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Futebol, cidade e sustentabilidade (Parte I)

Leandro Dias de Oliveira 27 de setembro de 2022

A construção do desenvolvimento sustentável

Em 2022, fez exatos 30 anos que o Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92 ou ainda Eco-92, reunindo representantes diplomáticos de 193 países do mundo no Riocentro e centenas de milhares de pessoas no Aterro do Flamengo, no chamado Fórum Global (OLIVEIRA, 2019). A Rio-92 foi então a maior conferência de todos os tempos organizada no âmbito da Organização das Nações Unidas e constituiu um receituário intitulado Agenda 21, que celebrava a concepção de desenvolvimento sustentável propugnada no documento Nosso Futuro Comum (1987)[1]. Desde a Rio-92, foi incluída nas agendas globais de gerência, financiamento e gestão pública e privada a necessidade de conservação da natureza como ativo econômico[2].

Desde então, malgrado as inúmeras definições apresentadas para a terminologia, o uso do desenvolvimento sustentável – e de seus desdobramentos, como a sustentabilidade em suas múltiplas acepções corporativas – se tornou progressivamente obrigatório no planejamento dos grandes investimentos públicos e privados. Num processo cujas origens contemporâneas remetem à década de [19]70, o ajustamento economia-ecologia virou uma marca de todo grande empreendimento e um grande contribuinte para acertos produtivos, significando desde uma maneira de se evitar o desperdício de materiais diversos até a adoção de formas econômicas de geração de energia e uso da água. O uso corporativo da sustentabilidade se tornou palavra-força, possibilidade de economia de dinheiro, inovação técnica, moda, propaganda e mesmo uma panaceia.

Plantas fabris, grandes edifícios, rodovias, ferrovias e terminais portuários, condomínios logísticos e de moradias, processos industriais, produções agropecuárias, formas de consumo, nada escapou de receber gradativamente um etiquetamento verde. Proteger a natureza passou a valorizar o produto, seja ele um perfume, um imóvel ou uma cadeia produtiva. E estádios de futebol, objetos presentes no espaço geográfico de fundamental importância na constituição do urbano (MASCARENHAS, 2014), não ficariam alheios ao processo. Símbolos importantes da cidade, atrativos econômicos para o entorno e espaço privilegiado para propaganda e marketing urbano, os estádios de futebol passaram a emular o modelo ambientalmente correto de construção e gestão.

A modernização recente dos estádios de futebol incluiu uma série de medidas. Se a cidade se tornou neoliberal, cuja governança é marcada por parcerias público-privadas por intermédio de um verdadeiro empresariamento urbano (HARVEY, 1996) – e, nas periferias do mundo, isso acabou por se associar com um modelo violento, segregador e autoritário –, não seria diferente com estádios de futebol. Os estádios de futebol foram se consolidando em verdadeiros espaços disciplinares (MASCARENHAS, GAFFNEY, 2004 e 2006), com arquibancadas inspiradas em salas de cinema, numa típica festa capitalista, em que cada jogo é um showroom de jogadores, camisas, chuteiras e outras mercadorias do universo do futebol. Neste cenário, a sustentabilidade também se tornou uma marca do processo de neoliberalização dos estádios.

Estádios de futebol e sustentabilidade ambiental

São muitos exemplos, no Brasil e no mundo, da adoção da sustentabilidade na construção e reforma dos estádios de futebol.

O Estádio Olímpico de Londres (London Stadium), inaugurado em 5 de maio de 2012 e atualmente administrado e utilizado pelo West Ham United Football Club, foi construído com base em um design sustentável, compacto e leve, além de ter feito investimentos ambientais na logística e no descarte de materiais durante a obra. Além disso, foi realizada a descontaminação do solo, pois o lugar anteriormente abrigava um aterro sanitário. Por sua vez, o Melbourne Rectangular Stadium, ou o AAMI Park, na Austrália, construído em 2010, é coberto com luzes de LED (menor consumo de energia), foi projetado para gastar 50% menos aço e possui um sistema de captação de água da chuva para o abastecimento interno. O World Games Stadium, situado em Taiwan, na China, possui cerca de 9 mil painéis solares fotovoltaicos em seu teto, que não só economizam a energia, mas fornecem lucros ao abastecer 80% dos prédios vizinhos. Soluções semelhantes foram adotadas em muitos estádios, como o Stade Ocèane, do Le Havre A.C., na França, ou o Mané Garrincha, localizado em Brasília, Brasil[3].

Cidade sustentável
O design sustentável, compacto e leve do Estádio Olímpico de Londres. Fonte: Wikipedia.

Assim como o Mané Garrincha, outros estádios brasileiros também adotaram a cartilha do desenvolvimento sustentável. O Castelão (Estádio Governador Plácido Castelo, Fortaleza, Ceará) foi primeiro estádio da América do Sul a receber a certificação ambiental Leed (Leadership in Energy and Environmental Design) e conta com sistema de esgoto a vácuo e torneira com fechamento automático, mictórios com sensores e captação de águas pluviais para irrigação do gramado. Com base na mesma reportagem, assinada por Ricardo Magatti[4], o Mineirão (Estádio Governador Magalhães Pinto, Belo Horizonte, Minas Gerais) também conquistou certificação Leed por seus investimentos na gestão de resíduos, economia de água e eficiência energética; o  Beira-Rio, sede do Internacional de Porto Alegre,  também conseguiu a certificação Leed por, entre outras coisas, mitigar os danos ambientais do estádio e implementar o sistema de captação de água da chuva; Neo Química Arena, do Corinthians, e o Allianz Parque, do Palmeiras, também são sustentáveis: enquanto o estádio do Corinthians também recebeu a certificação Leed por contar com tecnologias que evitam desperdício de energia e boa parte da iluminação é de LED, além da captação da água de chuva para reuso, a arena do Palmeiras também adotou a captação da água da chuva, promovendo uma redução de 87 % no consumo de água potável. A sustentabilidade, assim como a sofisticação, a vigilância e a segregação, se tornou uma marca fundamental dos novos estádios-arenas de futebol.

Notas

[1] O Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum, 1988, p. 46) define o desenvolvimento sustentável como aquele que atente “as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”. Trata-se de uma definição estrategicamente vaga, seletiva, utópica e abrangente, que permite diferente interpretações e concretizações.

[2] Em 2022, faz também 50 anos de realização da primeira grande conferência – a realizada em Estocolmo, em 1972 –, mas também 10 anos da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, novamente tendo o Rio de Janeiro como arena e reunido representantes de todo o mundo.

[3] Informações obtidas em: “Conheça 7 estádios sustentáveis que são exemplo pelo mundo”, 9 de janeiro de 2017.  Engie Brasil Energia – Blog. Disponível em: https://blog-solucoes.engie.com.br/energia-solar/estadios-sustentaveis-pelo-mundo/. Acesso em: 25 de setembro de 2022.

[4] MAGATTI, Ricardo. Conheça estádios de futebol que são exemplos de sustentabilidade no Brasil. Portal Terra, 18 de novembro de 2020. Disponível em: https://www.terra.com.br/esportes/futebol/conheca-estadios-de-futebol-que-sao-exemplos-de-sustentabilidade-no-brasil,b6b49d581e0a55c90d42e15badee8994uasgblgc.html. Acesso em: 25 de setembro de 2022.

Referências Bibliográficas

HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço e Debates, São Paulo, nº 39, 1996, p. 48-64.

MAGATTI, Ricardo. Conheça estádios de futebol que são exemplos de sustentabilidade no Brasil. Portal Terra, 18 de novembro de 2020. Disponível em: https://www.terra.com.br/esportes/futebol/conheca-estadios-de-futebol-que-sao-exemplos-de-sustentabilidade-no-brasil,b6b49d581e0a55c90d42e15badee8994uasgblgc.html . Acesso em: 25 de setembro de 2022.

MASCARENHAS, Gilmar; GAFFNEY, Christopher. O estádio de futebol como espaço disciplinar. In: Seminário Internacional Foucault Perspectivas, Florianópolis, 2004.

MASCARENHAS, Gilmar; GAFFNEY, Christopher. The soccer stadium as a disciplinary space. In: Esporte e Sociedade, v. 1, p. 1, 2006.

MASCARENHAS, Gilmar. Entradas e Bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014.

OLIVEIRA, Leandro Dias de. Geopolítica Ambiental: A construção ideológica do Desenvolvimento Sustentável (1945-1992). Rio de Janeiro: Autografia, 2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/344349857_Geopolitica_Ambiental_A_construcao_ideologica_do_Desenvolvimento_Sustentavel_1945-1992.

Documentos Consultados

Agenda 21. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996.

Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland). Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – 1988.. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988.

Páginas Eletrônicas Consultadas

Conheça 7 estádios sustentáveis que são exemplo pelo mundo”, 9 de janeiro de 2017.  Engie Brasil Energia – Blog. Disponível em: https://blog-solucoes.engie.com.br/energia-solar/estadios-sustentaveis-pelo-mundo/.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Dias de Oliveira

Graduado, mestre e doutor em Geografia e pós-doutor em Políticas Públicas e Formação Humana. Professor Associado II do Departamento de Geografia da UFRRJ, campus-sede, e docente dos quadros permanentes do Programa de Pós-Graduação em Geografia e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Humanidades Digitais. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Nível 2, e Jovem Cientista do Nosso Estado, FAPERJ.

Como citar

OLIVEIRA, Leandro Dias de. Futebol, cidade e sustentabilidade (Parte I). Ludopédio, São Paulo, v. 159, n. 29, 2022.
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