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A Copa e os nossos milhões

João Paulo Vieira Teixeira 10 de maio de 2011

Em novembro de 2010 a Polícia Militar do Rio de Janeiro realizou uma verdadeira operação de guerra e ocupou, com sucesso, o Complexo de Favelas do Alemão. Em janeiro de 2011, a região serrana do Rio foi o palco de um dos maiores desastres ambientais da história do país. Três meses depois, o Brasil acompanhou atônito um ataque injustificável a uma escola, no bairro de Realengo.

Não: os três acontecimentos não tem nenhuma relação entre si. Sim: exceto a ocupação do Alemão (que envolve um problema específico da cidade do Rio de Janeiro), os outros dois episódios poderiam ter como cenário qualquer outra cidade. Mas quis o destino – ou descaso das autoridades – que tudo ocorresse nas proximidades do local para onde o mundo todo vai se mirar nos próximos anos. Ao menos uma verdade absoluta tem sido constantemente repetida pelos nossos governantes: “o Rio de Janeiro, como sede final da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, atrairá a atenção de todo o planeta”.

É evidente que isso tem um lado bom. Afinal de contas, o esporte pode ser um caminho eficiente para demonstrar as qualidades de um povo. No entanto, a realização de um evento de proporções mundias vai muito além disso. As dificuldades de organização e a ineficiência em administrar grandes quantias em dinheiro também podem evidenciar a incompetência de uma nação.

A Copa do Mundo e as Olimpíadas vão acontecer, não resta dúvida. Com a capacidade que tem o brasileiro de fazer festa (em que não pese nenhum desdém aqui, trata-se também de uma qualidade), certamente teremos dias incríveis para quem é apaixonado por esporte. Mas qual o preço disso? Não faltam exemplos de países que sediaram grandes eventos e que até hoje estão atolados em dívidas. Por outro lado, ao contrário do que se diz por aí, além de Barcelona não temos nenhum outro parâmetro de cidade que tenha realmente se transformado após os jogos. Não se trata de modernização de equipamentos esportivos (que muitas vezes se tornam ociosos), mas sim recuperação de áreas desvalorizadas.

Se a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos fossem tão rentáveis quanto dizem, a inciativa privada certamente daria conta do processo sozinha. Apesar das promessas iniciais, não é o que está acontecendo na prática. Há dinheiro público envolvido em todas as obras, mesmo naquelas que sequer começaram. A rigor, o problema não é que as esferas do Governo abram seus caixas para financiar estádios e obras de infra-estrutura. Ao que tudo indica, a situação econômica do país permite e até exige que isso seja feito. No entanto, está claro que velhos problemas como desvios de dinheiro e corrupção já começam a dar as caras. Claramente, a enxurrada de dinheiro público atrelada a prazos fixos e algumas exigências questionáveis das entidades internacionais acentuam este processo caótico.

Haveria alguma solução? A mais óbvia seria a fiscalização por parte da sociedade civil. A imprensa tem investigado e feito denúncias. A mais incisiva delas foi uma reportagem do Diário Lance que revelou que o Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo era formado por dois sócios. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) seria detentora de 99,99% do COL, enquanto seu mandatário, Ricardo Teixeira, teria uma participação de 0,01%. O que escandalizou a todos foi o fato de que o contrato previa que, apesar da diferença acionária, as partes poderiam dividir os lucros da entidade da forma como bem entendessem. Ou seja, sem investir quase nada, a pessoa física de Teixeira poderia ficar com a maior parte dos lucros.

Os números escandalizaram até quem não devia mais assustar quando o assunto é corrupção. O Deputado Federal Antony Garotinho (PR/RJ) tentou criar uma CPI para investigar a CBF. Inicialmente, a proposta conseguiu um número expressivo de assinaturas, incluindo as personalidades Romário, Popó e Tiririca. No entanto, nas últimas semanas, vários parlamentares resolveram retirar as assinatura sem sequer se justificarem publicamente (acesse a lista dos que retiraram assinatura). É difícil crer que uma CPI comandada por um Garotinho tivesse respaldo para trazer resultados práticos. No entanto, fica o sentimento de indignação por mais esta manobra política. A nota abaixo, publicada na coluna Panorama Político do jornal O Globo, no dia 14 de abril de 2011, desvenda alguns mistérios e dá mais alguns motivos para desistirmos de certas lutas e nos debruçarmos apenas sobre o que acontece dentro das quatro linhas.

MIMO. A criação de uma CPI na Câmara para investigar a CBF não decolou. Dezenas de deputados retiraram suas assinaturas, inviabilizando a iniciativa. Eles receberam uma camisa oficial da seleção acompanhada de bilhete do presidente da entidade, Ricardo Teixeira, que dizia: “Receba, ilustre deputado, os meus agradecimentos pela hospitalidade com que fui recebido, quando da minha estada em Brasília, no dia 29 de março”.” (Coluna Panorama Político – Jornal O Globo – 14 de abril de 2011)

Voltando às nossas tragédias cotidianas, é preciso lembrar que, logo após o acontecimento na região serrana do Rio de Janeiro, o Ministério da Integração Nacional liberou para o governo do Estado e prefeituras uma verba total de R$700 milhões. A quantia seria suficiente para devolver parte da infra-estrutura aos municípios atingidos.

O valor é praticamente equivalente à previsão inicial para os gastos com a reforma do Maracanã (R$712 milhões). No entanto, atrasos e a “descoberta” de problemas estruturais já elevaram o custo da obra para a casa de R$1 bilhão. Aumentar o valor da obra e colocar mais dinheiro na reforma do estádio parece algo simples. A dúvida é se a velocidade das canetas das autoridades será a mesma caso seja necessário mais dinheiro para a melhoria da vida nas favelas ocupadas pela polícia, na serra fluminense ou mesmo para a reforma de uma escola traumatizada.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

TEIXEIRA, João Paulo Vieira. A Copa e os nossos milhões. Ludopédio, São Paulo, v. 23, n. 3, 2011.
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