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Richard Giulianotti

Equipe Ludopédio 11 de setembro de 2013

O sociólogo Richard Giulianotti, professor da Loughborough University, é um dos principais estudiosos contemporâneos sobre o fenômeno esportivo. Publicou diversos livros que trazem interpretações sociológicas críticas do esporte moderno: The Sociology of Sport (2012), Globalization and Football (2009) e Globalization and Sport (2007), Sport: A Critical Sociology (2004). Um deles traduzido para o português: Sociologia do Futebol (2002, Ed.Nova Alexandria). A partir de temas como os Jogos Olímpicos, Copa do Mundo, migração, segurança, violência e hooligans, Giulianotti analisa a importância social, política, econômica e cultural do esporte. 

A entrevista foi realizada no Centro de Estudos Sócio-Culturais da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE-USP).

Agradecemos a participação e ajuda da historiadora Giovana Capucim – colaboradora inestimável – na realização e edição da entrevista.

Boa leitura!

 

O sociólogo Richard Giulianotti analisa a importância social, política, econômica e cultural do esporte.. Foto: Max Rocha.

 

 

Primeira parte

 

Como começou seu interesse em estudar futebol?

Oh, foi muito tempo atrás. Eu nunca fui uma pessoa obsessiva sobre futebol. Obviamente tinha muito interesse quando era criança e quando eu estava crescendo. O Aberdeen Football Club, a equipe da minha localidade, era muito bem sucedida; nós ganhamos uma das taças europeias, a Liga escocesa três vezes e, você sabe, foi um grande time europeu. Quando eu comecei na Universidade eu era um estudante de Direito, mas eu simplesmente não gostava do assunto e eu decidi que iria mudar para outro assunto que eu gostava. Filosofia foi algo que eu sempre gostei de pesquisar ou escrever, como um estudante. Então, eu estudei Filosofia e, em seguida, Sociologia e quando tive a oportunidade de escrever uma dissertação, eu fiz um trabalho de pesquisa sobre futebol, olhando particularmente para o grupo de hooligans em Aberdeen, que foi bastante substancial em meados da década de 1980. Eu, então, me aprofundei em estudos culturais, e usei essa abordagem para olhar “subculturas” de fãs de futebol. Depois do meu primeiro diploma, conseguimos obter um grande financiamento para observar aquelas “subculturas” e que também me permitiu ir para a Copa do Mundo na Itália, viajar muito, olhando para as culturas do futebol em locais diferentes, fazer muitos novos amigos, novos contatos e assim por diante. Então, é assim que o interesse inicial pelo futebol se transformou em um assunto acadêmico para mim.

Em seu livro Sociologia do Futebol, você indica três tipos fundamentais de identificação social existentes no futebol na modernidade. São elas nação, classe e localidade. Gostaríamos que avaliasse a pertinência da questão racial como elemento de identificação social?

Eu acho que, provavelmente, no livro vocês tenham detectado uma inclinação um pouco para uma combinação de um quadro neo-marxista juntamente com um interesse antropológico em outras culturas, em outras sociedades. Então, eu acho que é provavelmente por isso que eu fui para aquelas classificações que se concentram em Classe, juntamente com Nação, que é fundamental, historicamente, por exemplo, se você considerar a centralidade da Copa do Mundo. E o foco na localização também é significativo em termos de construção de identidade, com o clube sendo uma entidade localizada pelos torcedores. Sim, claro, outras categorias são importantes. Como você diz, “raça” é uma, juntamente com “gênero”; possivelmente, você pode incluir “idade” ou “geração”, o que acrescenta o “tempo” mais plenamente às categorias e subdivisões. Por outro lado, há intersecção, por exemplo, com raça e classe. Assim, por exemplo, William J. Wilson – um sociólogo norte-americano – indica que classe é mais importante, se você está olhando na posição de Africano-americanos nos EUA.

O que o senhor poderia destacar a respeito da produção brasileira acerca do futebol?

Bem, eu não leio em português, o que é uma barreira real para eu ter uma noção completa de como o brasileiro vê o jogo, como o interpreta, para compreender a relação do Brasil com o futebol. O que eu compreendo é um tipo antropológico-sociológico de análise que se refere ao brasileiro, no futebol, no passado e no presente. Você deve incluir o trabalho de Gilberto Freyre nesse sentido. Os trabalhos dos outros autores seriam altamente significativos, tais como o trabalho do meu amigo José Sérgio Leite Lopes – que analisa os aspectos históricos do futebol brasileiro com interesse em uma linha antropológica. A complexidade e dinâmica entre os grupos étnicos parece ser uma questão fundamental que surgiu e foi explorada no futebol brasileiro, e também em sua conexão com a sociedade em geral. Eu também gostaria de explorar algumas questões relativas à comercialização do futebol brasileiro e seu impacto sobre os diferentes grupos sociais, e também as questões de segurança que foram introduzidas ao futebol brasileiro para a Copa do Mundo e como esse evento pode trazer legados de segurança, mais amplamente para o futebol brasileiro. Talvez mudanças na lei civil e criminal, mudanças na tecnologia de vigilância – sistemas de vigilância mais avançados que são produzidos. Eu estaria interessado em olhar a cerca disso na Copa do Mundo de 2014.

O sociólogo Richard Giulianotti é um renomado estudioso contemporâneos sobre o fenômeno esportivo. Foto: Max Rocha.


Em uma participação durante um evento na Suécia, o senhor afirmou que era difícil avaliar a realidade do futebol brasileiro através dos tipos ideais de futebol apresentados no livro (tradicional, moderno, pós-moderno). É possível realizar essa avaliação atualmente?

Sim. Esse evento aconteceu há cerca de dois anos. Eu gosto de brincar, com esses tipos ideais. Você provavelmente verá muito disso. A fim de analisar um determinado local ou de um tipo particular de estudo de caso, tal como uma única nação como o Brasil, o tipo ideal é útil como uma ferramenta analítica para essa investigação. Minha expectativa é que o Brasil se inclina mais para a categoria pós-moderna do que inclinava quando eu escrevi aquele livro há 10, 12 anos atrás. Talvez estejamos mais focados na espetacularização do futebol; na influência dos meios de comunicação; na maneira que a imagem vem mais rápido do que a realidade, e assim temos a construção da mídia sobre o futebol e, em seguida, o jogo segue esta construção, e cai em seu lugar. Nós temos esse maior foco no aspecto dos jogadores quando não jogam, a vida privada, as atividades extra-futebol. Olhe para os estádios por exemplo. Jean Baudrillard tinha essa visão de que as pessoas ficariam em casa, ninguém iria ao estádio, os jogos seriam um evento televisivo somente. Você pode ter dezenas de milhões de pessoas assistindo aos jogos e não são muitos dentro dos campos. Talvez agora esses elementos estejam mais aplicados ao futebol brasileiro do que eram, talvez, 10, 15 anos atrás. Mas, por outro lado, ainda há elementos modernos substanciais no futebol brasileiro; uma grande parte dos jogadores brasileiros de futebol vem de certas áreas carentes. Os melhores jogadores, talvez, ainda podem ser encontrados nessas áreas. Em termos dos aspectos modernos do futebol, dispomos, em muitas maneiras, a busca profissional de sucesso, a utilização da ciência para atingir um elevado desempenho, a medição de resultados e assim por diante. Assim, apesar dos aspectos pós-modernos, liderados pela midiatização, temos aspectos significativos da modernidade cultural no jogo.

Nos seus últimos trabalhos é recorrente o uso do termo megaevento. O senhor consideraria o termo megaevento como uma categoria de análise?

Algumas vezes os acadêmicos apresentam truques e dizem “Eu realmente não sei o que você quer dizer com isso”. Eles sabem. Mas neste caso eu verdadeiramente não sei o que você quer dizer com isso. O que você quer dizer com essa “categoria de análise”?

Como raça, gênero, este tipo de categoria de análise. Como em seu livro com moderno, pós-moderno…

Eu somente estava pensando que essas categorias ajudam a capturar os aspectos espetaculares do jogo. Por exemplo, uma abordagem seria comparar megaeventos entre diferentes tipos de sociedades. Acho que o meu foco é no mega-evento em termos de estrutura, principalmente olhando para as questões de segurança que o rodeiam. Talvez as diferenças entre as diversas culturas e sociedades sejam também distintas em termos de como os mega-eventos são organizados. Você sabe, também olhar para aspectos como as cerimônias de abertura e o que elas estão tentando representar acerca de certas nações, particularmente a posição da nação no mundo; a maneira pela qual diferentes grupos sociais são incluídos ou excluídos nas cerimônias de abertura; a maneira pela qual o país anfitrião vê e usa as cerimônias de abertura, como rituais, para cristalizar ou simbolizar a nação. Estas são as questões que eu examinaria em um mega-evento, talvez não tanto foco no mega-evento em si como uma categoria de análise, mas mais sobre o que isto significa, como as pessoas interpretam-no, constroem-no e o usam.

Como o senhor avaliaria a presença de Mourminho, representante da academia, na estrutura do futebol profissional?

Ele era um jogador fraco, então isso é incomum, para um manager. Ele cresceu tendo menos contato com jogadores de elevada competência técnica. Assim, seu foco era mais na gestão, no treinamento, onde ele pode construir sistemas de jogo para ser bem sucedido. Mas eu não esperaria da academia produzir treinadores de futebol. Eu ainda ficaria surpreso se a carreira de gerência de futebol torna-se dominada por pessoas que não passaram por carreiras profissionais em alto nível, que simplesmente passou pela academia e assim tornaram-se especialistas em sistemas de futebol. Eu ainda acho que o futebol dá uma vantagem para os gestores/treinadores que tiveram algum sucesso antes e experiência significativa em alto nível profissional. Os jogadores são mais propensos a responder a gestores/treinadores que tiveram algum sucesso, que poderiam se demonstrar, que tiveram sucesso no passado, que eles pertenciam ao campo. Minha sensação é que o jogo pode ser como um pêndulo que vai balançar para o futebol-arte, você sabe, como o Barcelona com a sua posse de bola e habilidades técnicas.

Qual o papel do pesquisador diante de um megaevento como a Copa de 2014?

Bem, no Reino Unido, uma questão que os pesquisadores precisam considerar, hoje, a fim de receber financiamento, é desenvolver um “plano de impacto”. Um plano de impacto basicamente serve como explicação de como sua pesquisa irá beneficiar grupos de usuários não-acadêmicos. Estes grupos podem incluir, por exemplo, as autoridades locais, moradores e empresas, de modo que sua pesquisa deve explicar como o mega-evento pode ajudá-los. Depende também de disciplina acadêmica. Quero dizer, se você é um economista esportivo, você sabe, há uma questão interessante sobre como os megaeventos contribuem para a saúde econômica de toda a cidade. Além disso, se você estuda gestão esportiva, você talvez se concentre em como o evento pode ser mais efetivamente gerenciado.

O sociólogo Richard Giulianotti, durante entrevista para o Ludopédio. Foto: Max Rocha.

Qual sua opinião a respeito do retorno de jogadores renomados para os times brasileiros?

Eu acredito que isto iria acontecer em algum momento das vidas deles, mas existe um fator adicional importante: as equipes brasileiras estão menos propensas a receber jogadores que ainda estão nos melhores anos de suas carreiras. Talvez as equipes de maior sucesso no Brasil serão aquelas que conseguirem limitar o número de jogadores antigos que voltaram, e que talvez não estejam tão fortes como estavam, enquanto ao mesmo tempo seus salários podem ser bastante elevado em comparação com jovens jogadores. Talvez também esses jogadores mais velhos têm maior capital social e simbólico; eles têm personalidades fortes, o que significa que um monte de outros jogadores irão admirá-los, eles vão ser muito influentes sobre a forma como o jogo é praticado em campo. Então, existe uma questão sobre se é totalmente produtivo para o sistema do futebol brasileiro, nos próximos 10 ou 15 anos, assumir estes jogadores. Obviamente, esses jogadores podem ajudar os jogadores mais jovens em termos de desenvolvimento técnico, em termos de sua experiência e assim por diante.

Qual o papel dos clubes europeus diante inserção de jogadores estrangeiros em suas equipes no contexto de intensa imigração?

Sim, isto está obviamente ligado e, portanto, não está separado de outros aspectos da globalização contemporânea. Em um sentido mais amplo, por toda a economia mundial, temos visto a libertação de restrições de mobilidade, a desregulamentação da circulação de trabalhadores de elite, por isso você encontra nos setores público e privado que as organizações e as empresas estão conseguindo atrair pessoas de diferentes países com altas habilidades e qualificações. Assim, o futebol é um exemplo desse processo; eu admito, este é um exemplo um pouco exagerado, mas é um exemplo, no entanto. Em termos de clubes europeus, há todo um sistema lá que facilita esse processo. Há definitivamente uma superdimensionação “puxão”, como altos salários e contatos globais que ajudam a atrair os jogadores da América do Sul. Mas há também um forte elemento no sentido contrário – “empurrão” – das sociedades de onde saem esses atletas, da América do Sul – os jogadores, os agentes, os clubes, nessas nações de futebol mais fracas ou sistemas de futebol mais fracos vão olhar para estes jogadores com a intenção de transferi-los para o exterior, para ganhar dinheiro com transferência, para gerar maiores ganhos econômicos e para cobrir, pelo menos, algumas dívidas. Portanto, há um sistema que foi criado nos últimos 20 anos, sendo um sistema de exportação de jogadores de futebol sul-americanos, que são vendidos muito jovens para o futebol europeu. É claro que, nas principais ligas europeias, especialmente o lado financeiro se expandiu para além de identificação de outras épocas. E, as nações europeias e os sistemas de futebol são muito mais conhecidos para esses jogadores estrangeiros. Assim você se encontra em uma situação em que esse movimento de jogadores é inevitável. Eu acho que se você comparar isso com o início dos anos 80 ou o final dos anos 70, perceberá que esta é uma grande transformação. Não havia muitos jogadores que jogar no futebol europeu e, claro, na Itália, havia a proibição de jogadores estrangeiros desde meados dos anos 1960 até o início de 1980. Assim, os clubes europeus têm o aporte financeiro, eles têm a liberdade legal através da desregulamentação do mercado, eles têm os agentes internacionais: tudo isso permite que os jogadores latino-americanos se transfiram para a Europa. E, ao mesmo tempo, só para reiterar o meu ponto anterior, este processo no futebol reflete os processos mais amplos dos mercados internacionais de trabalho, com a mobilidade global de talentos de elite em diferentes indústrias. O futebol é apenas um caso extremo desse processo.


Confira a segunda parte da entrevista no dia 25/09/13.

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