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Ainda vale crer no futebol-arte? Robinho e as representações de um jogo

Vitor dos Santos Canale 10 de novembro de 2010

No Brasil, se observarmos a primeira década do século XXI, são poucos os jogadores que tiveram e ainda têm a repercussão de Robinho. Ao ser um dos principais jogadores do time do Santos que se sagrou campeão brasileiro em 2002, o jogador de São Vicente rapidamente atingiu fama nacional e internacional, ao apresentar um estilo de jogo ofensivo no qual o imperativo era o drible.

Apresentando-se de maneira tão segura entre os profissionais, categoria à qual havia sido promovido a pouco tempo, Robinho atendia às expectativas postas sobre seu futebol durante todo o longo processo das categorias de base. Conseguia irromper de vedete das categorias de base (DAMO, 2007), ou jóia da coroa santista, à craque, jogador que era capaz de fazer a diferença em prol do time num único lance.

A juventude do camisa 7 do Santos e seu estilo de jogo rapidamente despertaram na crônica especializada e nos torcedores da equipe da Vila Belmiro representações sobre o futebol a tempos adormecidas, mas não esquecidas.

Tanto os especialistas como os torcedores, categorias adotadas por Toledo, seguidamente significavam o modo de jogo apresentado individualmente por Robinho como um futebol moleque, alegre, descompromissado, e principalmente herdeiro de uma dinastia do futebol-arte brasileiro. Dinastia essa que Robinho ocuparia o panteão atual ao lado de Ronaldinho Gaúcho, numa realeza habitada por Pelé, Garrincha e outros tantos atletas que deixaram seu legado.             

Robinho na Copa América de 2007. Foto: Paulo Miranda Favero.

Assim, pensar a passagem de Robinho pela Vila Belmiro, é primordialmente, refletir como determinadas concepções de futebol-arte ainda são arraigadas à cultura nacional, numa perspectiva fundada em saudosismos ou seletividades históricas.

O mito de origem que aparece hegemonicamente nas concepções do futebol-arte liga-o aos espaços de prática informal do jogo – a rua, o terreno baldio e a praia, dentre outros lugares em que o espaço do campo – o número de jogadores e as práticas corporais têm conotações diversas às usuais do esporte espetacularizado de alto rendimento. Desta forma, esses espaços, sob um viés romântico, seriam os lugares da primeira formação dos futuros virtuoses futebolísticos.

O futebol-arte, essencialmente, pode ser pensado como um estilo de jogo individual ou coletivo em que se privilegia o ataque, o drible e principalmente a dimensão estetizante do futebol. Contudo, algumas características são vistas em oposição à representação hegemônica de futebol-arte, que seriam o jogo coletivizado que privilegia o toque de bola, a responsabilidade tática dos jogadores, a marcação e o defensivismo, que são parte de um futebol-força; forma de jogar oposta ao futebol-arte nas essencializações feitas sobre o jogo.

Logo, a escolha que parece estar dada é entre um futebol-arte e um futebol-força, que seriam instâncias separadas e não conciliáveis. Contudo, tal qual Florenzano, observo que o conceito de futebol-arte seria impossível de ser levado a cabo sem incluir nele características dominantes no futebol-força, o que nos levaria a formas híbridas da prática de futebol.

O futebol brasileiro, dentro de uma dimensão saudosista em que as representações várias do futebol-arte influenciam significativamente a apreensão da forma, tem sua excelência entre 1958 e 1970, período em que o país venceu três Copas do Mundo e forjou, com sucesso, o estereótipo de país do futebol.

A veracidade das representações que elegem o Brasil como país do futebol não é objeto desse artigo, mas sim como essas representações mostram a sua validade nas formas de se pensar o futebol brasileiro e no trânsito de jogadores nacionais, neste caso Robinho, dentro do futebol globalizado.

Concebo os estilos nacionais de jogar futebol uma etapa ultrapassada historicamente dentro do futebol globalizado, em que o intercâmbio de treinos, modos de formação nas categorias de base (DAMO, 2007), modelos de formação tática e um possível aumento na lógica do rendimento dentro do futebol, tornam as maneiras das equipes profissionais jogarem nas diferentes ligas de ponta muito próximas, fator ainda mais radicalizado pelos jogadores de diferentes países que integram as ligas nacionais na Europa.

Neste contexto a tumultuada transferência de Robinho, do Santos para o Real Madri, pode ser vista de forma emblemática. Em 2005, ano de sua transferência, a expectativa era que Robinho levasse consigo o repertório de jogadas apresentadas no Brasil, seu potencial decisivo e principalmente fizesse com que todas as representações feitas sobre seu modo de jogo e do futebol-arte brasileiro materializassem-se dentro de campo.

A promessa primaveril, que é analisada por Wisnik incorporando as representações triviais, de um senso comum futebolístico, não tem a eficácia esperada no futebol europeu. Afirmaria ainda que Robinho falha fragorosamente em atender às expectativas colocadas sobre ele.

“Robinho, por sua vez, eletrizava e magnetizava o jogo contaminando os seus fluxos: sendo o jogador que mais lembra, no raio eletrizante do drible, o futebol antigo e certos instantâneos de Pelé, é também o que mais entende com naturalidade o princípio de overlapping, isto é, do passe curto, rápido, vertical para um companheiro que se desloca, que ele realiza também com instantaniedade vertiginosa. Nesse sentido, é a um só tempo o mais antigo e mais moderno dos atacantes brasileiros em atividade, o elo perdido entre os tempos de antes e depois de Claudio Coutinho”1 (WISNIK, 2008)

Ao transparecer a possibilidade de uma grande linha do tempo que ligaria o futebol de Pelé ao futebol de Robinho, o ensaio de Wisnik recorre a conceitos como a prontidão e o DNA cultural para ratificar um estilo nacional com suas essencialidades, que não expirou com o tempo e ainda dá frutos. Argumentos como esses naturalizam a produção de determinado tipo de atletas que valorizam um modo específico de prática futebolística, ignorando a questão de um habitus futebolístico2 (DAMO, 2007) que motiva conscientemente a formação de atacantes que valorizem e reafirmem as representações que se fazem do futebol brasileiro, para servir tanto aos times do Brasil como no intuito de exportação de jogadores.

Mais uma vez a trajetória de Robinho nos faz pensar sobre as essencializações do futebol-arte e sua pretensa nacionalidade brasileira. Como o ex-santista não conseguiu desempenhar o que se esperava dele em Madri, seu nome logo é ligado a uma possível troca que levaria Cristiano Ronaldo ao clube espanhol em seu lugar. O português, naquele momento no Manchester United, era tido como um jogador que conseguia aliar o jogo alegre, os dribles, o potencial decisivo e muitos gols em prol da sua equipe, todas essas características caras às representações de futebol-arte.

           
Robinho na Copa América de 2007. Foto: Paulo Miranda Favero.

Contudo, a questão que vem a tona é de como um futebolista português pode sobrepujar um brasileiro nos quesitos do futebol-arte? Podem essas habilidades potencialmente pertencerem a qualquer atleta que passa pelas categorias de base, em qualquer lugar do mundo?

Ao que tudo indica, as representações feitas sobre um pretenso futebol-arte não são naturais a uma única nação, nem ao que diz respeito aos fatores biológicos e também aos fatores culturais.

No entanto, pensando mais uma vez a trajetória do jogador formado no Santos percebe-se que a interpretação do primado brasileiro sobre um futebol-arte ainda tem poder. A saída de Robinho do Real Madri para o Manchester City, seu retorno ao Santos, e por último sua ida para o Milan mostram raros momentos de bom futebol, dribles e gols, apresentam sim um jogador quase sempre previsível e longe dos principais atacantes do mundo, tanto em conquistas individuais como nas coletivas.

Desta forma, custa a crer que num mercado tão competitivo como dos futebolistas de alto nível, em que o número de vagas é limitadíssimo e não aumenta, a presença de Robinho ainda seja possível. No entanto, as representações feitas sobre o atleta, que remetem aos primeiros anos de carreira, ainda trazem expectativas aos adeptos do futebol que esperam a volta de um “jovem Robinho” que traga consigo todo arsenal de potencialidades de um futebol-arte brasileiro.

Neste início em Milão Robinho tem mais uma chance de corresponder às representações feitas sobre si próprio e de um pretenso estilo de jogo brasileiro. O futebol-arte, que só existe em discurso e num aspecto relacional com o futebol-força, mesmo que reavaliado não pode ser esquecido, pois sua validade simbólica ainda faz parte do cotidiano da formação de jogadores e do sistema de valores que são atribuídos aos atletas.

Bibliografia

DAMO, Arlei Sander. Do dom à profissão – A formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo. Hucitec. 2007.

 


[1] Nesta análise Wisnik apresenta seu juízo sobre a atuação de Robinho na Copa do Mundo de 2006 e até naquele momento como futebolista.

[2] O conceito de habitus futebolístico, desenvolvido por Damo sobre influência de Bourdieu, dessencializa as performances dos futebolistas tirando as suas análises de um viés estritamente biológico e mostrando as influências e determinações culturais nesse processo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Vitor dos Santos Canale

Licenciado em História pela Universidade Estadual de Campinas, Mestre em Educação Física pela Unicamp. Principais interesses: Torcidas Organizadas, Torcedores, Museus Esportivos e Crônica Esportiva.

Como citar

CANALE, Vitor dos Santos. Ainda vale crer no futebol-arte? Robinho e as representações de um jogo. Ludopédio, São Paulo, v. 17, n. 2, 2010.
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