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A Copa do Mundo de Futebol Feminino no Brasil em 2027: breves reflexões sobre seu significado para o povo brasileiro

Octávio Alvarenga de Souza 28 de maio de 2024
Seleção feminina
Foto: Joilson Marconne/CBF/divulgação

Nos últimos dias, vocês provavelmente viram as notícias de que o Brasil será sede da próxima Copa do Mundo de Futebol Feminino, que vai acontecer em 2027. Mas o que isso significa para a modalidade, para o país, para as próximas gerações de atletas que têm sido formados no Brasil? É um pouco sobre isso que pretendo discorrer aqui nas próximas linhas.

Existem alguns pontos que são muito importantes nessa conversa, capazes de gerar reflexões interessantes sobre a realização do evento aqui no Brasil. É sobre isso que discutiremos nas próximas linhas. É importante que os leitores saibam que em alguns momentos do texto a seguir vou utilizar como referência o Corinthians Feminino, não só porque é o time para o qual eu torço, mas também porque é a maior potência do futebol feminino brasileiro em número de títulos, em visibilidade, em investimento e popularidade.

O Brasil foi escolhido como país-sede, na sexta-feira 17 de maio, a partir de uma eleição realizada entre técnicos da FIFA (entidade máxima do Futebol), que realizaram visitas técnicas nos países candidatos. O adversário nessa disputa era uma articulação conjunta de Alemanha, Bélgica e Holanda. O país sul-americano venceu por 119 votos, contra 78 favoráveis aos europeus.

O principal fator para a escolha do Brasil foi a estrutura exigida pela FIFA para a realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo. Como o país foi sede dos Jogos Pan e Para-Pan Americanos em 2007, da Copa do Mundo de Futebol Masculino em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016, então grandes investimentos estruturais foram realizados aqui, não sendo necessário preocupar com questões de estrutura para realização de um novo evento. As cidades e estádios que receberão os jogos são exatamente as mesmas: Rio de Janeiro (Maracanã), Brasília (Mané Garrincha), São Paulo (Neo Química Arena), Belo Horizonte (Mineirão), Porto Alegre (Beira-Rio), Salvador (Arena Fonte Nova), Manaus (Arena Amazônia), Cuiabá (Arena Pantanal), Fortaleza (Arena Castelão) e Recife (Arena Pernambuco). As cidades que foram sede em 2014 e não serão em 2027 são Natal, com a Arena das Dunas, e Curitiba, com a Arena da Baixada. Então a viabilidade para realização do evento tornou-se grande.

Não nos enganemos: a realização de uma Copa do Mundo, seja masculina ou feminina, fora do continente europeu tem como principal motivação, à FIFA, a expansão de mercados. Os megaeventos esportivos são patrocinados por grandes empresas de capital internacional, como Coca-Cola, McDonald’s, Adidas, Budweiser, e outras. A ampliação de mercados consumidores é importantíssimo para essas empresas, principalmente em direção ao chamado terceiro mundo. Além disso, tem também a disputa e os grandes investimentos com relação às cotas de TV. As grandes emissoras internacionais investem grande capital para ter os direitos de transmissão. Agora, com concorrência ainda mais acirrada, dada a popularização das transmissões via YouTube, que ganharam muita força.

O Brasil é o país do futebol, carregamos esse apreço pela modalidade em cada um de nós. Ao mesmo tempo, a nossa cultura ainda reflete valores machistas. Não é coincidência que a prática do futebol feminino seja tão desvalorizada no país. Inúmeras justificativas surgem para justificar o injustificável: “o futebol feminino é tecnicamente inferior ao masculino, ninguém acompanha, não tem graça, não dá futuro para as jogadoras”, e todos esses pensamentos estereotipados que estamos acostumados a ouvir. Esse é o momento para virar essa chave! Mostrar ao povo brasileiro que o futebol feminino tem excelente qualidade técnica (muitas vezes, superior ao futebol masculino), mostrar que o futebol feminino é interessante e pode ser ser o futuro de muitas jovens que sonham em ser jogadoras de futebol.

Se você quer saber mais sobre o futebol feminino brasileiro, trago algumas informações: Marta, é a maior jogadora de futebol da história, e é brasileira. Ela é a maior artilheira em Copas do Mundo, entre a modalidade  masculina e feminina, com 17 gols. Ela também é a jogadora com mais prêmios de melhor jogadora do mundo, com 6 prêmios (sendo cinco de maneira consecutiva, recorde entre homens e mulheres). Devido à sua grandeza, Marta foi homenageada pela FIFA com a criação do “Prêmio Marta”, que é dedicado à autora do gol mais bonito do ano (semelhante ao que acontecia no “Prêmio Puskas”, que colocava na mesma competição pelo gol mais bonito do ano, homens e mulheres). Além da grandeza em campo, Marta também é referência no ativismo pela igualdade salarial entre homens e mulheres. O seu apelido de Rainha do Futebol se faz por merecer.

Para não falar apenas de Marta, podemos falar sobre a Formiga, craque que atuou por décadas no meio de campo da Amarelinha. Formiga, é a futebolista que mais disputou Olimpíadas, sendo 7 no total (de Atlanta em 1996 a Tóquio 2021), é também a jogadora de futebol mais velha a participar de uma Olimpíada, com 43 anos, (entre homens e mulheres). Formiga disputou, ainda, 7 copas do mundo. Também está imortalizada na história do futebol brasileiro.

Marta e Formiga em partida pela Seleção Brasileira. Foto: CBF/Divulgação
Marta e Formiga em partida pela Seleção Brasileira. Foto: CBF/Divulgação

“Ah, mas o futebol feminino não tem público!”. Quem afirma isso, está profundamente enganado. É evidente que a modalidade feminina tem um público presente nas arquibancadas menor do que o futebol masculino. Entretanto, algumas comparações podem ser estabelecidas, de modo a desarmar quem defende esse ponto de vista. No domingo 12/05, aconteceu na Neo Química Arena, um clássico entre Corinthians e São Paulo, pela 10ª rodada do Brasileirão Feminino. Nas arquibancadas, estiveram presentes 12.222 pagantes, sem considerar a imprensa presente. No mesmo domingo, na Arena Barueri, Palmeiras e Athlético Paranaense se enfrentaram, com 12.108 presentes, contabilizando torcedores e imprensa. O público presente no estádio em Itaquera foi maior, e a comparação fica ainda mais interessante quando evidenciamos dois detalhes: 1) era dia das mães; 2) o clássico Majestoso aconteceu às 11h (horário considerado ruim devido ao calor, proximidade com o horário do almoço e por não ser um horário tradicional do futebol brasileiro), enquanto o jogo do Palmeiras aconteceu às 16h, horário “nobre” do futebol brasileiro. Exemplos como esse, podem e devem nos colocar uma pulguinha atrás da orelha: se as partidas do futebol feminino acontecessem nos horários “nobres” do futebol, teriam elas o mesmo público das masculinas?

A CBF (Confederação Brasileira de Futebol – entidade máxima relativa à prática futebolística brasileira) tem dado cada vez mais atenção ao Futebol Feminino. Não só à Seleção principal, mas também às categorias de base, às competições (estaduais, nacionais e internacionais).  O Futebol Feminino tem sido colocado como uma prioridade. O treinador da seleção, agora é um treinador que tem sua vitoriosa carreira construída no futebol feminino, o mesmo valendo para a Coordenadora Técnica de Seleções da CBF. As emissoras também têm passado por um processo de maior valorização do futebol feminino, transmitindo não apenas as finais, mas agora os campeonatos inteiros. As equipes têm destinado cada vez mais recursos, materiais e imateriais, para o desenvolvimento desta modalidade.

Os grandes clubes brasileiros, como Corinthians, Internacional e Palmeiras, possuem times femininos, e são grandes exemplos, não só de investimento financeiro, mas também de acreditar na potencialidade do futebol praticado pelas mulheres. Nos uniformes, estão estampados os patrocinadores masters (inclusive, por vezes, diferentes do da camisa masculina e com contratos próprios da modalidade), as meninas jogam os jogos mais importantes nos estádios principais do clube, tem lutado por mais transmissão, fazem homenagens às grandes jogadoras, promovem grande integração entre a base e o profissional, trabalham o marketing e divulgação das equipes cada vez mais aprimorada e profissional. É possível, é viável e é interessante a valorização do futebol feminino.

Não perca de seu horizonte que a luta das jogadoras de futebol é a luta das mulheres brasileiras. A luta pela igualdade salarial com os homens, contra o assédio no ambiente de trabalho, a luta pelas mesmas oportunidades, a luta por estrutura que as coloquem em boas condições de atuação (academia, fisioterapia, centros de treinamento, alojamentos para concentração, áreas de recreação, etc), a luta contra o trabalho doméstico não remunerado que as impede de continuarem na prática esportiva, luta contra a LGBTfobia. Não é coincidência o fato de que as mulheres esportistas se posicionam fortemente diante das violências sofridas não só por elas mesmas, ou pelas suas companheiras de time, mas de todas as mulheres.

Exemplo disso, foi o forte posicionamento de jogadoras e comissão técnica do Corinthians Feminino contrário à contratação de Cuca, condenado por um crime de estupro, para ser treinador do elenco masculino em 2023. Outro episódio, mais recente, foi o posicionamento das jogadoras contra a diretoria do Santos, que recontratou técnico afastado por assédio.

Essa Copa do Mundo é o momento ideal para o público brasileiro acompanhar de perto o nosso futebol feminino. A transmissão dos jogos do Brasil deve ser feita nas redes de televisão aberta, nos rádios, nos canais via internet, de maneira gratuita e acessível ao povo brasileiro. Nós também precisamos pintar a rua de verde amarelo, pendurar bandeirinhas e completar o álbum de figurinhas. O comércio e os mais variados tipos de serviço devem ser suspensos no horário dos jogos da nossa Seleção.

Não é sempre que temos a realização de um evento como esse em nosso território. Essa é a chance que nós temos de ter ingressos acessíveis para uma partida de Copa do Mundo. É o momento perfeito para enchermos os estádios de povo! Encher os estádios de mulheres e crianças! Encher o estádio dos verdadeiros amantes do esporte! Encher o estádio de quem faz festa nas arquibancadas!

Pra cima, Brasil! Pra cima, meninas! Vamos que essa Copa é nossa!

Foto oficial - Seleção Feminina Principal - Copa do Mundo Feminina FIFA Austrália e Nova Zelândia 2023. Foto: Thais Magalhães/CBF/Divulgação
Foto oficial – Seleção Feminina Principal – Copa do Mundo Feminina FIFA Austrália e Nova Zelândia 2023. Foto: Thais Magalhães/CBF/Divulgação
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Octávio Alvarenga

Francano, comunista, Corinthiano e geógrafo em formação. Defensor de um bom samba com cerveja gelada.

Como citar

SOUZA, Octávio Alvarenga de. A Copa do Mundo de Futebol Feminino no Brasil em 2027: breves reflexões sobre seu significado para o povo brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 179, n. 30, 2024.
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