Gestão do futebol

Equipe Ludopédio 29 de julho de 2020

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Como olham o futebol feminino a partir do “novo normal”?

Aline Pellegrino

Achei extremamente pertinente sua fala inicial. A sua pergunta também.

Tudo passa pelas pessoas. Teste a fotografia do momento. O que as pessoas não entenderam ainda é que o que vai trazer segurança é a responsabilidade com os outros. Então, continua dentro de casa. Esse é o maior ponto. Olhando para o novo normal no futebol feminino. No masculino é não ter torcida. No feminino isso é normal. No masculino é não ter renda. No feminino é normal. Como fazer com que o futebol feminino consiga cumprir as exigências de segurança, os protocolos exigidos pelo combate à covid-19. A dificuldade do futebol feminino está muito aí. Mas também passa pela gestão. Os projetos eram feitos para o momento e não estavam preocupados com o longo prazo. Temos de tentar pegar essa gestão mais fraca e tentar cumprir os protocolos. Talvez a régua esteja alta para a estrutura. Se deixar o futebol feminino neste novo normal, aí vai ficar mais complicado.

Vieram várias possibilidades com este novo momento. Todas essas discussões tão pertinentes que isso se reflita na prática. Que a gente consiga enquanto gestores colocar em prática. A gente teve momento para ouvir tanta gente e que a gente consiga começar 2020 melhores do que éramos.

Júlia Barreira

Ela passou uma visão mais macro, da Federação. Eu vejo mais micro. O choque muito grande de ficar em casa foi dessa impossibilidade de desenvolver aspectos táticos, técnicos, físicos. Quando pensamos os aspectos históricos, sociais eles podem ser dialogados em casa. Esses gestores podem fazer essas discussões de modo online. Então, vejo esse como uma possibilidade de atuação. Quando voltar ao novo normal, que isso seja levado para dentro de campo. Que não se restrinjam só neste momento.

 

É o momento oportuno para colocar coisas mais sólidas na programação televisiva? E nos bastidores, o que têm reparado?

Aline Pellegrino

Eu brinco que o trabalho triplicou. Cada reunião por videoconferência é uma demanda. Conseguimos colocar metodologia no papel, o contato com o Centro Olímpico. Para a FPF é muito bom. De 2016 para 19, a evolução foi legal.

2020 em tese não aconteceu e não dá para comparar. A manutenção das competições. A CBF cravou data para a A1, A2. A FPF vai ter campeonato adulto. Para ter a base, precisa das autoridades de saúde. Não terá Libertadores neste ano. Já era impossível dado o calendário. Uma das coisas mais importantes é que todos os agentes estavam juntos. Pensando nisso, a CBF anunciou que a Guaraná vem para o Campeonato Brasileiro por três anos. Temos de discutir para melhorar a base, os horários etc. mas 20, 21 e 22 estariam esquecidos. A partir do ano que vem, entraríamos num marasmo do período entre Copas e Olimpíadas.

Copa do Mundo em 23, com Nova Zelândia e Austrália terá um planejamento legal.

O golaço já vem desde 2015.

Júlia Barreira

Eu acho que a gente vive algumas ondas de visibilidade de futebol de mulheres. Talvez 2019 foi a maior delas. Foi uma delas ou veio para ficar? O futebol de mulheres precisa contar com a organização de clubes, escolas e mais para que ele seja sustentável. Que tenhamos um plano que envolva todos os agentes do sistema. Ter ficado em casa fez com que algumas organizações se estruturassem nesse sentido. A Federação da África do Sul foi uma delas. A preocupação da FPF é esta também.

 

Queria retomar algumas provocações, quando comparamos com o futebol masculino. Até que ponto o futebol de mulheres precisa estar próximo do de homens ou são mundos muito diferentes?

Aline Pellegrino

Não tem o caminho certo, tem os momentos e os contextos. Na semana passada, o Reinaldo disse algo legal. Eu acredito muito na vida própria. Senão, a gente fica tentando colocar o feminino no masculino. O masculino tem um processo diferente. É válido usar a visibilidade do masculino, mas que tenham vida separado. Ex. Ferroviária. Eles têm caixa diferentes. É um clube só, mas ele se aproveita do que tem de melhor para um e outro. O importante é crescer a marca do clube. Precisamos separar do masculino. Pouco importa se teremos mil seguidores ou cem mil. Depende muito de cada momento. O Manchester City decidiu unificar as redes sociais. Não tem o certo e o errado. Depende do planejamento e do diagnóstico de cada dia. Eu tenho um feeling de 80% separado.

Júlia Barreira

Eu concordo com a Aline. Não existe uma fórmula única como lidar o futebol de mulheres. Seria adequado reproduzir o futebol de homens no de mulheres? Na Europa, eles se apoiam no modelo clubístico. Aquilo é o que faz a base do sistema feminino. Isso funciona e dá certo. No modelo dos EUA e Canadá, eles se baseiam na universidade. Também dá certo. Não existe uma fórmula para replicar em todo mundo. O esporte se concentra mais nas escolas ou nos clubes? Seria bom saber onde estão os gargalos dentro do sistema antes de sair replicando.

 

Nesses dois cenários que descreveu, clubes ou escolas, tem uma realidade policlubística diferente do Brasil. Que estrutura é essa que devemos propor e em que lugar entra o poder público, seja na escola, na comunidade, nos clubes, na instância municipal, federal…? Quais os pontos sensíveis no município, escola-modelo?

Aline Pellegrino

Na sexta-feira passada, discutimos isso em nossa reunião. Esse é o mundo ideal. Está tudo ali, mas não está acontecendo. Quem que é esse modelo? Vamos nos aproximar do município e a gente buscar. Não podemos esperar acontecer de cima para baixo. A escola, o CDC, a FPF. Falta o Plano Nacional de Esporte. Cada modalidade tem a sua dor. A turma da natação também quer aumentar os praticantes. Quando falamos do futebol de homens, ele se deslocou disso. O feminino viveu no limbo por muito tempo.

Muito do que a FPF tem tentado fazer é criar projetos pilotos. Começamos com 15 equipes. No último tivemos quase 300 atletas. Vamos incomodar o poder público. Quem deveria estar fazendo isso? A FPF nunca faria uma peneira pensando em futebol de homens. Temos de aprender com eles o que não deu certo, já que estão a 60 anos em nossa frente. Quem mais pode fazer? A FPF tem de assumir seu papel. Vamos assumir mais responsabilidades dentro do que é possível. Isso gera transformação. Isso é utópico.

Até porque está mais próximo. A gente usou o CEPEUSP. Os festivais foram em Araraquara e em Taubaté. O Campeonato adulto está na Lei do Incentivo. Conseguimos no ano passado quase 800 mil reais.

Os espaços físicos são ocupados majoritariamente pelos homens.

Júlia Barreira

Gosto de pensar no desenvolvimento do futebol de mulheres. Precisamos fazer com que mais meninas e mulheres entrem no futebol feminino, seja criança ou adolescente. Temos de oferecer recursos para que ela possa continuar. A literatura aponta para espaços físicos para elas jogarem. Querendo ou não, temos quadras e clubes. Quem está se apropriando desses espaços, elas se sentem confiantes para atuar neles, quem são esses profissionais que promovem essa entrada delas?

Quando falamos de universidades públicas, estamos formando bons profissionais. Vejo diversas áreas de atuação do poder público.

Dentro do município, isso acontece mais. Em Araraquara, temos uma ação maior.

 

Quais são as barreiras que precisam ser quebradas nessas estruturas? Como aproximar a universidade de uma estrutura de gestão das entidades que regulam as modalidades? Quais os lugares de diálogo?

Aline Pellegrino

Você tinha a fome com a vontade de comer. A pesquisa científica é um de meus pilares. Quando a Júlia me trouxe, me trouxe em outra perspectiva. A gente só tem a crescer com essa parceria. Vamos lá do Reitor da Unicamp direto com o Reinaldo, vai demorar. Vamos tentar de outro tempo. Na hora que chega na presidência, já chega com resultados. Alguém precisa dar esse primeiro passo. Falta só a operação, fazer girar. Eu vejo o futebol feminino como um grande projeto piloto para tudo. Isso faz com que cresça muito. Nos tira da inércia. A academia tem total possibilidade disso. Faz todo o sentido, mas criou-se uma estrutura de distância. Aproximar vai ser melhor para todo mundo, construindo um esporte melhor. Não consigo ver como o resultado disso vai ser ruim.

Júlia Barreira

Para acessar a Aline, não existe barreira. Meu contato com ela… De fato, isso que você falou me preocupa. EU vejo esse distanciamento, principalmente nas falas e nos conteúdos. Eu achava que o que produzia não seria lida por ninguém. Para ganhar mais confiança com minha escrita, tinha de me aproximar da prática. Disse para a Aline. Eu tenho tempo e disponibilidade. Ela super me recebeu. “Vamos tentar.” Fizemos um mapeamento. Criamos quase que uma rotina de encontros entre uma literatura que lia e ela me passava as dificuldades do dia a dia. Sempre falo muito isso para quem quer praticar gestão de futebol de mulheres. Abertura tem. Está todo mundo querer fazer em prol da comunidade. Não sei como é em outras federações. No estado de SP, eu vejo com bons olhares.

Em outros sistemas do mundo, quem forma os profissionais são as entidades. No Brasil, são as universidades. Por que as federações e as universidades não se juntam e formam parcerias nesse sentido?

 

Clubes da primeira são obrigados a terem times femininos. E se eles rebaixam?

Aline Pellegrino

Mudar a percepção sobre o espaço e o futebol das mulheres é nossa luta. Essa questão do licenciamento vem da FIFA. Em 10 anos, mudar o número de praticantes. O licenciamento de clubes significa melhorar a gestão. São vários critérios esportivos, administrativos e financeiros. O objetivo dos clubes é desenvolver o futebol para homens e para mulheres. Para esses que estão na Série A, tem de ser assim. É uma transição. Se olharmos o próprio Corinthians, muito em conta do Profut, consolidou isso em anos. Para quem começou na parceria, agora não pode mais. São mecanismos. Se não fosse o licenciamento, levaria 10 anos. Deixar sozinho, não daria certo. Como fazer com que aquele clube melhore sua gestão? A percepção muda com os pares. Se o rival faz bem, sua torcida te cobra. O Real Madrid na semana passada lançou sem nenhum tipo de licenciamento. O que está acontecendo no mundo? Esses clubes vão ficar para trás e vão ter de correr atrás. É gestão. Não ter equipe feminina, você bloqueia torcedoras. É uma estratégia de melhorar a marca do clube.

Júlia Barreira

Só para complementar sua resposta, as diretrizes prezam por mulheres em cargos de gestão. Quando uma mulher tem cargo de gestão, acontece mais.

 

Como reconfigurar a parte interna? Para ter essa mudança, é preciso a parte interna.

Aline Pellegrino

Concordo plenamente. Independente de ter a mulher, precisa ter o ponto focal. Meu olho bate naquilo que é feminino. Se não tem essa pessoa, ela vai olhar para a maior demanda, que ainda é o futebol dos homens. Se não tiver essa pessoa, vai patinar. Precisa ficar sólido. Eu vejo muito por minha chegada na FPF. Porque começou a ser feito alguma coisa que é importante para o futebol feminino. A gente já faz o principal campeonato há 22 anos. Vamos fazer premiação? O campeonato não acaba mais na final, vai continuar por uma semana discutindo quem são as melhores. A gente precisa ter mais competições. Fizemos uma competição de base. Ter alguém focado só no futebol feminino.

Júlia Barreira

Em 2014, uma análise tentou avaliar variáveis nos diversos países. Uma das variáveis é a quantidade de pessoas dentro do futebol feminino. Aqui estou fazendo um paralelo com o desempenho feminino. Quanto mais pessoas tiverem pensando essas questões, melhor será o futebol praticado por um país.

Quanto melhor for a gestão, mais será feito para que mulheres pratiquem futebol.

E vale lembrar que a FIFA tem cobrado muito isso das Federações. Quantas mulheres atuam na Conmebol, na UEFA etc. Tem uma pressão de cima para baixo. Precisamos ter essa mulher assumindo a gestão.

 

O que foi um reforço a chegada da Pia ou a saída Marco Pólo?

Aline Pellegrino

Dentro do que ele fez em quatro anos, fez muito. O Brasil foi campeão sub-20. Isso é quase uma obrigação nossa.

Eu construí uma história dentro da FPF em quatro anos. Quando o Marco chega, ele não tem essa preocupação. A seleção viajar numa situação melhor, já é positivo. Isso é por que temos uma pessoa destinada para isso.

São outros tempos.

O ponto ápice da gestão dele é a chegada da Pia. De novo, o futebol feminino quebrando barreiras. Guardiola no ápice e não foi sequer cogitado para a masculina.

Ele cumpriu bem seu papel em quatro anos e entregou melhor do que recebeu.

Júlia Barreira

Certa vez, entrevistando a Silvana Goellner, ela falou de vontade política. Deixo a bomba no ar e as pessoas interpretam cada uma a sua maneira.

 

Falando em vontade política, a FIFA…?

Aline Pellegrino

Começando pela Conmebol, do Evolución, está em sua estrutura de desenvolvimento. Isso contemplaria o departamento de futebol feminino. Hoje dentro da Conmebol, ele é trabalhado. As 10 federações membro. Está no departamento mais forte. Aí a gente vai para a vontade política. Vamos ganhando força aqui para depois conseguir outras coisas. O quanto a Libertadores tem um peso aqui. Essa vontade política quando vai descendo passa muito pelo contexto, pela questão social, pelo machismo, pela mulher. A vontade política passa muito pela percepção, que é difícil de mudar. O politicamente correto faz andarmos para frente. Fazer o politicamente correto de forma correta é o mais importante. É difícil. Mesmo com o mecanismo, às vezes não adianta colocar minha energia nisso. Precisamos levar para outras questões. Falar só com gestor do clube não adianta. Precisamos pensar estratégias. Acho que temos sido assertivos. Talvez dessa forma, caminhemos em 10 anos. Sem isso, 20.

Júlia Barreira

Falo um pouquinho do que li dos programas de desenvolvimento do futebol feminino. Acho muito importante em pensar na trajetória do futebol feminino, no consumo do futebol feminino. Primeiro, a FIFA desaconselhou por muito tempo a prática do futebol de mulheres. Lá em 70, quando começaram as grandes participações, no México, a FIFA não participou. Ela se incomodou com a audiência, passou a olhar a comercialização, não deu visibilidade. De lá pra cá, vieram as organizações. Em 86, a FIFA é pressionada pela Noruega a dar atenção ao futebol de mulheres. Não coincidentemente, dois anos depois tem o primeiro torneio experimental. Deu certo e em 91 teve a primeira Copa do Mundo. Sempre por pressões externas. O grande marco é em 2004 quando ela incorpora o futebol feminino em seu desenvolvimento. É quando ela começa a pressionar as federações continentais a fazerem isso. A UEFA é a primeira a seguir. A Oceania tem uma estrutura organizada. A América do Norte também. Até a África melhorou muito. A Conmebol praticamente não fala dessa imposição para que clubes masculinos tenham times femininos. Isso é feito por pressão da FIFA. O sub-20, 17 são criadas por uma demanda da FIFA. O programa Evolution é voltado para a qualificação dos profissionais. Isso é mais recente, de 2017 para cá. É um primeiro passo. Sei que a Aline já participou de alguns programas na Europa.

Equipe Ludopédio

Nosso objetivo é criar uma rede de informações, de pesquisadores e de interessados no tema futebol. A ideia de constituir esse espaço surgiu da necessidade e ausência de um centro para reunir informações, textos e pesquisas sobre futebol!
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