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Futebol de mulheres no Brasil e na Colômbia: a hegemonia na subordinação

Claudia Yaneth Martinez-Mina 4 de novembro de 2015

Na Colômbia a frase “há piores” é usada informalmente para encontrar consolo diante de uma situação adversa. A usamos para enfatizar que existem outras circunstâncias pelas quais passam grupos ou pessoas que em nossa perspectiva estão em piores condições, e de certa forma, encontrar um pouco de alívio, mas isso não significa que nos sintamos bem com a tragédia dos outros, ou que essas circunstâncias devam permanecer assim como estão. Inicio com essa fala porque considero que apesar do futebol feminino no Brasil não ser visibilizado pela mídia, estar desvalorizado, não possuir o patrocínio suficiente, não ser economicamente rentável, não ter torcida, etc., está muito melhor que em os outros países de América do Sul, o que as coloca em situação de hegemonia segundo este ponto de referência.

No futsal, não existe quem ganhe delas. Em nível mundial são as melhores: conquistaram o título mundial durante as cinco edições da Copa do Mundo, possuindo um recorde igual ao que o futebol masculino possui, mas com a diferença de terem sido obtidos de forma consecutiva. Apesar disso, na última competição realizada na Costa Rica, o Brasil esteve a ponto de não participar porque a CBFS manifestou inviabilidade financeira. Felizmente elas conseguiram competir e foram campeãs. Neste sentido, no futsal o Brasil tem hegemonia mundial, são as melhores batendo seguidamente Espanha, Portugal, Rússia e todas essas seleções que têm profissionalizado este esporte no seus países, os quais são também economicamente diferentes. No futebol, o Brasil ainda não conquistou a Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino, mas a única jogadora que foi eleita cinco vezes melhor do mundo é a brasileira Marta, outro recorde de nível mundial, o que é importante destacar como um logro para o futebol de mulheres nesse país.

Logo, em que pese às adversidades, as jogadoras brasileiras na América do Sul são as que mandam, elas são as melhores. Das sete edições realizadas da Copa América desde 1991, o Brasil conquistou seis. Apenas em 2006 a Argentina tirou esse título das brasileiras, mas elas foram vice-campeãs. Também são campeãs dos Jogos Pan-americanos 2003, 2007 e 2015; campeãs da Universíade de Verão 2001 e 2005 e campeãs dos Jogos Mundiais Militares 2011 e 2015. Todas essas conquistas anunciam que esta equipe tem uma hegemonia ante as outras seleções aqui nesta parte do continente.

A Seleção Brasileira Feminina é campeã da Copa América do Equador 2014, mesmo com o empate em 0 a 0 com a Colômbia no Estádio Olímpico Atahualpa, em Quito. Apesar de a fase final da competição ser um quadrangular, a partida entre Brasil e Colômbia era uma decisão. O Equador derrotou a Argentina na preliminar e classificou as colombianas para o Mundial do Canadá 2015. Foto: Rafael Ribeiro/ CBF
A Seleção Brasileira Feminina é campeã da Copa América do Equador 2014, mesmo com o empate em 0 a 0 com a Colômbia no Estádio Olímpico Atahualpa, em Quito. Apesar de a fase final da competição ser um quadrangular, a partida entre Brasil e Colômbia era uma decisão. O Equador derrotou a Argentina na preliminar e classificou as colombianas para o Mundial do Canadá 2015. Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

Por outro lado, desde o ano de 2010, a Colômbia, uma seleção com um processo totalmente diferente ao da seleção brasileira, que participou por primeira vez em torneios internacionais a partir de 1998, começou a também colocar-se nas primeiras posições na América do Sul. O último encontro destas duas seleções foi na final dos Jogos Pan-americanos de Toronto, na qual Brasil nos deu uma cátedra de futebol, impondo um marcador final de 4 a 0. Foi uma pena para Colômbia não ter contado com o mesmo plantel que disputou a Copa Mundo de Canadá.

Quem não conhece como funciona o futebol feminino em outros países se deixa levar pela crença que a vitória é resultado do apoio suficiente de seu país. Na Colômbia, as pessoas acham que no Brasil o futebol feminino é diferente do que é na realidade, muitas pessoas pensam que sua hegemonia se deve ao apoio e a uma estrutura estabelecida, acham que o futebol feminino no Brasil está tão bem organizado como o masculino. Mas quem vai para o Brasil e conhece essa realidade de perto sabe que as coisas não são bem assim. O futebol feminino no Brasil ainda tem muitos problemas, falta de patrocínio, de torcida, de financiamento, barreiras culturais, preconceitos, etc., assim como na maioria dos países da América do Sul. Mas, quando comparamos o futebol feminino no Brasil com o futebol feminino da Colômbia, é quando se podem falar aquelas palavras: “há piores”.

O futebol praticado por mulheres na Colômbia não tem ligas profissionais, os jogos são amadores, organizados pela Divisão Aficionada de Futebol Colombiano (DIMAYOR). Esta entidade administra os torneios amadores que contam com a participação das ligas de futebol de cada estado, geralmente com o apoio de empresas patrocinadoras. Os campeonatos nacionais geralmente ocorrem apenas alguns meses antes de uma competição internacional, com o intuito de conhecer e escolher algumas jogadoras para fazer parte da seleção da Colômbia ou para participar da Copa Libertadores. Contudo, desde o ano 2013, o Campeonato Nacional Feminino de Futebol é realizado durante cada ano, exclusivamente na categoria juvenil sub-20 e sub-17, sendo transmitidos alguns jogos em canais de televisão pagos. Parece ser que a boa apresentação da Seleção da Colômbia na Copa Mundo do Canadá motivou a transmissão dos jogos femininos e a realização de mais campeonatos. Alguns clubes dão às jogadoras apoio para o transporte. Essa é uma mostra de estar nos melhores clubes femininos, o subsídio de transporte. Os patrocinadores são empresas que oferecem uniformes e o valor da inscrição dos campeonatos. As ligas esportivas de cada estados arcam com os custos (transporte, hospedagem, alimentação, inscrição, uniformes) quando as competições são em outras cidades. Esta é mais ou menos a situação das segundas melhores da América do Sul.

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Lance da partida entre Brasil (azul) e a Colômbia em que a seleção brasileira venceu por 4 a 0 nos Jogos Pan-Americanos de 2015. Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

Yoreli Rincón, uma das melhores jogadoras da seleção da Colômbia afirmou numa entrevista que, com o dinheiro que ela ganhava na Colômbia por jogar futebol, não poderia comprar nem uma bicicleta, uma forma de dizer que não ganhava nada. E eu acho que por pior que seja a situação do futebol feminino no Brasil, algumas podem comprar uma bicicleta com o dinheiro que recebem. Não é assim?

A Colômbia está nessa posição porque a maioria de suas jogadoras estão em clubes no exterior, principalmente nos Estados Unidos ou na Europa, só por isso a situação começou a melhorar um pouco. Na última Copa do Mundo, realizada no Canadá, a Colômbia fez história classificando às oitavas de final, e acho digno enfatizar que perderam contra a seleção campeã, os Estados Unidos. A Federação Colombiana de Futebol (FCF) prometeu dá-lhes 10 milhões de pesos (aproximadamente 3480 dólares) caso se classificassem. No entanto, no mês de setembro, três meses depois de finalizada a Copa do Mundo, a jogadora Daniela Montoya denunciou a FCF por não pagar-lhes o dinheiro prometido. Uns dias depois, os noticiários da Colômbia anunciavam a realização de um projeto com o apoio da FCF e da prefeitura de Barranquilla no qual uma nova casa da seleção colombiana masculina vai ser construída. Suítes, salas de descanso, escritórios, salas de internet, um auditório, três campos de futebol, academias, consultórios médicos e para fisioterapia, um campo de futebol de praia, zonas verdes, um lago, estacionamentos, camarins, sauna e banho turco fazem parte das novidades deste projeto, no qual será investido 12 mil milhões de pesos colombianos (mais ou menos 3.600.0000 dólares). Claro, eles têm patrocinadores, mas eu acho que pagar às jogadoras os 3.480 dólares não vai empobrecer à FCF. Por outro lado me pergunto: assim como as prefeituras se unem com a FCF para apoiar o futebol masculino, porque não iniciam um projeto para profissionalizar o futebol feminino?

A Seleção Brasileira Feminina é campeã da Copa América do Equador 2014, mesmo com o empate em 0 a 0 com a Colômbia no Estádio Olímpico Atahualpa, em Quito. Apesar de a fase final da competição ser um quadrangular, a partida entre Brasil e Colômbia era uma decisão. O Equador derrotou a Argentina na preliminar e classificou as colombianas para o Mundial do Canadá 2015. Foto: Rafael Ribeiro/ CBF
Disputa de bola entre as jogadoras do Brasil e da Colômbia pela Copa América de 2014. Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

Posteriormente, em outubro, a Chevrolet anunciou e apresentou o novo ônibus da seleção masculina, o qual foi elaborado com detalhes de alta tecnologia, rede sem fio, telas HD e sistema interativo de entretenimento em cada assento, entre outros luxos. Em meio a esse panorama, as jogadoras esperam aquele prêmio pela classificação a oitavas na Copa Mundo.

Por último, eu acho importante ressaltar que embora o futebol praticado por mulheres no Brasil tenha tantos problemas e esteja numa situação de subordinação e discriminação se o comparamos com o futebol masculino do mesmo país, sua situação, em comparação com o futebol feminino de outros países de América do Sul, é muito melhor. As brasileiras podem olhar para fora e pensar: “há piores”, mas ressalto novamente, isso não significa que as coisas estejam bem, nem devam permanecer assim como estão.

Referências eletrônicas

http://www.deportesrcn.com/noticia-video/daniela-montoya-denuncio-la-federacion-colombiana-de-futbol-deportes-42407

http://www.elespectador.com/deportes/futbolinternacional/asi-sera-nueva-casa-de-seleccion-colombia-barranquilla-galeria-591225

http://www.eltiempo.com/deportes/futbol/federacion-colombiana-de-futbol-presento-el-nuevo-bus-/16392582

http://www.eluniversal.com.co/deportes/futbol/asi-sera-la-nueva-casa-de-la-seleccion-colombia-en-barranquilla-208022

https://es.wikipedia.org/wiki/Campeonato_Nacional_Femenino_%28Colombia%29

https://es.wikipedia.org/wiki/Copa_Am%C3%A9rica_Femenina

https://es.wikipedia.org/wiki/Selecci%C3%B3n_femenina_de_f%C3%BAtbol_de_Colombia

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sele%C3%A7%C3%A3o_Brasileira_de_Futebol_Feminino

https://pt.wikipedia.org/wiki/Torneio_Mundial_de_Futsal_Feminino

 

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Como citar

MARTINEZ-MINA, Claudia Yaneth. Futebol de mulheres no Brasil e na Colômbia: a hegemonia na subordinação. Ludopédio, São Paulo, v. 77, n. 2, 2015.
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