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O Atlético na Libertadores: el Minero nas Ilhas “Galópagos”

Equador, abril de 2016

Ele foi pro Equador pra assistir ao jogo do Atlético Mineiro pela quinta rodada da Libertadores contra o Independiente del Valle, em Sangolquí, região metropolitana de Quito. Acordou na madrugada de domingo, anterior ao jogo, e… enfrentou uma longa viagem CNF-GIG-PTY-UIO. Desta vez, jurou pra si mesmo que não levaria consigo livros relacionados ao seu trabalho – ele é professor de educação física –, e nem sobre literatura que tematize o futebol, leitura predileta porque ama esse esporte e considera que nessa interação há nuanças que somente as lentes da literatura conseguem captar. Ele tem interesses diversificados, gosta de psicologia, de biomecânica, sexologia, de química, de literatura, de música, de cozinhar. Aos poucos, tem deixado de ser somente diletante das artes literárias. Ele tem escrito. Ele tem escrito muito. Além do cuidado diário com o corpo, ele tem escrito quando viaja, ou tão-só tem engendrado vozes e imagens na cabeça. Férias e feriados, ele viaja pra escrever, não pretendendo com isso deixar de ser amador – ele não pensa em publicar. Para viagem, ele levou um autor que nunca tinha lido, ele foi acompanhado do Caio Fernando Abreu.

Na segunda-feira, acordou em outro país, no limite entre os hemisférios norte e sul, por conta da imaginária linha do equador. Entretanto, só percebeu isso à mesa do café do hotel.

– ¿Buenos días señor, quieres huevo rivuelto? 

Recobriu-se; comeu os ovos; leu brevemente as principais notícias dos jornais –  “Independiente es Ecuador hoy en la Libertadores contra El Minero”. Em seguida, foi para o subúrbio de Quito pra comprar os ingressos do jogo no meio da semana às 19h:45. Andou o dia todo pela pequenita cidade, esteve atrás de comida típica, a crioula. Caminhou feito um maluco sem saber muito bem pra onde ir, estava confuso, estava com sono. Não sabia se voltava pro hotel. Anotava tudo. – “somos feitos para explorar outras geografias / EXPLORAR limites do/no corpo”. Desta vez, ele levou um caderno (misto de diário de campo com diário pessoal) e canetas para concretizar pensamentos na folha. Passou a se concentrar mais nos detalhes das dobras da viagem (do jogo). “Escrever. Escrever muito. Talvez, em algum instante, consiga sintetizar tudo num gol”, imaginava.

Ele vinha arquitetando um metatexto que incorporasse o futebol. Nele, a ambiguidade dos sujeitos da trama seria muito bem-vinda, mas ao mesmo tempo identificaríamos o estilo dos personagens futebolísticos perfilando-se visivelmente por detrás do campo textual. E pensou que gostaria de escrever como o Toninho Cerezo jogava: pelo meio, entre as duas intermediárias, com escapadas surpreendentes por todo o campo, como um peladeiro, mas com muita dinâmica tática, leveza, criatividade e fôlego. Por vezes, quando era preciso se defender, plantava-se na cabeça-de-área, como um jogador de botão.

Ao mesmo tempo, o nosso professor queria escrever também como o Éder, atacando impetuosamente pela margem esquerda do campo a enunciar poemas. Em dias inspirados, com domínio de bola fora do comum, o ponta-esquerda chamava o jogo pra si e ditava o ritmo da partida: uma aceleração e desaceleração desconcertantes ao longo de todo o jogo. Enunciava passes rápidos e curtos, cruzamentos e lançamentos pontuais. O “Canhão” ainda acertava chutes inesperados e violentos de longa distância em direção à meta. Por conta de seu modo excêntrico, desentranhava com esforço cavalar algo informe do caos que se traduzia por meio da evocação da massa a gritar: “ÉDER, DOIDÃO, O TERROR DO MINEIRÃO”. Ou escreveria como o capitão Léo Silva, da defesa, mas indo ao ataque e metendo cabeçadas pra dentro de vez em quando? Ou ainda mais atrás, posicionando-se como o goleiro Victor…?, apresentando certa discrição entrecortada por aparições monstruosas durante os desafios.

Aproveitou que já estava em Sangolquí e resolveu visitar o estádio onde o Atlético se exibiria. Por pura sorte, abiscoitou o treino de seu time no meio da tarde. De cara, ele viu o Robinho e pensou: “esse cara não tá em perfeitas condições de jogo, prefiro entrar com três volantes, prefiro o Donizete em seu lugar; aquele touro ali, ó, tem mais pegada pra esse jogo”, pensava ao cruzar seu olhos com os olhos do jogador. E constatou: “que gramado terrível, como a federação permite partidas aqui?, com certeza só beneficiará o time da casa e não custaria nada eles irem jogar na capital”. Anotou: “Estádio Rumiñahui, capacidade baixíssima: sete mil lugares”. Gritou, cantou o hino juntamente com os quarenta torcedores que estavam ali pelo mesmo motivo meio-sem-sentido. Pensou: “será que o pessoal do Galo tá em todo lugar?”. E anotou: “Nas Ilhas Galápagos não há atleticanos”.

Foi embora antes do treino acabar. Antes de anoitecer, comeu milho cozido no centro de Quito. Foi praticamente abduzido por uma loja de turismo ao ir em direção ao hotel.

– Señor, hay un vuelo directo hoy que sale a las ocho y llega a Baltra a las diez, en media hora estará en el destino deseado. El vuelo de regreso es… jueves, jueves, señor, a las dos.

Ele, agora, está embarcando para as Ilhas Galápagos. Ele só havia perguntado, por pura curiosidade, como chegar em Puerto Ayora, a ilha mais povoada do arquipélago. Ele escreve do avião: “Hoje é segunda-feira, LUNES, e, eu juro, saberei para siempre los nombres de los días de la semana en la lengua hermana (pqp) _________, LUNES, MARTES, MIÉRCOLES, JUEVES, VIERNES. Eu, agora, estou dentro de uma aeronave, sobrevoando o oceano pacífico, indo pra Galápagos. agora / pela janela do avião vejo como tudo é mínimo / lá em baixo – quando a oriente da loucura / a mão cinzenta perdura no rosto / daqueles que sonolentos viajam dentro / deste pequeno túmulo de serenidade – anotou de um trecho que lia – TENHO PAVOR DE AVIÃO, MAS CONFESSO QUE SERIA A MELHOR DE TODAS AS MORTES, me parece.

“Eu passei o cartão de crédito, precipitadamente, agora percebo, para adquirir o mega-pacote-promocional Galápagos: tres días e tres noches en la isla con los animales nunca vistos”. O voo de volta seria somente na quinta-feira, um dia após o jogo do Atlético. Ele perderia o ingresso. Ele passou no hotel correndo pra acertar a conta e pegar a bagagem. Ele se confundiu. Ele percebeu, somente no hotel, que havia comprado a passagem de volta somente para o dia posterior ao jogo. Ele foi ao aeroporto para devolver a passagem.

– No, no hay posibilidad, señor. Tarifa promocional no hay ninguna posibilidad de cambio. El avión ya está cerrando las puertas… última llamada… se embarca, señor?

Ele chegou em Baltra, tomou um táxi. “Sim, há carros em Galápagos, não estou sozinho, ilhado. TUDO É MAR”, pensou-escrevendo. E chegou em uma pousada em Puerto Ayora. Já era martes, ele foi procurar alguma coisa pra comer. Ao andar pelas ruas da vila de dezoito mil habitantes, ele ouviu tocar um eletrônico ao longe, “é claro, caralho, é a música 1000 friends do Digitaria”. Escreveu: “Digitaria emana o ritmo que mais faz vibrar o meu corpo [ondas no pacífico]. Lembra-se daquele dia a gente dançando pra caramba? (desculpa, cara, mas se eu não te tocar agora vou perder toda a naturalidade, você dizia). _________________ e mando um recado pra você nas entrelinhas dos meus textos de futebol”.

Tartaruga em Galópagoszoo-003
Foto: João Castilho (IMS).

Ele manda recados para alguém em seus textos sobre futebol. Ele chegou a Quito saindo de Belo Horizonte, passando pelo Rio e pelo Panamá. Ahora se encuentra en Puerto Ayora. Ele chegou num bar que toca música eletrônica e o DJ era de Belo Horizonte. Sim, havia atleticanos nas Ilhas Galápagos. E mais: havia uma torcida organizada do Atlético: a GALÓPAGOS. Haveria transmissão do jogo do Atlético naquela tenda MIÉRCOLES à noite. Já nessa altura, apenas prestou atenção na escalação de seu time pra desenhar, durante as próximas duas horas de jogo, o bailado em sua cabeça (Uilson; Marcos Rocha, Erazo, Léo Silva e Douglas Santos; Rafael Carioca, Júnior Urso e Cazares; Luan, Pratto e Robinho). Ele pouco olhou pro telão – transmissão, obviamente, equatoriana. No bar, onde sempre eram exibidos os jogos da equipe mineira, havia treze atleticanos nativos de Minas, mais outros simpatizantes nativos da ilha. Foi tudo muito inesperado, foi tudo muito divertido. O nosso professor de educação física tentava ouvir a rádio Itatiaia e raríssimas vezes aparecia o sinal. E comentou ao final em seu caderno: “é melhor nem comentar / este é um jogo que deveria ser apagado da história (ou aprenderemos muito com ele?)”. Abaixo: “acordei com a camisa do Emelec, abraçado a uma tartaruga na Ilha de Galápagos”.

Mais ao lado, ele escreveu: “o Marcos Rocha é foda / quero escrever sempre lateralmente”. O resto eu não vou contar. Ele te conta ao vivo. Ele acordou / VIERNES / pela manhã, já em Quito, e se lembrou do sonho que teve e anotou: “sonhei que o nosso Marcelo Oliveira assinou com o Galo para treiná-lo por dois anos, sem qualquer possibilidade de rescisão”. Torço demais pra que o Galo goleie o Melgar na semana que vem e esteja pelo menos entre os quatro melhores classificados, caso o resultado seja adverso, o Aguirre cai.

Eu e o professor estaremos lá.

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Gustavo Cerqueira Guimarães

Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG. É graduado em Psicologia e Letras pela PUC-Minas. Autor dos livros de poesia Língua (2004) e Guerra lírica (no prelo). Coorganizou os livros Futebol: fato social total (2020) e Problemáticas e solucionáticas do futebol em Minas Gerais (no prelo). Desenvolveu pesquisas sobre futebol e artes no pós-doutorado na Faculdade de Letras da UFMG (PNPD-CAPES, 2013-2018) e no Leitorado Guimarães Rosa em Maputo/Moçambique (2019-2023). Atualmente, atua na Secretaria Municipal de Educação de Lajinha/MG e como vice-líder do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, como coeditor-chefe da FuLiA/UFMG (https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/issue/archive).  

Como citar

GUIMARãES, Gustavo Cerqueira. O Atlético na Libertadores: el Minero nas Ilhas “Galópagos”. Ludopédio, São Paulo, v. 82, n. 4, 2016.
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