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Pelé, Neymar, Dragão e a falta de memória no futebol

Paulo Winicius Teixeira de Paula 11 de janeiro de 2023

No livro “Cem Anos de Solidão” o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, relata a ‘peste da insônia’, que contamina os habitantes de Macondo e se difunde pela cidade, causando a perda das memórias. Tal qual na cidade literária de Gabriel vivemos hoje no Brasil a tragédia do esquecimento, em especial no Futebol. A decepção pela ausência no Funeral de Pelé de jogadores da Seleção Brasileira campeões mundiais em 1994 e 2002, e em especial do maior jogador brasileiro da atualidade, Neymar, chocaram grande parte dos fãs de futebol. E onde o Dragão entra nisso tudo ? Como um contraponto aqui do futebol goiano, com suas iniciativas de valorização da história do clube e de seus principais ídolos. 

Primeiramente, é necessário dizer que uma sociedade que não conhece e valoriza seu passado, que no futebol não prestigia seus ídolos e as façanhas de seus clubes, de sua seleção, está condenada a andar no escuro, sem rumo, perdida. O ex-jogador Neto, que atuou no Corinthians, chegou a indagar “Essas pessoas só vão onde ganham cachê” ? A grandeza do jogador Pelé, que pavimentou mais que nenhum outro os caminhos para que o Brasil se tornasse “O país do futebol” não pode ser negligenciada pelas gerações posteriores de atletas da Seleção Brasileira. Mais que isso é importante mostrar às nossas crianças e adolescentes que a vida, o futebol, não se resumem às vitórias do presente, até porque, senão todas elas irão torcer só para as potências europeias do futebol: Real Madrid, Barcelona, PSG… e tão pouco que “só o dinheiro é o que importa”, porque nesse caso seria mais importante para um jogador ir gravar um Tik Tok na “Farofa da Gkay” do que ir na despedida do maior esportista da história do Brasil, pois daria mais “clicks” e monetização. O saldo disso tudo é que Neymar saiu desse episódio ainda menor, frente aos brasileiros, e que as gerações dos campeões de 94 e 2002 traçaram o caminho para serem os próximos a serem esquecidos. Já Pelé, marcado pela linda despedida junto aos mais simples, ao povão, continua gigante e imortalizado.

Estádio Antonio Accioly
Foto: Wikipédia

Contudo, para não dizer que não falei das flores, goianas, o “mal do esquecimento” não é exclusividade de Neymar, Ronaldo Fenômeno, Kaká e cia… Na terra do pequi também sofremos com o descaso das autoridades estaduais de futebol, que não preservam e muito menos divulgam a história do futebol goiano. Não há um Museu do Futebol Goiano, um Memorial, políticas de rememoração dos grandes feitos de atletas aqui formados… Nada. Contudo, uma luz tem surgido no fim do túnel, melhor, da Caverna do Dragão. O Atlético Goianiense é o único clube que constituiu, desde 2019, uma Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural com o fim exclusivo de organizar informações de seu passado, de seus ídolos, sua trajetória, para publicações, exposições e eventos, assim como vem implementando serviços de documentação e informação histórica, seleção de documentos para fins de preservação. Recentemente o clube restaurou a Taça do Torneio da Integração Nacional de 1971, tem lançado “Camisas Retrô” que resgatam a trajetória de ídolos e equipes do passado, investido na preservação da Torre em Art Decor dos anos 40 que fica em seu estádio, e condecorado vários ex-jogadores e torcedores históricos como nas recentes homenagens a mais de uma dezena de atleticanos, que tem ocorrido desde 2019, como à Bariani Ortencio, Gilberto Mendonça Teles, Lindomar Castilho, Hermógenes do Biscoito J. Pereira, Dona Maria Leila, Dona Shirley, Ronaldão, Aldo, Pedro Bala, Valdeir, Anailson… Todo esse trabalho tem evitado a perda de muitos documentos que são doados ou cedidos ao clube para um futuro grande projeto do clube: o Museu do Dragão.

Portanto, esse episódio deve servir de alerta e incentivo para ações de valorização da história e memória do futebol. Amanhã a areia do tempo depositará seus grãos sobre nossa história, nos encobrirão, daí seremos nós os esquecidos, enterrados pela sanha do “presentismo”, da “força da Grana”, da mesquinhez e individualismo. Que cuidemos do nosso passado como desejamos que respeitem futuramente o que é feito nos dias atuais, o que fazem nossos clubes… que não apaguem ou desprezem nossos craques, aquele jogo que nos emocionou, aquele título… Só assim trilharemos em dia ensolarado e não padeceremos da “Praga do Esquecimento”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Paulo Winicius Teixeira de Paula

Historiador e Licenciado em História pela Universidade Federal de Goiás, Mestre pelo Programa de História Cultural da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, Doutorando em História pelo Programa de História Econômica da USP

Como citar

PAULA, Paulo Winicius Teixeira de. Pelé, Neymar, Dragão e a falta de memória no futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 163, n. 12, 2023.
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