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Apostas esportivas no Brasil: da omissão à selvageria

Fernando Resende Cavalcante 10 de agosto de 2023

Nos dias atuais, o mercado de apostas esportivas vem operando de maneira extremamente selvagem no Brasil. Em contrapartida, há duas áreas que poderiam auxiliar no controle dessa selvageria, mas não têm atuado. Uma é a ciência. A outra é o poder público. Mas comecemos falando das características selvagem desse negócio.

Desde a permissão das apostas esportivas, esse mercado cresce constantemente na Austrália, na Espanha, no Reino Unido[1] e no Brasil, onde ele é permitido desde 2018, pela Lei 13.756, sancionada pelo ex-presidente, Michel Temer. De lá pra cá, não há jogo de futebol em que nós não sejamos bombardeados pelas mais diversas propagandas de empresas que comercializam apostas no esporte. Elas estão nas placas na beira dos gramados, nas camisas dos nossos clubes e nos intervalos das transmissões. Independentemente de onde você acompanhe um jogo de futebol, seja no estádio, seja na televisão, seja no rádio, você será, inevitavelmente, influenciado por tais propagandas, estreladas por atletas, ex-atletas, comentaristas e influenciadores digitais. E elas, sem sombra de dúvidas, dão resultado.

Hoje, o mercado de apostas esportivas movimenta em torno de 150 bilhões no Brasil[2] e de acordo com estimativas da empresa SimilarWeb, o país lidera o ranking mundial de acessos a esses sites, com 3,193 bilhões no ano de 2022[3]. Em acréscimo, atualmente, existem aproximadamente 450 sites de apostas esportivas no Brasil[4], e em 2023, somente o Cuiabá, dos 20 clubes que disputam a Série A do campeonato brasileiro, não é patrocinado por alguma casa de aposta esportiva. Ademais, o poder financeiro dessas companhias é tamanho, que a antiga Copa do Brasil, agora se denomina, Copa Betano do Brasil, o que nos ilustra a capacidade monetária de tais negócios.

Para além da habilidade publicitária, esses empreendimentos ofertam diversas promoções para estimular a realização da primeira aposta, como no caso da Sportingbet e da Betano, que duplicam o primeiro valor depositado em até 300 reais para que você coloque dinheiro em seus sites. Tudo isso é realizado de maneira extremamente simplificada, com a necessidade apenas de um smartphone com acesso à internet, com os pagamentos sendo realizados via cartão de crédito, débito, transferência bancária ou pix. Inclusive, as pesquisas científicas produzidas internacionalmente, creditam a expansão do mercado de apostas ao fácil acesso à internet, já que, agora, você pode apostar da sua casa, do estádio, do bar, ou de qualquer lugar de sua preferência com um celular na mão[5].

Tudo isso nos demonstra que a atuação deste mercado no Brasil tem se dado de maneira selvagem e incontrolável, o que pode trazer consequências danosas para a população se não forem criados mecanismos de controle para essa atuação. Para se ter uma dimensão da complicação, já são identificadas clínicas de reabilitação para apostadores esportivos na Europa[6], o que nos ilustra o problema que as apostas podem se tornar se não forem sujeitas a múltiplas estratégias para a contenção dos danos causados, impactando, inclusive, no surgimento de um vício.

Apesar do cenário um tanto quanto preocupante tendo em vista os impactos dessa indústria, quando analisamos a realidade brasileira, notamos certa omissão por parte das pesquisas científicas e do poder público com o assunto.

Apostas futebol
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Sobre a ciência, particularmente a brasileira, ela não tem produzido pesquisas sobre a temática, o que demonstra certa morosidade dos cientistas com o fenômeno. Afirmo isso com base em uma pesquisa realizada no Google Acadêmico e na Scientific Electronic Library Online (SCIELO) em que não identifiquei nenhum artigo em língua portuguesa que analisasse as apostas esportivas. Essa realidade tem correlação com o próprio desenvolvimento da ciência que, infelizmente, tende a ser mais lenta que o mercado.

Sobre o poder público, o mesmo já deveria ter regulamentado o mercado de apostas esportivas, de acordo com a própria lei 13.756, até 2022, o que não ocorreu por parte do governo de Jair Messias Bolsonaro. Isso significa que esse mercado foi somente liberado, mas não regulamentado. Além do mais, a partir de uma possível regulamentação, o Estado arrecadaria impostos com tais práticas, que poderiam ser direcionados a própria produção científica sobre o assunto com a intenção de investigar mais profundamente as características e impactos desse fenômeno no Brasil, para o posterior desenvolvimento de políticas públicas.

A partir deste contexto, talvez o caso da Austrália seja exemplificativo e nos ajude e encontrar direções para pensar e regulamentar o mercado de apostas, já que, naquele território, passada a permissão desse mercado, o governo se responsabilizou pela criação do Australian Gambling Research Centre[7], que tem como objetivo desenvolver políticas públicas de combate as possíveis consequências danosas das apostas na sua população. Em acréscimo, quando analisamos a produção científica sobre o assunto, uma grande parte advém daquele país, demonstrando uma trajetória que poderia ser seguida pelo Brasil, de um país que acompanhou um mercado em plena expansão.

Por fim, não tenho a intenção de defender a proibição das apostas esportivas. Acredito que elas já estão disseminadas de tal forma, que a vedação dessas práticas somente geraria espaço para ilegalidades. Aqui, minha defesa é na atuação da ciência e do poder público para conter os possíveis danos causados pela selvageria deste mercado, pois, somente liberar, sem investigar ou regulamentar – o que até agora está acontecendo no Brasil – pode trazer consequências extremamente graves para a população.

Ressalva

Este texto foi escrito anteriormente à Medida Provisória nº 1.182/2023 que regulamentou as apostas esportivas e foi publicada na terça-feira (25/7) no Diário Oficial da União. Isso significa que a crítica realizada acerca da omissão do poder público está, agora, direcionada ao governor anterior de Jair Messias Bolsonaro e não mais ao atual de Luís Inácio Lula da Silva. 

Notas

[1] LOPEZ-GONZALEZ, Hibai; GRIFFITHS, Mark; JIMENEZ-MURCIA, Susana. The symbolic construction of sports betting products. International Gambling Studies, v. 21, n. 3, p. 498–515, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/14459795.2021.1937274. Acesso em: 25 abr. 2023.

[2] PARRELA, Leonardo. Sites de apostas: Brasil tem quase 25% dos acessos em todo o mundo. Itatiaia, São Paulo, 24 mai. 2023. Disponível em: https://www.itatiaia.com.br/editorias/esportes/2023/05/24/sites-de-apostas-brasil-tem-quase-25-dos-acessos-em-todo-o-mundo. Acesso em: 2 jun. 2023

[3] Vicky Almeida. Brasil lidera crescimento de visitas a sites de apostas esportivas. New York, NY, 4 mai, 2023. Disponível em: https://www.similarweb.com/blog/pt/insights/brasil-lidera-crescimento-de-visitas-a-sites-de-apostas-esportivas/. Acesso em: 14 jul. 2023.

[4] MAGRI, Diogo. Casas de aposta esportiva tomam o Brasil, mas movimentam seus bilhões de reais fora do país. El País, São Paulo, 25 set. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/esportes/2021-09-25/casas-de-aposta-esportiva-tomam-o-brasil-mas-movimentam-seus-bilhoes-de-reais-fora-do-pais.html. Acesso em: 25 abr. 2023.

[5] BARRERA-ALGARÍN, Evaristo; VÁZQUEZ-FERNÁNDEZ, María Josefa. The rise of online sports betting, its fallout, and the onset of a new profile in gambling disorder: young people. Journal of Addictive Diseases, v. 39, n. 3, p. 363–372, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/10550887.2021.1886567. Acesso em: 25 abr. 2023.

EVANS, Robert; MCNAMEE, Michael. Sports Betting, Horse Racing and Nanobiosensors–An Ethical Evaluation. Sport, Ethics and Philosophy, v. 15, n. 2, p. 208–226, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/17511321.2020.1727946. Acesso em: 25 abr. 2023.

[6] BARRERA-ALGARÍN, Evaristo; VÁZQUEZ-FERNÁNDEZ, María Josefa. The rise of online sports betting, its fallout, and the onset of a new profile in gambling disorder: young people. Journal of Addictive Diseases, v. 39, n. 3, p. 363–372, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/10550887.2021.1886567. Acesso em: 25 abr. 2023.

[7] https://aifs.gov.au/research_programs/australian-gambling-research-centre

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

CAVALCANTE, Fernando Resende. Apostas esportivas no Brasil: da omissão à selvageria. Ludopédio, São Paulo, v. 170, n. 10, 2023.
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