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A relação da atual gestão de Marcelo Teixeira no Santos com a direita conservadora

O Santos passa por um dos períodos mais turbulentos de toda a sua rica história. O time do Rei Pelé, Neymar e de tantos outros ídolos foi rebaixado para a Série B em 2023, e com uma crise institucional e econômica que atravessa o clube há bons anos, o objetivo maior da atual gestão é a busca pela reconstrução do clube e o retorno para a primeira divisão.

A atual gestão, comandada por Marcelo Teixeira, ex-presidente do clube em diversas oportunidades e uma das pessoas mais influentes em Santos, foi eleita no final de semana seguinte ao descenso. O nome de sua chapa foi “O Santos Grande de novo”, talvez uma grande coincidência ao tradicional e famoso lema da direita americana enunciado por Donald Trump, o “Make America Great Again” (traduzindo: Tornar a América grande de novo).

Marcelo Teixeira Santos
Marcelo Teixeira reassume presidência do Santos. Fonte: Divulgação/SantosFC

Para Christina Oehmichen (2018), o slogan de Donald Trump revela uma narrativa que é necessário recuperar uma grandeza supostamente perdida. Algo muito parecido do que acontece em Santos, o lema “Santos grande de novo”, envolto no vestiário da Vila Belmiro, traz a exata sensação de recuperar uma grandeza perdida, devido a um apequenamento do clube em função do rebaixamento.

Uma relação com a direita conservadora não passa apenas por um lema que é extremamente repetido pelos americanos e que tem um significado real muito próximo. Mas existiu durante as eleições do Santos e ainda existe uma certa relação ainda mais curiosa com uma direita conservadora, ainda mais voltada ao fenômeno político do bolsonarismo.

Alguns políticos da cidade de Santos, de direita e outros que foram engajados no entorno de Jair Bolsonaro apoiaram a eleição de Marcelo Teixeira, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (REPUBLICANOS) e seu vice, Felício Ramuth (PSD), o prefeito de Santos, Rogério Santos (REPUBLICANOS), a deputada federal Rosana Valle (PL) e os deputados estaduais Tenente Coimbra e Paulo Mansur (PL) gravaram vídeos em apoio ao Marcelo Teixeira, que foi postado no canal oficial da chapa no Youtube.

Outros políticos alinhados à direita liberal, como o ex-governador de São Paulo, João Dória e o ex-prefeito de Santos e atualmente deputado federal, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) também gravaram vídeos a Marcelo Teixeira. Com relação mínima ao governo Lula, a única figura pública que apareceu foi Caio França (PSB), deputado estadual, filho do Ministro do Empreendedorismo, Márcio França. Santistas como o próprio Márcio França e Geraldo Alckmin, ligados a Lula, não participaram destas gravações.

Vale ressaltar que Tarcísio de Freitas e Felício Ramuth não possuem ligação alguma com o Santos. O governador de São Paulo é natural do Rio de Janeiro, e já declarou sua torcida ao Flamengo, além de que seu padrinho político já declarou que seu grande defeito “é torcer pro Flamengo”. Enquanto o vice-governador, foi prefeito de São José dos Campos e torce para o Palmeiras, indo inclusive para a final do Campeonato Paulista de 2024, em que seu time foi campeão sobre o próprio Santos de Marcelo Teixeira.

Tarcísio de Freitas (REPUBLICANOS), governador de São Paulo, declarando apoio a Marcelo Teixeira nas eleições presidenciais do Santos
Tarcísio de Freitas declarando apoio a Marcelo Teixeira. Fonte: redes sociais
Jair Bolsonaro (PL), padrinho político de Tarcísio de Freitas (REPUBLICANOS), declarando que o governador de São Paulo torce para o Flamengo
Jair Bolsonaro falando que Tarcísio torce para o Flamengo. Fonte: reprodução
Felício Ramuth (PSD), vice-governador de São Paulo, declarando apoio a Marcelo Teixeira na Eleição Presidencial do Santos
Felício Ramuth declarando apoio a Marcelo Teixeira. Fonte: redes sociais
Figura 4: Felício Ramuth assistindo a final do Campeonato Paulista de 2024, e comemorando a vitória do Palmeiras sobre o Santos
Felício Ramuth assistindo a final do Campeonato Paulista 2024. Fonte: redes sociais

Outros itens que são determinantes e que envolvem pautas sociais traz um pouco à tona desta relação da gestão de Marcelo Teixeira com uma direita conservadora. Um destes itens é a passagem de ex-funcionário do clube e ex-conselheiro problemáticos de volta as dependências do clube.

Um dos contratados por Marcelo Teixeira foi o chefe da secretaria social do Santos, ele havia sido demitido do Santos em 2020 sob a acusação de vazar informações de sócios do clube. A mesma pessoa também é conhecida por ser um dos administradores do perfil “Dama de Ferro”, página no Twitter com mais de 1 milhão de seguidores.

O perfil, em homenagem a falecida Margareth Thatcher, é voltado ao público bolsonarista: conservadores, anticomunistas, antipetistas e antilulistas, patriotas dos que se proclamam cidadãos de bem que buscam sempre defender o país e a família e odeiam tudo que afeta a “moral e bons costumes”. Em seu perfil pessoal, o administrador defendeu que o Brasil virasse um “estado cristão”, queria uma sociedade ultra-conservadora e que o marido ideal de sua filha teria que ser rico, cristão e de extrema-direita”. Além de tweets preconceituosos, de cunho homofóbico, transfóbico, machistas e de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana.

Outra pessoa que voltou a frequentar as dependências do clube foi um ex-conselheiro do clube, que surpreendeu algumas pessoas em aparecer no vestiário após a final do Campeonato Paulista. Este ex-conselheiro foi membro do Conselho Deliberativo do Santos e era secretário-adjunto de Turismo da própria cidade em 2019, quando teve um áudio divulgado falando que os “pardos e mulatos brasileiros são todos mau-caráter”. Foi exonerado de seu cargo público, renunciou ao cargo de conselheiro e foi condenado a pagar R$10 mil.

É conflitante com a história do Santos, com a torcida e com o que o clube representa ter pessoas assim nas dependências do clube. A Torcida Jovem, maior organizada do Santos, possui um cântico e bandeira que exalta Iemanjá, mãe de todos os orixás. Um dos maiores ídolos recentes do clube, Neymar possui traços mestiços.

Mais recentemente, as questões envolvendo o técnico Kleiton Lima, da Sereias da Vila, técnico de muita história dentro do clube que foi acusado em 2023 por 19 jogadoras de assédio moral e sexual. Acabou retornando a Vila Belmiro sete meses depois, em 2024, ficou menos de duas semanas, negou as acusações, o clube afirmou que houve “inverdade dos fatos” e teve respaldo de Thaís Picarte e Alexandre Gallo. Se afastou do clube após diversos protestos feitos no meio do futebol feminino. Isso sem falar no jogador Pedrinho, acusado pela atual namorada de agressão e ameaça, que teve as acusações retiradas da justiça.

Em uma das partidas do Campeonato Paulista, os telões da Vila Belmiro parabenizaram a repressão da Polícia Militar de São Paulo nas operações Escudo e Verão, que mataram mais de 50 pessoas na Baixada Santista. Órgãos como a Defensoria Pública de São Paulo, a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog pediram para à ONU o fim da operação policial, muito devido a enorme violência policial que fora sofrida pelas pessoas, diante a não preservação das cenas dos crimes, repetição da versão policial nas ocorrências, ausência das câmeras corporais.

Telão da Vila Belmiro declarando que o Santos apoia a Polícia Militar em suas operações no litoral, foto de Ana Canhedo/X
Telão da Vila Belmiro declarando o apoio do Santos à Polícia Militar em 18 de fevereiro. Fonte: Reprodução/Twitter/Ana Canhedo

A aparição exacerbada de Marcelo Teixeira, apesar de ser presidente do clube, também chama a atenção. O presidente posta diversas informações sobre o Santos em seu perfil particular, antes de serem divulgadas no perfil do clube, trazendo uma mídia maior para o seu perfil. No último dia 28/04 (domingo), em seu aniversário, o perfil desejou feliz aniversário ao presidente, algo que havia acontecido uma única vez em 2010.

Para efeitos de comparação, segundo análise feita para esta pesquisa, foram feitas 22 menções de “Marcelo Teixeira” no X (antigo Twitter) oficial do Santos desde que assumiu o mandato (02 de janeiro) até a data da pesquisa (28 de abril). Para Andres Rueda, antigo presidente, foram 13 menções, já para José Carlos Peres, 16.

Para Gideon Rachman (2023), os ditos “homens-fortes” na política querem se tornar indispensáveis, tendo como objetivo convencer às pessoas de que somente eles poderiam salvar a nação, além disso, algumas características são comuns para estes “homens-fortes”, como a criação de um culto à personalidade.

Claro que não podemos levar no sentido literal uma afirmação de políticos autoritários na última década com um presidente de um clube de futebol, mas as características podem bater. Um culto a Marcelo Teixeira, reconhecido pela história santista por “tirar o time da fila” em 2002, quer ser reconhecido agora pelo presidente da reconstrução, que tirou o time da Série B, para deixar, ainda mais, seu nome na história do clube e continuar o legado da família “Teixeira”.

Tudo isso envolve a imagem do Santos Futebol Clube, deixando margem que é um clube que pouco se importa com as causas sociais. Uma gestão de ideologia conservadora que vai deixando o clube com uma relação ruim com os torcedores de sua própria equipe, e até mesmo de outras.

No futebol feminino, que se importa muito mais com as questões sociais comparadas ao masculino, o Santos perdeu mais de 13 jogadoras, incluindo a estrela Cristiane e a capitã Brena, hoje as Sereias da Vila é cogitada para lutar contra o rebaixamento da Série A1 do Brasileirão. O masculino, que começou bem na Série B, não reverbera tanto sobre.

Por mais que seja difícil e muito delicado fazer comparações desta forma, existem traços que visíveis e impossíveis de não serem comparados entre o arquétipo que conhecemos da direita conservadora com a atual gestão de Marcelo Teixeira no Santos, algumas características de buscar o apoio a uma parcela da torcida que apoia candidatos conservadores, além das suas atitudes variadas, permitem que possamos realizar paralelos desta forma. Em um futebol que cada vez mais se põe em pauta as causas sociais nos últimos anos, o Santos vem sendo rebaixado na lanterna.

Referências

OEHMICHEN, Christina. Los imaginarios de la alteridad y la construcción del chivo expiatorio: Trump y el racismo antinmigrante. Revista Pueblos y fronteras digital. Ciudad de México, 2018. v.13, n.344. pp 1-21

RACHMAN, Gideon. A Era do Homem-Forte: Como Culto do Líder Ameaça as Democracias em Todo o Mundo. VOGAIS, 2023.

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Gabriel Henrique dos Santos Ferreira

Acima de tudo, do clube do Rei, Santos Futebol Clube. Graduando do 7° semestre em História pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). Atualmente, meu foco de estudo é sobre História Regional, mais especificamente do Vale do Paraíba Paulista e História do Futebol.

Como citar

FERREIRA, Gabriel Henrique dos Santos. A relação da atual gestão de Marcelo Teixeira no Santos com a direita conservadora. Ludopédio, São Paulo, v. 179, n. 3, 2024.
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