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Alegria contagiante da torcida na Alemanha

Luciane Corrêa Ferreira 22 de junho de 2015

Hoje é uma data importante do calendário do futebol europeu, já que não muito distante de Bielefeld, a cidade onde estou morando no momento, no Olympia Stadion em Berlim, aconteceu à noite a final da Champions League entre Juventus x Barça. Mas eu não vim aqui para falar dos grandes jogos e de megaeventos, vim aqui para falar da vitória de um time de terceira divisão que arrebatou uma cidade inteira com a febre da vitória, a ponto de deixar uma brasileira, amante de futebol e torcedora convicta do Grêmio, impressionada. Tal vitória possibilitou a subida do time DSC Arminia Bielefeld (http://www.arminia-bielefeld.de) para a segunda divisão da Bundesliga, a Liga Alemã, no dia 16 de maio de 2015, uma data histórica para o pequeno time de Bielefeld, cidade localizada a uma hora de trem de Dortmund, na região do Vale do rio Ruhr.

Wladimir Kaminer descreve em seu conto “A cidade do futebol”[1] o dia em que chegou na Alemanha no verão de 1990 e as pessoas festejavam na rua, cantavam, se abraçavam e brindavam com muita cerveja alguma coisa que ele, como russo, não entendia. Sua primeira impressão foi que, se em Berlim as pessoas passavam o tempo todo bebendo e festejando, esse era certamente um bom lugar para se viver. Foi assim que Kaminer acabou fixando residência na Alemanha e se tornando um escritor famoso. Os alemães têm demonstrado o seu entusiasmo como torcida e, nesse sentido, o povo alemão apresenta várias características que o identificam com o povo brasileiro. Sua alegria ao festejar um gol é tão contagiante quanto a do brasileiro, apesar dos alemães ainda serem bastante tímidos na hora de empunhar um símbolo nacional, como uma bandeira ou a camisa da seleção alemã, tendo em vista a sombra do estigma de um passado nacional-socialista que ainda assola o povo alemão, mesmo depois de setenta anos do fim da Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, os torcedores alemães ficam muito mais à vontade quando podem expressar seus sentimentos com relação a um time local, como ocorreu com a vitória do DSC Arminia Bielefeld contra o SSV Jahn Regensburg na tarde chuvosa de 16 de maio. Nem a chuva nem o frio espantaram as famílias que vieram ao estádio Schüco Arena para torcer por seu time. Sim, aqui em Bielefeld as famílias podem ter o prazer de assistir a um jogo com as crianças, a polícia alemã estava lá fora atenta a todos os movimentos, a fim de garantir a segurança no e após o jogo. O estádio com capacidade para 20.000 lugares teve lotação esgotada, como se pode ver na foto abaixo:

Juiz apita final da partida e Arminia Bielefeld garante a subida para a 2ª divisão da Bundesliga
Juiz apita final da partida e Arminia Bielefeld garante a subida para a 2ª divisão da Bundesliga. Foto: Luciane Corrêa Ferreira.

Também surpreende a presença de mulheres e crianças torcedoras em um número considerável, literalmente e metaforicamente vestindo a camisa do Arminia Bielefeld. Desde que cheguei a Europa para uma estada na Universidade de Bielefeld, tive a oportunidade de assistir a alguns jogos da Liga dos Campeões em pubs e, tanto na Polônia como na Alemanha, havia constatado a baixa presença de mulheres vendo jogos nos bares, mesmo na Alemanha quando o Bayern jogou. Vale registrar que, quando o Bayern jogou contra time estrangeiros, geralmente contou com o apoio dos torcedores alemães.

Quando o jogo acabou e os torcedores se invadiram o campo, inclusive com crianças, tive um momento de pânico, pois sempre vem à mente do torcedor brasileiro os horrores que tem ocorrido nos estádios no Brasil em função do comportamento barbaro de torcedores, sendo um exemplo horrível a final do Campeonato Brasileiro de 2009, mais conhecida como batalha campal do Couto Pereira, em que a torcida do Coritiba orquestrou uma selvageria, destruindo o estádio e prejudicando o próprio clube, pra não falar do espetáculo de barbárie da torcida do Grêmio no estádio do Internacional, o Beira-Rio, na final do Campeonato Gaúcho recentemente. Quando a torcida invadiu o campo na Schüco Arena, prontamente a segurança isolou com grades os jogadores do Regensburg, time adversário, mas nem teria sido preciso. Os torcedores do Arminia Bielefeld entraram em delírio e só queriam festejar a vitória.

Torcedores do Arminia invadem o campo da Schüco Arena
Torcedores do Arminia invadem o campo da Schüco Arena. Foto: Luciane Corrêa Ferreira.

Em uma imagem inusitada para torcedores brasileiros, os jogadores alemães imediatamente estavam com copos de cerveja – e não de água – na mão, sendo carregados pela torcida dentro do campo. Os jogadores interagiram entusiasmados com a torcida, pediram que os torcedores ajoelhassem e cantassem os cantos da torcida. O mesmo ocorreu no centro da cidade, onde a partir das 18h daquele dia, ocorreu uma grande festa em que os jogadores, sempre com copos de cerveja em punho, apareceram na varanda da prefeitura e foram saudados pelo prefeito e por torcedores que repetiram o ritual de ajoelhar no chão e cantar cantos de torcida. Depois a festa foi regada com muita cerveja, salsicha e música tecno, para agradar a torcida jovem que pulava freneticamente. A cidade foi tomada pela febre da torcida. Na varanda da Prefeitura de Bielefeld, estendeu-se uma faixa onde constava “Somos do Leste da Westfália: teimosos, perseverantes e lutadores”.

Torcedores em frente a Prefeitura de Bielefeld
Torcedores em frente a Prefeitura de Bielefeld. Foto: Luciane Corrêa Ferreira.

A festa da torcida estendeu-se noite a dentro e, visitando um dos bares que é um reduto de torcedores do Arminia Bielefeld, o Wunderbar, tive oportunidade de ver como torcedores se comportam de maneira semelhante como no Brasil. Naquela noite, houve um começo de briga dentro do bar, mas os torcedores bêbados foram imediatamente retirados do recinto.

Festa da torcida no bar
Festa da torcida no bar. Foto: Luciane Corrêa Ferreira.

No bar, torcedores entusiasmados com a bandeira do time em punho dançavam sobre as mesas e cadeiras numa festa tricolor (as cores do Arminia são o azul, preto e branco) entoando cantos de torcida, como “Arminia, wie schön sind deine Tore” (em português, “Arminia, como são lindos os seus gols”), lembrando muito o comportamento de torcedores depois de uma vitória no Brasil. O clima era de carnaval, apesar do frio…

[1] Kaminer, Wladmir. Die Fussballstadt. Ich bin kein Berliner. München. Goldmann Verlag, 2007.

* Atualmente professora visitante no Centro de Estudos Interamericanos (CIAS) da Universidade de Bielefeld, Alemanha.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Luciane Corrêa Ferreira

Possuo graduação em Bacharel em Letras Tradutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestrado em Lingüística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestrado em Tradução - Universitat Wien, Áustria, doutorado-sanduíche em Psicologia - University of California Santa Cruz (2005 - 2006) e doutorado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007). Sou professora adjunta na Faculdade de Letras (FALE) da Universidade Federal de Minas Gerais,professora do programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PosLin) da FALE/UFMG e professora colaboradora do programa de pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará. Tenho experiência na área de Linguística, ensino de língua estrangeira (Alemão, Inglês e Português como Língua Estrangeira), e atuo principalmente nos seguintes temas: lingüística aplicada, lingüística cognitiva, cognição e tradução. Gremista.

Como citar

FERREIRA, Luciane Corrêa. Alegria contagiante da torcida na Alemanha. Ludopédio, São Paulo, v. 72, n. 8, 2015.
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