28.7

Bola de cristal

João Paulo Vieira Teixeira 28 de outubro de 2011

Fazer jornalismo pode ser entendido como o exercício de sistematizar dados, produzindo informação. Essa definição rasteira e despretensiosa, obviamente, inclui a necessidade de contextualização, aprofundamento e até mesmo, porque não, a liberdade para se fazer prognósticos. E é aí que mora o perigo. Sem bola de cristal, o jornalista não tem condições de prever o futuro. É claro que cercado de fatos concretos e com uma pesquisa bem feita, ele pode apontar prováveis caminhos. Mas esta não deveria ser a atividade fim do profissional.

Gabaritados jornalistas econômicos não conseguiram prever a última crise econômica. Respeitados comentaristas políticos evitam adivinhar o resultado da próxima votação no congresso. No entanto, determinados jornalistas esportivos garantem saber quem será o próximo campeão brasileiro. O problema seria menor se os palpites não mudassem a cada alteração na tabela.

É evidente que no esporte todos os envolvidos são convocados a dar opiniões e tentar acertar o próximo resultado. Esse fascínio na tentativa de ter certeza sobre algo que ainda não aconteceu é quase inexplicável. Prova disso que a indústria de apostas esportivas não para de crescer no mundo todo. Mas o que a imprensa tem com isso?

Seria um jornalista menos preparado se ao ser perguntado por um leitor sobre quem venceria o Fla-Flu ele respondesse simplesmente: “Não sei”? O que ele poderia fazer seria relatar quais são os desfalques de cada time, revelar o retrospecto do confronto, os últimos resultados que cada equipe conseguiu, trazer informações de bastidores dizendo qual ambiente interno é mais favorável no momento. Em síntese: dar informação. A partir daí, é óbvio que chegaríamos a alguma conclusão sobre quem tem mais chances de vencer. Mas deste ponto é impossível passar. Dali para frente é “chute”. E “chutar”, convenhamos, não deveria ser atribuição de nenhum profissional além do próprio jogador de futebol.

Bola de Cristal. Foto: Sanjay Acharya (disponível na Wilipédia).

Em 2008, cálculos matemáticos mostravam que, a certa altura do Campeonato Brasileiro, a chance do Fluminense cair para a segunda divisão era superior a 99%. Discuta-se a metodologia para se chegar a estes números, mas só o que eles apontavam era o que todos concluíam ao ver o Fluminense jogar: a chance do Flu escapar do rebaixamento era mínima. A partir de determinado momento, a situação mudou. Com futebol mais eficiente e resultados favoráveis o Tricolor se manteve na elite para felicidade de seus torcedores – que passaram a ignorar definitivamente os matemáticos. Neste intervalo, não seria mais produtivo que, ao invés de tentar adivinhar o futuro, dessem informações sobre o panorama do clube, ao invés de apenas decretar sentenças antes do fim do julgamento?

Agora, a dez rodadas do fim do Brasileirão, nove entre dez blogueiros esportivos se dedicam a prever quem será o Campeão. A maioria repete: “até o sétimo colocado, todos ainda brigam pelo título”. Um ou outro, talvez em busca dos holofotes, tem certeza de qual torcida vai vibrar no início de dezembro. Há diferença entre as duas condutas? Há necessidade de fazer previsão? Essa é uma atribuição do jornalista?

Caso as respostas para estas perguntas sejam positivas, tudo bem. Mas está ficando cada vez mais chato acompanhar previsões fajutas que se alteram a cada derrota do líder ou vitória do sexto colocado. Pior que isso é ver uma atividade profissional perder sua credibilidade e produzir nada muito diferente do que é feito nas mesas dos bares. E o pior, sem a cerveja gelada.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

TEIXEIRA, João Paulo Vieira. Bola de cristal. Ludopédio, São Paulo, v. 28, n. 7, 2011.
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