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O FC Barcelona: més que un club

Victor de Leonardo Figols 28 de fevereiro de 2012

No dia 17 de janeiro de 1968 Narcís de Carreras assumiu a presidência do FC Barcelona, e em seu discurso de posse proferiu a frase Barça, més que un club. Na época, a frase explicitava que o clube ultrapassava o terreno futebolístico, atingindo o âmbito sócio-político. A frase demonstrava o posicionamento político do clube, e assim um sentimento comum do clube e de seus torcedores.

Discurso de posse de Narcís de Carreras – 17 de janeiro de 1968 (reprodução).

A frase de Carreras representava tanto o sentimento do clube de se opor ao regime franquista, assim como o sentimento nacional da Catalunha que o FC Barcelona carregava desde sua fundação em 1899. Mais do que expressão do barcelonismo, a frase trazia consigo o catalanismo.

Se o FC Barcelona adquiriu significados sócio-políticos durante e depois da Guerra Civil Espanhola, foi durante a ditadura de Francisco Franco que o clube ganhou o stauts de equipe nacional da Catalunha. Carreras sabia da dimensão extra futebolística do Barça e empregou a frase nesse sentido.

Em 1969 Agustí Montal i Costa venceu a disputa presidencial, substituindo Carreras, quatro anos depois se reelegeu usando més que un club como slogan de sua campanha. Em 1973 a frase apareceu no jornal La Vanguardia Española, todavia não carregava a idéia inicial atribuída por Carreras, na verdade foi usada para promover um jogo amistoso entre Seleção da Europa e Seleção da América no Camp Nou.

La Vanguardia (Hemeroteca) – 30 de outubro de 1973 (reprodução)

No dia 17 de fevereiro 1974, o FC Barcelona foi ao Santiago Bernabéu enfrentar o Real Madrid pelo campeonato espanhol. O Barça ganhou de 5 a 0 do Real. A vitória saiu do âmbito esportivo e tomou forma no terreno político, isto é, o clube periférico e separatista havia ganhado do clube franquista, configurando, assim, a vingança – mesmo que simbólica – do mais fraco (a Catalunha) contra o mais forte (o regime de Franco).

No mesmo ano do 5-0 o Barcelona já contava com a presença do jogador de Johan Cruyff. Vale lembrar que a imagem de Cruyff refletia o FC Barcelona e a Catalunha, o holandês se identificou com o clube e com a região. Deste modo é possível dizer que Cruyff colaborou para intensificar ou renovar o catalanismo.

A temporada 1973-1974 foi especial para o Barcelona, além dos 5-0 sobre o maior rival, o clube conquistou a Liga Espanhola com cinco jogos de antecedência, após ter passado 14 anos na fila. Este título fez parte das comemorações dos 75 anos de existência do clube. Deste modo, a frase “Barça, més que un club” ganhou um novo impulso – e novos significados – nesse período.

É importante lembrar que 1974 o franquismo estava enfraquecido, assim como a saúde do Generalíssimo, a Espanha vivia um momento de abertura política. Um ano depois, com a morte de Franco, iniciava-se o processo de democratização na Espanha.

Em 1999, a Espanha vivia um momento político distinto daqueles anos de Franco no poder. A democracia já estava consolidada na Espanha, o país já fazia parte da Comunidade Européia, e a região da Catalunha já era reconhecida como uma Comunidade Autônoma. Nesse ano o FC Barcelona comemorava 100 anos de vida.

As comemorações do centenário do Barça começaram em 1998 e duraram até o final de 1999. Entre os eventos comemorativos estava a disputa de eventos esportivos, como por exemplo, um jogo amistoso com a Seleção do Brasil. Estava previsto também a realização de eventos culturais que promovessem a cultura catalã.

Em seu centenário, o que fazia o FC Barcelona ser més que un club era esta aproximação do clube com a identidade nacional da Catalunha e a promoção da cultura da região. Além disso, era de se orgulhar de ter chegado aos 100 anos sem nunca ter tido um patrocinador em sua camisa, e de ser mantido pelos seus sócio-torcedores. Nesse período a frase já era o slogan do clube.

Atualmente, a frase més que un club é o slogan mais conhecido do Barça. A frase estampa desde chaveiros, passando por camisetas e chegando ao Estádio Camp Nou.

Estádio Camp Nou. Foto: Giovana Capucim e Silva.

Segundo o FC Barcelona, o que o faz ser més que un club é defender a cultura e a língua catalã, atuando como um embaixador Catalunha nos lugares que passa. O Barça faz trabalhos sociais ao redor do mundo, principalmente com crianças. Em 2006, assinou um acordo com a UNICEF para estampar a camisa time, pela primeira vez o Barça aceitava uma “marca” na sua camisa, todavia é importante ressaltar que o FC Barecelona pagava a UNICEF para divulgar a fundação. Em outras palavras, o Barça era o patrocinador da UNICEF.

Em 2010, o Barça anunciou a Qatar Foundation como patrocinador para sua camisa, a ONG trabalha para melhorar a educação e o desenvolvimento científico. O FC Barcelona foi o último time da Espanha a receber patrocínio na camisa, aliás, o patrocinador mais caro do futebol mundial, cerca de 165 milhões de euros, divididos em 5 temporadas. É necessário destacar que o patrocinador mais caro do futebol não é de uma empresa multinacional, mas sim de uma ONG, um fato estranho e a origem do dinheiro deve ser no mínimo questionada.

Os trabalhos sociais do clube a partir da Fundação FC Barcelona, que desde 2006 trabalha em conjunto com a UNICEF, juntamente com patrocínios e acordos com ONGs e fundações fazem do Barça més que un club. Há que considerar, no entanto, que esta imagem de politicamente correto diz respeito ao enraizamento do clube em uma nova versão do capitalismo bem em moda no final do século XX. Deste modo, é possível dizer que o FC Barcelona se apresenta no meio futebolístico como um produto diferenciado dentro e fora dos campos, e a frase é aplicada como slogan nesse sentido.

Para os torcedores, nas últimas temporadas, ser més que un club é torcer pelo clube que representa a Catalunha, é vencer o Real Madrid de goleada, é ser o melhor time do mundo com o melhor jogador e melhor técnico, ambos eleitos pela FIFA, é jogar bonito e ensinar o mundo a jogar futebol. Mas do ponto de vista da sobrevivência econômica do clube há muitas outras dimensões que precisam ser aprofundadas, especialmente se considerarmos que o grande número de adeptos que o clube tem no mundo tem pouca intimidade com as questões relativas à identidade catalã. Para muitos adeptos, o simples fato do FC Barcelona apresentar um futebol diferenciado já o torna més que un club.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. O FC Barcelona: més que un club. Ludopédio, São Paulo, v. 32, n. 8, 2012.
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