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Brasil x Argentina: ontem, hoje e sempre

Conforme todos sabemos, o maior clássico entre seleções da América do Sul é o famoso e polêmico Brasil e Argentina. A FIFA contabiliza 105 partidas entre canarinhos e hermanos, sendo 41 vitórias brasileiras contra 38 vitórias argentinas, configurando um equilibrado duelo que conta ainda com 26 empates. São 163 gols da equipe pentacampeã contra 160 gols da equipe bicampeã do mundo. Quando se trata do futebol feminino, a supremacia brasileira é gritante: são 14 partidas oficiais, 11 vitórias brasileiras versus 2 vitórias argentinas e apenas 1 empate. Na somatória dos tentos, são acachapantes 46 gols a 10 para o Brasil, totalizando uma média de 3,2 gols brasileiros por partida.

As hostilidades entre as torcidas e os confrontos decisivos, históricos e recorrentes entre clubes dos dois países nos torneios sul-americanos alimenta uma relação tensa no campo esportivo. Digo no campo esportivo, pois, fora das quatro linhas, recentemente, as duas nações mantiveram um padrão de cooperação econômica amigável. Além de representarem boa parte do território, do PIB e da população do continente preferido do cantor Belchior, ambas as nações já foram aliadas na Guerra do Paraguai (1864-1870).

Torcedores da Argentina acenam com cartazes com o número 7 fazendo relação com a derrota do Brasil contra Alemanha na Copa de 2014, durante partida pela Eliminatórias da Copa 2018, no estádio Monumental de Núñez, em Buenos Aires, Argentina, 2015. Foto: Andre Mourão/Mowa Press.

Na década de 1920, a rivalidade se acirrou após um episódio explícito de racismo, origem do termo “macaquitos”, oriundo da cobertura da imprensa argentina sobre a visita da seleção brasileira a Buenos Aires. Segundo Ariel Palacios e Guga Chacra, além dos impropérios irreproduzíveis da matéria completa, a capa do jornal exibia o Brasil da seguinte forma:

“[…] o jornalista Antonio Palacio Zino, escreveu uma coluna no jornal Crítica de Buenos Aires com o título “Monos en Buenos Aires”, isto é, “Macacos em Buenos Aires”. O artigo era ilustrado por uma caricatura do desenhista Diógenes Taborda, que havia representado os brasileiros como símios vestidos com o uniforme de futebol. Aliás, ironias da vida, o apelido de Taborda era El Mono (O Macaco).” (PALACIOS & CHACRA, 2014, p. 35).

Outro episódio deste intrigante duelo ocorreu em um momento de capitalização, por parte do governo de Getúlio Vargas, do potencial criador de um forte sentimento de identidade nacional oriundo do futebol: o campeonato sul-americano de 1937. Nesse contexto, o autor deixa claro os “efeitos patrióticos” da derrota histórica dos brasileiros, por 1 x 0,  explícitos na calorosa recepção da equipe na volta ao Brasil: “a delegação brasileira foi recebida no Rio como soldados que haviam lutado numa guerra” (GUTERMAN, 2009, p. 77). Desta forma, a hostilidade das ofensas racistas e o futebol desleal de pontapés praticado pelos argentinos na partida final do torneio associados ao nacionalismo getulista “forjava-se assim, no imaginário brasileiro, a ideia de que o adversário era um inimigo a ser derrotado como num campo de batalha – e, quando o adversário era a Argentina, isso foi levado ao nível do paroxismo.” (GUTERMAN, 2009, p. 77).

Dois anos antes da fatídica final supracitada, Domingos da Guia, o zagueiro-craque brasileiro pai de Ademir da Guia (monstro da “academia de futebol” do Palmeiras) transferira-se do Vasco da Gama para o “argentiníssimo” Boca Juniors, período em que o Divino Mestre (alcunha de Domingos) encantara o povo argentino com sua classe e eficiência. O caminho de transferência de jogadores brasileiros para a argentina é de difícil possibilidade nos dias de hoje, uma vez que o futebol brasileiro conta com salários fora da realidade para os clubes argentinos bancarem. O inverso ocorre em larga escala, uma vez que os futebolistas do lado esquerdo do Rio da Prata são atraídos pelos valores pagos no Brasil. Recentemente vemos um enorme fluxo de jogadores argentinos nos campeonatos brasileiros e em seus principais times, uma vez que nossos cada vez mais escassos bons exemplares logo são vendidos para Europa, restando a contratação frequente de futuros falantes do “portunhol”.

Para citar o último grande confronto recente envolvendo portenhos e brasileiros; em 2004, quem não se lembra do gol de Adriano Imperador, sobre os mesmos argentinos aos 47 minutos da etapa final? Foi o gol de empate na final da Copa América daquele ano, que levava a decisão para as penalidades. Após a eficiência dos nossos batedores, o então sétimo título da Copa América foi parar na galeria de troféus brasileira, para a infelicidade dos hinchas hermanos, amargando à época o jejum de 11 anos sem títulos. Hoje, já são 26 anos sem saber o que é ser campeão.

Voltando ao nosso tempo presente, o último clássico entre as seleções ocorreu em 16 de outubro de 2018, em um morno amistoso realizado na Arábia Saudita. A partida terminou com o placar de 1 x 0 para o Brasil, que jogou melhor, teve as melhores oportunidades e mais volume de jogo.

Vários capítulos já foram escritos e outros vários ainda serão, neste charmoso derby sul-americano, de tradição secular e sagrada na História da América e da bola. Seguem abaixo matérias complementares para o deleite do leitor interessado, que, por sua vez, apreciará em solo brasilis mais um grande capítulo do clássico, válido pela semifinal da Copa América 2019.

Fontes, notas e sugestões:

https://es.fifa.com/fifa-tournaments/teams/compare.html

GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil – Uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Contexto, 2009, v. 1.

PALACIOS, Ariel & CHACRA, Gustavo. Os Hermanos e Nós – Brasil x Argentina: uma relação de amor e ódio. São Paulo: Contexto, 2014.

https://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u88217.shtml

Futebol, boêmia e confusão: há 90 anos, Brasil e Argentina decidiam a Copa América em pleno natal.

01/02/1937 – Argentina 2 x 0 Brasil

http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Memoria/0,,MUL1286280-16319,00-LIVRO+REVELA+DETALHES+DA+HISTORICA+RIVALIDADE+BRASIL+X+ARGENTINA+NO+FUTEBOL.html

https://www.goal.com/br/news/619/especiais/2014/10/06/5161480/supercl%C3%A1ssico-das-am%C3%A9ricas-brasil-e-argentina-comemoram-100-anos-

https://vivelatinoamerica.files.wordpress.com/2015/11/fausto-boris-historia-do-brasil.pdf

https://www.bbc.com/portuguese/geral-37065570

http://www.espn.com.br/noticia/154093_quando-o-macaquito-entrou-em-campo

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Elcio Loureiro Cornelsen

Membro Pesquisador do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, da UFMG.

Matheus Marinho

Graduado em Ciências Sociais e pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (FULIA), da Faculdade de Letras da UFMG.

Como citar

CORNELSEN, Elcio Loureiro; MARINHO, Matheus. Brasil x Argentina: ontem, hoje e sempre. Ludopédio, São Paulo, v. 121, n. 3, 2019.
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