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Interseções entre Indústria Cultural, desenvolvimento regional e futebol

O presente texto marca parte discussão teórica realizada para o desenvolvimento do projeto de pesquisa de iniciação científica intitulado “A importância econômica da fase contemporânea da Copa do Nordeste de futebol masculino (2013-2022) para times alagoanos”. O projeto é desenvolvido pelo grupo de pesquisa Crítica da Economia Política da Comunicação (Cepcom), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) através do edital Pibic-Ufal 2023-2024.

Para o primeiro Plano de Trabalho de colaborador, foram analisados os seguintes textos: parte do livro “Indústria cultural informação e capitalismo” (Bolaño, 2000); o artigo “Celso Furtado e o desenvolvimento regional” (Diniz, 2009); o capítulo “ A involução relativa da economia alagoana” (Gomes, 2014); o artigo “Geografia do futebol das cidades médias brasileiras: Relação entre sucesso esportivo e características urbanas” (Campos, 2020); e trechos do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) “Evidenciação contábil nas entidades esportivas: análise dos clubes alagoanos de futebol profissional” (Ferreira; Brandão; Araújo, 2022).

A partir de projeto que tem como objetivo explorar a importância econômica da Copa do Nordeste para os clubes de Alagoas, este texto apresentará uma discussão que integra as ideias principais dessas obras e correlaciona aos objetivos da pesquisa.

Copa do Nordeste
Foto: Lucas Figueiredo/CBF

A interseção entre Industria Cultural e futebol

Iniciando com o texto “Indústria cultural informação e capitalismo” (Bolãno, 2000), lemos a primeira metade do terceiro capítulo, “Indústria Cultural e Funções”. Nele, o autor busca estudar sobre as indústrias culturais no capitalismo monopolista, realçando o desenvolvimento crescente das tarefas ligadas à comunicação, à cultura e à informação.

Este primeiro texto não trata necessariamente sobre futebol, mas ajuda a compreender como os meios de comunicação de massa se constituem enquanto um determinado aspecto de “organização dos processos de produção, distribuição e consumo de informação, conhecimento e cultura no capitalismo” (Bolaño, 2000, p. 123).

Para isso, dentre outras características, ligadas ao modelo capitalista para estas áreas, Bolaño (2000, p. 127) aponta ainda que: “há um desenvolvimento desigual dos diferentes meios que se articulam, por outro lado, em um sistema de comunicação de massa, de acordo com uma lógica unitária”.

É assim que se apresenta como uma das contradições desse sistema, pois “o avanço da educação, da tecnologia, da informação e do acesso aos meios de comunicação são as bases do desenvolvimento autônomo. O problema é que ‘jamais se especifica a quem deverá caber o controle do processo’” (Bolaño, 2000, p. 136).

Em consideração a isso, trazendo para o futebol, pode-se entrelaçar esses aspectos ao pensar na apropriação midiática dos jogos, que envolvem produção de informação sobre elemento cultural importante e que, a partir disso, se torna também mercadoria no capitalismo. O consumo das transmissões de campeonatos pelas massas de torcedores se dá pelas características sociais, mas também há a atração pelo entretenimento dos jogos. Movimenta, com isso, a economia e a política em diversas formas e estruturas.

Assim, o futebol, como um dos maiores fenômenos culturais globais, exemplifica perfeitamente o conceito de indústria cultural de Bolaño. Ademais, a cobertura midiática do futebol não apenas transmite para os torcedores sobre os resultados dos jogos, mas também molda a percepção pública dos jogares e dos clubes.

O jogo midiático fora dos gramados é constituído com uma criação de narrativas heroicas ou dramáticas em volta das competições, inclusive a repercussão nos sites de redes sociais, atualmente, na interação entre torcedores e clubes. Trata-se de aspectos que salientam a complexidade da indústria cultural esportiva.

Desenvolvimento regional e o papel estratégico da Copa do Nordeste

Já no segundo artigo, “Celso Furtado e o desenvolvimento regional” (DINIZ, 2009), aborda-se a importância das contribuições do pesquisador paraibano Celso Furtado para a interpretação dos determinantes das desigualdades regionais e para a formulação de políticas de desenvolvimento para regiões periféricas.

Esse artigo também não explora sobre campeonatos futebolísticos, porém, auxilia a compreender a realidade das equipes nordestinas, especialmente de Alagoas – observável deste plano de trabalho.

Diniz (2009) argumenta que o subdesenvolvimento resulta de uma constituição histórico-estrutural única e que só com grandes modificações poderia ser superado. No que interessa à nossa pesquisa, pode-se considerar a revitalização da Copa do Nordeste em 2013 como elemento para fortalecer o futebol regional e auxiliar a promoção de uma identidade local. Isso poderá atrair mais torcedores para os clubes locais e, em paralelo, resultar em algumas mudanças econômicas e políticas no campo de disputa entre clubes no Brasil.

Além disso, a promoção de uma identidade regional mediante o esporte pode ter repercussões positivas na coesão social e no orgulho da comunidade. A Copa do Nordeste exemplifica como iniciativas localizadas e culturalmente significativas podem cooperar para diminuição das desigualdades e para o desenvolvimento, ainda que necessitem de um conjunto de outros processos econômicos, afinal: “As descontinuidades inter-regionais dentro de cada país são geradas pelos padrões locacionais, especialmente da indústria, e sua relação com as políticas macroeconômicas” (Diniz, 2009, p. 243).

Ao se pensar num desenvolvimento regional, a autora indica ainda a necessidade de ser política nacional que reconheça as particularidades de cada local. O último aspecto também precisa ser entendido no que se espera do desenvolvimento das condições de práticas de futebol profissional dentro do Nordeste, cujas condições socioeconômicas se apresentam de forma distinta.

Desenvolvimento econômico em Alagoas

É dessa discussão particular que se chegou ao capítulo “A involução relativa da economia alagoana”, do livro “Ensaios sobre o subdesenvolvimento e a economia política contemporânea” (Gomes, 2014).

Há o objetivo de salientar a inserção da economia alagoana em estratégia atualizada de crescimento regional. Comparando com o texto anterior, que fala sobre as desigualdades regionais, este explora as características do desenvolvimento econômico regional nos primeiros 15 anos deste século e como isso interferiu em outros âmbitos culturais e políticos. Gomes (2014, p. 36) sugere que:

As consequências mais gerais refletem os resultados do recente crescimento da economia nordestina podem ser explicadas por uma ordem de fatores inter-relacionados, os quais foram responsáveis pelos estímulos à ampliação dos investimentos na região e a expansão da renda e do consumo, sobretudo naquelas faixas de população que apresentam, historicamente, baixo poder aquisitivo.

Ao abordar questões fundamentais sobre o desenvolvimento econômico regional, o autor evidencia não apenas os desafios enfrentados por locais menos desenvolvidos, como Alagoas, mas também aponta caminhos e estratégias que poderiam ser adotados para impulsionar o crescimento e a sustentabilidade dessas economias.

Para o que interessa a este plano de trabalho, que pretende entender a situação de equipes alagoanas, é preciso considerar que “[…] o desempenho da economia alagoana […] significa um caso típico de involução econômica ao nível de baixa produtividade do sistema econômico” (Gomes, 2014, p. 46).

Isso ocorreu mesmo no período de maior inclusão social desde recursos federais, nos governos do Partido dos Trabalhadores. Os estados nordestinos melhoraram seus dados socioeconômicos. Aqui em Alagoas, segundo Gomes (2014), a população cresceu pouco, mas a produção de riqueza também não evoluiu de maneira a melhorar a média per capita de Produto Interno Bruto (PIB).

No contexto específico da Copa do Nordeste de futebol masculino, é possível aproveitar as análises e reflexões do artigo para compreender como o desenvolvimento econômico dentro da região pode refletir o sucesso e a competitividade dos times locais.

Futebol nas cidades médias brasileiras

Para compreender essas diferenças, o penúltimo artigo lido, “Geografia do futebol das cidades médias brasileiras: Relação entre sucesso esportivo e características urbanas” (Campos, 2020), trata de futebol e a relação entre o sucesso esportivo de algumas localidades comparadas a outras.

Maceió e Arapiraca são dois municípios alagoanos que aparecem no texto na categorização “média”, respectivamente, enquanto “capital regional A” e “capital regional C”. Assim, este texto é importante para o que nos interessa por localizar as principais forças futebolísticas alagoanas (CSA, CRB e ASA) em comparação a equipes de cidades de porte semelhante.

Campos (2020) delimita que o futebol é um esporte de atributo territorial e como a relação entre localização e sucesso futebolístico não são necessariamente algo determinante, mas que no caso brasileiro é possível observar que mesmo clubes de cidades médias do Sul e do Sudeste inclinam-se a ter resultados mais satisfatórios em comparação a outras regiões. Isso confirma aspectos da discussão anterior sobre desenvolvimento desigual refletido no futebol.

O autor reforça ainda o papel secundário na competição por títulos nacionais à maioria dos clubes de cidades médias, pelo principal motivo de não possuir um maior poder econômico e político. Porém, essas competições são de extrema importância na construção de uma identidade esportiva, não apenas em proporção regional como também nacional. Aqui em Alagoas, por exemplo, só há um título de divisão nacional, o do CSA na Série C em 2017 – com a equipe sendo vice da segunda divisão em quatro momentos (1980, 1982, 1983 e 2018).

Diante disso, as reflexões de Campos (2020) ajudam a ampliar a compreensão sobre a interação entre geografia, economia política e cultura no cenário do futebol brasileiro, destacando a importância das cidades médias como pilares indispensáveis na construção e consolidação da identidade esportiva, mas com distinções em relação às cidades maiores e mesmo entre elas, de acordo com a região em que estão.

Evidenciação contábil nos clubes alagoanos

O último texto, “Evidenciação contábil nas entidades esportivas: análise dos clubes alagoanos de futebol profissional” (Ferreira; Brandão; Araújo, 2022), por se tratar de uma monografia, teve duas partes separadas: 2.4 “Obrigações contábeis dos clubes de futebol” e 4. “Demonstrações contábeis de CSA e CRB”.

Este TCC se mostrou como importante para leitura e discussão porque a formação do estudante do projeto é em curso de Ciências Contábeis, aproximando da sua área de atuação, ao mesmo tempo em que direciona as atividades do projeto para essa seara no futebol.

No trabalho de conclusão, foi possível compreender melhor as exigências legais impostas aos clubes, como: a necessidade de fiscalização, controle, transparência e como obter dados contábeis.

Ademais, possibilitou analisar as evidenciações contábeis dos clubes CSA e CRB no recorte temporal de 2019, assim, podendo identificar algumas dificuldades que os autores tiveram durante a pesquisa pelo simples fato dos clubes não publicarem os relatórios de acordo com as normas legais.

Os autores relatam que:

As demonstrações contábeis são relatórios que demonstram a situação patrimonial e financeira de determinada entidade e, quando bem elaborados, transmitem para seus usuários um alto nível de confiabilidade. Por isso, é utilizada como mecanismo de fiscalização e controle pelo Estado, como observamos nas normas e leis que tratam do desporto brasileiro (Ferreira; Brandão; Araújo, 2022, p. 28).

Posto isso, o estudo destaca a importância da consonância com as normas contábeis para assegurar a confiabilidade e a transparência perante as operações dos clubes de futebol.

Ademais, a pesquisa também destaca a necessidade de melhorias nas práticas de divulgação dos relatórios contábeis, assim, evidenciando que a implementação rigorosa dessas práticas pode colaborar significativamente para a integridade financeira e aumentar a confiabilidade dos clubes, o que pode atrair outras empresas para investimento por publicidade, além de segurança em seu desenvolvimento.

O trabalho também serve para alertar a necessidade de políticas públicas mais efetivas que incentivem a transparência de relatórios financeiros para este setor de mercado. A adoção de um sistema de gestão contábil mais avançado pode ser uma solução para mitigar os desafios encontrados e reduzir a margem da falta de informações dos balanços. A partir dessas melhorias, espera-se que os clubes de futebol possam não apenas cumprir com as exigências legais, mas também alcançar uma gestão mais eficiente.

Considerações finais

Em síntese, considerando todos os textos analisados, podemos perceber o potencial da Copa do Nordeste não apenas para promover o esporte, mas também para contribuir para o desenvolvimento econômico e cultural de uma determinada região a partir do aspecto esportivo.

No entanto, ao focarmos no caso alagoano, é necessário ampliar o olhar sobre as especificidades que demarcam o contexto econômico histórico e de fazer e gerir futebol neste estado, o que inclui a sua observação em meio a um torneio regional. Este plano de trabalho segue nesta direção na segunda metade de desenvolvimento do projeto de pesquisa.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, R. A.; FERREIRA, E. da; BRANDÃO, L. C. G. Evidenciação contábil nas entidades desportivas: análise dos clubes alagoanos de futebol profissional. 2022. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso Parcial (Bacharelado/ Licenciatura em Ciências Contábeis) – Unidade Santana do Ipanema, Curso de Ciências Contábeis, Universidade Federal de Alagoas, Santana do Ipanema, 2022.​

BOLAÑO, C. Indústria cultural informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000.​

CAMPOS, F. R. G. Geografia do futebol das cidades médias brasileiras: relações entre sucesso esportivo e características urbanasTerr@Plural, Ponta Grossa, v.14, p. 1-21, e2013294, 2020.​

DINIZ, C.C. Celso Furtado e o desenvolvimento regional. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 19, n. 2, p. 228-246, maio/ago. 2009.  

GOMES, F. G. Ensaios sobre o subdesenvolvimento e a economia política contemporânea. São Paulo: Hucitec, 2014.

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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

GONçALVES, José Mateus; SANTOS, Anderson David Gomes dos. Interseções entre Indústria Cultural, desenvolvimento regional e futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 180, n. 5, 2024.
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