam me escalar na ponta-esquerda. Eu dizia: – “Por ali, não. Quero jogar no meio”. Eu não era rápido e, naquela época, os pontas eram velocistas e ficavam abertos para receber a bola no fundo. Eu, em contrapartida, pensava e tinha facilidade para meter a bola, chegar ao ataque e finalizar bem. Eu podia até jogar na ponta, receber atrás e tentar o drible, que era minha característica, porém, preferia atuar mais centralizado. 

Você procurava treinar para apurar a potência do chute e a precisão dos lançamentos?

Não, essa era uma característica minha e jamais treinei maneiras de bater na bola. Se me perguntarem: – “Como você chuta?”. Responderei: – “Da mesma forma que você”. Agora, se a bola anda mais rápido, talvez seja em razão do jeito que se bate. Sem dúvida, não era pela força. Todavia minha facilidade me faz dominar a bola e, com pouco espaço, lançá-la a quarenta ou cinquenta metros. Eu não preciso tomar distância para chutar. Não sei como aprendi isso e também não sei ensinar. Isso é um dom que Deus me deu.

Em 1966, você já vislumbrava a possibilidade de integrar a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Inglaterra?

Eu já era profissional e, logicamente, almejava isso para minha carreira. No ano anterior, ocorreu um amistoso, no Pacaembu, entre um combinado de jogadores paulistas e a seleção da Hungria para o qual fui convocado. Foi a primeira vez que vesti a camisa da Seleção Brasileira e nós vencemos. Naquele mesmo dia, a seleção principal enfrentou a União Soviética, no Maracanã. Anos depois, em 1968, fui convocado pelo Aymoré Moreira[13] para uma excursão da Seleção Brasileira. Ali montamos o tripé, um meio de campo com três canhotos: eu, o Gerson e o Tostão. Fizemos uma série de jogos e fui considerado o melhor jogador da turnê. Assim, começou a minha trajetória dentro da Seleção Brasileira. Em 1969, disputei as Eliminatórias para a Copa do Mundo e, em 1970, o Mundial. Permaneci até 1978, ou seja, fiquei praticamente dez anos dentro do selecionado.

O final dos anos 1960 foi um momento conturbado na história do Corinthians devido à ausência de títulos. Como você vivenciou isso?

Eu peguei esse barco, mas fazia parte. Fiquei praticamente onze anos no Timão e, mais do que ninguém, queria ser campeão pelo clube. A partir disso, eu elevaria meu nome, ganharia regalias e melhoraria o meu contrato. Tudo era benéfico. Infelizmente, não era para eu conquistar títulos lá.

Analisando tudo que passou, a impressão que eu tinha é de que não havia interesse da imprensa, ou de uma certa cúpula de pessoas, de que o Corinthians fosse campeão. Nós éramos muito prejudicados. As coisas se passavam na frente de todos e não acontecia nada. Sou sincero e sei que a nossa equipe era a pior de todas se comparada às dos nossos adversários. Éramos inferiores até ao time da Portuguesa. Eu não sei se a administração era ruim, se contratavam errado ou se o treinador não ajudava. Apesar disso, sempre brigávamos pelos títulos. Podíamos ter disputado duas vezes a final do Campeonato Brasileiro e nos impediram. Uma vez em Minas Gerais, contra o Cruzeiro, e outra, no Rio de Janeiro, contra o Botafogo. Houve até uma declaração do Valtencir[14], zagueiro do alvinegro, onde assumia: – “Eu cometi a infração, mas o juiz não deu. Tenho culpa?”. Um negócio vergonhoso.

Já em relação ao Campeonato Paulista, o nosso time não era o melhor e mais competente. Peguei uma fase em que o Santos tinha um ótimo time, o Palmeiras vivia a Academia, o São Paulo, por sua vez, tinha a felicidade do presidente do clube, Laudo Natel[15], ser também governador de São Paulo e se sentar no banco de reservas. Os tricolores, em razão disso, foram bicampeões paulistas, em 1970 e 1971. Esses fatores, sem dúvida, influenciavam. Outra coisa que eu percebia é que quanto mais o Corinthians estava numa pior, mais jornais eram vendidos. Hoje, o clube está no êxtase e ninguém fala mal. Só falam sobre novas projeções e acredito que os periódicos não vendam tantas edições.

Todo esse período de dificuldades culminou em 1974, na decisão do Campeonato Paulista, contra o Palmeiras. Isso começou porque o Vicente Matheus[16], nosso presidente, erradamente decidiu realizar a última partida no Morumbi. Nós havíamos jogado a primeira no Pacaembu e empatado em 1 a 1. Quando recebemos essa notícia, estávamos concentrados em Águas de Lindóia e reclamei: – “Como assim, no Morumbi? Se quarta-feira não precisamos jogar lá, porque agora iremos?”. O Vicente Matheus gostava de dinheiro e acreditou na ideia de que o estádio lotaria e daria uma boa renda. Além disso, por trás dessa ideia estava o Osvaldo Brandão, um macaco velho. Quando fomos ao Morumbi, a grama estava tão alta que a bola não rolava. Não estou dizendo que seríamos campeões se jogássemos no Pacaembu, mas pela característica da nossa equipe e pelo que o estádio representava para nós, as possibilidades seriam maiores.

Durante a partida, sofri uma falta do Luís Pereira[17] que o juiz não deu e, na sequência, sofremos o gol que sentenciou nossa derrota. Então, apareceu uma pessoa chamada J. Hawila,[18] que somente trinta e poucos anos depois me pediu desculpas. Eu havia dado três ou quatro entrevistas para ele, mas não sei por qual razão resolveu desencadear uma campanha maldosa contra mim. A imprensa foi muito maldosa, sem-vergonha e tachou: “Rivellino é o culpado”. Eu não jogava sozinho, não é? O presidente do Corinthians e os demais jogadores se omitiram. Então, o maior presidente de clube que eu vi na minha vida, o Francisco Horta[19], veio do Rio de Janeiro para me contratar.

Nesta ocasião, o mandatário do Corinthians chegou a virar para mim e dizer: – “Como vou te vender, darei os quinze por cento a que você tem direito para o Horta”. Eu falei: – “Por isso não, presidente. O senhor pode ficar com essa porcentagem”. Ou seja, ele fez uma maldade. Eu nunca me vi vestindo outra camisa porque, para mim, a minha carreira terminaria naquele clube. Contudo, a pressão foi tão grande que cheguei ao ponto de conversar com a minha família sobre abandonar o futebol. Ainda bem que apareceu o Horta e tive a oportunidade de jogar no Rio, uma praça maravilhosa. Os cariocas já tinham um carinho grande por mim e, durante quatro anos, fui feliz lá. Eu guardo um carinho especial pelo Fluminense, pois os cariocas me abraçaram em um momento difícil na minha vida. Eu sou paulistano, corintiano e nunca desejei sair daqui, mas me mandaram embora e encontrei o Fluminense.

E a relação com a torcida corintiana durante esse período complicado, como era?

Eu nunca tive problema com eles. O que aconteceu foi que todos os veículos de imprensa começaram a falar mal de mim. O torcedor gosta de aparecer, pegou o barco andando e começou a reproduzir: – “O Rivellino não joga nada”. Se eu não era bom, como fui o maior jogador da equipe durante onze anos e até hoje dizem que fui o melhor atleta da história do clube? E quem diz isso, não sou eu, são os próprios torcedores. Portanto, caíram em si depois. Sem dúvida, posso ter tido minha parcela de culpa, afinal, eu fazia parte do grupo, porém é exagero eu ser o único responsável. Apesar disso tudo, até hoje o torcedor corintiano tem muito carinho e respeito por mim. A Estopim da Fiel[20] recentemente prestou uma homenagem a mim e até me emocionei. O Andrés Sanchez[21], que já considero o maior presidente da história do clube, construiu um centro de treinamento fantástico, batizou um dos campos com meu nome e me colocou na calçada da fama. Além disso, quando o Timão completou cem anos, ele fez questão de me convidar para a festa e, em seu discurso, citou três pessoas: a primeira-dama, o Ronaldo e eu, o qual chamou de “o maior jogador da história do Corinthians”. Ele diz que eu sempre saio pela porta da frente enquanto a maioria segue a de trás. Esse reconhecimento mostra que eu não estava errado e que os equivocados foram aqueles que me mandaram embora do clube no passado.

Como foi a sua primeira partida pelo Fluminense contra o Corinthians? 

Não podia ser melhor: eu fiz três gols. No futebol, isso é a coisa mais importante. É naquele momento que o atleta vibra, contagia seu torcedor e compartilha com ele aquele momento mágico. Muitos jogadores que surgiram ou jogaram em determinado clube não comemoram o gol quando anotam contra ele. Justificam: – “Eu não vou comemorar em respeito”. Isso não tem nada a ver. Penso que deve ter respeito pelo clube em que está, pois é um profissional. O mesmo que joguei no Corinthians, joguei no Fluminense. O único diferencial que eu tinha na equipe carioca era um presidente que formou um ótimo time, que ficou reconhecido por dois anos como a “Máquina Tricolor”. Não fui eu quem contratou um treinador fantástico e os jogadores certos para formar aquela máquina. No Corinthians, não tive essa felicidade de ver formarem uma máquina para ser campeã. Graças a Deus, no tricolor, fui bicampeão carioca, em 1975 e 1976. E merecíamos também ter sido campeões brasileiros. Tivemos duas oportunidades, contudo não conseguimos. Ainda assim, só tenho a agradecer ao Francisco Horta por ter acreditado em mim e pelos quatro anos maravilhosos que passei no Rio de Janeiro.

Atualmente, a Seleção Brasileira que venceu a Copa do Mundo de 1970, no México, é vista como aquela que materializou do futebol arte, contudo, o período de preparação para aquele torneio foi complicado e envolveu uma mudança de treinador. Quais são suas memórias sobre esse momento?

Inicialmente, nós tínhamos o João Saldanha[22] como treinador, que era muito prático. Na época, havia dois times fantásticos, o Botafogo e o Santos, e ele determinou: – “Meu time é esse”. Nós respeitamos. Ele jogava com dois pontas abertos, o Jair e o Edu, e o resto da equipe era Tostão, Pelé, Gerson, Piazza, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo. Essa era a equipe e ele não mexia. Dizia: – “Só sairá se jogar muito mal ou tiver uma contusão”. Dessa maneira, eu, o Clodoaldo, o Paulo Cesar e o Zé Maria estávamos no banco. Pô, a gente queria jogar. Durante todo o período das Eliminatórias, podíamos estar vencendo por 4 a 0 e, ainda assim, ele não fazia substituições. Apesar disso, existia uma expectativa de que ele iria me colocar e, em determinado momento, o Tostão não treinou e o Saldanha me disse: – “Vou te colocar como centroavante. Vá treinar”. Naquele coletivo formamos uma linha de frente com Jair, Gerson, eu, Pelé e Edu. Fomos bem, mas eu não me enquadrava. No final, ele me perguntou: – “Foi legal, não é?”. Respondi: – “Não, João, você não está entendendo, eu estou fora. Não sei jogar nessa posição, vou atrapalhar e não me sentirei bem. Quando tiver a oportunidade de atuar na minha posição, eu jogarei”.

Então, no penúltimo jogo das Eliminatórias, contra a Colômbia, no Maracanã, havíamos feito três ou quatro gols e ele disse: – “Aqueça, Riva”. Eu tomei um susto. Nunca me esquecerei disso. Eu joguei trinta e seis minutos, mas, quando entrei, ele tirou o Pelé e colocou o Paulo César. Eu queria jogar com o Negão, pô! Foi uma jogada porque eu fui muito feliz naquela partida, fiz gol tabelando com o Paulo César, coloquei uma bola na trave, meti uma rosca diferente para o Edu… No jornal do dia seguinte, quinta-feira, questionavam: “Quem jogou melhor: Rivellino ou Tostão?”. Ele atuou noventa minutos e eu apenas trinta e seis. Então, deixei uma boa impressão. No domingo, com recorde de público no Maracanã enfrentamos o Paraguai para decidir a vaga. Precisávamos ganhar e o pau comeu. O primeiro tempo acabou 0 a 0 e foi um jogo ruim. A equipe voltou dura do intervalo e, aos vinte minutos, a torcida inteira começou a gritar: – “Rivellino!”. Jamais me esquecerei disso. Foi demais! Eu nem olhava para o João Saldanha… [risos] De repente, graças a Deus, o Edu fez uma jogada, o goleiro rebateu e o Pelé marcou. Enfim, nos classificamos e começou o trabalho para a Copa do Mundo.

A partir dali, a imprensa carioca começou a dar pancada no Saldanha. O presidente Médici[23] se pronunciou manifestando querer a convocação do Dario. O João era fogo, tinha o pavio curto, e retrucou: – “Você convoca seu ministério, quem convoca a Seleção sou eu”. Depois disso, o Saldanha percebeu que iria sair. Eu não imaginava que isso pudesse acontecer, mas, para minha felicidade, do dia para a noite, tudo mudou, ele caiu e o Zagallo[24] assumiu. Eu me lembro da apresentação até hoje. O Edu é meu irmão, assim como a maioria dos jogadores daquela equipe, e eu estava sempre ao lado dele. É um gênio e havia sido eleito o melhor jogador das Eliminatórias. Pena que nasceu na época errada. Quando acabou a apresentação do Zagallo, ele me disse: – “Riva, não jogo mais na Seleção”. Respondi: – “Está de brincadeira, não é?”. Ele explicou: – “O esquema tático vai me matar”. Calhou que aquilo aconteceu de fato. Eu, o maior amigo dele, o substitui. Obviamente, eu queria jogar. Não é por causa da amizade que vou abrir mão de atuar. E, de fato, taticamente, o Zagallo tinha um esquema na cabeça. Em 1958 e em 1962, ele havia jogado recuando e queria uma pessoa para realizar esse trabalho. Até então, eu nem cogitava jogar na ponta-esquerda e ele tinha o Paulo César, do Botafogo, que fazia isso de olho fechado. Acontece que o Paulo fez uma graça em uma partida e os caras ficaram bravos. Além disso, uma parte da torcida o odiava. Coitado, mesmo fazendo dez gols, queriam ele fora da equipe. Dessa forma, na véspera da última partida preparatória, contra a Áustria, estávamos no Retiro dos Padres, no Rio de Janeiro, eu sequer havia treinado com os titulares e o Chirol[25] me avisou: – “Você vai jogar na ponta-esquerda”. Perguntei: – “Como é?”. Ele respondeu: – “O Zagallo vai te explicar”. Na minha cabeça, voltou aquela conversa que tive com o Saldanha. Então, questionei o Zagallo: – “Como é essa ponta-esquerda? Se você quiser alguém para ficar aberto por ali, pode usar o Edu, que faz isso com o pé nas costas, ou o Paulo Cesar…”. Ele explicou: – “Eu quero você, Clodoaldo, Gerson…”. Indaguei: – “Você dá liberdade para eu me movimentar?”. Ele disse: – “Você terá”. Ele queria uma chegada vindo de trás, porque o Gerson era mais um armador que se projetava à frente tabelando.

Aquela partida contra a Áustria foi o jogo da minha vida. Se fosse mal, tinha o Paulo Cesar lá fora, sem pressão e que fazia aquilo sem problema algum. Eu precisava então fazer alguma graça. Deus me ajudou e fui muito feliz porque ganhamos de 1 a 0 e fiz o gol com um chute de fora da área. Fui considerado o melhor em campo e começaram a chamar meu chute de “Patada atômica”. Dali em diante, eu me tornei titular e não saí mais do time.

Nesse momento em que o Zagallo assumiu a Seleção Brasileira como treinador, você sentiu uma mudança ou o estabelecimento de um novo planejamento?

Sem dúvida. Ocorreu uma alteração bem grande. Na época, havia o problema militar que era forte. Entre os preparadores físicos, apenas o Chirol, o Parreira[26] não eram do Exército. Entre os outros, o segurança era das Forças Armadas e a chefia da delegação estava a cargo do brigadeiro Jerônimo Bastos, uma pessoa maravilhosa, mas que fazia parte do governo. Após nossos amistosos em Guadalajara, ele nos colocava no telefone para falar com o Médici. O presidente dizia: – “Oi, Riva. Você foi bem, parabéns. Vamos ganhar?”. Eu respondia: – “Claro, presidente. Vamos sim. Estamos aqui para vencer, não para passear”. É chato ter que fazer isso porque a nossa linguagem é mais simples. Inclusive, após a partida contra o Uruguai, também conversamos. E depois, após a final, devido à loucura da festa, fui o único que não se comunicou com ele. Então, havia esse envolvimento.

Apesar de eles estarem lá, foi fantástico e não impunham aquele regime militar. Havia a concentração, que fazia parte, já que os médicos pensavam de maneira diferente naquela época. Talvez fosse até exagerado, porém respeitávamos, pois o nosso intuito era vencer a Copa do Mundo. Eu não me arrependo de nada e considero que tudo foi muito light, mesmo quando eu falava com o presidente Médici. Ele dizia “tem que ganhar” não com tom autoritário, todavia como um torcedor entusiasmado com a Seleção, porque saímos do Brasil totalmente desacreditados e vaiados. Apenas na volta, quando desfilamos no Rio de Janeiro e em Brasília, tivemos um reconhecimento com inúmeros cartazes pedindo desculpas pelas vaias. Infelizmente, naquele retorno, o desfile em São Paulo ficou por último e só sobraram dez ou nove gatos pingados para atenderem toda a cidade, que parou para nos receber. Esse foi um momento importante porque, apesar do Clodoaldo estar presente, eu fui o centro das atenções nas saudações devido ao meu estilo de jogo e por fazer gols.  Eu tenho muitos álbuns montados pelo meu pai que me mostram no meio da multidão durante essa recepção.

Quando se fala sobre a Copa do Mundo de 1970, a maioria das pessoas se recorda dos grandes lances e dos jogos finais, mas quais foram as dificuldades da primeira fase, em geral, e da primeira partida, em que a Seleção Brasileira começou sofrendo um gol da Tchecoslováquia? 

Nós pegamos uma chave complicada, pois os ingleses eram os atuais campeões mundiais; a Tchecoslováquia, campeã da Europa; e a Romênia, a sensação europeia. No primeiro jogo, nós não sabíamos o que poderia acontecer. Porém, não éramos idiotas, conhecíamos nosso potencial e fizemos uma preparação excelente. Nunca estive tão bem fisicamente na minha vida como naquele mundial. Havíamos trabalhado mais de um mês na altitude de Guadalajara. De fato, no começo do jogo, o Petra fez um gol, mas, depois, graças à minha facilidade de bater na bola, acertei um chute e empatei. Na sequência, fizemos outro gol e as coisas começaram a se encaminhar. Por fim, metemos 4 a 1 na campeã da Europa e podíamos ter feito mais. Iniciamos bem, com uma vitória que convenceu todo mundo. Para nós, foi maravilhoso e, de repente, nossa confiança aumentou.

O jogo mais difícil da primeira fase foi contra a Inglaterra. Qualquer resultado poderia ter acontecido naquela partida, todavia ganhamos por 1 a 0. Naquele confronto, o Gerson não atuou e joguei como meia. O Paulo entrou na ponta-esquerda e jogou uma barbaridade. Às vezes, eu estava atuando naquela posição, perto do banco de reservas, e assim que via o Paulo Cesar e o Edu imediatamente pensava: – “O que estou fazendo aqui? Dois especialistas, cada um com a sua característica e em ótima fase”. Mas, claro, eu queria jogar. O Zagallo achou que eu me daria bem por ali, eu me encaixei e funcionou. Além disso, atuar ao lado do Gerson, do Pelé, do Clodoaldo, do Jair, do Carlos Alberto e do Tostão torna tudo mais fácil.

Além da Inglaterra, tivemos problemas contra a Romênia – em uma partida em que não atuei em razão de uma contusão – e, ainda, nos confrontos com o Peru e o Uruguai. Depois disso, deslanchamos. A cada jogo que passava, a nossa tendência era evoluir. Se tivéssemos mais duas ou três partidas, acredito que iríamos jogar melhor a cada vez. Fisicamente, estávamos muito bem preparados. No final das partidas, parecia que eu não havia jogado. No Hotel Caribe, em Guadalajara, havia uma piscina e Doutor Lídio[27] não nos deixava usá-la. Ele advertia: – “Não pode, vá descansar”. Respondíamos: – “Mas não estamos cansados”. Aquela seleção tinha fôlego e foi realmente fantástica e importante. 

O apoio em massa da torcida mexicana em relação à Seleção Brasileira foi algo inesperado? Isso fazia vocês se sentirem jogando em casa? 

Inicialmente, já havia um bom relacionamento, todavia acho que aumentou muito depois que a seleção mexicana foi eliminada. A partir dali, viraram uma coisa para cima do Brasil. Quando passávamos por uma avenida próxima ao estádio, em Guadalajara, eles paravam nosso ônibus e carregavam bonecos que nos representavam, faixas, enfim, era uma festa! No estádio então, todos eram nossos torcedores. Nós correspondíamos jogando um futebol maravilhoso, com qualidade e com jogadas bonitas, como era de nossa característica. O Pelé, naquele Mundial, fez coisas incríveis, além dos gols fantásticos que quase anotou… Aquilo era natural dele, não era forçado. Portanto, fazíamos as coisas naturalmente. Não sei se jogávamos bonito, mas as jogadas eram plásticas. Sabíamos fazer tudo aquilo porque sempre fizemos, ninguém inventou nada lá. O tempo de bola que só o Pelé tem o fez anotar aquele gol de cabeça contra a Itália. Quem fazia o “elástico”? Apenas eu sei dar aquele drible. Muita gente hoje tenta reproduzir e é até bonito, gosto de ver, mas igual ao meu, só eu sei fazer. O jogo podia ser bonito para quem estava assistindo, porém, para nós, era algo natural que fazíamos no dia a dia.

Não era exibicionismo, não é?

Não, pelo contrário, nunca fizemos graça. E, para fechar com chave de ouro, tivemos a benção de Deus com aquela jogada do último gol, contra a Itália. Acho que ele disse: – “Vou coroar essa Seleção”. Ele colocou o Clodoaldo com a camisa número 7, do Garrincha, e não sei como ele conseguiu trançar as pernas, driblar quatro italianos e tocar para mim. Eu passei para o Jair, que saiu nas costas de um adversário. Ele tocou para o Pelé, que rolou para o Carlos Alberto, que chegava de trás, anotar o quarto gol. Uma coisa fantástica! O Clodoaldo menosprezou os italianos? Não, apesar de ser um jogador de marcação que não costumava driblar, de repente, ele executou aquela jogada porque achou que tinha que fazê-la naquele momento. Depois, as coisas saíram naturalmente.

Quanto à partida contra o Uruguai, na época tentaram estabelecê-la como uma revanche em relação a 1950, não é?

Eu não entendo certas coisas que acontecem no futebol. De repente, queriam colocar na minha cabeça um revide a 1950. Eu falei: – “Nasci em 1946, ou seja, tinha 4 anos naquela época. Eu sei que o Brasil perdeu! E quem resolverá serão os mesmos jogadores? Já se passaram vinte anos! Sei que todo o Brasil chorou, mas eu era uma criança, nem sabia que um dia jogaria contra eles”. Em uma entrevista, lembro de dizer ao jornalista: – “Você quer que eu entre em campo preocupado com 1950? É isso mesmo? Está bem, eu estou preocupado”. Pô, iríamos disputar uma partida totalmente diferente, em outro local, clima… Até a bola já não era a mesma. Fomos para o jogo e foi difícil, claro. Eles tinham uma seleção fortíssima e, depois de 1970, nunca mais formaram outra tão boa. Nós os vencemos e a imprensa nos entrevistou parabenizando. Eu questionei: – “Parabéns? Não, agora eu quero falar sobre 1950 com você”.

Naquela preparação para o mundial de 1970, o Parreira desenvolveu um trabalho interessante fotografando jogadas dos adversários. Antes das partidas, vocês estudavam os rivais?  

Sim, ele tirou muitas fotos e nos mostrava a movimentação tática. De certa forma, nós éramos treinados pelo Zagallo para jogarmos de três maneiras. A primeira delas era “pressão”, ou seja, marcação; a segunda, “meia pressão”, marcando no campo adversário; e a terceira, o “nosso campo”, quando estávamos ganhando, porque eles viam que tínhamos o Jair, um jogador veloz, com saída rápida. O Pelé ficava sempre em um ponto morto e a primeira bola passava por ele. O segundo gol contra o Uruguai, por exemplo, surgiu a partir de uma bola roubada. O Pelé tocou para o Tostão, que passou para o Jair, em um contra-ataque. Tínhamos essas características de jogar. Antigamente, no meio-campo, havia apenas um marcador, que, no nosso caso, era o Clodoaldo. Eu não marcava, apenas ocupava espaço. Não era roubador de bola. O Gerson ainda recuperava algumas, embora também não fosse defensor. Às vezes, o adversário tinha jogadores de muita qualidade e não era possível anular todos, então, ocupávamos mais espaços. Portanto, existia uma preocupação com determinadas jogadas das outras equipes e um trabalho em torno disso. 

Qual é a sua lembrança em relação ao ambiente de convivência daquele grupo? Era um grupo unido? 

Esse papo de união é pegajoso. Quando se ganha, dizem: – “O grupo é unido”. Não é assim. Nós tínhamos nossos problemas. Como todo mundo sabe, o Fontana e o Pelé nunca se entenderam. O Leão tem um temperamento que era difícil também. Entretanto, a maioria se dava bem. Apesar disso, por exemplo, o fato de eu ter muitos amigos não significa que vou jantar com eles, que vou conhecer seus familiares… No meu conceito, essa amizade é importante no campo. Essa ideia de que um time ganha porque é unido, não existe. O fundamental é se dar bem no campo e vencer. Fora dele, não importa se um não gosta do outro. Depois da vitória, cada um vai para sua casa e encontra seus amigos de verdade. É claro que o grupo deve pensar junto, principalmente aqueles que estão no banco. É preciso ter um pensamento positivo. Agora, nem tudo é bonito, gostoso e maravilhoso. 

Após o apito final da partida contra a Itália, a festa no estádio foi marcante, não é? 

Eu desmaiei. [Risos] Eu lembro que o Pelé dizia: – “O Riva, o Riva!”. Mas foi legal. Era a minha primeira Copa do Mundo e fui naquela tensão, querendo vencer a final. O nosso grupo, realmente, era fantástico. Tínhamos um dos maiores jogadores do mundo e ele fazia questão de ganhar. Toda hora passava por mim e dizia: – “Ei, moleque, é para vencer! Vamos ganhar essa!”. O Pelé foi o maior exemplo que tive na minha vida. Ele era o primeiro da fila no treinamento. No almoço, o bife estava duro que nem pedra e ele não reclamava, apenas cortava bem pequenininho para comer. Eu olhava e pensava: – “Ele vai reclamar, não é possível!”.  Ficamos em um castelo em Guadalajara e, na hora de dormir, precisávamos levantar os colchões para ver se não havia escorpiões embaixo. Eu nunca vi esse homem reclamar se tinha escorpião, se o bife era duro, se o café estava ruim, se o treino era puxado… Por isso que é esse jogador fantástico e homem maravilhoso. Tudo que aconteceu lá, realmente mexeu com a gente. Foi demais!

Entre o final do mundial de 1970 e a disputa da Copa do Mundo de 1974, houve uma reformulação da Seleção Brasileira com a saída do Pelé, do Gerson, do Tostão, do Carlos Alberto… Como foi essa transformação que te colocava como um dos principais personagens?

Em 1974, nós tivemos um problema político. O Pelé tinha condições de jogar, porém aconteceu uma briga entre ele e o João Havelange[28]. Ele poderia ter atuado como o Maradona em 1990, que apenas ficou lá na frente e conseguiu ajudar a desclassificar o Brasil. Enfim, o Zagallo acreditou em uma Seleção baseada no Palmeiras, que desde 1972, vinha muito bem. O time era Zé Maria, Luiz Pereira, Marinho Chagas, Clodoaldo, Jair, Leivinha, Cesar, eu, Paulo Cesar… Então, o Cesar teve um problema e não estava bem, o Leivinha se machucou… Na sequência, fizemos um jogo, o Clodoaldo também se contundiu e o forçaram a jogar. Quiseram testá-lo e eu fui contra. Para que fazer uma avaliação com um jogador como ele? Acabou agravando a lesão e ficou fora da Copa do Mundo. Ele é um baita jogador e fiquei muito triste. Com isso, o Zagallo teve que mexer e colocou o Paulo Cesar Carpegiani como volante, outro grande jogador.

Em virtude de tudo isso, fizemos até milagre por chegarmos tão longe com aquela Seleção. Poderíamos ter alcançado a final, contudo perdemos duas oportunidades fantásticas contra a Holanda. Se uma daquela entra, mudava a cara do jogo. Além disso, enfrentamos uma seleção que encantou o mundo com um futebol compacto, envolvente, jogado de uma maneira fantástica, e que contava com um jogador fenomenal, o Cruyff. Tudo girava em torno dele. Pelo que jogaram, até mereciam ter sido campeões. Todavia, encontraram a poderosa seleção da Alemanha, que também contava com atletas incríveis como o Franz Beckenbauer, o Vogts, o Sepp Maier, o Breitner, o Gerd Müller, o Overath… Eles eram diferenciados e não os robôs que a gente costumava ver. Afora isso, jogavam em casa, eram campeões europeus e vinham em uma crescente.

Se analisarmos os dois primeiros colocados, tanto a Holanda quanto a Alemanha poderiam ter sido vencedoras. Já em relação ao terceiro lugar, a Polônia foi merecedora, pois fez um campeonato excelente. O Brasil chegou em quarto e estamos de parabéns pelas dificuldades que encontramos. Nós começamos a jogar nosso futebol muito tarde. Nas duas primeiras partidas, empatamos contra a Iugoslávia e a Escócia. Depois, ganhamos do Zaire com aquele gol salvador do Valdomiro e começamos a melhorar. Enfrentamos a Alemanha Oriental e vencemos por 1 a 0, com um gol meu. Na sequência, derrotamos os argentinos por 2 a 1 e também marquei. Então, fomos jogar contra a Holanda. Jogamos um bom futebol e podíamos ter vencido, se o gol tivesse acontecido. Mas acho que o quarto lugar foi merecido para aquela nossa seleção.

Agora, uma coisa que eu me nego a falar é sobre 1978, infelizmente, minha última Copa do Mundo. No duro mesmo, porque foi uma vergonha. Eu tive uma contusão e me preparei demais para poder atuar. Depois, vim saber do ocorrido e não tenho prazer em falar sobre isso. Ainda bem que não atuei naquele torneio. Saber que armaram para uma seleção ser campeã é uma mancha no futebol mundial. Não estou desmerecendo a qualidade da seleção argentina, muito pelo contrário, era um grande time. Entretanto, passados dez anos daquele evento, apareceu um goleiro peruano, que foi naturalizado, declarando que estava tudo armado. Então, foi uma vergonha.

Em que contexto se deu a sua transferência do Fluminense para fora do Brasil?  

Foi gozado. Naquela altura, eu já estava em final de carreira porque, aqui no Brasil, infelizmente, quando o atleta chega aos 30 já começam a dizer: – “Está na hora de parar”. Deus foi muito bom para mim e para todos os jogadores, mas errou nesse conceito, pois encerramos nossas carreiras no momento em que as pessoas normais estão começando as delas. Ele podia ter alongado mais a vida de nós futebolistas, para, pelo menos, termos o prazer de atuar até os 50 anos. [risos]

Então, quando eu tinha 30 e poucos, após a Copa do Mundo de 1978, apareceu um príncipe da Arábia Saudita achando que precisava me levar para lá. Eu fui conhecer o país com a minha ex-esposa e ela dizia: – “Lá é assim, os conceitos…”. Eu tenho a minha maneira de ver as coisas e procuro honrar meus compromissos. Se eu fizer um contrato ruim, mesmo assim, irei honrá-lo. Desse modo, firmei um ano de contrato, joguei e fui campeão. No final disseram: – “Mais um ano!” Ofereceram um bom dinheiro, fiquei e, novamente, fomos vencedores. Queriam que eu renovasse, mas para mim já tinha dado. Desde o primeiro ano, levei meus filhos pequenos para lá e eles estudaram em uma escola americana. No final do segundo, eles não queriam mais continuar. Voltaram e eu fiquei mais um ano. Eu gostava de jogar, não vou mentir. Se pudesse, estaria atuando até hoje. Nesse último período, fiquei apenas com um ex-cunhado que tinha me acompanhado desde o início.

Durante todo esse período, eu costumava passar dez meses na Arábia Saudita e dois no Brasil. No final do terceiro ano, voltei e inventaram um monte de coisa sobre mim, porque eu havia contundido a perna e fui fazer um trabalho de recuperação no São Paulo. Eu frequentava lá porque morava perto e conhecia pessoas do clube. Então, um dia o Mario Travaglini, que no passado havia me mandado embora do Palmeiras e estava no São Paulo disse: – “Riva, treine que será bom”. Naquela época, o Zé Sergio[29] estava lá. Ele é parente da esposa do meu irmão e sempre estava comigo. Em um treinamento, eu falei: – “Zé, quando eu pegar a bola, você nem olhe, apenas entre nas costas do Oscar[30], que eu meto a bola para você”. De repente, eu enfiava a bola e, quando o Oscar ia pensar, o Zé já estava passando com ela. Então, cismaram que eu precisava voltar a jogar. Eu respondi: – “Não, não…”. O São Paulo tem uma mística com veteranos que tiveram sucesso como o Leônidas, Zizinho, o Gerson, Falcão e, bem depois, o Toninho Cerezo. Com isso, começaram a dizer que eu não cumpri o contrato e saí fugido da Arábia Saudita. Existe um problema lá, pelo qual o Diego Souza passou recentemente, devido ao fato de eles reterem o passaporte. Para você sair do país, eles precisam carimbar. Ou seja, jamais fugi de lá. 

Entre o período em que você retorna ao Brasil e o início da sua atividade como comentarista, ao que você se dedicou? 

Quando voltei, realmente, eu não tinha o que fazer. Então, apareceu o meu compadre Ado e apresentou a ideia de montarmos uma escolinha de futebol. Assim, construímos as quadras e trabalhamos muito tempo juntos. Depois, cada um foi para o seu caminho e surgiu o convite do Luciano do Valle[31] para eu ser comentarista. Fiquei então 24 anos assistindo televisão e comentando. Foi legal pra chuchu, entretanto, eu não tinha mais finais de semanas livres. Como joguei por 20 anos, até achava normal não poder aproveitar esses dias. Contudo, em certa altura eu falei: – “Pô, está na hora de eu ter o direito de viver um pouco e fazer o que eu gosto no final de semana”. Dessa maneira, parei e recebi muitos convites para voltar a comentar. Nesse ínterim, apareceu a Seleção de Masters que foi um momento mágico também. O Luciano promovia na TV Bandeirantes as Copas Pelé e era fantástico. Recentemente, graças a Deus, recebi um convite da TV Cultura, para ser comentarista do programa Cartão Verde. Estou trabalhando lá, às terças-feiras, em algo que eu gosto muito de fazer e com um horário maravilhoso.

Como funciona essa atividade de comentarista? Se tiver que dar uma opinião mais rigorosa, é tranquilo?

Hoje, de modo geral, é fácil porque não existem muitos jogadores que no futuro podem se tornar craques e quebrarem sua cara. Por exemplo, se o time do Palmeiras está jogando agora podemos dizer que os únicos gols possíveis de acontecerem são do Marcos Assunção[32], de bola parada, ou do Barcos[33]. Ou seja, não há muita opção. Além disso, eu falava o que sentia porque enxergo o que acontece no futebol.

Você cogitou a possibilidade de ser treinador?

Sim, eu fui treinador no Japão durante seis meses, em 1994. Quando retornei dos Estados Unidos, após a Copa do Mundo daquele ano, o Sérgio Echigo, que jogou comigo, estava lá no Oriente e me disse: – “Riva, quero te levar como treinador”. Eu recusei, porém ele insistiu e acabei aceitando. Logo no começo já senti as dificuldades. Lá é preciso ficar um ano inteiro sofrendo porque cada turno do campeonato dura seis meses. Antes disso, eu precisava realizar um trabalho inicial para eles conhecerem meu método e o que eu desejava. Eles queriam que eu permanecesse, todavia não tenho paciência para ensinar um jogador profissional a bater na bola! Ninguém me ensinou isso. Hoje, os treinadores sofrem. Eu tenho dó. Atualmente, na Seleção Brasileira, quem é o batedor de falta? A qualidade está desaparecendo. Em um treino de juniores no Corinthians, eu vi o técnico tentando ensinar os meninos a chutar, mas não adianta. Isso é uma coisa nata. Hoje, os jogadores são mais fabricados do que possuidores de um talento nato. Além disso, infelizmente, está muito fácil jogar na Seleção brasileira, qualquer um é convocado, não apenas os melhores.

Encerrando, gostaríamos que você falasse sobre o sua impressão em relação à realização da Copa do Mundo de 2014, no Brasil. 

É maravilhosa. Vão acontecer problemas? Teremos congestionamentos e atrasos aéreos? Sem dúvida. Mas em qual Copa do Mundo isso não acontece? Com certeza será bom porque desejam fazer um bom Mundial e o brasileiro, mais do que nunca, merece um evento desse aqui. Afinal, rodamos o mundo atrás da nossa seleção desde 1954. Além disso, precisamos ser um pouco otimistas e pensarmos no legado. Alguma coisa ela vai deixar. Pode melhorar os aeroportos, pois pior não pode ficar. Estão fazendo um monte de melhorias. As obras do metrô estão sendo apressadas e estão construindo uma baita universidade em frente ao estádio do Corinthians. Isso melhorará bastante as coisas para nós. Agora, durante o Mundial, precisaremos equacionar nossas vidas nos dias de jogos para evitarmos transtornos. Antes da realização das Olimpíadas em Londres, reclamaram muito que não haveria táxis e o que vimos foram as ruas vazias, sem problema algum.

Eu sou otimista e quero ver o Brasil fazer uma grande Copa do Mundo. Em termos de estádio, estão construindo um mais bonito que o outro! Dizem que o de Manaus será um elefante branco e concordo que possa se tornar mesmo caso não haja uma disputa de primeira divisão, mas, ainda assim, é possível alugar o espaço para shows, promover jogos amistosos de times de outras regiões e, se fizerem um trabalho para ter equipes jogando, o legado será fantástico.

O que me preocupa, por outro lado, é a nossa Seleção. Ela não vem bem. Nada contra o Mano Menezes[34], mas tiveram uma oportunidade de mandá-lo embora e não o fizeram. De repente, ele pode arrumar o esqueleto do time e formar um grupo melhor. Acho que o contrataram pensando em demiti-lo, mas se ele ganhar a Copa das Confederações, como poderão fazer isso? Agora, eu acho o momento errado. Nada contra se ele fosse mandado embora antes porque ele ficou dois anos no comando e a cada hora usa um time. Sequer sabemos quem é o goleiro titular. Além disso, a nossa safra é ruim. Esse é o grande problema.


 

[1] Esporte Clube Banespa, surgido na cidade de São Paulo, em 1930.

[2] Clube Atlético Indiano, fundado na cidade de São Paulo, em 1930.

[3] Mário Travaglini, treinador que comandou a Sociedade Esportiva Palmeiras entre 1963 e 1971; e de 1984 e 1985.

[4] José Castelli, mais conhecido como Rato, meio-campista que defendeu o Sport Club Corinthians Paulista entre 1921 e 1931; e de 1934 a 1937. Foi treinador da equipe em 1937; entre 1942 e 1943; e de 1951 a 1954.

[5] Sebastião Mendes Neto, zagueiro do Corinthians entre 1965 e 1970.

[6] Luís Trochillo, meio-campista que atuou no Corinthians de 1949 a 1960 e entre 1964 e 1967.

[7] Paulo Lima Amaral, técnico do Corinthians em 1964.

[8] Antônio Guzman, jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação de São Paulo como o Diário Popular, o Diário da Noite, a Folha da Tarde e o Mundo Esportivo.

[9] Sérgio Echigo, meio-campista do Corinthians entre 1964 e 1965.

[10] Roberto Belangero, volante que defendeu o Corinthians entre 1947 e 1960. Em 1964, atuou como treinador da equipe.

[11] Osvaldo Brandão, técnico do Corinthians de 1954 a 1957; entre 1964 e 1966; em 1968; de 1977 a 1978; e entre 1980 e 1981.

[12] Wadih Helu, advogado e político. Ocupou a presidência do clube entre 1961 e 1971.

[13] Aymoré Moreira, treinador da Seleção brasileira de 1967 a 1968.

[14] Valtencir Pereira Senra, zagueiro que defendeu o Botafogo entre 1967 e 1976.

[15] Laudo Natel, político, empresário e dirigente esportivo. Foi governador do Estado de São Paulo de 1966 a 1967; e entre 1971 e 1975. Presidiu o São Paulo Futebol Clube de 1956 a 1972.

[16] Vicente Matheus Bathe, empresário espanhol que dirigiu o Sport Club Corinthians Paulista nos seguintes períodos: 1959 a 1961; 1971 a 1977; 1977 a 1981; e 1987 a 1991.

[17] Luís Edmundo Pereira, zagueiro da Sociedade Esportiva Palmeiras entre 1968 e 1974; e de 1981 a 1984.

[18] José Hawila, advogado, jornalista e proprietário do Traffic Group, empresa de marketing esportivo.

[19] Francisco Luiz Cavalcanti da Cunha Horta, presidente do Fluminense Football Club entre 1975 e 1977.

[20] Grêmio Escola de Samba Estopim da Fiel Torcida, torcida organizada do Sport Club Corinthians, surgida em 1979.

[21] Andrés Navarro Sanchez, empresário e político. Presidiu o Sport Club Corinthians Paulista entre 2007 e 2011 e atuou como diretor de seleções da Confederação Brasileira de Futebol de 2011 a 2012.

[22] João Alves Jobim Saldanha, jornalista e treinador de futebol. Atuou como técnico da Seleção brasileira entre 1969 e 1970.

[23] Emílio Garrastazu Médici foi presidente do Brasil entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974, durante a ditadura militar.

[24] Mário Jorge Lobo Zagallo, ponta-esquerda da Seleção brasileira entre 1958 e 1946 e treinador da equipe em 1967; em 1968; entre 1970 e1974; e de 1994-1998.

[25] Admildo de Abreu Chirol, preparador físico da Seleção brasileira nas Copas do Mundo de 1970, 1974 e 1978.

[26] Carlos Alberto Parreira, preparador físico da equipe na Copa do Mundo de 1970. Atuou como treinador da Seleção brasileira entre 1991 e 1994; e de 2003 a 2006.

[27] Lídio Toledo, médico da Seleção brasileira nos mundiais de 1970, 1974, 1978, 1990, 1994 e 1998.

[28] Jean-Marie Faustin Godefroid Havelange, advogado, empresário e dirigente esportivo. Presidiu a Confederação Brasileira de Desportos entre 1958 e 1975; e foi presidente da Federação Internacional de Futebol de 1974 a 1998.

[29] José Sérgio Presti, ponta-esquerda do São Paulo Futebol Clube de 1976 a 1984.

[30] José Oscar Bernardi, zagueiro são-paulino entre 1980 e 1987.

[31] Luciano do Valle Queiroz, locutor esportivo e apresentador de televisão.

[32] Marcos dos Santos Assunção, meio-campista da Sociedade Esportiva Palmeiras entre 2010 e 1012.

[33] Hernán Barcos, atacante palmeirense entre 2012 e 2013.

[34] Luiz Antônio Venker Menezes, mais conhecido como Mano Menezes, treinador da Seleção Brasileira entre 2010 e 2012.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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