Visões do Tri

Depoimentos de jogadores da Seleção no Mundial de 1970

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 8 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1970, no México, a nona edição do torneio organizado pela FIFA. São eles: Félix, Carlos Alberto Torres, Marco Antônio, Gérson, Piazza, Edu, Roberto Miranda, Tostão. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil.

Local da Entrevista: Museu do Futebol, São Paulo – SP; Entrevistadores: Clarissa Batalha e Théo Ortega; Data da Entrevista: 15 de setembro de 2011; Transcrição: Elisa de Magalhães e Guimarães; Edição: Alexandre Massi; Supervisão de Edição: Marcos Aarão Reis.

Piazza. Foto: CBF.

Wilson da Silva Piazza. Nasceu em Ribeirão das Neves, Minas Gerais, no dia 25 de fevereiro de 1943. Em criança, jogava na várzea e costumava acompanhar o pai, jogador amador, em jogos pela região. Aos onze anos, foi para Belo Horizonte, a fim de se dedicar aos estudos. Durante a juventude, trabalhou como bancário. Em 1962, assinou com o Renascença, pequeno clube da capital mineira, o primeiro contrato como jogador profissional.  Chegou ao Cruzeiro em 1964 e assumiu a condição de capitão da equipe. No alvi-anil mineiro, foi volante e conquistou vários títulos. Dentre eles, destacam-se: a Taça Brasil de 1966, a Taça Minas Gerais de 1973, a Copa Libertadores da América de 1976 e os dez títulos pelo Campeonato Mineiro. Na Seleção, foi campeão da Copa do Mundo de 1970. Participou também da Copa de 1974. Na Alemanha, foi titular e capitão da equipe durante a primeira fase da competição. Em paralelo ao futebol, desenvolveu atividades na política. Em 1972, foi eleito vereador de Belo Horizonte, cargo que ocuparia por quatro legislaturas, até 1988. Esteve à frente da Secretária Municipal de Esportes, entre 1983 a 1988. É presidente da FAAP, a Federação das Associações de Atletas Profissionais. A entidade presta assistência complementar aos atletas profissionais, em formação e aos ex-atletas de futebol, com vistas à sua profissionalização alternativa e à readaptação para o exercício de uma nova atividade.

 

Para começar, pediria que o senhor contasse um pouco sobre o seu início de vida.

Meu nome é Wilson da Silva Piazza, nascido em Ribeirão das Neves (MG), no dia 25 de fevereiro de 1943. Meu pai, falecido, foi guarda da famosa Penitenciária Agrícola das Neves (PAN). O sistema prisional era totalmente diferente. Dava oportunidade ao indivíduo realmente pagar pelo que cometeu e depois se reintegrar à sociedade como cidadão de bem. Convivi muito no meio deles, acompanhando meu pai no time dos funcionários. Assistia às partidas em campos amadores. E jamais imaginei sair daquele mundo tão pequeno e dar passos largos no futebol.

O senhor passou a infância inteira em Ribeirão das Neves?

Saí muito cedo, aos 11 anos. Fui estudar em Belo Horizonte, a trinta quilômetros da minha cidade. Na época, não havia estrada asfaltada. Se chovesse, a jardineira atolava no caminho. Fui morar na casa de compadres e comadres. Essa é a vantagem da família numerosa, de dez filhos. Faz muitas amizades. Para não dar trabalho a eles, não ficava mais do que um ano em cada lar. Não havia saída, pois minha mãe precisou arranjar trabalho e ajudar o meu pai na criação dos filhos. Infelizmente, só tenho o ensino médio completo. Tive formação técnica em contabilidade. Costumo dizer que a minha escola superior é a própria vida, que me ensinou bastante.

Imagino que tenham enfrentado alguns problemas financeiros…

Família pobre, sem muitos recursos, repleta de filhos que precisavam de ajuda dos pais. Nossa riqueza era de ensinamentos, de responsabilidade. Ao deixar a minha casa, disse à mamãe: “Quando eu começar a trabalhar, quero tirar o peso da ajuda do meu pai. Serei responsável pelo pagamento dos meus estudos e das minhas roupas. Fique tranquila.” Aos 15 anos, consegui um emprego com carteira assinada na Flex Solas, firma de reforma de pneus. Passei a ajudá-la nos carnês: “Filho, não deixe de pagar. Pobre só tem nome. Se jogá-lo na lata do lixo, será difícil viver.”

E quando o esporte entra na sua vida?

No mesmo ano em que iniciei o serviço. Passei a defender o Amarelinho, apelido por causa da cor da camisa. Quando tirei férias da Flex Solas, também tive a oportunidade de atuar num clube amador de Belo Horizonte, o Comercial. Eles disputavam o campeonato juvenil das equipes profissionais. O presidente era o pai do Palhinha[1], o Sebastião. Eles buscaram garotos no interior do estado e me inscrevi. Sabia da oportunidade de enfrentar a base de Cruzeiro, Atlético e América. Agradei e pedi ao meu patrão, que detestava futebol, uma liberação antes do final da jornada em dois dias da semana. Prometi compensar no horário do almoço. Lembro perfeitamente o que ele me falou: “Não senhor! Se for estudar, terá o tempo que precisar. Mas futebol não!” Pela primeira vez, fiquei na dúvida do que fazer.

Acabei colocando uma pedra em cima do sonho por conta da responsabilidade assumida perante os meus pais. Felizmente, consegui removê-la mais tarde graças à própria Flex Solas. A empresa se inscreveu num campeonato comerciário do Sesc e montou um time com pessoas de fora. Certo dia, o Hugo Farias, diretor de vendas e técnico da equipe, encontrou um borracheiro, o Irênio Furtado. Pediu sugestão de meio-campistas jovens para completar o elenco. O Irênio, também atleta profissional, acompanhava muito campeonato amador e me conhecia desde Ribeirão das Neves. Ele me indicou e o Hugo Farias aceitou a sugestão, apesar de me achar um pirralho magrelo de 17 anos. Fomos campeões.

Qual o passo seguinte deste sonho?

Em 1961, o mesmo Hugo Farias foi convidado para ser diretor do Renascença[2], que dá nome a um bairro de Belo Horizonte. Na teoria, tratava-se de um clube profissional. Ele me chama e diz que tentará convencer o meu chefe a me liberar. Não conseguiu. Mesmo assim, assinei com o clube e optava por não treinar. Participava apenas das partidas aos domingos de manhã.

O pessoal do Renascença aceitou?

Sem nenhum problema. A única questão é que o meu técnico no juvenil disse não precisar de meio-campistas. Assim, fui jogar no ataque. No ano seguinte, cheguei à equipe adulta e, em 1964, ao Cruzeiro.

Que é o grande salto da sua carreira…

O namoro entre clube e atleta era antigo. Em 1962, o Hugo Farias saiu do Renascença e prometeu me indicar ao Felício Brandi, então presidente do Cruzeiro. Acontece que o Mário Celso de Abreu, conhecido do campeonato do Sesc, assumiu o comando técnico e quis contar comigo. Disse que eu não teria chances no Cruzeiro e que seria titular no Renascença. A decisão estava em minhas mãos, mas decidi ficar pelo sonho de atuar entre os profissionais. E fui arranjar um emprego que não exigisse período integral, pois teria que treinar. Fiz um teste no Banco Mercantil de Minas Gerais. Sabia que eles se interessariam por mim visando o campeonato bancário. Ia ao clube de manhã e trabalhava à tarde, das 13 às 19 horas. Valeu a pena, apesar do sacrifício. Após duas temporadas, o contrato expirou e peguei o passe livre. Aí adivinha quem virou técnico do Cruzeiro?

Quem?

O Mário Celso de Abreu. Fiquei entusiasmado e acertei com o clube. Não havia garantia de que eu seria titular porque eles contrataram o Ílton Chaves[3], volante experiente. A princípio, ele que jogaria. Só que deu azar. Logo sofreu uma distensão na coxa direita, ficou meses fora e me deu chance de aparecer. Abracei a posição até 1977.

Comenta-se que o Cruzeiro ainda não era um clube tão expressivo à época. A instituição cresce e passa a ganhar títulos justamente no período que o senhor é contratado.

O que deu outra dimensão ao futebol brasileiro foi a chegada do Mineirão. Representou uma descentralização do eixo Rio-São Paulo. Conseguimos dar um rumo diferente à história do Cruzeiro, que passou a ser nacional. Naquela época, o clube vivia basicamente de bilheteria e os outros estados viviam de fabricar atletas para cariocas e paulistas. A direção foi muito feliz ao enxergar os valores que estavam despontando a partir de 1964. Juntamos meninada e veteranos e nos projetamos definitivamente.

Então, fale sobre a façanha contra o Santos em 1966, no Pacaembu, e a conquista da Taça Brasil.

Tratava-se do maior time do mundo. E o interessante é que só perdi para eles duas vezes na história. Talvez porque praticássemos um futebol semelhante. Equipe alegre, ofensiva e cheia de jovens. Eu recebia a missão mais espinhosa: dar o primeiro combate no Pelé. Não podia deixá-lo carregar a bola. Precisava ter personalidade, reconhecendo o mérito dele e não anulando o meu. Para piorar, naquele tempo só havia um volante e cinco atacantes. Aí veio a partida e terminamos o primeiro tempo ganhando por 5 x 0. Não acreditava, pensava comigo mesmo: “Será que estou bêbado? Ou será apenas um sonho?” Mesmo assim, no intervalo, pedimos seriedade e cuidado. Contra adversários deste nível, não pode achar que está ganho. E mantivemos a postura: 6 x 2.

Falando agora de Seleção Brasileira, quando o senhor recebe a primeira chance?

Em 1967. Curioso que fui treinado pelos três irmãos Moreira: Airton, no Cruzeiro de 1965 e 1966, Aymoré, na Seleção, e Zezé, na Libertadores de 1976. Acho que o grau de parentesco ajudou na minha convocação. Além disso, o Brasil costumava aproveitar a base dos melhores conjuntos da época. E o Cruzeiro vinha do título da Taça Brasil. Enfrentamos o Uruguai três vezes na Copa Rio Branco. Empatamos todas. Era a minha primeira partida no exterior e mesmo assim fui capitão.

A Seleção não atravessava um bom momento, certo?

Teve a derrocada de 1966. Eu poderia até não ser titular dessa equipe, mas estava arrebentando. Se fosse do eixo, seria disparado o melhor da posição no país. Como atuava em Minas… Agora, às vezes, tem males que vêm para bem. Caso tivesse feito parte do grupo, talvez não recebesse uma chance em 1970. Ficou uma situação feia depois que chamaram vários atletas. O jogador, quando não tem cabeça boa, acha que não foi escalado por perseguição. Sofri com isso na troca do Saldanha pelo Zagallo. As pessoas me perguntam se foi o técnico que me colocou em campo, mas digo que fui eu mesmo. Tive que fazer o Zagallo me engolir para fazer parte do grupo. O fracasso na Inglaterra provocou uma reação geral, principalmente da imprensa, de que o futebol romântico havia acabado. Começou a se pensar o jogo do meio para trás. Fui afetado no próprio Cruzeiro. E, é claro, no próprio Mundial, onde atuei de quarto zagueiro.

Esse novo posicionamento lhe incomodava?

Acho que não teria lugar para mim se a Copa demorasse a chegar. Claro que realizei um sonho de garoto, mas não fui completamente feliz. Queria ser campeão atuando de volante. Fui zagueiro sem saber dar carrinho, com 1,76m de altura. Meu campo de ação ficou limitado, não senti o suor na camisa.

Como a mudança de treinador interferiu na sua função dentro da equipe brasileira?

O Saldanha me escalava de titular no meio e capitão. Com o Zagallo, virei reserva e o Carlos Alberto assumiu a braçadeira. A chance de entrar na zaga veio num “match treino” com portões abertos no Maracanã: seleção A contra seleção B. Um dos defensores, o Baldocchi, torceu o tornozelo e o Zé Carlos, companheiro de Cruzeiro, estava esperando a vez dele. Naquele momento, fui recuado e ele entrou na minha posição, pois atuava na frente. Nas atividades seguintes, o Zagallo continuou dependendo de um cara lá atrás para suprir a ausência. É bom que se diga que ele perguntou se eu poderia colaborar. Aceitei e logo me elogiaram na mídia. Fui testado no último amistoso preparatório aqui no Brasil, contra a Áustria[4]. Ali carimbei o passaporte.

No entanto, o senhor ainda não havia garantido vaga entre os titulares?

Exatamente. Na chegada ao México, o Zagallo agradeceu a minha dedicação e empenho na preparação. Porém, revelou que voltaria a escalar o Fontana. De qualquer forma, gostei da atitude dele. Disse que estava à disposição. Sempre tive um espírito comunitário. Logo após a nossa conversa, o Fontana se queixou de dores no joelho. Entrei na partida contra o combinado de Guadalajara[5], quando ele poderia ter optado pelo Joel Camargo. Ali percebi que o lugar era meu.

O Zagallo conversava muito com o grupo?

Falava bastante. Ele se preocupava em mostrar o quadro de botões e os slides com imagens congeladas dos rivais. Queria explicar o modo de atuar do adversário. Achei importante ele nos dizer que a Seleção Brasileira tinha uma força extraordinária, que sabia do nosso potencial. E pediu que lá atrás nós não arriscássemos. Felizmente, não erramos na hora do aperto. Havia obediência tática. Quando me perguntam sobre a diferença de 1970 para 1982, digo que faltou a eles se conscientizarem de que estavam num torneio de tiro curto. Mostravam a mesma força, potencial e poderio que nós, mas se descuidaram no mata-mata. Os zagueiros, por exemplo, várias vezes partiram ao ataque e se esqueceram da proteção defensiva.

E vocês já tomaram um susto logo na estreia contra a Tchecoslováquia…

Ao terminar a partida, o pessoal não escondia a euforia com o 4 x 1. Parecia que havíamos conquistado o título. Aí o senhor Edson Arantes do Nascimento bate palmas e diz: “Parabéns, moçada! Foi ótimo, mas precisa ser bem melhor.” Assim que terminou o discurso, ele sentou ao meu lado e falou que fez aquilo para o pessoal baixar a bola, não achar que havíamos alcançado todos os objetivos. Em Copas, você tem que começar bem e terminar melhor ainda.

O elenco seguiu à risca o pedido do Pelé contra a Inglaterra?

Fizemos um primeiro tempo ruim. Agora, estávamos enfrentando os atuais campeões mundiais, extraordinários. Os noventa minutos foram lá e cá. A vitória veio porque soubemos aproveitar a nossa chance.

Houve pressão da imprensa diante do Uruguai, já que eles passaram a semana inteira relembrando a derrota de 1950? 

É claro. Perguntaram se eu não temia que o estádio Jalisco se transformasse no Maracanã. Em 1950, não havia nem luz elétrica em casa… Se fosse no Brasil, talvez saíssemos de campo vaiados após o primeiro tempo. Seríamos cobrados pelo 1 x 1. No México, nos sentimos à vontade. Por isso que agradecemos o apoio.

A ditadura militar também exerceu algum tipo de influência?

Infelizmente, os esportistas brasileiros não tinham muita consciência sobre o tema. Parece que só nascemos para jogar futebol. Não sabíamos o que aquele momento político representava ao povo, que o dinheiro usado por eles, na verdade, era nosso. Mas justiça seja feita: recebemos todo o apoio necessário. E que me perdoe o Totsão quando afirma: “Se fosse consciente na época, não receberia o fusca.” Se pensa assim, ainda dá tempo de devolver. Pegue o dinheiro equivalente ao carro e doe a uma instituição de caridade.

Fale um pouco sobre a alegria de ser campeão do mundo.

No instante em que o árbitro encerrou a decisão, a euforia foi enorme. Passa muita coisa pela cabeça. No estádio Azteca, 70% do público era formado por mexicanos. Todos vibrando. Quando toco no assunto, não consigo segurar a emoção. O grande momento do Mundial foi ver o trabalho reconhecido, a humildade deles de aplaudir o nosso esforço. E eles conseguiram transmitir a nós a alegria dos brasileiros, algo que não tínhamos acesso devido aos meios de comunicação da época.

Quatro anos depois, lá está o senhor novamente. O que deu errado dessa vez?

A preparação não se assemelhou em nada à de 1970. Outro fator foi a reformulação do grupo. Saíram Pelé, Tostão, Gérson, Carlos Alberto e tantos outros. Todavia, o principal talvez tenha sido o ambiente. Não é justificativa, mas não sentíamos aquele clima inesquecível que ocorre quando fazemos uma baita viagem. Ou seja, formamos um bom grupo sem o espírito de união de antes. E não podemos esquecer que disputamos o título com outras duas grandes seleções, Holanda e Alemanha. Tivemos oportunidades de vencer a Laranja Mecânica, só que não achava justo vencermos aquele Mundial. Tanto é que lamentei a derrota, mas ela não doeu.

Qual é o significado de defender a Seleção Brasileira?

É o ponto máximo na vida do atleta, a maior realização. Quando olho a postura das pessoas, vejo que ela reserva algumas situações interessantes. Existem vários jogadores mundialmente reconhecidos que nunca tiveram a felicidade de levantar uma Copa. E deixamos de valorizá-los por não terem sido campeões. É o caso do Dirceu Lopes. Foi convocado, participou da preparação e acabou cortado. Gostaria que ele estivesse conosco no México, mas, infelizmente, apenas alguns tiveram o privilégio. Sempre me coloquei como um soldado a serviço da pátria, me doando e me sacrificando. No futebol e também na política, onde fui vereador de Belo Horizonte em três ocasiões (de 1972 a 1988). Lembro-me de um eleitor dizer que fui um belo político. Fiquei envergonhado e retruquei, alegando que nunca havia apresentado grandes projetos. Ele insistiu na tese e argumentou: “Piazza, o fundamental na política é ter espírito comunitário. Você tinha isso desde os tempos de capitão do Cruzeiro, pois se preocupava com os problemas dos outros.” Balancei a cabeça positivamente e, nesse sentido, concordei. Sempre tive um espírito solidário no esporte. 

Chegou a conciliar as duas carreiras?

Foi uma situação circunstancial. Entrei no MDB, mas não seria candidato. Escolheram o Raul Plassmann, cuja esposa era filha de um político tradicional de Belo Horizonte. O problema é que o Raul não possuía o título domiciliado da cidade, e sim de Curitiba. Não pode sair e me indicou. Relutei bastante. Vinha na mente a imagem das dificuldades que enfrentávamos em Ribeirão das Neves, apesar das inúmeras promessas de campanha. Só que acabei convencido no final pelo Ziza Valadares, que chegou a ser presidente do Atlético Mineiro. Fui o vereador mais votado sem nunca ter subido num palanque. Tudo bem que foi o futebol que me projetou. Depois, acabei gostando da coisa. Sou grato à política.

Para encerrar, o senhor tem alguma mágoa do futebol?

A única ressalva que faço é da cultura do brasileiro. Ao longo dos anos, vimos grandes atletas desfilarem em campo. Contudo, eles não são homenageados. É sempre algo isolado, nenhuma grande iniciativa. Não falo de dinheiro, mas de reconhecimento. A CBF e os clubes não se mexem. Veja o meu caso no Cruzeiro. Foram 14 anos lá e mais todo esse período que sigo torcendo. Se levasse em consideração a atitude de vários dirigentes, teria abandonado. A verdade é que entramos pela porta da frente e saímos pela dos fundos.


[1] Vanderlei Eustáquio de Oliveira, o Palhinha, foi revelado nas categorias de base do Cruzeiro. Em 1977, o atacante foi vendido ao Corinthians por um milhão de dólares, na maior negociação do futebol brasileiro na época. Ainda passou por Santos, Vasco, Atlético-MG e América-MG.

[2] Fundado em 15 de outubro de 1941 por funcionários de uma fábrica de tecidos, o Esporte Clube Renascença disputou o Campeonato Mineiro entre 1959 e 1967.

[3] Ílton Chaves iniciou a carreira em Teófilo Otoni, até ser contratado pelo Atlético-MG em 1955. Defendeu também o América-MG e o América-RJ. Chegou ao Cruzeiro em 1964 e abandonou os campos em 1969 para virar auxiliar-técnico da equipe.

[4] Brasil 1 x 0 Áustria (29/04/1970), no Maracanã, gol de Rivelino.

[5] Brasil 3 x 0 Combinado de Guadalajara (06/05/1970). Gols de Rivellino, Pelé e Clodoaldo.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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