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A construção do Pacaembu

Victor de Leonardo Figols 20 de novembro de 2013

Fundado na década de 1940, a história do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho se confunde com a história do futebol brasileiro, com a cidade de São Paulo e com a do Brasil.

A construção do Estádio do Pacaembu está inserida no contexto de profissionalização do futebol. O futebol trazido no final do século XIX se popularizou. A prática, que era restrita a elite, se difundiu nas camadas mais baixas da sociedade. Como demonstra o autor João Fernando Ferreira (livro A construção do Pacaembu), houve movimentos para conter a essa popularização dos “clubes de boa família”. Encabeçaram a campanha a imprensa da época e os clubes.

Entretanto, mesmo sob forte campanha pela não-popularização do futebol, a sua prática já havia se difundido nas camadas mais baixas, e encontrou lugar nas várzeas dos rios, ainda nas primeiras décadas de 1900. Em meio a crescente popularização e a resistência dos clubes de elite, iniciou-se o debate sobre o amadorismo e o profissionalismo. A querela se arrastou até a década de 1930, alguns anos antes da regulamentação, o que se via era um profissionalismo oficioso, o amadorismo marrom.

Diante desse processo, o jornal A Gazeta passou a defender que o profissionalismo demandaria a construção de um grande estádio de futebol. O argumento do jornal se sustentava no número dos torcedores. Nesse sentido, a construção de um estádio significaria um aumento do número de torcedores nas arquibancadas.

O poder público paulista assumiu a tarefa de construir um novo estádio esportivo para a cidade de São Paulo. Aqui o autor chama atenção para a aproximação do governo com o esporte. Tal aproximação ficaria mais evidente durante a construção e na inauguração do estádio.

Fachada do Pacaembu. Ilustração:Felipe de Leonardo – felipedeleonardo.com.

No início dos anos 1930, após a profissionalização, a organização do futebol paulista era precária. As constantes mudanças de regulamente do campeonato paulista e a as cisões das entidades marcaram os primeiros anos do futebol profissional em São Paulo. Para solucionar esses problemas, a imprensa aclamava por uma ação controladora do Estado, dentre essas ações estava a construção de um estádio.

O futebol ganhou novos significados após a Copa do Mundo de 1938. Foi durante os jogos que se percebeu claramente a aproximação do esporte com o nacionalismo. No contexto brasileiro, o país vivia os nos do Estado Novo. A ditadura varguista enxergava com bons olhos o nacionalismo exacerbado presente no futebol. Assim, a construção de um estádio de futebol viria ao encontro das propostas nacionalistas de Getúlio Vargas.

O novo estádio deveria ser semelhante à imagem do governo e do futebol brasileiro. Deveria ser grande, monumental. Seriam necessários elementos que legitimassem o governo e a consolidação do futebol no Brasil. Deveria evocar o sentimento nacional, além de abrigar um grande número de torcedores. Somados a esses fatores, havia a discussão sobre a Educação Física como forma de educar, não apenas o corpo.

Em 1936, a construção do Estádio Municipal de São Paulo teve início, após um acordo entre Companhia Urbanizadora de City, que doou parte do terreno, a Prefeitura e o Governo do Estado de São Paulo. Assim sendo, o a construção do estádio significou uma grande reforma urbanística, foram construídas novas vias, o que implicou na especulação imobiliária e financeira. Do ponto de vista arquitetônico, a construção do estádio estava inserida no contexto estadonovista, que era vista como legitimadora do poder.

Quatro anos depois, em 1940, o Estádio Municipal de São Paulo foi finalmente inaugurado. Para responder as expectativas, o novo palco do esporte deveria fazer uma grande festa de inauguração. Como aponta Ferreira, mais do que fazer uma festa que representasse a monumentalidade do novo estádio, a inauguração deveria mostrar para o Brasil a “locomotiva do progresso” que São Paulo estava se tornando. Em outras palavras, mostrar para o resto do país a capacidade econômica e industrial da cidade de do Estado de São Paulo.

A presença do “Pai dos Pobres” estava dentro os eventos programados para a inauguração. O estádio seria entregue, simbolicamente, à sociedade, por Getúlio Vargas, além de contar com a presença de Adhemar de Barros e Prestes Maia, interventor federal e prefeito de São Paulo, respectivamente. Aqui fica evidente a instrumentalização do esporte, uma vez que esses políticos utilizaram do evento para capitalizar maior simpatia do eleitorado.

Fachada do Pacaembu. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Fora das tribunas estava a população, que era constantemente bombardeada com referências e símbolos que demostrasse a grandeza e a força do governo. Como aponta o autor “em sua multiplicidade de sentidos o evento materializava, ante os olhos dos presentes, as noções de harmonia, ordem, unidade e beleza – uma maneira visualmente ostensiva de legitimar a posição daqueles que ocupavam o poder”.

Após os desfiles e o discurso de Prestes Maia, Getúlio Vargas tomou a palavra. Em sua fala, destacou de maneira implícita a ideologia do Estado Novo, isto é, a construção da nação brasileira pela modernidade. Também destacou o papel do complexo esportivo que compunham o estádio, que em suma tinha a finalidade de tornar futuros cidadãos por meio da cultura física e da educação cívica.

O presidente Vargas destacou a concepção de que a atividade física era necessária para formar cidadãos. Mais do que um estádio de futebol, ou um complexo esportivo, o Pacaembu era visto como um palco de manifestações de caráter cívicas e políticas. As ideias de Vargas estão em consonância com ideais pregados tanto no regime fascista de Benito Mussolini, na Itália, quanto no nazismo de Adolf Hitler, na Itália.

A cerimônia de inauguração também contou com duas partidas de futebol, a primeira foi entre o Palestra Itália contra o Coritiba, e a segunda entre Corinthians e Atlético Mineiro. Esses jogos marcaram o início das transmissões de rádios no estádio, e contou com a presença não apenas de radialistas, mas também de jornalistas esportivos, como por exemplo, Tomas Mazzoni.

A construção do Pacaembu está inserida no contexto do Estado Novo, uma vez que tanto a prática esportiva quanto o discurso nacionalista faziam parte do programa do governo de Getúlio Vargas. Também é possível notar que a arquitetura exemplifica a imagem daquele governo, passando a ideia de ordem e disciplina. Dentro desses ideais estadonovistas o futebol apareceu como um elemento precioso para aproximar o povo e governo.


Esse texto foi originalmente publicado no blog O Campo e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. A construção do Pacaembu. Ludopédio, São Paulo, v. 53, n. 6, 2013.
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