D10S: um rapaz latinoamericano, interessado em amar e mudar as coisas
A Argentina, a América-Latina e o futebol perderam hoje um deus. Diego Armando Maradona foi deus não só pelo que jogou nas quatro linhas, mas também pelo que fez e viveu fora delas. Pelo que representou. Só um deus é capaz de sentir o que sentimos, de viver o vivemos. Só um deus é capaz de ligar a la gente de la calle com a glória de ser campeão mundial.
Quando criança, ainda jogando na base do Argentino Juniors, Maradona era só mais um jovem da periferia de Buenos Aires que sonhava em ser técnico industrial. Ainda muito novo se tornou jogador profissional, e foi contratado pelo FC Barcelona com a promessa de ser um dos maiores do mundo. Na Catalunha, foi tratado como “garoto-problema” e indisciplinado. Acabou sendo vendido para o Napoli, da Itália.
Ouviu o chamado de seus devotos e assumiu o peso de ser deus. Um deus de uma gente acostumada a sofrer. Um deus de uma gente esquecida e desprezada pelo norte rico da Itália. Com a camisa do Napoli, Maradona inverteu a ordem norte-sul, fez do time pobre do sul ser campeão, trouxe um título nacional depois de quase meio século de domínio nortista. Só mesmo sendo um deus para trazer alegria para o seu povo.
Em 1986, na Copa do Mundo, vestindo a camisa da Argentina, vingou a derrota da famigerada Guerra das Malvinas. Maradona marcou um gol que quebrou, novamente, a lógica do futebol, e do mundo. A poderosa Inglaterra não foi párea para a Argentina de Maradona. E mais uma vez, o deus trouxe alegria para o seu povo. Ah, aquele gol de mão foi apenas um detalhe, já que deus mora nos detalhes. Argentina campeã mundial.
Em 1991, veio a notícia de doping: positivo para cocaína. A dependência química significou o declínio de sua carreira. Deuses são humanos, e também caem. Em 1994, foi expulso do Mundial, novamente o motivo era doping, mas saiu da competição denunciando a oligarquia que controlava o futebol. Questionou a FIFA e as televisões sobre os jogos ao meio-dia em pleno verão americano, questionou, também, a falta de direitos trabalhistas para os jogadores.
Maradona ainda voltou para o futebol argentino para a sua consagração, em meio a luta contra a dependência química. Após a sua aposentadoria, com um argentino celebre tatuado no braço, foi à Cuba cuidar de sua saúde. E lá fez um grande amigo: Fidel Castro (que também faleceu em um dia 25 de novembro).
Mesmo aposentado, Maradona viveu o futebol como um torcedor: sofrendo, vibrando e amando. Só mesmo um deus para se reconectar com o seu povo. Também foi fora de campo que buscou mudar as coisas, assim como havia feito quando jogava. Além do amigo Fidel, diós apoiou a candidatura de diversos presidentes de esquerda na América do Sul: de Hugo Chávez (na Venezuela) a Néstor Kirchner (na Argentina), de Luiz Inácio Lula da Silva (no Brasil) a Evo Morales (na Bolívia). Ele ainda recebeu Pepe Mujica (do Uruguai) em seu programa De Zurda (“de canhota” ou “de esquerda”, em uma tradução livre). Já em 2013, após a morte do ditador argentino Jorge Rafael Videla, Maradona foi categórico: “que não descanse em paz!”.
Maradona foi deus, porque foi humano. E parafraseando Belchior, foi mais um rapaz latinoamericano, interessado em amar – o futebol – e mudar as coisas.
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