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As denúncias de episódios de racismo: em foco, os dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol

Bruno Otávio de Lacerda Abrahão 10 de junho de 2024

Criado para que a luta antirracista nos esportes ultrapasse as barreiras individuais, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol completa dez anos em 2024 e vem acumulando aprendizados, conquistas e avanços. Esse exitoso projeto toma o esporte, em geral, e o futebol, em particular, como importante instrumento de luta contra a discriminação racial e demais violações dos Direitos Humanos. Para além das denúncias, que são evidentes e recorrentes, o Observatório desenvolve um papel de afirmação para a negritude brasileira ao promover a conscientização negra e a elevação da autoestima de atletas e pessoas que têm o futebol como referência para suas vidas. Tais ações são geridas por diversas campanhas, inserções nas mídias, participação em eventos, dentre outras. Com efeito, ele tem se tornado um importante porta-voz nessa luta antirracista frente ao racismo estrutural brasileiro, como se pode ler na apresentação do seu site:

 “é um projeto que acredita no futebol como um importante instrumento de inclusão social e de luta contra a violência e a discriminação racial. Com base nisso, visamos utilizar a força do esporte mais popular do Brasil, para debater, alertar e conscientizar sobre a discriminação racial no futebol brasileiro” (https://observatorioracialfutebol.com.br/apresentacao/, 2024, s/p).

Uma ação a ser destacada é a possibilidade da criação de uma rede de proteção e amparo aos atletas que estão quebrando o silencio denunciando não apenas insultos racistas que sofrem, mas também abordando cada vez mais o racismo no Brasil. Nesta última década, o Observatório tornou-se uma ferramenta basilar de consulta na construção do conhecimento para pesquisas acadêmicas, imprensa e público, interessados no debate em que o futebol é utilizado para denunciar a discriminação racial. Temos, com isso, uma organização idealizada com o objetivo de monitorar, acompanhar e noticiar os casos de racismo no futebol brasileiro, bem como divulgá-los e desenvolver ações informativas e educacionais que visem problematizar essa mazela social.

Em sua oitava edição anual, o Relatório da Discriminação Racial sistematizou e monitorou os casos com ocorrência no futebol, mas também relatou casos em outros esportes envolvendo atletas brasileiros que atuam no Brasil e no exterior, além de evidenciar outras formas de preconceito e discriminação como machismo, lgbtfobia e xenofobia. Trata-se da uma análise sistêmica, organizada pelo Observatório, sobre os incidentes raciais em que são apresentados os casos de preconceito e discriminação ocorridos no esporte brasileiro, correspondentes ao período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de cada ano. Os materiais são desenvolvidos com financiamento da CBF, entidade máxima do futebol brasileiro. A parceria com o Observatório é considerado como primeiro movimento da CBF para construir de ações de combate ao racismo.

O Relatório da Discriminação Racial no Futebol Brasileiro 2021 aponta o crescimento nos episódios de discriminação nos últimos anos, à exceção de 2020. O número de casos registrados retomou a tendência de alta, reduzida antes, em parte, por causa da pandemia de Covid-19. Nos casos de racismo, a partir de 2017, o número foi de 43 para 47 (2018), depois para 67 (2019). Em 2020, foram 31. Em 2021, ainda com boa parte da temporada realizada com estádios sem público, o número chegou a 64. Com a sistematização dos dados de 2021, totalizaram-se 329 denúncias de racismo no futebol brasileiro, numa curva ascendente de ocorrências a despeito do aumento das campanhas de combate à discriminação, bem como a exposição midiática destes episódios.

De acordo com o site do Observatório[1], o objetivo do documento é identificar e informar sobre os casos de discriminação que ocorrem no esporte e asseverar que os mesmos não são esporádicos, que falta punição aos envolvidos, que necessitam de um maior comprometimento com as vítimas no que diz respeito à cobrança das punições e comprometimento dos clubes, entidades, federações e da sociedade como um todo no combate ao racismo.

Marcelo Carvalho
Camiseta do Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Este texto vai se ocupar da edição do Relatório lançada em março de 2022. Com base em dados de 2021, identificou 158 casos de ações discriminatórias, sendo 124 oriundas do futebol. A oitava edição do Relatório apresenta incidentes discriminatórios ocorridos no Brasil, durante o ano de 2021, no futebol e em outros esportes, além dos que incidiram com atletas brasileiros no exterior. Desta forma, são descritos 158 (cento e cinquenta e oito) casos dos quais 137 (cento e trinta e sete) ocorridos no Brasil e 21 (vinte e um) sucederam-se com atletas brasileiros no exterior.  Deste total (158), 124 (cento e vinte e quatro) dizem respeito ao futebol e 34 (trinta e quatro) a outros esportes. Dos casos ocorridos no futebol brasileiro (124), 74 (setenta e quatro) dizem respeito à discriminação racial (soma total de casos ocorridos no Brasil, 64, e no exterior, 10); 25 (vinte e cinco) envolvem LGBTfobia (soma total de casos ocorridos no Brasil, 24, e no exterior, 01); 15 (quinze) machismo; 10 (dez) xenofobia (soma total de casos ocorridos no Brasil, 06, e no exterior, 04).

Em relação às vítimas das ofensas, dos 74 (setenta e quatro) casos que dizem respeito à discriminação racial no futebol (64 Brasil + 10 Exterior), em 48 (quarenta e oito) deles as vítimas são atletas, ou seja, em 65% dos casos. Em relação ao acusado de cometer as ofensas, diante do mesmo total, em 44 (quarenta e quatro)  ou 60% dos casos, o agressor é, pelo menos, um torcedor. No Brasil, o principal local das ocorrências dos casos são os estádios, com 37, dos 64 casos, ou seja, 58% das incidências raciais. Por fim, temos nesta sistematização anual, a discriminação racial como maioria dos casos (51,61%), onde predomina a inclinação das pessoas negras ao mundo animal, explicitados por meio de insultos raciais como apelidos, xingamentos, comparações e onomatopeias com o termo macaco.

As ações desenvolvidas pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol explicitadas nos seus relatórios anuais têm desempenhado um papel de vanguarda ao provocar reflexões e ações antirracistas. Atualizando os dados e comparando-os a aqueles compilados por George et. al. (2022) pode ser observado que os dados apresentados pela oitava edição do Relatório são semelhantes aos constatados nos sete anos anteriores. Os estádios continuam sendo os locais em que predominantemente ocorrem os episódios de racismo, os torcedores como os principais ofensores, os jogadores aparecem como as principais vítimas das injúrias, em que predomina a inclinação das pessoas negras ao mundo animal. Tais denúncias não têm maiores desdobramentos, nem penalidades, seja na esfera esportiva ou civil. Reveladas pela experiências de partidas de futebol, as denúncias trazidas por este importante instrumento de combate à discriminação racial contestam o mito identitário da democracia racial e dizem muito sobre as estratégias de exclusão perpetradas pelo “racismo à brasileira”.

Referências

Oliveira, G. R. B., Batista, C., Souza, J. de S., & Abrahão, B. O. de L. (2022). O Que Dizem as Denúncias de Discriminação Racial no Futebol Brasileiro?LICERE – Revista Do Programa De Pós-graduação Interdisciplinar Em Estudos Do Lazer24(4), 238–261. https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.37727. https://observatorioracialfutebol.com.br/apresentacao/, 2024, s/p.

Notas

[1] Observatório da Discriminação Racial no Futebol

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Bruno Otávio de Lacerda Abrahão

Doutor em Educação Física.

Como citar

ABRAHãO, Bruno Otávio de Lacerda. As denúncias de episódios de racismo: em foco, os dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 180, n. 10, 2024.
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