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Jornalismo x Publicidade: O Clássico do Esporte Contemporâneo (parte 2)

Umberto Alves Ferretti 5 de abril de 2010

Segundo Tempo – A Publicidade contra-ataca

O mercado publicitário seria, então, o que estraga o jornalismo esportivo no País? Absolutamente não. Recentemente, ouvi um dos maiores ícones da propaganda e da mídia brasileiras, o polivalente e multimídia Milton Neves, defensor assíduo do mercado publicitário no que tange o esporte, proferir, em seu programa dominical na Rádio Bandeirantes, a seguinte frase (que confesso, não sei se foi criada pelo próprio):

Se o Jornalismo odeia tanto a Publicidade, que viva sem ela.

É fato. A imprensa no Brasil, seja a esportiva ou qualquer outra, não é auto-sustentável. Quer dizer que depende, e muito, de seus anunciantes.

De 1964 a 1985, os brasileiros viveram os chamados Anos de Chumbo. Após um golpe militar que destituiu o então presidente da República, João Goulart, teve início o período de Ditadura, marcado, entre outras coisas, pela repressão à impressa, com destaque para o emblemático caso Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, que teria sido torturado e morto por homens do Departamento de Operações Internas (DOI), em 1975, como forma de findar a luta dele contra o regime.

Na verdade, algumas correntes defendem o fim da Ditadura a partir de 1989, com a promulgação da Constituição Federal. Vamos, então, tomar essa data como referência. Quem imaginaria que 20 anos após o fim do período de repressão militar, a imprensa mudaria tanto? A informação, até então restrita a poucos e absolutamente parcial e manipulada, hoje, está ao alcance de todos. A televisão se faz presente em praticamente todos os lares brasileiros. O rádio, então, mesmo o de pilha, nem se fala. O telefone celular também. Determinadas empresas e/ou veículos de comunicação já investem em conteúdo exclusivo para os mobiles e cerca de seis milhões de residências já contam com serviços de TV por assinatura. Além disso, jornais como o internacional Metro e o Destak, distribuídos gratuitamente pelas ruas das grandes cidades, colocam a informação ao alcance de todos.
Perante tais argumentos, surge uma nova questão: tamanha democratização da informação seria possível sem os anunciantes? Hoje, mais que ler determinada matéria, o público pode assistir ou ouvir a entrevista da fonte na íntegra, através da internet, o que permite, em muitos casos, ter uma opinião própria, fugindo de uma provável edição tendenciosa por parte do autor da matéria.

É claro que a recente revolução tecnológica, que transcende os limites midiaticos, ajudou, mas o fato é que, hoje, quando se fala em disseminação da informação, não há mais fronteiras de tempo e espaço. Veio a interatividade, pela qual telespectadores de um canal de TV podem escolher o que assistir em determinado horário, votando pela internet. Com as redes sociais, o público ganhou voz e passou a ter direito de opinar e de discutir sobre quaisquer temas, algo que também seria impossível se não existissem os financiadores desses avanços.

E a tradicional e supervalorizada Copa Libertadores da América? Sua realização seria viável se não fossem os patrocínios de Toyota, durante muitos anos, e Santander, atualmente?

Quanto aos clubes de futebol, quase não há o que ser discutido. Reclama-se da política de concessão e exercício dos direitos de TV e do sucateamento das camisas dos times. Mas, sem esse dinheiro, as dívidas astronômicas de Flamengo, Botafogo e Fluminense (R$ 180, R$ 160 e R$ 150 milhões, respectivamente)¹, talvez fossem ainda maiores. E, no atual cenário do futebol brasileiro, com clubes falidos e a chamada Lei Pelé, que pode inibir investimentos em categorias de base (esta que, em tese, poderia ser uma das principais fontes de renda dos clubes: a formação e a venda de jogadores), é difícil imaginar a sobrevivência das agremiações sem o dinheiro nelas injetado pelo marketing esportivo.

Este transcendeu os limites das placas de publicidade ao redor dos campos de jogo e do patrocínio de camisa, e atingiu o patrocínio de calção, a venda de produtos licenciados, os programas de sócio-torcedor (ainda pouco explorados no Brasil, exceto o do Internacional de Porto Alegre, mas que fazem sucesso na Europa), a venda de parte do gramado de um estádio a ser reformado ou até de um espaço para a foto do torcedor na camisa do time, como feito recentemente pelo Corinthians.

Por falar em Corinthians, a contratação de Ronaldo, o “Fenômeno”, no final de 2008, pelo time de Parque São Jorge, viabilizada graças a um modelo administrativo que talvez tenha previsto um retorno maior através da imagem do craque do que de vitórias da equipe dentro de campo, confirma o quanto o marketing é fundamental, também, para os grandes times.

Se trás (ou se trará) retorno financeiro para o clube, ainda é difícil saber, mas sabe-se que o retorno de imagem já atingido é algo incalculável e que, dento de campo, foram dois títulos, de três disputados (Campeonato Paulista e Copa do Brasil de 2009).
1 Dados de 2007, segundo o site Globoesporte.com

Prorrogação
Temos, então, argumentos que privilegiam o jornalismo ao marketing esportivo e vice-versa. Mas aproveito esse espaço para transcender as fronteiras esportivas, midiaticas e comerciais dessa discussão e ingressar no âmbito social. É categórico afirmar que o esporte, seja qual for, se consolidou, ao longo dos anos, como um dos principais instrumentos de inclusão social no Brasil. Na periferia e demais regiões urbanas e rurais regidas pela miséria, é umas das formas pela qual crianças idealizam uma vida melhor para si e para seus familiares, e também um dos mecanismos mais eficientes para afastar jovens da criminalidade.

Caberia, então, ao governo, promovê-lo. Certo? Sim, mas imaginar que em um Estado falido, seja por falta de vontade ou de caráter dos políticos, projetos de inclusão social embasados no esporte (ou em qualquer outra área) teriam sucesso, sem a ajuda da iniciativa privada, seria utopia – já que mesmo em países desenvolvidos, Estado e mercado costumam trabalhar em parceria por ideais comuns.

Vide a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A realização de tais eventos no Brasil só será viabilizada se a iniciativa privada, focada em obter um retorno de imagem (e também financeiro) através do patrocínio, abraçar a causa. Caso contrário, será o maior vexame do esporte mundial em todos os tempos, uma vez que o governo brasileiro, por si só, jamais teria condições de promover uma Copa ou uma Olimpíadas.

No âmbito social, podemos dizer que o jornalismo esportivo pelo menos tenta fazer sua parte. Engajado na luta pela audiência – que, ao invés de elevar, pode baixar o nível de qualidade de um programa de TV, por exemplo, tornando-o sensacionalista – ou não, divulga, com frequência, histórias vitoriosas de grandes nomes do esporte que começaram de baixo, correndo na rua, jogando na quadra da escola, no campinho da esquina, etc.

Com isso, o jornalismo, seja o esportivo ou não, mostra a realidade de um País a ponto de chamar a atenção do Estado e da iniciativa privada para onde estão os problemas, e, por vezes, cobra soluções.  E essa cobrança, desde que não se torne instrumento de manipulação política ou ideológica, é um dos regentes desta profissão. Deixando os governos de lado, uma vez que a discussão aqui não é política, mas lembrando o que foi dito acima: que este, por vezes, precisa do auxílio da iniciativa privada, acrescento, ainda, que, não raramente, grandes nomes da imprensa criticam abertamente os empresários pela falta de responsabilidade social e por focarem apenas o lucro e não o bem estar da sociedade na qual atuam. Quando em um Pan-Americano um atleta brasileiro até então desconhecido chama a atenção e, mesmo sem nunca ter tido apoio algum, fatura medalhas e promove o País, membros da imprensa não perdem a oportunidade de criticar a ausência de patrocinadores e de questionar: “como ele não foi descoberto antes”? Ponto para o jornalismo.

Porém, tem-se aí uma contradição: caso o mesmo atleta apareça na Olimpíadas seguinte usando o boné ou a camiseta de algum patrocinador, qual será a postura da imprensa? Há um tempo, em entrevistas coletivas de clubes de futebol, por exemplo, programas de TV passaram a dar o chamado closed no rosto do atleta, para não exibir as marcas expostas no backdrop atrás dele. Alguns clubes decidiram, então, estampá-las no microfone, ou se utilizarem de alguma mídia alternativa. Foi aí que, em determinadas reportagens, câmeras passaram a focalizar o local da entrevista de longe, mostrando o teto da sala de imprensa, a mesa onde o jogador se senta, etc, enfim, provavelmente para dificultar a percepção do telespectador em relação aos logotipos expostos no backdrop.

Assim, surge mais uma pergunta: não teria, o patrocinador de um atleta ou clube, o direito de ter sua marca exposta? Se televisão, rádio, revista, internet, jornal ou qualquer outra mídia via de regra não dão espaço para tais patrocinadores, teriam, os jornalistas, autoridade moral para criticar a falta de investimentos no esporte? Não deveria, a imprensa, dizer “Copa Santander Libertadores”, ao invés de apenas “Copa Libertadores”? É claro que, muitas vezes, os investidores focam o lucro e promover inclusão social e o auxílio a atletas, principalmente os que vêm da periferia, acabam sendo consequência, mas, nesse caso, me parece ser ponto para a publicidade.

Enfim, com tais argumentos, creio que atinge-se aqui o objetivo desse artigo, que não é criar novos modelos de gestão a fim de resolver tais problemas, mas mostrar que o esporte é mais que uma atividade física, um segmento econômico ou uma editoria jornalística. Há, também, uma dimensão social complexa e todas essas relações ainda foram pouco exploradas pelo jornalismo e pela publicidade, até pelo surgimento de novas mídias. Ou seja, por mais que haja cases de sucesso, as formas como imprensa e mercado publicitário lidam com o esporte, principalmente o futebol, e se relacionam entre si, têm muito a evoluir, mas para que as duas áreas não se “autodestruam”, é necessário um esforço intelectual em conjunto, até porque, queira ou não, jornalismo e publicidade dependem um do outro. E ponto final.

Referências Bibliográficas
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Como citar

FERRETTI, Umberto Alves. Jornalismo x Publicidade: O Clássico do Esporte Contemporâneo (parte 2). Ludopédio, São Paulo, v. 10, n. 2, 2010.
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