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Futebol por passatempo: um relato da prática esportiva na comunidade periférica

Maxwel Messias da Cruz 13 de julho de 2024

A ideia de que a cultura do futebol atravessa a vida de brasileiros e brasileiras todos nós já sabemos. Mas como essa prática se faz presente na vida desse pessoal? Bem, assistir os jogos de futebol nas quartas e nos finais de semana, acompanhando seus clubes nos campeonatos, é uma das formas que o futebol se faz presente na vida cotidiana. Contudo, para além de acompanhar o seu time, a prática do futebol está presente desde a infância até a vida adulta de muitas pessoas, como revela a observação sobre a organização dos praticantes em uma quadra de futebol localizada na Ceilândia, região periférica do Distrito Federal (DF).

Pelas manhãs, durante toda a semana, a quadra poliesportiva da QNQ 1, localizada no conjunto 7, sempre se encontra vazia, a não ser em raros momentos em que meninos saem cedo da escola e aproveitam para jogar um futebol enquanto passa o tempo que geralmente estariam na escola. Durante a tarde, o movimento também permanece fraco, sob o sol escaldante que não contribuí para a prática do esporte. O chão fica extremamente quente e a maioria dos meninos jogam futebol com pés descalços em contato com o concreto liso da quadra.

O movimento passa a ser diferente quando chega o entardecer, por volta da 16h30 em diante, quando a molecada começa a chegar à quadra, e lá permanece até altas horas. Os primeiros a chegar são os mais novos, meninos pequenos com idade entre 5 a 10 anos, que se juntam geralmente após um deles trazer uma bola, geralmente em não tão bom estado e não é feita para a prática do futsal. São bolas de campo, desfiadas e até de plástico. A prática em si não é tão organizada como deveria. já que todos vão até a bola ao mesmo tempo para conseguir pegá-la e levá-la até o gol. E assim a diversão é garantida. Às vezes a aparição de uma menino mais habilidoso é bem recebida, sendo disputado pelos colegas para que jogue em seu time. Às vezes há brigas entres os meninos por conta de um entrada mais forte, gerando alguns insultos entre eles ou levando até vias de fato. E assim alguns choram, outros chamam os pais, mas logo isso se torna irrelevante, afinal o futebol é o mais importante.

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Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A dinâmica se transforma com o passar do tempo. Quanto mais próximo da 18h, a quadra passa a receber uma nova faixa etária, com a chegada dos meninos do ensino fundamental e médio, que acabaram de sair da escola e ali param antes de retornar para suas casas. Com a chegada dos mais velhos, os pequeninos perdem espaço na quadra. Os mais velhos não veem sentido em jogar com as crianças, tanto pelo risco de machucar os pequenos como também pela falta de habilidade. Como dizem os mais velhos, os pequeninos são “café com leite”.

Com a nova faixa etária, a prática ganha outros sentidos, o menores passam a ser a arquibancada, ficam do lado de fora observando e agitando os jogos a cada drible. A prática se torna mais organizada, a formação do time passa a ser muito importante, os mais habilidosos são escolhidos a dedo. A disputa começa fora do campo, já na escolha certeira de quem vai compor o time. Os que não são escolhidos ficam de próximo para que tenha rotatividade de times e a prática possa durar por mais tempo. Essa configuração pode ser observada até 19h, horário em que a quadra se encontra cheia de garotos, com idade entre 10 a 17 anos, mas também alguns acima de 18 anos. Nesse ponto, o futebol toma uma guinada, a prática se torna algo sério, surgem as apostas, os times se organizam para “jogar valendo”.

“Eae, vamo jogar valendo!”, alguém exclama na quadra; logo alguém responde: “Demorou, monta teu time ai”. Desse momento em diante entra em disputa a garrafa 2L de Coca-Cola; quem perder paga ao vencedor. Adolescentes e jovens adultos jogam de igual para igual, em um nível de competitividade alta, e muitas pessoas param para ver a disputa entre os times, que já são montados antes mesmo do início dos jogos, pois os mais habilidosos montam suas panelinhas exclusivamente para esse momento.

A organização da prática do futebol, ao meu ver, pelo menos na quadra em observação, é algo espontâneo e orgânico. As pessoas chegam e configuram o que seria um esporte ideal para elas, seja por faixa etária ou habilidade. Mas, para além da quadra, o que existe é a organização extra campo, para que o praticante possa encaixar o futebol no seu dia a dia . Presente na vida cotidiana as cidades brasileiras, o futebol da quadra e das apostas de garrafa pet de Coca-Cola, é um jogo tão absorvente quanto outros futebóis jogados ou assistidos em diferentes campos, arquibancadas e nas TVs das casas após um dia de trabalho.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Maxwel Messias da Cruz

Estudante de antropologia pela UnB

Como citar

CRUZ, Maxwel Messias da. Futebol por passatempo: um relato da prática esportiva na comunidade periférica. Ludopédio, São Paulo, v. 181, n. 14, 2024.
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