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André Ribeiro

Equipe Ludopédio 11 de abril de 2012

André Ribeiro tem procurado criar um “espaço para reflexão e incentivo à literatura esportiva brasileira”. Esse é o objetivo do seu blog, Literatura na Arquibancada, ponto de parada obrigatório para todos os passageiros que trafegam por duas grandes artes e paixões: esporte e literatura. Autor de diversos livros de sucesso, como Diamante Negro, biografia de Leônidas da Silva; Fio de Esperança, biografia de Telê Santana; Os Donos do Espetáculo; André também trabalhou na TV Cultura, participando das equipes que arquitetaram dois programas pioneiros dentro do jornalismo esportivo brasileiro: Vitória e Grandes Momentos do Esporte. Confira este e outros temas na entrevista abaixo.

André Ribeiro
André Ribeiro mantém o blog Literatura na Arquibancada. Foto: Enrico Spaggiari.

 

Primeira parte

Quais as razões para a escolha do jornalismo como profissão? Como foi a sua aproximação com o futebol? Conte um pouco sobre sua formação e trajetória jornalística, e o envolvimento com o jornalismo esportivo.

O começo foi no bairro do Sumaré. Nasci na periferia de São Paulo, no Jardim Brasil, zona norte da capital. Cruzava a cidade só para jogar futebol com os meus primos. Tinha apenas 8 ou 9 anos de idade. Depois, um pouco mais para frente, quando me mudei para o Sumaré, morava exatamente na rua ao lado da TV Tupi. O sonho dos meninos do bairro era trabalhar na TV Tupi. Cada um que entrava, levava o outro. Realizei esse sonho, mas na verdade queria e estudava para ser engenheiro mecânico. Estudava no Liceu de Artes e Ofícios, um curso dificílimo. Minha vocação era totalmente voltada para exatas e não humanas (ou qualquer outra área). Odiava português, odiava escrever. Por decepção, acabei voltando para o jornalismo. Por quê? Entrei no jornalismo da TV Tupi e ali trabalhava ao lado de nomes consagrados como Walter Abrahão, Fernando Calmon, e a grande equipe da TV Tupi, a número 1 do país naquela época. E aquilo, diziam, envenena o nosso sangue. Os veteranos costumavam dizer: “Não faça isso, televisão e jornalismo não dão futuro para ninguém”. Desestimulavam de verdade. Viam meu esforço para estudar mecânica e desempenhar a função de assistente de produção e por isso permitiam até que eu utilizasse as pranchetas e os instrumentos do departamento de arte do jornalismo para fazer meus desenhos. Sabiam que eu não tinha dinheiro para comprar. Quando a emissora faliu, em 1981, recebi deles vários desses instrumentos como canetas, réguas e compassos caríssimos.


O sangue de jornalista na veia

Em 1983, quando me formei em Mecânica, era o auge da crise automobilística no país e acabei não conseguindo nenhum tipo de emprego na área. Continuava a morar no Sumaré, bairro onde estava sendo construída a torre de transmissão da TV Manchete, em São Paulo. Foi aí que um amigo perguntou: “quer voltar?”. Desempregado, topei. Participei desde a implementação da TV Manchete em São Paulo. Trabalhava no departamento de jornalismo geral como produtor dos telejornais Jornal da Manchete e São Paulo em Manchete. Foi também neste momento que tive contato com a produção de documentários, a criar histórias bem mais elaboradas, que exigiam pesquisa, pois era o único produtor em São Paulo. Era trabalho para gente muito mais bem preparada, mas creio que tinha vocação para aquilo. E acho que perceberam isso. Em cinco anos, cresci muito dentro da empresa, um aprendizado inesquecível, estava a todo instante no Rio de Janeiro trabalhando e convivendo com grandes documentaristas como Carlos Amorim e Nelson Hoeneff. Realizei grandes produções, como um especial premiadíssimo sobre Elis Regina, mas chegou aquele momento pelo qual todo profissional passa em uma empresa, o de querer subir e enfrentar novos desafios. E é nessa hora que os “pratas da casa” normalmente nunca são valorizados. Estava desiludido ao ver gente entrar e ganhar mais do que você. Várias amigos também começaram a sair. Foi quando recebi um convite da TV Cultura para trabalhar no departamento de esporte. A TV Manchete tinha um slogan, um bordão, “a TV do ano 2000”. Na época, os amigos diziam: “Você vai trocar a TV do ano 2000 por uma TV de circuito interno?”.

Um período inesquecível para o jornalismo esportivo brasileiro

A TV Cultura, naquele momento, 1988, não tinha o prestígio de hoje. Atualmente, ela tem prestígio, mas não uma programação como a de antes. Era uma escola, sem contar o acervo fantástico, uma coisa de outro mundo poder encontrar tudo aquilo. Nunca havia trabalhado diretamente com o tema esporte. Jogava e adorava futebol, mas apenas como forma de lazer, nunca como profissão. Comecei no programa “Vitória”, uma produção pioneira na TV em esportes de ação no Brasil. Ganhamos cinco anos seguidos o prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte – e isso com o programa sendo exibido no mesmo horário do Fantástico, aos domingos, às 20h. Foi revolucionário. A grande maioria que trabalhava no programa acabou indo para a TV Globo ou outras emissoras abertas comerciais. Éramos um verdadeiro “celeiro” de bons profissionais. Fui um dos poucos a não sair tentado pelas propostas financeiras muito mais vantajosas. Passei então a também fazer o Grandes Momentos do Esporte, na época, um programa de eventos com seis horas de duração e que só apresentava videoteipes. Planejamos, então, um programa jornalístico de verdade. Mergulhar no arquivo da TV Cultura e descobrir coisas fantásticas que só lá existem foi inesquecível. Fizemos dezenas, centenas de documentários sobre a história do esporte no Brasil. Resgatamos personagens, eventos, tudo o que se pode imaginar em termos de “memória”. Mas aí aconteceu algo que parece comum em todo grande veículo de comunicação: boa equipe e produções não podem durar muito tempo juntas. Foi o que aconteceu. Vários saíram com a falta de apoio às produções dos dois programas, Vitória e Grandes Momentos, que dependiam muito de viagens pelo Brasil e outros países. Também houve a perda de três companheiros de trabalho em acidente trágico, durante uma viagem ao Paraná. Um trauma terrível para todos. Com a extinção do programa Vitória, em seu lugar chegou outro marco no jornalismo esportivo brasileiro, Cartão Verde, com a aquela formação inicial fantástica: Armando Nogueira, Juca Kfouri, Flávio Prado e José Trajano. Particularmente, gostava mais do Grandes Momentos, porque lidava com o tema que mais me seduzia, a memória.


A descoberta da literatura esportiva

Nas pesquisas realizadas para o Grandes Momentos, a literatura chegou de mansinho. Como? Ao pesquisar a vida dos grandes atletas brasileiros, especialmente os que eram do futebol, sempre encontrávamos diversas fontes de referência, livros e fotos para ilustrar as reportagens. Íamos atrás de álbuns de família, arquivos de jornais ou dos acervos da revista Placar. “Desenterramos” muita gente nesse processo. E todo esse material bibliográfico e fotográfico acabava ficando comigo, gavetas e mais gavetas repletas de farta documentação histórica. Um dia, pensava, haveria de utilizá-las novamente.



O fim de um sonho

Infelizmente, no início do século 21, a TV Cultura começava a viver um momento crítico em sua trajetória. As produções dos diversos programas – e não somente aqueles do departamento de Esportes – já não tinham dinheiro para sequer realizar viagens em cidades próximas a capital. E no caso dos programas esportivos – Vitória e Grandes Momentos -, essa falta crônica de verba foi fatal. Uma pena. Até esse momento, a marca dos programas era viajar muito, ir até onde a história estava. Entrevistamos gente do país inteiro, ex-jogadores, clubes, fizemos diversos especiais, entre eles sobre o centenário do Vitória da Bahia e do Flamengo. Programas inesquecíveis, não somente para quem os produziu, mas como para quem era parte da história. Zico, por exemplo, chegou a falar da Tribuna da Câmara dos Vereadores no Rio de Janeiro que “uma equipe de televisão de São Paulo precisou vir até aqui para fazer a verdadeira história do Flamengo”. Nesse caso específico, do centenário do Flamengo, o assessor de imprensa do Flamengo na época, o falecido jornalista Altair Baffa, o “Baffinha” também correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, no Rio de Janeiro, afirmou que o especial causou tanto impacto que acabou se transformando em exibição obrigatória para todos os garotos das categorias de base do clube. Segundo eles, todo menino que quisesse jogar no Flamengo, assistindo ao programa saberia o que é ser um rubro-negro. E o que mais me impressiona é que até hoje, mesmo com o programa exibindo apenas reprises, ainda é citado e utilizado por muita gente. Faço parte do Memofut, um grupo de pessoas que estuda e pesquisa a memória e a literatura esportiva. Durante os encontros quase sempre há exibições de vídeos antigos do futebol brasileiro. Acabei virando motivo de piada. Os integrantes brincam: “para variar, mais uma produção by André Ribeiro e o Grandes Momentos”. O atual coordenador do grupo, Gustavo Longhi, assim como muitos “fanáticos” pelo Grandes Momentos, tem uma coleção com diversos programas gravados. Era uma coisa de outro mundo. Um jornalista da BBC, uma das maiores emissoras de TV no mundo, chegou a dizer: “Vocês não têm dimensão do que fizeram”. “Nós temos, quem não teve é a emissora”, que recentemente chegou a tirá-lo de sua grade de programação, incluindo-o apenas como um quadro do Cartão Verde, que ainda sobrevive, também sem o mesmo glamour de antes.


Lembranças eternas…

Até hoje sinto muita saudade desses tempos. Agora mesmo, pouco antes da chegada de vocês, acabei de postar no blog que mantenho, o Literatura na Arquibancada, a história de Luizinho, o Pequeno Polegar. Encontrei o programa especial disponível na íntegra no YouTube. Esse programa tem um significado pra lá de especial para mim. Assim como com outros personagens que resgatamos, criávamos vínculos de amizade com os entrevistados. Talvez por isso éramos sempre bem recebidos, e com quase todos abrindo o coração. Luizinho chora nesse programa. Fiquei uma semana atrás dele. A equipe se desafiava. Havia vinte anos ele não dava entrevistas para nenhum tipo de veículo de comunicação. E ninguém conseguia saber a razão de sua reclusão total. Fiquei uma semana numa espécie de plantão atrás dele. Até que, finalmente, consegui. Conto essa história no blog. É emocionante. Luizinho conta sobre esse esquecimento que foi submetido pelo clube, sobre o quanto era apaixonado pelo Corinthians. Ficamos tão sensibilizados por sua história que acabamos forçando a barra para que o Corinthians construísse um busto em sua homenagem. E está lá, Luizinho e Neco, outro grande ídolo corintiano. Isso o tirou das trevas. Ligava direto para mim, para agradecer, com aquele jeitão dele de italiano da Mooca, um doce de gente.

Foi na época em que jogou alguns minutos numa partida pelo Corinthians no Pacaembu em 1996?

Logo depois, em 1996, ele jogou 5 minutos na estreia do Edmundo, com a camisa 8. Na época não vi esse jogo. Sabe o que ele fazia? Todo final de ano ligava para mim, com aquela voz rouca e cantada: “Ei André, obrigado mais uma vez”. “Luizinho, para com isso, é obrigação nossa”. “Não, vocês não sabem o que fizeram por mim”. Um dia, estou no Guarujá, em 1998, e me ligam. Meus amigos sabiam que eu o admirava demais. Nunca tivemos uma amizade profunda, mas ficou algo marcante entre nós, pelo modo como fizemos o resgate de sua história. Quando disseram: “o Luizinho morreu”, desabei. Agora, antes de vocês chegarem aqui ao meu escritório, estava chorando sozinho ao reescrever essa história. Considero essa a grande matéria que realizei em minha carreira profissional. Ela representa tudo o que o Grandes Momentos fazia com – e para – essas pessoas: trazíamos, sem saber, suas vidas de volta, pois todos ex-jogadores, especialmente os grandes ídolos de clubes, morrem depois que decidem parar de jogar. São coisas que ficam na memória.

Diamante NegroFio de Esperança

              
O interesse pela produção de livros

Os livros surgiram nessa esteira. Sem conseguir trabalhar, pensei: “vou ver se na literatura posso fazer o que gosto de verdade”. Meu primeiro livro “Diamante Negro” fez enorme sucesso de público, mas não de renda, para variar (risos). E fui pegando o ‘bichinho’ da literatura. E o curioso é que o máximo que já havia escrito era carta de namoro para a minha esposa. Quem me fez despertar para a literatura foi o “grande” jornalista Michel Laurence, que me desafiou para essa história do Luizinho. Mestre Michel me disse com o seu jeito carioca: “Gente boa, é o seguinte: por que tu não coloca no papel essas histórias que você desenterra por aí?”. “Pô, Michel, não sei escrever nem carta, meu negócio é rua, produção, botar de pé histórias incríveis”. Mas essa sugestão ficou em minha cabeça. Quando saí da TV Cultura, em 2001, dei o que se chama de “despirocada”. Não foi fácil largar quase 15 anos de vivência em um lugar que amava e que aos poucos foi sendo destruído. Chegamos a ter quase 30 pessoas no departamento e quando deixei a emissora restaram dois ou três gatos pingados. Tudo isso aconteceu simultaneamente ao período em que já havia produzido meus dois primeiros livros, o Diamante Negro e o Fio de Esperança, biografia do técnico Telê Santana. Cheguei a ter de fazer terapia, procurar um psicólogo para entender o que estava acontecendo. Meus dois personagens, tanto Leônidas da Silva quanto Telê, eram “problemáticos”, o primeiro com Alzheimer e o segundo com AVC que o fez perder quase toda a memória. Sentia que estava morrendo aos poucos, exatamente como meus dois biografados. Não tive Alzheimer nem AVC, mas acabei diagnosticado com Síndrome do Pânico. Apesar disso, estava feliz. Meus livros têm agradecimento ao médico que me tratou na época, Dr. Mário Romano. Ele diz até hoje para mim: “Acho que você foi a única pessoa com Pânico que escreveu um monte de livros”. Explico: é que quem sofre de crises de pânico não sai de casa para nada, nem mesmo da própria cama. Eu, ao contrário, para sair do buraco, usei a escrita. Sabia que não voltaria mais para uma televisão, então, a literatura foi o caminho para que pudesse voltar a contar histórias e resgatar memórias. Depois de Telê e o Diamante Negro, veio a “A Magia da Camisa 10”, lançado em 2006, ano da Copa do Mundo na Alemanha e também traduzido e publicado no Japão, Hungria, Polônia e Portugal.

A magia da camisa 10
Capa do Livro A Magia da Camisa 10 de André Ribeiro.

A decepção de não ser publicado

Em 2007 lancei outro livro, “Os Donos do Espetáculo”, que estava parado nas minhas gavetas e por pouco não se transformou em outro trauma. Fiz toda a pesquisa, uma coisa gigantesca e depois pensei comigo mesmo: “E agora? O que faço com tudo isso? Quem vai querer publicar?”. Bati em várias portas e nenhuma editora se interessou. Sabia que seria complicado conseguir publicá-lo, pois editoras brasileiras interessam-se muito mais por biografias, um gênero mais “popular”. Sem conseguir apoio de nenhuma editora, nem mesmo da que havia publicado meus dois livros anteriores, não conseguia sentar para terminar o livro. A pesquisa toda estava pronta, mais de 100 horas de depoimentos e documentos que só eu tive acesso. Tenho aqui, por exemplo, uma pasta do Ary Silva com os telegramas que enviava da Europa à redação do jornal para o qual estava trabalhando. Um documento histórico. Falei com o filho do Geraldo Bretas. No Rio de Janeiro, obtive farta documentação com a família de outro “mito” do rádio esportivo brasileiro, Oduvaldo Cozzi. Consegui acesso a documentos raros que não puderam ser impressos no livro, pois a editora não queria arcar com esse custo. Estava a ponto de jogar fora os originais, queimar tudo, quando um amigo falou: “Você não tem o direito de fazer isso”. “Como não? Isso aqui está me fazendo mal. Eu vou jogar fora. Eu não consigo publicar um livro desses”, disse a ele. Da resposta, nunca mais me esqueci: “Você não tem esse direito. Você não pode ser maior do que a história. Por que não entra em um concurso? Não custa tentar”. Nunca havia ouvido falar nessa opção. Na época, 2007, estava aberto o primeiro concurso do governo do Estado de São Paulo para publicações, o chamado PAC. Faltavam apenas três dias para o encerramento das inscrições. Esses projetos são cheios de detalhes, mas não desisti. Entrei, mas tinha quase a certeza de que não seria premiado, afinal, estava concorrendo com autores e projetos culturais que despertavam muito mais interesse no público leitor. Um livro de futebol ser contemplado? E não é que foi. Ganhei novo ânimo para voltar a escrever. Contudo, sei como autores da literatura brasileira são tratados no país. Reconheço meu modesto espaço entre tanta gente de talento, mas também sou roteirista do Itaú Cultural, do programa Jogo de Ideias, e nesta produção percebi, afinal, que não estava sozinho nesse “sofrimento”, grandes autores da literatura brasileira também passavam por isso constantemente. São unânimes em afirmar que não se vive da literatura no Brasil, mas sim, do prestígio adquirido com o livro publicado.


Um blog para poder escrever

Viver como escritor no país, portanto, é impossível, salvo raríssimas exceções. Ganha-se com palestras, workshops, etc… Por conta da decepção de não conseguir publicar um romance iniciado no ano passado, decidi então criar um blog, o Literatura na Arquibancada. Entre o sonho de ter mais uma obra publicada e a necessidade de sobreviver, vence sempre a segunda opção. Há momentos – vários – que temos de parar de sonhar, enfrentar a realidade e ponto. E é isso que tem destruído a carreira de muitos escritores que acabaram abrindo mão de tudo na vida para ver publicada sua obra. Uma hora, disse para mim mesmo: “Vou parar”. E parei. O blog foi a forma encontrada para continuar a escrever diariamente, pois qualquer jornalista que tenta viver de literatura tem de escrever todos os dias, caso contrário a cabeça trava e as mãos enferrujam. O mais curioso é que não entendo praticamente nada dessas ferramentas de internet para criação de blogs, sou quase um “bronco”. Podem ver, é tudo muito antigo aqui em meu escritório. Essas modernidades não foram feitas para mim, mas sei que sem elas não sobreviveria. Então, com a ajuda de minha filha, passei a participar das redes sociais. Em 15 dias, vi como funcionava esse universo dos blogs. Montei e ainda faço tudo sozinho. Assumi comigo mesmo o compromisso de fazer um post por semana. Mas quando percebi já era obrigado a postar um artigo por dia. Hoje, o blog “explodiu”. Em apenas seis meses, jão são mais de 30 mil visitas do Brasil e diversos países do mundo inteiro. Vários autores escrevendo e colaborando gratuitamente. O sucesso do blog acabou gerando (e forçando) a ideia da criação de eventos presenciais. Já temos agendado para o mês de agosto, quatro grandes eventos em homenagem ao centenário de Nelson Rodrigues. O que quero dizer com tudo isso é que estou tentando fazer com que o Literatura na Arquibancada seja uma espécie de para-raios do que já se produziu – e ainda produz -, na literatura esportiva do país, dos grandes autores aos novos talentos. Teremos uma Copa do Mundo por aqui, vamos receber milhares de pessoas do planeta e temos, creio eu, a obrigação de saber pelo menos a nossa própria história.

Em sua opinião, porque a literatura esportiva, principalmente sobre futebol, não cativa tanto os leitores?

O que você e muitos querem saber é porque 50 mil corintianos vão a um estádio e por que esses mesmos 50 mil não compram um livro do Corinthians. César Oliveira, do Rio de Janeiro, além de grande editor, é meu parceiro nos eventos que estamos organizando a partir do blog Literatura na Arquibancada. Ele sofre com essa lógica absurda. É um dos abnegados que faz das tripas coração para poder publicar seus livros. Conversamos muito sobre isso. Os “grandes editores” se tornaram fascinados pela literatura esportiva por causa do mercado existente e pouco explorado. Começou com o Ruy Castro, na biografia do Garrincha, e logo a seguir, sem falsa modéstia, com o meu livro, Diamante Negro. Só que a partir de então o mercado foi invadido por uma série de títulos “estranhos” e perdeu-se por completo. Por quê? Não souberam separar o joio do trigo. Não souberam diferenciar ou dimensionar a importância de se publicar primeiro histórias de personagens fundamentais no futebol brasileiro como a de um Fausto, Gérson, Didi, e não de nomes ou fatos de menor importância. Veja o exemplo da biografia sobre Nílton Santos, um livro fundamental para a história da literatura esportiva do país, com um tratamento editorial de conteúdo muito aquém do que mereceria. E mesmo assim, vendeu feito água. Só no evento de lançamento, no Rio de Janeiro, foram quase duas mil pessoas, dois dias de autógrafos. O mercado percebeu que havia aí um grande nicho e começou a publicar, publicar, publicar. Mas, como toda “bolha”, uma hora para, ou o pior, estoura. Em tudo isso, está embutida a ganância do editor, não estou falando de ninguém especificamente, mas a maioria do mercado é assim. Acham que os 70 milhões de corintianos e flamenguistas irão comprar qualquer título que se publique. Repito, não é assim que funciona, a paixão do torcedor acaba nas arquibancadas do estádio. Primeiro ele sempre irá garantir o dinheiro para o ingresso de um jogo para depois pensar em comprar um livro. Vivi uma experiência que ilustra muito bem essa realidade. No livro “A magia da camisa 10”, a editora fez a pré-venda pela internet. Nada de novo até aqui. Venderam 5 mil cópias em poucos dias!!! Só que as livrarias “compram” essa enorme quantidade de livros em “consignação” e se na hora em que o livro estiver nas livrarias não vender, devolvem tudo. Não esperaram o retorno das livrarias e mandaram imprimir nova tiragem, mais 5 mil!!! Avisei à editora, vai encalhar! Eles não acreditaram, pagaram para ver. Resultado: uma montanha de livros em estoque parados e mais tarde, praticamente “dados” a um revendedor de “estoques remanescentes”. É duro ver seu livro ser vendido a 1 real. Dizem que o bom livro é aquele que vende para sempre. Sempre terá um exemplar na estante de uma livraria. Até hoje, o Diamante Negro é vendido e foi lançado há 12 anos. O mesmo aconteceu com o livro sobre Telê Santana. Ambos foram reeditados recentemente pela Cia dos Livros. O bom livro não morre nunca. Se alguém procurar pelo livro do Garrincha em qualquer livraria, vai encontrá-lo. Quem compra livros de futebol? Não é o torcedor da arquibancada ou pelo menos a maioria deles. É o torcedor que tem um certo nível cultural, que gosta de ler e está dentro daquela estatística que diz que o brasileiro lê de 2 a 3 livros por ano. Ou seja, o leitor potencial tem dois livros da literatura geral para ler por ano e, talvez, por gostar de esporte, principalmente futebol, um deles, quem sabe, pode ser sobre literatura esportiva. Observe como o universo do mercado se restringe.


Então, o que falta para que esse mercado da literatura esportiva cresça e apareça?

É exatamente o que tento trabalhar no Literatura na Arquibancada. Mostrar que existem livros preciosos sobre o tema futebol escritos por grandes nomes da literatura brasileira. Basta acessar sebos virtuais ou ir até um deles, no centro de qualquer capital brasileira. Procuro sempre reproduzir trechos maiores dos livros para que o leitor perceba não só a qualidade do texto como também despertar em editores o potencial de obras que podem ser produzidas. Ou seja, tento mostrar a leitores e editores que não são apenas biografias e histórias de clubes que cativam o leitor interessado em conhecer a história do futebol no país. Precisamos e devemos conhecer outras histórias, outras temáticas, outros gêneros da literatura. E o que não nos falta é qualidade e variedade. O dia em que coloquei no blog um post sobre Clarice Lispector, os leitores ficaram surpresos: “Mas Clarice escreveu sobre futebol?”. Tudo que encontro em pesquisas feitas pela internet, publico somente com a autorização dos autores. Ligo para eles solicitando permissão. Recentemente publiquei um artigo do professor Antonio Bichir da FAAP, escrito e publicado havia dois anos em uma revista da própria universidade e que teve pouca repercussão. Veja, dois anos depois, o mesmo artigo escrito por um intelectual respeitadíssimo teve enorme repercussão no Literatura na Arquibancada. Por quê? Simples, o artigo é sobre o livro “Como o futebol explica o mundo”. Uma obra fantástica. Vocês, do Ludopédio, leram porque são ligados à universidade, mas o grande público, que é esse que estamos buscando, não sabe. Também procuro entrevistar os “famosos”, gente que tem apelo “popular”, os tais “formadores de opinião”. Com eles, sempre peço a lista de seus livros de cabeceira.


Livro de futebol vende?

Vende mais em época de Copa do Mundo. Vocês já ouviram isso também do “Seu Domingos” (Domingos D’Angelo, um dos maiores acervos de livros esportivos do país). É essa a realidade. Ele tem aquela tabelinha que mostra como é o mercado de livro. Comprova por meio de números o crescimento no ano anterior e às vésperas dos mundiais. Está tudo lá, contabilizado. Temos de batalhar para acabar com essa realidade. Meu sonho é transformar a literatura esportiva “obrigatória” nas escolas. Não temos de comprar e produzir livros só em época de Copa do Mundo e muito menos porque ela será realizada no Brasil. O mercado um dia comprovará o que estou dizendo. Será bom para todo mundo, para quem escreve, para quem lê e para quem vende. A leitura é o prazer da descoberta e a literatura esportiva ainda tem muito a revelar. É isso o que busco no blog e com os eventos presenciais que estamos criando. Queremos mostrar nas universidades e nas escolas o que já foi produzido e como podemos “aprender literatura” de outra forma, ou seja, utilizando o futebol, a paixão número 1 do brasileiro. Existe forma mais simples e direta de se tentar fazer isso? Ensinar literatura por intermédio do futebol? Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, Drummond, Rubem Fonseca e vários outros grandes mestres também já escreveram sobre o tema. Publiquei recentemente um post sobre Jorge Amado. Foi uma “explosão” de acesso. “Ele já escreveu sobre futebol?”. O blog tem essa coisa legal, pois fico fuçando, busco matérias de arquivo, pego a foto e boto lá, parece que você tem que mostrar para o leitor que esse camarada, por um acaso, um gênio, existe. O que tento mostrar a todos é que foi ele mesmo (Jorge Amado e tantos outros) quem escreveu isso, “e olha como ele era apaixonado por isso!!!”. Ou seja, se esse autor consagrado era apaixonado por futebol e o valorizava tanto, porque nós, hoje, passado tanto tempo, não temos o trabalho miserável de escrever melhor e não ficar apenas ouvindo comentaristas em televisão e no rádio falando bobagens? Deixei a televisão também por causa disso.

Veja o zagueiro Paulo André… Quantas pessoas gozaram, ironizaram o trabalho dele como artista, pintor. Mas Paulo André além de artista é leitor voraz, conhece a história dos clubes onde jogou e ainda escreveu um livro contando sua própria história no futebol. Dentro desse projeto dos eventos presenciais do Literatura na Arquibancada, um dos temas é exatamente esse: fazer com que os atletas dos principais clubes brasileiros conheçam a história de sua profissão, do seu clube, do lugar onde passam a maior parte da vida. De onde surgiu essa ideia? Vi a Orquestra Sinfônica de Heliópolis fazendo um evento com os jogadores da base do São Paulo F. C. Os jogadores foram lá, viram a rotina de uma orquestra, a questão da união, da integração entre os músicos, e quando estávamos montando o projeto dos eventos, pensei: “Vamos fazer isso nos clubes, mas com os livros”. É inadmissível que um jogador profissional, ainda mais os dos grandes clubes, desconheçam a história dos grandes nomes do clube onde joga, dos livros de referência. Queremos fazer esse povo ler. Queremos também mostrar tudo isso, em escolas, universidades e empresas. Existe um universo a ser explorado na literatura esportiva pela poesia, contos, crônicas, reportagens, enfim, os diversos gêneros literários relacionados com o futebol.

Literatura esportiva para empresas? Isso mesmo, mostraremos como o esporte pode ajudar na liderança de uma empresa. São vários os livros, especialmente biografias de grandes atletas, de diversos esportes, não apenas do futebol, que se aposentaram e hoje vivem de palestras motivacionais. O que queremos é fugir disso, mostrar de maneira didática o potencial embutido em muitos desses livros. Nas escolas e universidades, idem, criamos um menu repleto de temáticas que poderão ajudar na formação de novos leitores e, mais do que isso, ajudar no conhecimento desses autores consagrados da literatura brasileira. Na literatura infantil, por exemplo, existem eventos maravilhosos que podem ser feitos com autores que conseguem por intermédio do futebol falar sobre o cotidiano, dramas da vida, do dia a dia que diz respeito aos jovens. Mostraremos, que com o futebol como “gancho” poderemos atingir um público muito maior do que é alcançado hoje. É um potencial muito grande.

Existem centenas de histórias a serem resgatadas. É fácil gostar da literatura esportiva, ainda mais quando ela está amarrada ao tema futebol. É gostoso, bonito e mais fácil um professor falar de Camões, Machado de Assis e de diversos outros grandes autores por intermédio do futebol. Não tenho dúvida de que é mais fácil despertar no jovem leitor o prazer da leitura por esse caminho. É uma grande batalha na universidade fazer o jovem aprender a ler coisas mais elaboradas. Por quê? Porque desde o tempo da escola ele foi “obrigado” a ler Iracema, Grande Sertões e outros clássicos. A leitura é o despertar do prazer. Você lê, viaja, mergulha na história. Fazer isso na marra com o jovem é cruel. Por isso é comum ouvir dos jovens detestar esse ou aquele autor, porque, na verdade, esse garoto ou garota não foi seduzido a gostar ou a encontrar a história de determinado autor. Nosso sonho é esse, utilizar a literatura esportiva para o despertar de novos leitores. Um exemplo simples. Por que Clarice Lispector “perdeu” tempo falando de sua paixão pelo futebol? Porque um dia ela descobriu e se surpreendeu com as crônicas de um companheiro de trabalho no Jornal do Brasil, Armando Nogueira. Então, Clarice perguntou a si mesma: “Dá para fazer poesia com o futebol?”. São olhares como esse que não temos hoje, perdemos. Os jornais do passado tinham isso. Em meu livro sobre a imprensa tento resgatar isso, essa forma romântica da imprensa lidar com o fato. Na quarta capa do “Os Donos do Espetáculo”, há uma frase genial de Nelson Rodrigues: “Houve um tempo, no passado do homem, em que o fato tinha, sempre, um Camões, um Homero, um Dante à mão”. Por outras palavras: o poeta era o repórter que dava ao fato o seu encanto específico. Hoje, nós temos tudo: jornal, rádio e tevê. O que nos falta é, justamente, a capacidade de admirar, de cobrir o acontecimento com o nosso espanto. O que falta é olharmos para tudo o que temos no futebol atual, do esporte em geral, e fazer poesia, conto, crônica, romance, enfim, fazer livros neste segmento.


Como surgiu a ideia do blog Literatura na Arquibancada e como faz para mantê-lo?

Não existe um site ou blog no mundo que só discuta literatura esportiva. O título, Literatura na Arquibancada é muito forte, bem apelativo, inspirado em um jornalista que eu adoro, meu guru, o José Castello e seu “Literatura na Poltrona”. É pretensão, sou uma “pulguinha” perto dele, mas por que não “na arquibancada”? Surgiu assim essa ideia maluca. Manter o meu blog é complicado. Faço tudo sozinho. Às vezes chego em meu escritório e não tenho uma pauta fechada. Penso em alguma coisa, olho um livro de minha biblioteca e arrisco encontrar alguma história para publicar. Também faço muita pesquisa na internet, busco efemérides, notícias sobre lançamentos de livros, fatos do dia a dia do jornalismo, enfim, as pautas são abertas para todas as temáticas. Mas existe um trabalho fundamental, pelo menos nesses primeiros meses de vida: o resgate das obras de referência da literatura esportiva. Também estou sempre de olho na produção acadêmica, com teses, antigas e novas. Tudo isso para potencializar o consumo de livros e o estímulo a leitura, objetivo maior do Literatura na Arquibancada. Começamos com uma média diária de 200 pessoas, hoje, atingimos a marca surpreendente de 1.200 visitas diárias. Pode parecer pouco, mas para um mercado que dizia não existir consumidor de livros esportivos, parece que estamos no caminho certo. Ainda assim, até agora, nenhuma editora nos procurou para divulgar livros no blog. Então, faço eu esse serviço. Entro no site deles (de qualquer editora), pego a resenha, sinopse (de livros novos ou já lançados), e às vezes vou atrás do autor para uma entrevista. Na verdade, as editoras não sabem divulgar seus próprios livros. Essa é grande verdade. O grande mercado editorial não sabe. Eles têm outras prioridades, querem vender Harry Potter, não querem vender um título de futebol. Um exemplo. Um autor de uma grande editora revelou para mim que “não tive a divulgação e a repercussão com os meus livros como estou tendo com o seu blog”. Ele está vendendo livro por conta desse artigo? Não, mas estamos estimulando a leitura. Talvez do seu livro, talvez de muitos outros. O subtítulo do blog é esse: “reflexão e incentivo às publicações do Esporte Brasileiro”. Acho que isso estamos cumprindo.

 


Confira a segunda parte da entrevista em 25/04/2012 

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